Midiatização: aproximações sobre a lógica algorítmica da web (2014)

June 3, 2017 | Autor: Edu Jacques | Categoria: Midiatização, Big Data
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Midiatização: aproximações sobre a lógica algorítmica da web1

Edu Jacques Filho

1. Introdução

O desenvolvimento deste trabalho está associado às questões levantadas durante a disciplina Midiatização, Sociedade e Sentido (2014/1). Os tópicos debatidos aqui se propõem a analisar os textos lidos sob a perspectiva de um ponto específico, a saber, a associação entre algoritmos e midiatização. Pesa sobre a escolha do primeiro item a discussão iniciada em um dos encontros, deixando clara a deficiência de problematização sobre um processo corriqueiro na experiência da web dos anos 2000. Ademais, o tema incluído na Tese, a prática de edição de games efetuadas por amadores em rede, tem intersecções com o estabelecimento de um conhecimento orientado por algoritmos. A seguir, o artigo passa a discorrer sobre os aspectos elementares da midiatização (2) e dos algoritmos (3); para posteriormente desenvolver a problematização desse sistema complexo experimentado pelos atores com acesso à Internet. Nossa hipótese considera que o algoritmo, consolidado devido ao acúmulo de conteúdo decorrente das novas práticas de produção na web, ocupa um papel doravante central na experiência em redes digitais, configurando-se como uma nova modalidade de gatekeeper.

2. Midiatização e Sociedade

Os sintomas de uma transição no modo de ser da sociedade fizeram-se sentir com maior ímpeto a partir da década de 1990. O aperfeiçoamento de uma infraestrutura 1

Artigo submetido para avaliação na disciplina de Midiatização, Sociedade e Sentido, do PPG em Ciências da Comunicação, Unisinos, 2014.

técnica e social, originalmente destinada ao uso militar do Departamento de Defesa dos EUA (LADEIRA, 2013), permitiu que usuários domésticos acessassem uma rede de computadores desde casa. Todavia, é importante ressaltar que essa emergência foi antecipada nos países industrializados, que cristalizaram um modelo de negócios para o serviço. Essa inovação trivial do ponto de vista da oferta capitalista, no entanto, forneceu uma reviravolta social e epistemológica fundamental para os pesquisadores atuantes nas décadas seguintes. Ainda que as “humanidades” tenham tardado a reconhecer o potencial das ferramentas a disposição (veremos no item 3.2.) os analistas mais entusiasmados perceberam, através desse dispositivo ainda desregulamentado, o poder de reconfigurar uma esfera pública desacreditada (GEIGER, 2009). A internet tornou-se assim, nos anos ulteriores, inclusive nos países em desenvolvimento, o produto propaganda de uma sociedade interconectada. Concebe-se então a partir dela a reflexão sobre um novo modo de ser no mundo, constituído por uma Ciberesfera (GOMES, 2011). Mas a ideia de uma esfera revestida de ampla relevância na vida em sociedade merece ser matizada. Qual a particularidade desse paradigma sobre a referência que o antecedeu? Entendida como próximo modelo interacional de referência (BRAGA, 2006), a Internet representa um paradigma de impacto similar ao verificado com relação à escrita. Ela está na base do fenômeno comunicativo que entendemos por midiatização. Examinemos a questão. A mudança estabelecida aí não toca apenas a preferência por um tipo de interação em detrimento de outro, mas o próprio princípio de organização social orienta-se a partir dessa relação, eminentemente comunicacional. Isso não significa entender que a midiatização ou a Internet, conceito tomado à guisa de introdução ao tema, representem processos acabados. Pelo contrário, a web2 surgida há duas décadas era qualitativamente distinta do que temos observado na atualidade. Do mesmo modo, a midiatização sequer firmou-se em fundamentos consistentes para que pudéssemos retratá-la. Embora a linha de pesquisa IV vinculada ao PPG da Unisinos tenha desenvolvido uma leitura própria do conceito, as pistas deixadas pela midiatização são percebidas de modo similar por outros analistas. Podemos comparar a constatação de Braga (2012) quanto ao atravessamento dos campos sociais por uma lógica midiatizada, 2

Web é um dos protocolos de acesso à Internet. De World Wide Web.

que reduz a autonomia relativa desses microuniversos; à visão do autor norueguês Hjarvard (2012), que apresenta o operador midiatização tomando por base o estabelecimento de uma instituição dos mídias que sobrescreve as demais esferas sociais. “O conceito de midiatização é aplicado exclusivamente à situação histórica em que a mídia alcançou de uma vez autonomia como instituição social e está interligada de maneira crucial ao funcionamento de outras instituições” (p. 8). Dessa concepção, a mídia, em vez de ser apresentada por um esquema de campos sociais, é descrita pela terminologia de Giddens, de “estrutura e ação”. De todo modo, a continuidade desse processo iniciado pela Internet incidiu sobre a própria autoimagem da sociedade. Característica do movimento de implantação de novas tecnologias, os empregos dados aos dispositivos conduziram a uma atividade entendida como “invenção social” (BRAGA, 2006), resultante da decalagem existente entre a concepção original e os sentidos que os usuários lhe concedem. A aceitação desses dispositivos engendrou um processo subsequente, atribuído a uma ontologia da midiatização, de busca por novas tecnologias, interessadas na produção do capital específico desse paradigma, a circulação. Com relação à midiatização apresentam-se indagações provisórias ao pesquisador, sobretudo no que concernem concepções clássicas de produção/recepção. Uma epistemologia sustentada pela pergunta é a base necessária de compreensão desse fenômeno, marcado pela incompletude, característica de um processo de longa duração recém sentido.

2.1. Emergência da circulação

A história do campo de estudos em Comunicação concedeu desde o início do século XX papel privilegiado aos processos de produção/recepção. Essas etapas do ato comunicacional conduziram as pesquisas que ora se preocuparam com os efeitos da exposição aos meios de comunicação de massa, ora com o contexto de recepção do público, analisado a partir do conceito de mediações (BRAGA, 2012).

Contudo, a amplitude dos fenômenos comunicacionais correntes não pode ignorar a constatação de que as mensagens veiculadas têm disposições que os polos tradicionais não podem explicar satisfatoriamente. Dessa problemática reaviva-se o sentido da circulação. Mais do que componente intermediário entre emissão/recepção, com o advento das redes, a categoria assume a prerrogativa de descrever um “fluxo adiante” (BRAGA, 2006), isto é, a recirculação do conteúdo recebido. A dinâmica em que ocorre essa circulação a posteriori é possibilitada pela formação de circuitos diferidos e difusos 3 . A ideia de um caminho de chegada é contestável, uma vez que a recondução da mensagem pelos circuitos está sempre a atualizar seus sentidos. A própria prática de enfatizarmos a expressão é enfraquecida na Ciberesfera; as demonstrações indicam que os produtos comunicativos tendem a ressaltar, agora, a figura do receptor (BRAGA, 2006). A midiatização é constituída ela mesma por essa arquitetura informacional, em que indivíduos podem suportar simultaneamente as funções de produtor e receptor (FERREIRA, 2013). O projeto de Doutorado apresentado vale-se da concepção de circulação da seguinte maneira: dado um produto cultural específico, o jogo digital, atores com conhecimentos sobre o funcionamento desse objeto eventualmente se engajam na modificação dos seus códigos elementares. Essa prática, chamada de modding, vem atualizar um produto de mercado, o que num paradigma comunicacional anterior seria entendido como desvio ou apropriação. Mas a natureza própria dos circuitos contemporâneos permite recircular essas construções, tornando esses amadores tanto receptores como produtores. Essas edições inevitavelmente partilham de uma geografia comum, os circuitos formados a partir da Internet. Mais detalhadamente, a web 2.0. Para entender essa condição é necessário descrevermos os aspectos singulares do universo em questão.

3. Topologia da web

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Interpretamos a noção de “circuitos” como os vetores que caracterizam a midiatização. São as vias construídas por múltiplos agentes num regime não predeterminado, é dizer, baseados em tentativa e erro. A denominação diferidos e difusos contempla a variedade temática e amplitude de alcance.

O avanço da midiatização trouxe consigo implicações na forma de lidar com dados. Esse problema, do final dos anos 1990, também está associado à configuração da web 2.0. O termo é descrito como uma alteração na dinâmica de organização de conteúdos: do foco nas mensagens passou-se ao foco nas plataformas (MANOVICH, 2012). É dizer, essa descrição abarca os fenômenos em que usuários enviam seu próprio conteúdo (user generated content) aos endereços (plataformas) online. Esse modo de ser surgido há pouco mais de uma década continua a referenciar a experiência na Internet. Com o número crescente de dados, a Internet dilatou-se a patamares em que achar a informação desejada tornou-se um desafio. De fato, como Cardon (2013) constata, a chegada à era do Big Data4 proporcionou uma ruptura maior na oferta de serviços digitais. Essa ampla disponibilidade informacional exigiu que a web desenvolvesse métodos para auxiliar na navegação do usuário. A inserção de algoritmos como agenciadores veio suprir essa necessidade.

3.1. Web algorítmica

A concepção de algoritmo está associada à Matemática. A palavra é derivada do primeiro trabalho conhecido de álgebra, de al-Khwarizmi, no século IX (CHABERT, 1999). A rigor, algoritmo pode ser usado para descrever qualquer procedimento necessário para a consecução de uma tarefa em um número finito de etapas: desde uma receita de bolo a um manual para resolução de um cubo mágico. O campo matemático passou a se interessar pelo tema na primeira metade do séc. XX, quando questões sobre procedimentos ocuparam os debates da época. Entre os pioneiros nessas discussões estava Alan Turing. A popularidade recente dos algoritmos coincidiu com sua introdução na web. A validade deles, portanto, se dá na medida em que conseguem solucionar “problemas” dos usuários. Por outro lado, sua capacidade de resolver as questões depende do acervo a ser consultado. A existência do algoritmo não é justificada em si mesma, essa

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Big Data foi um termo cunhado por cientistas da informação para designar amostras de dados tão difíceis de serem processadas que requerem uma trama de processamento que computadores domésticos não são capazes de fornecer. De outro modo, os cientistas sociais não delimitaram a expressão (MANOVICH, 2011).

tecnologia só “funciona” se agenciar seus resultados de acordo com um banco de dados suficientemente rico. O motor 5 de busca Google é provavelmente o exemplo mais utilizado para descrever o emprego dessa tecnologia 6 . Ao conduzir as pesquisas por critérios de “relevância”, a empresa introduziu um mediador não-humano capaz de lidar com uma quantidade de informações que seriam inapreensíveis para indivíduos isolados. Mas o mérito do serviço, além do algoritmo, está na capacidade da empresa processar milhões de páginas e incorporá-las ao seu banco de dados. Contudo, embora defenda uma suposta objetividade, a estratégia do Google (e de sites que se utilizam do mesmo princípio) de mascarar o código (do algoritmo) original não visa apenas proteger sua reserva de mercado, como também investir-se de uma autoridade e criar valor empresarial. Essa estratégia foi tomada como análoga aos procedimentos do jornalismo, quando este defende sua imparcialidade para ganhar prestígio profissional (GILLESPIE, 2013). Não obstante a defesa de uma objetividade, a re-escrita do PageRank

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é desenvolvida por programadores continuamente; as

exigências empresariais fazem com que o algoritmo seja atualizado até mesmo 600 vezes por ano (MANOVICH, 2013). A capacidade de listar os links baseados no cruzamento de referências com outros sites é tida como uma das razões do sucesso do PageRank. Ademais, surgem questionamentos da operação desse tipo de ferramenta. Tanto os critérios de relevância quanto os de inclusão/exclusão nos cálculos são obscuros. Quesitos como censura (por país, por idade) são omitidos. Ainda, o Google permite que os próprios endereços listados retirem páginas do registro, por exemplo.

3.2. Uma epistemologia emergente?

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A semantização dada pela metáfora do motor, como algo que põe em movimento, transforma o sentido de uma ferramenta elaborada por programadores em um mecanismo que revela os interesses do utilizador, convoca as palavras-chave a falar. 6 Embora estejamos restringindo nosso exemplo ao caso do Google, algoritmos são utilizados na grande massa de sites que trabalham com conteúdo de usuários, como Facebook, Twitter, Youtube, Flickr. 7 PageRank é o nome dado ao algoritmo do Google, assim como EdgeRank é o do Facebook.

Por outro lado, pesquisadores como Latour (2007), Manovich (2012), Gillespie (2013) observam que é intrínseco à experiência midiatizada na web deixar rastros. Mesmo que não preenchamos nenhum formulário, que não cliquemos em qualquer endereço disponível na página, ainda assim estamos sujeitos ao monitoramento. Até nosso percurso registrado pelo mouse pode ser captado. Mas precisamente esta característica de supervigilância é apontada, por Manovich e Latour, como um fundamento promissor para as Ciências Sociais. A possibilidade de obter dados de uma série de indivíduos8 – eventualmente Big Data se o universo for de grande escala – criaria coleções ricas para aferição em estudos sobre software, Internet. Uma observação, todavia, serve para relativizar promessas excessivas. Não há associação direta entre o que a coleta captura, especialmente no que toca às informações sobre redes de socialização online, e o que os utilizadores realmente pensam. Isto é, as ações ainda podem ser qualificadas segundo uma intencionalidade de representar-se para o mundo, que podem ser entendidas como performativas. Essa reviravolta epistemológica permitiu às Ciências Sociais sonharem com graus de precisão tais quais são protocolares nas áreas da “natureza” (LATOUR, 2007). Essa disponibilidade dos dados, aliás, será tomada não só como acesso àquelas informações típicas da consulta do sociólogo, mas dos indícios que a psicologia utiliza em suas avaliações. A Internet traz à tona tanto “fatos” quanto “opiniões”. Reitera-se que a sugestão para “seguirmos os usuários” (MANOVICH, 2012) não compete com as operações do etnólogo que acompanha os atores sociais. Assumese que ambos os métodos conferem luz a processos específicos e complementares. A visualização por software indicará comportamentos que a análise etnológica não perceberá e assim inversamente. O desafio, contudo, residiria em como os analistas poderiam analisar tais materiais. Diante de uma proposta que envolve conhecimentos de computação, poucos seriam os profissionais capacitados. A indicação de Manovich (2012) não poderia ser limitada a apenas uma leitura de superfície dos softwares, necessitaria de iniciação em

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Excluímos dessa hipótese, obviamente, a questão sobre a privacidade dos usuários. Problema não só com relação aos trabalhos acadêmicos, mas também com as ações de sites que coletam informações individuais.

códigos de programação, pois há minúcias que apenas a observação da experiência dos usuários seria incapaz de perceber.

4. Midiatização na Internet

A caracterização dos circuitos e dos algoritmos qualifica a problematização sobre dois aspectos. Primeiro, aprofunda-se a concepção sobre um cenário comunicacional que atribui à circulação um valor analítico. Segundo, com uma breve descrição sobre os algoritmos em meio à web 2.0, revelam-se complexidades que interessam às pesquisas sobre socialização em redes digitais. Nossa proposta então é fazer dialogar esses operadores, tanto os estudados no decorrer da disciplina quanto aqueles elencados a partir de nosso próprio projeto. Diz Ferreira (2013) que estudar a circulação é produzir inferências a partir de usos e práticas dos dispositivos midiáticos. Pois bem, ao revelar as lógicas adjacentes aos usos de serviços com grande número de inscritos pretendemos contribuir não só sobre o projeto apresentado, mas sobre o conjunto de estudos em midiatização.

4.1. Circuitos algorítmicos

Se, em conformidade com o início de nosso texto, assumirmos a internet como o elemento básico de uma sociedade em midiatização, podemos inferir sobre as consequências que a ascensão de uma web povoada por algoritmos pode produzir. Os usuários que se envolvem em redes nas quais há user generated content são inevitavelmente atravessados pela lógica dessas ferramentas. Tomemos o Facebook e os inúmeros circuitos formados a partir dele. Os critérios para exibição e circulação da mensagem nos são estranhos. Então, como saber se os resultados estão sendo direcionados com outras intenções? A presunção de que os serviços prestados por algoritmos não apresentarão condicionamento por interesses políticos, comerciais é desarrazoada. Lembremos que se trata de uma empresa,

Facebook, que inclusive modificou recentemente seus serviços de informação para que corporações que pagam pela exibição de postagens tivessem maior alcance. David Beer (2009) propõe em seu artigo que a configuração da vida individual pode sofrer o impacto dos algoritmos sobre perspectivas não tão óbvias. O autor sugere que a era de um poder-como-hegemonia estaria concedendo lugar a outra em que a primazia do poder seria exercida horizontalmente, pela força da sugestão de ferramentas como algoritmos. A automação das atividades associadas ao uso dos algoritmos traz essa carga de um poder concedido involuntariamente. Assim a ideia de Castells (2009) sobre a associação das redes com o poder tem um aspecto imprevisto, a organização da inteligência levada a cabo por, em última instância, softwares. É claro que eles fortalecem a força da própria rede. Mas essa razão baseada em rankings e sugestões pode enfraquecer a relação formada por atores humanos. Ou talvez a questão seja justamente de questionar o antropocentrismo nas novas relações.

4.2. Midiatização guiada aos algoritmos

O reconhecimento da “invenção social” como procedimento subsequente ao estabelecimento de novas tecnologias será sentido também em virtude dos algoritmos. Acaso esse redirecionamento será diferente do ocorrido com tecnologias ordinárias? A pergunta repousa na natureza específica dos algoritmos, que são caixas pretas de significado aos usuários. Ao operá-las, não sabemos os mecanismos que nos apresentam os resultados, mas os desfrutamos. A Internet, a despeito de suas linguagens de significação maquínica serem um mistério para o utilizador comum, tem protocolos mais claros quanto a exibição e geração de conteúdo. Com os algoritmos não temos certeza de a quem pertencem (o universo de usuários nas quais as preferências estão baseadas) os resultados calculados em uma determinada exibição. Ao procurar “eleições 2014” no Google recebo respostas tais como listas de candidatos, sites de notícias, Wikipédia e inclusive colunistas políticos.

Como as práticas na web incorporaram a utilização dos mecanismos de busca, a atribuição de valor sobre os agentes sociais passa pela validação dos algoritmos. No campo comercial destacam-se empresas montadas exclusivamente para elevar o ranking de exibição dos contratantes. As empresas de SEO9 deixam claro sua motivação, tal qual uma delas anuncia: “nossa tarefa é colocar seu site no topo do Google (e vender mais)10”. Essas táticas de visibilidade têm também importância social. A visualização de nosso nome entre os primeiros resultados nos motores, a percepção de um assunto preferido entre os trending topics do Twitter, a indicação de um livro conhecido num loja online são situações que conferem aos algoritmos uma validação do nosso ego (GILLESPIE, 2013). O risco de chancelarmos as proposições dos algoritmos traz consigo uma entrega a essa curadoria de conhecimento que muitas vezes pode restringir nossa experiência na Internet como aquilo a que nos habituamos a visualizar. O vício dos resultados apresentados somente a partir das preferências não só limita o acesso a outros conteúdos, como aproxima ou isola os atores de determinados discursos (GILLESPIE, 2013). Suprime-se o conflito, um dos alicerces da vida política. Justamente a transversalidade política dos algoritmos que chama a atenção de alguns pesquisadores. Tomando o debate sobre a esfera pública e a web como tema, Geiger (2009) acaba por discordar tanto da afirmação de Habermas, de que a Internet é fragmentada demais para possibilitar a formação de uma esfera de debate, quanto de pesquisadores que louvam as faculdades agonísticas da tecnologia. O autor encontra o potencial da esfera pública online circunscrito à coordenação dos algoritmos. Isso ocorre porque os mecanismos de agregação, fundamentais para organizar os conteúdos acessíveis, possibilitam a visualização de um macro cenário através de abstrações. Essa característica é perceptível em ferramentas como Youtube, Digg, Technorati. A disposição a ver o todo de um ponto específico é definida por ele como um oligóptico, um dispositivo de monitoramento que, em oposição ao panóptico, permite que se perceba um panorama geral.

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Search Engine Optimization. Conjunto de procedimentos oferecidos com o intuito de aumentar a visibilidade dos conteúdos em mecanismos de busca. 10 Consultado em: .

Entretanto, essa esfera pública oligóptica sacrificaria o mais importante da proposta habermasiana, o processo de desenrolar do debate. Ao apresentar os tópicos por operadores não-humanos, algoritmos, o mesmo processo que amplia a discussão a tolhe do ponto de vista da auto-organização.

5. Considerações

As considerações feitas sobre o paradigma comunicacional no qual ingressamos trazem contribuições em diferentes sentidos. O aspecto central da exposição, no entanto, ressalta a importância cultural de uma modalidade não-humana da experiência midiatizada, o algoritmo. Será possível criticar-nos sobre uma sobrevalorização da dimensão técnica nas interações promovidas na web, mas – para ilustrarmos seu impacto – a utilização dos algoritmos representa a lógica dominante em oito dos dez sites mais acessados do Brasil em jun. 201411. De um momento inicial, da Internet comercial, em que usuários exploravam sites sem se engajar da elaboração de conteúdo, a web 2.0 tornou a criação individual o mote da experiência em rede. Os algoritmos despontam não exclusivamente por causa da necessidade de facilitar o acesso a esses dados não planejados, mas em um cenário pontuado por essas práticas. A complexificação dos algoritmos e a expansão de seus usos (inclusive de predição das intenções) apontam que o software reivindica um posto de gatekeeper digital. Pesa contra essa condição o fato de que suas diversas manifestações não aclaram as formas pelas quais operam (e quanto são fiáveis). A consolidação da web requer um reposicionamento dos pesquisadores. E não apenas daqueles familiarizados com o operador midiatização. Os usos e práticas executados em rede atravessam os circuitos algorítmicos. A proposta de Manovich para acompanharmos os passos dos atores pode fornecer pistas para uma epistemologia capaz de pensar a meta-organização da navegação. Ao se refletir sobre a importância dos circuitos para a caracterização da midiatização, exige-se um exame minucioso dos algoritmos que modulam o debate. 11

Disponível em: . Na listagem elaborada pela empresa, entre os dez primeiros encontram-se 1º/3º Google (duas ocorrências), 2º Facebook, 4º Youtube, 7º Yahoo, 8º Live, 9º Blogspot e 10º Mercado Livre.

“Mais vistos”, “mais comentados”, “trending”, são indicadores relevantes para a midiatização. Precisamente porque direcionam visualizações, diálogos, para questões específicas. Parafraseando Ferreira (2013), então, estudar a circulação é produzir inferências sobre usos e práticas e sua associação com algoritmos nos dispositivos midiáticos. Ainda que as pesquisas com Big Data possam crescer num futuro próximo, análises qualitativas, do tipo sobre desvios e rupturas são preciosas. Mesmo que a experiência continue inevitavelmente baseada em algoritmos, práticas como aquelas de criptografia, de esconder os dados que podem ser rastreados por provedores, envolvem uma questão importante. O surgimento de diversos softwares destinados a “mascarar” a visibilidade do usuário12 evidencia a preocupação de uma parcela do público quanto a seus vestígios. Nosso tema de pesquisa, um desvio efetuado por amadores sobre jogos digitais configura-se igualmente dentro de uma marginalidade midiática. Ainda que não tenha uma ação direta sobre o projeto de pesquisa, o reconhecimento de como se dão os processos de organização dos indivíduos da Internet fornece apontamentos precisos para pensarmos as comunidades de jogadores. Geralmente organizado em fóruns, esse tipo específico de amador possui conhecimentos sobre computação. A proposta de alteração dos códigos de programação em títulos comerciais tem inclusive sido reconhecida como expressão criativa, tanto que alguns jogos digitais têm fomentado formas controladas dessas alterações13.

6. Referências

BEER, David. Power through algorithm? Participatory web cultures and the technological unconscious. New Media & Society, vol. 11, n° 6, pp. 985-1002, 2009. BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Apresentado no grupo de trabalho Comunicação e Sociabilidade, do XV Encontro da Compós, na Unesp, Bauru, São Paulo, em julho de 2006. 12

As promessas de serviços criptografados têm se destacado depois do noticiário sobre vigilância governamental e vazamentos de contas pessoais. Iniciativas populares nesse segmento contemplam o sistema operacional Tails, o navegador Tor e inclusive uma moeda, o Bitcoin. 13 Entre os títulos que oferecem suporte ao user generated content destacamos Arma III.

____. Circuitos versus campos sociais. In: MATOS, Maria Ângela; JANOTTI JUNIOR, Jeder; JACKS, Nilda Aparecida. Mediação e Midiatização: Livro Compós 2012. Salvador/Brasília: UFBA/Compós, 2012, p. 31-52. CARDON, Dominique. Presentation. Politique des algorithmes – Les métriques du web. Réseaux, nº 177, 2013. CASTELLS, Manuel. Comunicação e Poder. Madrid: Alianza Editorial, 2010. CHABERT, Jean-Luc (Org.). A history of algorithms: from the pebble to the microchip. New York: Springer, 1999. FERREIRA, Jairo. Como a circulação direciona dispositivos, indivíduos e instituições? In: BRAGA, José Luiz; et al. Dez perguntas para a produção de conhecimento em comunicação. São Leopoldo: Unisinos, 2013. GEIGER, Stuart. Does Habermas Understand the Internet? The Algorithmic Construction of the Blogo/Public Sphere. Gnovis. A journal of Communication, Culture and Technology, vol. 10, n° 1, 2009. GILLESPIE, Tarleton. The Relevance of Algorithms. In GILLESPIE T., BOCZKOWSKI P., FOOT K. (Orgs.). Media Technologies, Cambridge, MIT Press, 2013. GOMES, Pedro. Da Sociedade dos Mídias à Sociedade da Midiatização. Revista Instituto Humanitas Unisinos [online], n. 357, ano XI, abr 2011. Disponível em: . Último acesso em 30 jul. 2014. HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. Matrizes, São Paulo, ano 5, n. 2, p. 53-91, jan/jun 2012. LADEIRA, João. Produzindo meios, criando mercados: a gênese da internet comercial,

1962-1995.

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. Último acesso em 30 jul. 2014. LATOUR, Bruno. Beware, your imagination leaves digital traces. Times Higher Education Literary Supplement, April 6, 2007. Print. July 15, 2011.

MANOVICH, Lev. The algorithms of our lives. The Chronicle of Higher Education, 16 dez. 2013. Disponível em: . Último acesso em: 30 jul. 2014. ____. How to follow software users. Softwarestudies.com, mar. 2012. Disponível em: . Último acesso em: 30 jul. 2014. ____. Trending: The Promises and the Challenges of Big Social data. In M. K. GOLD (Org.). Debates in the Digital Humanities, Minneapolis, University of Minnesota Press, 2011.

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