Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade

Share Embed


Descrição do Produto

N9 | 2007.2

Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade

Daiana Stasiak Mestranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria. Membro do Grupo de Comunicação Institucional e Organizacional Cnpq. E-mail: [email protected] Eugenia M.R.Barichello Professora do Programa de Pós Graduação em Comunicação da UFSM. Doutora em Comunicação pela UFRJ e Líder do Grupo de Pesquisa Comunicação Institucional e Organizacional - UFSM/CNPq. E-mail: [email protected]

Resumo Este artigo visa discutir como o processo de midiatização traz novas abordagens no que se refere à construção de identidades e culturas e o modo como esses fatores podem interferir nas perspectivas dos estudos do campo da comunicação na sociedade contemporânea. Palavras-chave: Midiatização; Internet; Comunicação e Cultura. Abstract This paper aim to discuss how the mediatization process bring news approaches about the build of identities and cultures and how this factors can to interfere in the perspectives of communications researches in the contemporary society. Keywords: Mediatization; Internet; Communication and Culture. Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

1. Introdução A sociedade contemporânea está imersa em um espaço midiatizado (Sodré, 2002), regido pelas novas tecnologias e moldado pelo virtual, no qual a comunicação centralizada, unidirecional e vertical é transformada, especialmente pela ambiência proporcionada pelas redes digitais. Nesse contexto, a mídia deixa de ser um campo fechado em si, de utilidades apenas instrumentais, e passa à condição de produtora dos sentidos sociais. A Internet tem sido considerada o vetor principal destas alterações, pois, de forma simultânea, instantânea e global, traz a possibilidade de interação em tempo real através dos suportes tecnológicos (computador, telefone, televisão) e dessa forma modifica a questão espaço-temporal, alterando, sobretudo, os modos de sociabilidade.

108

No presente texto, a Internet não será abordada apenas como mídia de convergência técnica (texto, som e imagem) e possibilidades interativas, mas, também, como uma ambiência que transforma as informações na própria experiência, além de servir como parâmetro para as demais mídias, já que os fluxos da Internet estão reestruturando os produtos das mídias tradicionais. Acresce-se ao acima exposto que a fluidez de informações e a interatividade presentes nos processos comunicacionais possibilitados pela ambiência da Internet atualizam a perspectiva de alguns conceitos abordados nos estudos de Comunicação. Este artigo traz considerações acerca das perspectivas de construção dos sujeitos e identidades, em meio à fragmentação trazida pelo grande número de informações e mudanças sociais, também versando sobre as culturas que refazem suas práticas imersas num mundo globalizado. Para melhor refletir sobre os conceitos postos em discussão, o texto está subdividido em quatro partes: a primeira trata do processo de midiatização; a segunda aborda a internet como mídia; a terceira tece considerações sobre as noções de sujeitos, identidades e culturas na atualidade; e a quarta traz as considerações finais que apontam para a importância do debate a respeito do contexto sociotécnico da atualidade e suas repercussões teóricas para o campo da Comunicação. 2. O processo de midiatização Sodré (2002) discorre sobre as novas tecnologias como modos que transformam a pauta de interesses costumeiros em direção a uma qualificação virtualizante da vida. O autor entende a globalização como a teledistribuição mundial de pessoas e coisas, considerando a Revolução da Informação contemporânea como sucessora da Revolução Industrial; considerando que os avanços técnicos Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

trazem a capacidade de acumular dados, transmiti-los e fazê-los circularem rapidamente. Processo que propicia a midiatização e traz à tona um novo tipo de formalização da vida social, que implica em uma outra dimensão, ou seja, em formas novas de perceber, pensar e contabilizar o real. O espaço midiatizado caracteriza a hibridização das formas discursivas como texto, som e imagem, o que ocasiona o chamado hipertexto. Por sua vez, esse formato acelera o processo de circulação de informações e ambienta a comunicação em um plano sistêmico de estruturas de poder, gerenciado pelo Estado e por grandes organizações, transformando a vida humana nas suas formas de sociabilização. A midiatização manifesta-se em um cenário de heterogeneidades trazidas, em sua maioria, pelos avanços tecnológicos, onde a natureza da organização social não é, de modo algum, linear e homogênea, mas descontínua. Essa asserção é explicada por Fausto Neto, ao propor que por muito tempo os paradigmas vigentes nas teorias comunicacionais apostavam na idéia de que a convergência das tecnologias nos levaria a estruturação de uma sociedade uniforme, com gostos e padrões, em função de um consumo homogeneizado... mas o que

109

vemos é a geração de fenômenos distintos e que se caracterizam pelas disjunções entre estruturas de oferta e de apropriação de sentidos (2005, p.3).

A rede tecnológica ambienta o processo comunicacional e, como produto dessa configuração, tem-se a prevalência da forma sobre o conteúdo, no qual a imagem torna-se mercadoria a serviço de uma nova gestão da vida social. Sodré (2002) considera que na mídia linear ainda ocorre uma representação construída, um efeito irradiativo do referente que o produziu. Porém, no meio digital, o usuário adentra e se move através da interface gráfica, de modo que a representação tradicional é substituída pela vivência apresentativa. A Internet pode configurar-se como um meio que proporciona outras possibilidades e parâmetros para a construção da identidade dos sujeitos, na medida em que esta forma midiática permite hibridizações com outras formas do real histórico, com potencial de transformação da realidade vivida. Hoje, o receptor começa a se apropriar do mundo em seu fluxo real através de simulações, ou seja, através de uma outra modalidade de representação social e de um novo regime de visibilidade pública. Segundo Jesus M. Barbero (2004), a globalização não legitima somente a ideologia mercantil ou o desenraizamento cultural, mas afeta, ainda e principalmente, o plano dos imaginários cotidianos das pessoas, de modo que começamos a compreender algumas dimensões da globalização precisamente quanto às transformações nos modelos e modos da comunicação.

Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

O termo sociedade da informação circula no espaço público e nas mídias há cerca de vinte anos. Para Dominique Wolton (2003), a década passada formou a idéia de que a dinâmica da informática transformou tudo ao mesmo tempo, saúde, educação, entretenimento e serviços: a significação cultural da internet parece ser mais importante do que a batalha econômica e industrial, pois essas redes condensam todas as aspirações da sociedade individualista de massa: indivíduo, números, igualdade, liberdade, rapidez, ausência de obrigações... Uma espécie de nova figura do universal que se liberta dos territórios, autorizando as comunidades a reforçar suas identidades e seus laços por meio das redes extraterritorializadas (WOLTON, 2003, p.338).

Giddens (1991), ao tratar da temática da reflexividade institucional, propõe o uso da informação ou do saber com vistas à reprodução de um sistema social. Essa representação é o conteúdo tornado real pelas tecnointerações, processo que vem alterando costumes, afetos e valores.

110

A vida prática é permeada pela diversidade de regras e condutas originadas nos estratos sociais e no ambiente empresarial. Nesse processo de regramento, cada vez mais a midiatização dá perspectivas de uma ética atravessada por injunções da ordem do “ter de” e do “dever de”, fundamentadas pela tecnologia e pelo mercado. Logo, a mídia encena uma nova moralidade objetiva com poder simultâneo, instantâneo e global, que se manifesta através das tecnologias da comunicação. “Com a internet, mais do que encenação há verdadeira virtualização do mundo, com possibilidades de caos e acaso” (SODRÉ 2002, p.50-51). A Internet é um meio de comunicação, de interação e de organização social. Ela abrange todos os âmbitos sociais, transforma os conceitos de educação e interfere diretamente na conjuntura organizacional, colocando-nos diante da emergência de uma nova coletividade totalmente on-line, justificada pela definição de sociedade em rede (CASTELLS, 1999). John B. Thompson considera o desenvolvimento dos meios de comunicação como a concretização de novos modos de condução do indivíduo no espaço: Alguns dos mais importantes desenvolvimentos das novas tecnologias de comunicação, tais como as redes de comunicação baseadas em computadores e a difusão direta por satélite podem ser entendidas, em parte, como desenvolvimentos que ampliam a acessibilidade no espaço e no tempo enquanto dão aos usuários dessas tecnologias maior flexibilidade e maior controle sobre as condições de seu uso (p.226-227).

A especificidade antropológica das tecnologias comunicacionais está na abolição do espaço físico tradicional e na abertura para a possibilidade de um novo tipo de consciência global. É preciso ter esta compreensão para entender a “passagem da comunicação de massa [centralizada, vertical e unidirecional] para Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

a dimensão tecnológica do virtual” (SODRÉ, 2002, p.75). A mídia tem o poder de iluminar fatos, permear os discursos sociais e influenciar as decisões dos indivíduos. É um jogo de aparências sociais que se constrói pela heterogeneidade de idéias apresentadas, cujos fatos se tornam cada vez menos lineares e o sentimento de indecisão cresce entre os indivíduos, completando a sensação de fragmentação de opiniões. Sodré (2002) defende que está vigorando um novo tipo de controle moral, o publicitário-mercadológico, no qual a prescrição ética se encontra implícita no discurso, “aja assim porque é moderno, porque é melhor”. Enfim, o discurso ilumina fatos e constrói um real próprio do campo midiático, que se traduz também no novo modelo de presença do sujeito no mundo. No contexto da mídia contemporânea, o receptor acolhe o mundo em seu fluxo real; os fatos são reapresentados a partir da simulação de um tempo vivo, o que gera a evidência de que “tempo real e espaço virtual operam midiaticamente o redimensionamento da relação espaço-temporal clássica” (SODRÉ, 2002, p.20).

111

Desse modo a mídia deixa de ser um instrumento e passa à qualidade de produtora de sentidos sociais, capazes de transformar os modos de sociabilidade e influir na constituição das representações e formação da identidade do sujeito caracterizando, assim, a sociedade midiatizada. Nesse contexto, consideramos a internet como a mídia que melhor ilustra as possibilidades da comunicação contemporânea. 2.1. Internet como mídia A interação entre a ciência, a pesquisa universitária e os programas de pesquisa militar fazem parte da origem da Internet, desenvolvida a partir de 1969 nos Estados Unidos. Porém, no modo como a entendemos atualmente, ela formou-se em 1994, com o surgimento da World Wide Web. Castells considera a internet como o tecido de nossas vidas, qualificando-a como a rede das redes de computadores. Para ele, a Internet é, e será ainda mais, um meio de comunicação de relação essencial sobre o qual se baseia uma nova forma de sociedade em que já vivemos, e, nesse sentido, a internet não é simplesmente uma tecnologia; é o meio de comunicação que constitui a forma organizativa de nossas sociedades...A internet é o coração de um novo paradigma sociotécnico, que constitui na realidade a base material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de trabalho e de comunicação. O que a internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade, constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos. (2004, p.287)

Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

Tais mudanças influenciaram vários aspectos individuais e sociais, dentre as quais podemos citar: as alterações nos modos de sociabilidade e pertencimento dos sujeitos; as transformações nos modelos de gestão das instituições; as influências nas relações de troca econômica e no âmbito político; a capacidade de estocagem de grandes volumes de dados e sua transmissão instantânea. Todas essas se atrelam cada vez mais à vivência diária e passam a constituir nossa realidade. O campo econômico talvez seja o que melhor transpareça as alterações trazidas pelo advento das redes. A mobilidade de grandes massas e capitais, por exemplo, influencia diretamente nos métodos e gestões organizacionais. Assim, já se torna comum afirmar que o desenvolvimento das redes digitais transforma radicalmente a vida do homem contemporâneo, tanto nas relações de trabalho quanto na sociabilização e no lazer.

112

Sodré (2002) considera que a mídia é a principal responsável pelos processos de interação social, bem como pela construção social em si. Nesse contexto, a Internet é considerada uma ambiência que permeia o indivíduo, seus modos de vida e os valores sociais, caracterizando uma nova qualificação atual da vida, a qual denomina bios virtual. Complementando essa abordagem, Dênis de Moraes afirma que “a intensificação midiática atravessa, articula e condiciona o atual estágio do capitalismo, cujo pilar de sustentação é a capacidade de acumulação financeira numa economia de interconexões eletrônicas” (2006, p.34). Nesse novo bios, a mídia como poder simultâneo, instantâneo e global se manifesta através das tecnologias da comunicação, transformando os modos de acolher os fatos do mundo. Se antes o receptor acolhia informações representadas e isentas de seu fluxo original, agora há um novo regime de visibilidade pública, onde o mundo é acolhido em seu fluxo de tempo real, configurando uma nova modalidade de representação. Conforme Sodré (2002), as tecnologias que englobam o computador e as redes virtuais não modificam o conceito de medium, entendido como canalização e ambiência, que são estruturados com códigos próprios. Já que medium, entenda-se bem, não é o dispositivo técnico (...) é o fluxo comunicacional, acoplado a um dispositivo técnico e socialmente produzido pelo mercado capitalista, em tal extensão que o código produtivo pode tornar-se “ambiência” existencial. Assim, a Internet, não o computador, é medium (SODRÉ, 2002, p.20).

O sistema de redes digitais se caracteriza pela integração de diferentes veículos em um único medium - a Internet – construindo um novo ambiente. Portanto, a comunicação digital permite ir além da disponibilização e do acesso às informações, pois proporciona que essas se tornem a própria experiência devido à convergência técnica e às possibilidades interativas que podem ser estabelecidas entre os indivíduos (usuários). Logo, do ponto de vista dos estudos da Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

comunicação, acreditamos que esse contexto influi diretamente nas abordagens contemporâneas acerca dos sujeitos, identidades e culturas. 3. Algumas considerações sobre sujeitos, identidades e culturas contemporâneas A fluidez de informações e a interatividade presentes nos processos comunicacionais que ocorrem na ambiência da Internet desafiam não somente organizações que precisaram adequar suas práticas ao novo cenário sociotécnico, mas também e, sobretudo, como abordamos nesse artigo, trazem a tona a urgência de perspectivas compreensivas e/ou (re)interpretativas de alguns conceitos abordados nos estudos de Comunicação. Para ilustrar esse contexto, apresentamos uma conclusão exposta por Orozco (2007): investi décadas de minha vida de pesquisador em comunicação a estudos de recepção da televisão, especialmente junto ao público infantil. O que noto, hoje, é que a linha de pesquisa da recepção dos meios de comunicação está sendo desafiada pela interatividade, que coloca outras telas para competir com a tela da televisão. Devo reconhecer, com humildade, que não sei como reacomodar estudos da recepção diante da interatividade promovida pela Internet, IPod e celular. Este é um ótimo desafio para se entender o que

113

se passa com os usuários destas tecnologias1.

Para este autor, a Internet transforma a realidade e desafia o desenvolvimento de novos estudos sobre o processo de recepção que possam contemplar a transformação de um sujeito receptor em um sujeito que é produtor dos produtos de comunicação, processo que o caracteriza como sujeito-audiência. A erosão das identidades tradicionais, segundo Orozco (2006) é conseqüência do jogo de mediações, principalmente a midiática e a tecnológica. As identidades hoje se caracterizam por serem menos essencialistas e mais amalgamadoras, pois se constroem sobre as hibridizações. Um exemplo claro dessa proposta é ilustrado pelos movimentos sociais, que lutam pelo reconhecimento utilizando não somente o microfone e a câmera de vídeo, mas também os chats e os websites, os quais permitem a exibição do áudio/vídeo e colaboram para rápida disseminação dos fatos. Essas novas possibilidades virtuais tornaram-se estratégias de visibilidade imprescindíveis à atuação dos “sujeitos-audiência” e, cada vez mais, fazem parte desses movimentos. Outro aspecto a ser considerado é a visão de um tempo móvel, uma das características mais pertinentes da dinâmica midiática, porque submete as audiências a um acúmulo de sensações sem projeção temporal, distanciadas da experiência concreta do indivíduo. Assim, podemos considerar que observar a realidade, ver uma novela ou um documentário parece ter o mesmo valor. Nesse contexto, o computador e a Internet catalisam essas sensações, ao proporcionar a interação entre os indivíduos. Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

A escola talvez seja o exemplo mais ilustrativo acerca das transformações provocadas pelas mídias e novas tecnologias, as quais alteram as posições dos indivíduos em relação a essa instância de mediação. Segundo Orosco, O quarto em que se usa o computador ou e/ou se vê televisão se torna cenário de várias vivências e experiências; embora sejam vicárias e virtuais transformam-se em ‘lições’ para a vida. O que se aprende aí resulta muitas vezes mais relevante do que aquilo que se aprende em instituições educativas formais. (2006, p.96).

Para o autor, antes o livro ocupava a última palavra para os jovens, mas hoje, os sujeitos-audiência, através de imagens que são lidas como expressões de verdade puras e inquestionáveis, constroem seu pretenso conhecimento baseados na imitação, e não no descobrimento e exploração do saber.

Posição diferente da exposta por Martin-Barbero ao afirmar que: É nas novas gerações que a cumplicidade entre a oralidade e a visualidade opera mais fortemente, não porque os jovens não saibam ler ou leiam pouco, mas sim, porque sua leitura já não tem o livro como eixo e centro de cultura. Deste modo, é a própria noção de leitura que está em questão, obrigando-nos a pensar a desordem estética que as escritas eletrônicas e a experiência audiovisual introduzem. (p. 74, 2006)

114

As considerações acima expostas nos levam a refletir sobre a construção das identidades dos sujeitos na contemporaneidade. Afinal, a noção de uma identidade unificada, fixa e estável passa a ser entendida em sua constante construção e no processo de identificação. À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos colocados diante de uma multiplicidade de identidades possíveis, com cada uma das quais que poderíamos nos identificar. Para Hall (2000), esse processo produz o sujeito pós-moderno, para o qual a identidade torna-se uma «celebração móvel», ou seja, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados, nos sistemas culturais que nos rodeiam. Laclau apud HALL (2000) usa o conceito de “deslocamento”, que caracteriza a “pluralidade de centros de poder”, no qual a sociedade é atravessada por diferentes divisões e antagonismos que, conseqüentemente, trazem diferentes identidades aos indivíduos. Ao considerar a questão da construção da identidade contemporânea, Martín-Barbero discorre sobre a «multiplicação dos referentes» que, de acordo com o autor, surge na esteira das transformações midiáticas e tecnológicas. O processo de multiplicação de referentes levaria à fragmentação dos sistemas e do próprio indivíduo, que viveria uma integração parcial e incerta das diversas dimensões que o conformam como a escola, a família, a igreja, etc.

Nesse contexto, Martín-Barbero acredita que a interatividade possibili-

Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

tada pela Internet reconfigura o real, principalmente pelo fato de alterar o simbólico. Processo este que contribui fortemente para que vivamos não apenas em uma época de grandes mudanças, mas sim em uma grande mudança de época: A revolução tecnológica introduz em nossas sociedades não tanto uma quantidade inusitada de novas máquinas, mas sim um novo modo de relação entre os processos simbólicos – que constituem o cultural – e as formas de produção e distribuição dos bens e serviços: um novo modo de produzir, confusamente associado a um novo modo de comunicar, transforma o conhecimento em força produtiva direta. (Martin-Barbero, 2006 p. 54)

Até bem pouco tempo, falar de identidades era falar de raízes, costumes, tempo longo e memória simbolicamente densa. Mas falar de identidades hoje implica também falar em migrações e mobilidades, redes e fluxos, instantaneidade e fluidez.

115

As mudanças nas subjetividades e identidades reconfiguram também a cultura. Nesse contexto, Hall (2000) propõe que a globalização e a evolução tecnológica causam impactos sobre a identidade, sobretudo a cultural, pois as sociedades modernas possuem as características da mudança constante, rápida e permanente. Ao colocar diferentes áreas do globo em interconexão, a globalização faz com que as perspectivas de transformação social atinjam virtualmente todo o mundo. Afinal, não há somente uma maior circulação de produtos, mas sim uma rearticulação das relações entre culturas e entre países, no qual o poder econômico é descentralizado e as culturas estão mais híbridas devido ao crescimento das possibilidades de se desterritorializarem. Já Canclini (2001) propõe que a cultura, assim como a Arte e a Comunicação, está refazendo suas práticas a partir da globalização. Ele acredita que é preciso desenvolver tecnologias de comunicação globalizadas, com programas que ampliem o conhecimento massivo e criem o consenso social; ou seja, o autor defende que a mídia tem a capacidade de transformar e inovar em termos de cultura. Afinal, a globalização se efetiva muito mais nos produtos da mídia (cinema, televisão, informática), e o fato de um pequeno número de empresas produzirem o que é veiculado globalmente acarreta prejuízos para os indivíduos. Ao definir o processo de globalização, Canclini (2001) inclui a presença e relevância do imaginário. O autor expõe que a interdependência em escala mundial coloca todos em um estado de interação e co-presença, pois Pensar la globalización como una consecuencia lógica de la convergencia de cambios económicos, comunicacionales y migratorios no impide concebirla a la vez como un proceso abierto que puede desarrollarse en varias direcciones. Esto se insinúa en la comparación de los imaginarios de niños jugando fútbol en la calle, de los bolivianos transterrados, el caballo bicéfalo en la frontera México-EUA y el mexicano actuando italianidad en Edimburgo. (2001, p.64)

Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

Estas abordagens colocam-nos diante de questões que nos levam a refletir sobre as teorias da Comunicação e a necessidade de atualização e reavaliação de paradigmas. 4. Considerações finais A globalização e as transformações midiáticas estão inegavelmente imbricadas. A capacidade da telerrealização, ou seja, de realização virtual, característica principal da midiatização, traz explosões e implosões para as identidades. Os sujeitos deixam de viver em um tempo linear e passam a participar de uma realidade onde o tempo é circular, na qual as identidades são construídas pela negociação do reconhecimento pelos outros. Esses fatores somados afetam todo o círculo social que nos rodeia, principalmente no que tange às culturas.

116

O redesenhar das subjetividades, das identidades e da cultura podem ser percebidos sobretudo nos modos de comunicação. As programações presentes nas mídias refletem uma sociedade que revalida alguns paradigmas, ao mesmo tempo em que se desfaz de outros. A Comunicação passa a ocupar lugar estratégico pois, assim como a industrialização e a urbanização mudaram o ritmo e as características da vida no século XIX, as linguagens midiáticas tem alterado decisivamente os modos de vida atuais. Na atualidade, a Internet oferece novos sentidos sociais para o espaço e para o tempo, ou, melhor, há uma reorganização das subjetividades, das identidades e das culturas, devido ao contexto tempo-espacial que está diante dos indivíduos. Debater essa imersão em uma nova ambiência comunicacional é imprescindível para os estudos da Comunicação, pois a democracia, o trabalho, a arte, o entretenimento e a vida cotidiana estão sujeitos a novas tramas, que levam a novas maneiras de perceber e agir em relação ao real.

Referências Bibliográficas: BARBERO, J. M, Globalização comunicacional e transformação cultural In: MORAES, Dênis de. (org) Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2004. BARBERO, J. M, Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Dênis de (org). A sociedade midiatizada. Rio de Janeiro, Mauad, 2006. BARICHELLO, Eugenia Mariano da Rocha. Estratégias comunicativas interacionais nas organizações contemporâneas. In: KUNSCH, M. M.K. Handbook de Comunicação Organizacional. São Paulo, 2007. Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

N9 | 2007.2

CANCLINI, N. G, La Globalización imaginada. Buenos Aires: Paidós. 2001 CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. __________. Internet e Sociedade em rede. In: MORAES, Dênis de. (org) Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2004. FAUSTO NETO, A. Midiatização, prática social-prática de sentido. Apostila de conteúdos, UNISINOS, 2005. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade, São Paulo: Editora Unesp, 1991. HALL, S. Identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro. DP.& A. 2000. MORAES, Dênis de (org). A sociedade midiatizada. Rio de Janeiro, Mauad, 2006

117

OROZCO, G.G, Comunicação Social e mudança tecnológica: um cenário de múltiplos desordenamentos. In: MORAES, Dênis de (org). A sociedade midiatizada. Rio de Janeiro, Mauad, 2006 SODRÉ, Muniz. O ethos midiatizado. In: Antropológica do Espelho. Por uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura moderna. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. WOLTON, D. Pensar a comunicação. Brasília, DF: Editora UNB, 2004.

Notas 1 Orozco Guilhermo. Da interação à interatividade. Em: www.cibersociedad. net/congress2006/gts/comunicacio. Acesso: 15 jul 2007.

Midiatização, identidades e cultura na contemporaneidade - Daiana Stasiak e Eugenia Barichello

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.