Migração e identidade na globalização

May 20, 2017 | Autor: Luis Ramalho | Categoria: Globalization, Migration
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Luís Pedro Ramalho, nº 53869, MA | Migrações Contemporâneas

Migração e identidade na globalização Este trabalho sobre migrações surge na sequência de um outro sobre Etnia, Nacionalismo, Estado e Nação e embora não querendo atribuir uma precedência do segundo sobre o primeiro, é inevitável a estreita relação de um com o outro. Afinal de contas estamos sempre a falar nos processos de construção de identidade, de etnia e alteridade, e nada é mais significativo do que o estado ou nação para a “criação de uma territorialização desse outro, da construção do “nosso lugar” e do “lugar do outro”. Outra das questões com que me deparo frequentemente é que é sempre difícil fazer um trabalho em Antropologia devido a simultaneidade de escalas com que nos deparamos. Se por um lado a visão “holista” da disciplina nos obriga a uma visão relacional de múltiplos aspectos, por outro é na verificação empírica de “casos particulares”, que se fundamenta e justifica essa visão mais lata dos temas. Este trabalho por ser baseado em leituras é por isso algo que se assemelha mais a primeira forma, uma visão geral sobre as migrações, do que um trabalho fundamentado em estudos de casos. Miriam Reyes Tovar e Diana Ruíz (2015), referem no seu trabalho que “as migrações internacionais não são um tema novo, desde as suas origens os seres humanos têm estado em constante movimento”, com efeito ao ser humano é intrínseco “um certo grau” de nomadismo, e embora a revolução agrícola tenha de certo modo “sedentarizado” os humanos, é difícil caracterizar a espécie como fixa num território. É alias este um dos argumentos ou premissa para a inexistência de raças(1), e para que a espécie se tenha espalhado por todo o globo. É certo que sempre existiram comunidades mais sedentárias e outras mais nómadas, mas a ideia do “sitio de cada um” é uma ideia relativamente recente e indiscutivelmente ligada justamente aos conceitos de nação e de estado. Embora a agricultura tenha “sedentarizado” o homem, durante milhares de anos após os homens continuaram a migrar. Migrações regionais e sazonais, (transumâncias dos rebanhos por exemplo), migrações por causa de guerras, catástrofes, condições climatéricas, doenças, fome, colonizações e impérios levaram sempre ao longo dos tempos a que homens mudassem de sitio. Actualmente a ONU estima que 214 milhões de pessoas vivam fora do pais onde nasceram, e mais de um quarto da população australiana ou suíça nasceram noutros países (Michael H. Fischer, p 112, 2014). É a criação de estado que traz a inclusão e exclusão de pertença identitária por relação ao território. Não quero com isto dizer que não exista uma relação entre identidade e território, porque existe, quero somente dizer que as inclusões de diferentes etnias nesses territórios se fizeram mais por significações e alteridade do que por pertenças. Como explica Barth a identidade é mais feita por margens do que por fronteiras (2). Por outras palavras, é o estado que passa a criar a ideia de exclusividade territorial para identidades colectivas, e exercer controlo de circulação dentro desse território. Como bem demonstram as autoras acima referidas, a relação entre identidade e território não é necessariamente uma relação de apropriação literal do território, nem a relação entre a identidade étnica e a identidade nacional se faz nas mesmas escalas territoriais. São mais preponderantes os “espaços relacionais” do Notas (1) Embora ao conceito de raça não corresponda um critério filogenético (sendo o último grau a espécie, a que corresponde a impossibilidade de procriação), aceita-se raça como expressão fenotípica derivada da consanguinidade que advém do isolamento. O que não sucede no ser humano uma vez que diferenças dentro de determinada etnia são maiores que as diferenças entre etnias. (2) “…it is clear that boundaries persist despite a flow of personnel across them. In other words, categorical ethnic distinctions do not depend on an absence of mobility, contact and information” (Barth, 1998)

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que a relação com o espaço físico, esta última torna-se apenas preponderante quando existe uma tentativa de apropriação exclusiva e por conseguinte de oposição presencial, que é justamente o que os estados (meta identidades) muitas vezes fazem.

Contradições, Estado-Nação e Capitalismo Nos trabalhos sobre migração é frequentemente referida a questão das fronteiras e das políticas de estado perante a migração. Efectivamente estes aspectos são preponderantes e não poderiam escapar a qualquer analise, porém creio que se tornaram bem mais presentes a partir do momento em que passaram a constituir-se como uma aparente contradição à ideia que se tem de globalização. Diria até que é dupla a aparente contradição, entre uma globalização cada vez maior e o simultâneo aumento do controle fronteiriço. A primeira contradição, como já foi dito, encontra-se entre a circulação cada vez maior e mais “livre” de capitais, bens e “informação” e a cada vez mais controlada circulação de pessoas. A segunda encontra-se na disparidade de tratamento perante as leis dos estados que concernem a circulação de indivíduos com poder económico (chamados de investidores) ou “altos quadros” de empresas e pessoas à procura de trabalho ou melhores condições de vida. Uma terceira contradição também constantemente referida esta contida na própria ideia de globalização, e que acaba por sintetizar as anteriores, é a de que existe um “mundo globalizado” onde as pessoas, bens, e dinheiro comunicam e circulam “livremente”, e ao mesmo tempo existe um “outro mundo”, onde as pessoas não possuem sequer comida quanto mais forma de viajar ou de comunicar. Nina Schiller (1995) menciona a ligação entre a criação dos estados-nação e o desenvolvimento do capitalismo como o ponto e a causa da apropriação dos indivíduos pelo território, uma caracterização essencialista de inclusão ou exclusão num lugar, “…nation-states are relatively new inventions that can be linked to development of capitalism and to the type of political and economic loyalties that serve the needs of dominant classes and strata within…Key to nation-state building as a political process has been the construction of a myth that each nation-state contained within it a single people defined by their residence in a common territory, their undivided loyalty to a common government, and their shared cultural heritage.” Esta “questão política” é então fundamental para a produção do termo e significação de migrante, trazendo consigo a característica perniciosa da inversão da propriedade, isto é se por um lado o capitalismo traz a propriedade da terra por um indivíduo ou grupo, por outro traz a propriedade do indivíduo pela terra. Esta atribuição ou afirmação de lugar de pertença ao indivíduo sujeita-o a um lugar, define o seu sitio, e consequentemente o inverso: o sitio que não é o dele, e é a causa primeira da problematização da migração. Tudo isto é antagónico ao que nos mostra a história humana e de “construção de países”, no extremo mais absurdo podemos pensar que nos países (estados-nação) mais recentes como os EUA, a Australia, Israel ou o Brasil a maior parte daqueles que se consideram de direito legal ao sitio são descendentes de imigrantes (com poucas gerações, pais ou avos), embora acreditando que “o primeiro a chegar ao sitio continua a ser um argumento moral de justificação para a posse da terra”.(3) Isto leva a que o discurso de migração acabe por legitimar toda esta noção de pertença a sítios, e se se aceita esta atribuição ou se faz a afirmação, consequentemente teremos que aceitar as suas consequências, a de lugares de pertença ou ser pertença de um estado. Quem é de onde? Parece ser a questão. As pessoas dos lugares, mesmo não estando lá, ou os lugares das pessoas que lá estão? 2

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Atrás mencionei a relação entre as políticas migratórias dos estado-nação e globalização como aparentemente contraditórias. O uso do termo “aparentemente” não é aleatório e deve-se justamente ao “desenvolvimento do capitalismo” que necessita e cria essas assimetrias e contrariedades. A disparidade entre a livre circulação de bens e capitais e a pouco livre circulação de pessoas tem um propósito que é bem visível dentro da própria globalização: As diferenças do valor do trabalho, ou da mão de obra, assim como diferenças de incentivos fiscais ao investimento proporcionam boas oportunidades para a maximização dos ganhos. As deslocalizações de unidades de produção são constantes numa procura circular da relação entre os mercados de venda que proporcionam mais ganhos e os “mercados de produção” mais baratos. Ao mesmo tempo, e em contradição com a assimetria de que se aproveita, o capitalismo tenta gerar uma homogeneização cultural que visa expandir uma standardização de consumo, num processo que afecta a própria criação de identidade. Essa “normatividade tende cada vez mais a uma “asseptização” do mundo, empurrando para fora dos circuitos ou colocando à margem características das identidades que podem ameaçar ou reduzir a eficácia do capitalismo. Embora o processo priorize a assimilação e transformação dessas especificidades em bens de consumo cultural. Ser é cada vez mais consumir “bens” culturais, moda, identidades, tendências, incluindo o consumo da ideia de alternativa ao consumismo. Como dizem Inda e Rosaldo (2005) “...to the increasing global standardization of cultural goods, tastes and practices.... As this flow of commodities continues apace, as it keeps accelerating across the globe, the cultural lines that connect the world become ever more dense and mass consumption increasingly becomes a primary mediator in the ‘encounter’ between peoples and cultures...” Ser é consumir o que a “livre circulação de informação” impõe como necessidade, para tal é necessário a própria produção da circulação de “ideias e imagens” como dizem os mesmos autores “...cultural flow - respectively, of capital, people, commodities, images, and ideologies...” que causam “des/territorializações” e “re/territorializações” da cultura com o propósito apenas do consumo. “Globalization has radically pulled culture apart from place.” Inda e Rosaldo (2005). Torna-se necessário chamar a atenção para o facto de que a circulação dos bens, informação e sobretudo pessoas, embora aparentemente livres, obedecem no entanto a circuitos e espaços controlados, mesmo que não totalmente, por precisamente lógicas de produção e consumo. Assim para que a circulação seja “benéfica” ao capitalismo este tenta impor um controlo na produção dos bens (na forma e conteúdo) que circulam e nos circuitos. Isto é sobretudo bem patente quando se analisa as alterações e formas de circulação de migrantes. Percebe-se que a abertura ou fechamento de fronteiras, facilidades de acolhimento ou políticas contra migrantes, relacionam-se e obedecem a situações e necessidades económicas dos estados e das empresas. Quer seja para obtenção de mão de obra, quer seja para “modelação” de mercados de consumo. (3) Adding barriers to immigration, many powerful (or aspirational) nativist or “sons of the soil” political parties and movements have arisen around the world, including within most EU and Schengen nations. Their adherents identify themselves exclusively with their land and express hostility and resentment against immigrants, particularly during times of economic stress and high unemployment. Some such groups explicitly deny that they were themselves ever immigrants, asserting rather that they are native to their homeland, which they will defend against immigrants. Yet, such claims suppress their own immigration histories. Many of the often-discriminated-against Aborigines in Australia, Adivasis in India, Native Americans in the United States, First Nations in Canada, Amazonian communities in Brazil, and other “indigenous” people in almost every land assert that they were the original inhabitants, divinely created as humans on the spot where they currently live. Some then base claims on that religious assertion for recovery of their primal homeland or else compensation for displacement from it. Even among self-acknowledged immigrant communities, believing that one arrived in a place fi rst remains a powerful self-justifying moral argument for possession of that place. (Michael H. Fischer, p 122, 2014). One of the controversial policies of former French president Nicolas Sarkozy (r. 2007–12) was the dismantling in 2010 of some three hundred illegal settlements in France, mostly inhabited by Roma from Romania or Bulgaria. His government deported or gave a cash payment for leaving voluntarily to nearly a thousand alleged itinerants, criminals, or simply undocumented people. Yet, Sarkozy was himself the son of an immigrant father and a maternal grandfather and he also married immigrants.

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Roger Rouse coloca a mobilidade de trabalhadores como resposta a transnacionalidade das corporações (2005, p162), e Nina Schiller começa o seu texto a explicar um novo conceito, “Transmigrantes são imigrantes cuja vida diária depende de interconexões múltiplas e constantes através das fronteiras internacionais e cujas identidades publicas são configuradas numa relação com mais do que um estado-nação” (Nina Schiller, 1995 – tradução minha). No entanto estou em crer que essa resposta a que se refere Rouse, não é tanto uma resposta, mas sim uma nova configuração capitalista que vem substituir e mitigar os custos de deslocalizações. Uma vez que os resultados destas (deslocações) criaram muitas vezes a médio prazo o aumento de classes medias e consequente elevação do custo da mão de obra, além da transmissão de know how e criação de concorrência, as deslocações deixaram de fazer sentido. Sobretudo porque do lado oposto desvalorizaram o trabalho no ponto de partida. Este processo de desvalorização do custo do trabalho, que foi acompanhado na Europa pelas chamadas medidas de austeridade que visavam aumentar a concorrência (baixando os custos de produção) criaram um novo mercado de trabalhadores deslocados. Dito de outra maneira: A reformulação das leis de trabalho e a escassez deste está a criar em muitos espaços a oportunidade para inverter a lógica, mantendo as unidades de produção e aproveitando antes a deslocação dos trabalhadores. Este processo é acompanhado muitas vezes, sobretudo na área dos serviços daquilo a que na década de 90 do século passado se passou a designar como outsourcing. Estes trabalhadores por serem deslocados é-lhes muitas vezes negado equiparação de competências e qualificações e simultaneamente assiste-se ao aproveitamento daquilo que são as assimetrias dos salários entre os seus países de origem e os países onde se encontram, o que dá a ilusão de que estão a ganhar muito. Se essa transmigração alguma vez foi a “resposta dos trabalhadores”, depressa passou a ser ganho capitalista. Xavier Inda (2011, p12) faz um retrato dos raides do ICE (Immigration and Customs Enforcement) nos EUA, em que mais uma vez o discurso (das autoridades) apesar de parecer lógico, pode e esconde muitas vezes uma outra intencionalidade, diz-nos o autor que entre os vários argumentos do ICE constam a “percepção de que cada trabalho adquirido por um migrante não documentado é menos um trabalho para um residente legalizado… julga-se que empregadores exploram os migrantes indocumentados…”, mais do que rebater estes argumentos, importa no entanto perceber porque é que para tais argumentos preconiza-se uma resposta que não corresponde a solução para os mesmos (constituindo até esta a resposta aos próprios argumentos). Parece-me que mais uma vez a criminalização pretende mais assegurar por um lado a taxação de impostos por parte do estado, e por outro lado proteger os monopólios das grandes corporações que por si já beneficiam de incentivos fiscais para a criação de emprego. A Europa tem vindo a constituir um caso paradigmático para esta analise. Constitui-se como espaço de livre circulação de bens e pessoas por um lado e por outro mantêm disparidades enormes nas políticas fiscais e nos ordenados. Subvencionou a destruição da produção das periferias criando dependência destas em relação a produção do centro e ao mesmo tempo promove a deslocação de trabalhadores sob a “capa” da criação de um meta nacionalismo europeu. Esta nova forma atrás mencionada de deslocar trabalhadores em vez de deslocar empresas é obviamente também ela resultado da globalização e da cada vez maior “compressão do tempo e espaço”. (Inda e Rosaldo, 2005, p6). Deve-se a facilidade da “transmigração”, de movimentação e comunicação que permite “estar presente em vários sítios”, e é resultado do capitalismo na sua forma voraz de produção e consumo. 4

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“This flexibility is aimed at reducing the turnover time of capital: the amount of time necessary for money furnished to fund new production to be recovered with a profit through the sale of services and goods. In other words, the goal is to speed up the process of both production and consumption...” E mais uma vez estamos aqui perante a uma situação que tem um duplo sentido a que devemos tomar atenção, não só esse imediatismo se traduz na rapidez dos ganhos como é aproveitado pelo capitalismo para precipitar decisões. Parece que o mundo corre mais depressa do que a “história” pode processar. Quando ganhamos consciência, racionalizamos e nos posicionamos face a uma transformação, já esta a ocorrer outra e assim sucessivamente, levando não só a uma perda de posição no espaço e tempo como a uma perda de previsibilidade e de expectativas, e consequentemente da capacidade de hierarquizar a atribuição de importância.

Identidade e Presença Se de um “ponto de vista macro” as migrações contemporâneas são caracterizadas pelas contradições geradas pelas globalização e (ou do) capitalismo, ao nível individual e de comunidades elas são sobretudo caracterizadas por uma nova forma de estar simultaneamente na origem e no destino. A difusão dos meios de transporte, redução dos preços, tarifas, e do tempo de viagem, bem como a facilidade de comunicação em tempo real por voz e imagem não só teve o efeito da “múltipla presença” como originou uma passagem do que anteriormente se chamava de “miscegenação” ou “criolização”, para uma multiculturalidade. Isto é, quando anteriormente as estadias por serem muito prolongadas e a comunicação difícil, cara e em diferido acabavam por gerar uma maior disponibilidade à “mistura” ou assimilação, agora por ser possível manter uma identidade em permanente ligação com a origem a disponibilidade para essa “mistura” reduziu-se gerando uma convivência restringida ao propósito da presença no destino. É um esticar ou dilatar da presença, em vez dos anteriores cortes ou rupturas. Ao mesmo tempo que a informação sobre o outro circula, e se adquire a sensação que o conhecemos e que ele nos conhece por essa informação, o estranho que já não é estranho, passa a corresponder a um estereotipo e terá que corresponder a consequente expectativa, a cultura passou a ser cada vez mais a sua representação nos meios de comunicação e determinada pelas audiências e expectativas. Assistimos a uma globalização sobretudo de consumo, que não só vai “destruindo a verosimilhança”, criando um novo tipo de blazé, como diria Simmel, mas que sobretudo destroi escalas de prioridades ao impor um ser que para ser tem que comunicar, consumir e circular, com fome e telemovel com frio mas ligado, com a família no Skype. Todos os sítios até nós, nos até qualquer sitio. O ser situado tornou-se etereo, As relações foram reduzidas a comunicações e envios, toda a partilha é digital, de fora vão ficando olhares, abraços, silêncios, praticas conjuntas e tanto mais. A cultura passou a ser produzida para consumo, em vez de reflectir um ethos e eidos (é o “reinado” da estética e da forma sobre o conteudo ou função). A identidade é cada vez mais apenas um categorizador sem qualquer correspondência a não ser um estilo de moda, qualquer coisa como: Freak afro-etnico outono-inverno 2016. Aquilo que antes era uma “naturalização do género e etnia”, tornou-se numa performance que espera estar em conformidade com o estereotipo. A migração é um tema muito complexo e como muitos trabalhos mostram, as variantes de genero, idade, origem/etnia, destino ou comunidade de acolhimento, capital social (educação, “status”), poder económico, informação, rede e contactos ou expectativas e projectos são preponderantes para a analise. 5

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Os migrantes vivem muitas vezes numa situação de liminaridade, já não são e ainda não são. Já não são do sitio de onde vieram e ainda não são do sitio onde chegaram, a “sua cultura e identidade” deixou de ser aquela de onde partiram no momento em que decidiram partir, e ainda não é, se é que alguma vez chega a ser, aquela do sitio onde chegam. Para os que ficaram eles deixaram de ser inteira e exclusivamente de lá, para os que estão onde chegam, nunca serão iguais, nunca serão de lá. Sair é uma ruptura na identidade e é não ser o que se encontra no destino. E quanto mais tempo passa pior, porque o tempo para ser da terra a que se chega é muito longo, e no entanto cada dia que passa ele esta mais longe de onde partiu. Como diz Rouse (Roger Rouse, 2005), as identidades são trocadas, sobrepostas ou fragmentadas. “We live in a confusing world, a world of crisscrossed economies, intersecting systems of meaning, and fragmented identities. Suddenly, the conforting modern imagery of nation-states and national languages, of coherent communities and consistent subjectivities, of dominant centers and distant margins no longer seems adequate…contradictions can arise when people combine attitudes and practices associated with the place to wich they have moved with others linked to their place of origin…”

Conclusão No dia em que escrevo isto a Áustria ameça a Grécia de saída do espaço schengen por estes “não assegurarem as fronteiras”, e Christine Lagarde acha que “que o afluxo de imigrantes compromete a sobrevivência das instituições europeias”. Leio várias noticias do The Guardian: • “Migration can help to forge a more prosperous world, says World Bank”, isto publicado no relatorio da reunião anual que o banco mundial tem com o FMI. O seu presidente Jim Yong Kim, afirma que: “a maior parte das evidências sugerem que os migrantes vão trabalhar muito (work hard) e contribuir mais em impostos que consumir em serviços sociais” (tradução minha); • “UK visa policy ‘increasing abuse’ of foreign maids, says damning review”. Ao atribuir vistos para “domesticas de familias estrangeiras com obrigatoriedade de exclusividade, o governo inglês facilitou uma situação de abusos e escravatura. São 17000 vistos nesta situação, metade dos quais passados a familias da Arabia Saudita e dos Emiratos; • “Ireland knew about trafficked migrant fishermen in 2010 but failed to act”. As noticias acima mencionadas são descrições de situações que se enquadram no que ao longo do texto fui tentando analisar, sobretudo de como o capitalismo através da difusão de narrativas e de políticas estatais vai moldando as migrações. O mundo transformou-se muito no último século devido a tecnologia, e estas transformações estão presentes nas relações e na alteração dos significados e da forma como pensamos e vivemos o mundo. A própria transformação que outrora era gradual ou pontual é agora parte constante desse mundo e da forma de o viver. As migrações não são excepção, mas as condições dos migrantes parecem não mudar como relata Michael Fisher, sobre a imigração para os EUA sobretudo Irlandeses devido a grande fome (cerca de 2 milhões no fim do séc. XIX) “However, conditions for poor emigrants paying the least by going ‘steerage’, that is, cabin-less on the lower decks, were difficult and perilous. These vessels were commonly known as ‘coffin ships’; sometimes 15 percent of the immigrants died before reaching shore.” As disparidades no direito a mobilidade são bem patentes quando pensamos em golden visas, ou quan6

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do pensamos que a construção de fronteiras ou livre circulação é sempre uma questão de escolha, como demonstra a situação europeia e dos países da bacia do mediterrâneo, onde historicamente muitos foram mais próximos dos países a sul (do norte de África), do que dos países a norte (Áustria por exemplo). A pertença da identidade a um estado e território mais do que significação cultural ou social serve o capitalismo ou foi aproveitada por este. “Harm De Blij (2009), for example, notes that the power of borders is manifest in unequal access to education, health care, or economic opportunity across the globe. For this reason, the desire to maintain territorial control remains prominent, even as new and varied modes of border crossing abound.” (Diener and Hagen, 2009) Também é verdade que muitas vezes como também dizem Diener e Hagen (2009, p 1204) “os processos globais têm origem nas camadas interiores que fogem aos limites da autoridade do estado”, o que não significa que não sejam depois pervertidos e apropriados, alterando até a sua significação. Vai-nos valendo que o processo de assimilação pressupõe uma identidade das partes, uma identificação, isto é, para que a significação (efeito) fosse igual seria necessário uma verdadeira homogeneização dos indivíduos e comunidades, de modos de vida, e isso é algo que o capitalismo não esta “disposto a fazer”, pois “vive” de assimetrias e contradições. Deste forma ainda resta o sujeito activo, na apropriação, negociação e transformação do que lhe é “dado ou imposto” a consumir. A homogeneização pela heterogeneização, todos diferentes todos iguais, como dizia o anúncio.

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Bibliografia: BARTH, Fredrik. Ethnic Groups and Boundaries, 1998 DIENER, Alexander C. and Hagen, Joshua. Theorizing Borders in a ‘Borderless World’: Globalization, Territory and Identity. Geography Compass, 200 FASSIN, Didier. Policing Borderes, Producing Boundaries. the Governmentality of Immigration In Dark Times. Annual Review of Anthropology, 2011 Pp213-226 FISHER, Michael H. Migration: A World History. Oxford University Press, 2014. INDA, Jonathan Xavier and Rosaldo, Renato. The Anthropology of Globalization, A Reader. Edit. Jonathan Xavier Inda and Renato Rosaldo. Blackwell Publishing, 2005. pp1-34 INDA, Jonathan Xavier. Borderzones of enforcement: Criminalization, Workplace Raids, and Immigrant Counter-Conducts In The Contested Politics of Mobility: Bordezones and Irregularity. Vicki J. Squire, Ed. Pp 74-90 Routledge. 2011 MURPHY, Alexander B. Identity and Territory, Geopolitics, 15:4, (2010) 769-772, DOI: 10.1080/14650041003717525 http://dx.doi.org/10.1080/14650041003717525 ROUSE, Roger. The Anthropology of Globalization, A Reader. Edit. Jonathan Xavier Inda and Renato Rosaldo. Blackwell Publishing, 2005. pp157-171 SCHILLER, Nina Glick. From Immigrant to Transmigrant: Theorizing Transnational Migration. Anthropology Quarterly, 68:1, 1995 TOVAR, Miriam Reyes e Ruíz, Diana. La configuración identitaria en los territorios de migrantes internacionales. Península vol. X, núm. 2. pp117-133 2015 The Guardian http://www.theguardian.com/global-development/2015/oct/07/migration-more-prosperous-world-bank-global-monitoring-report-2015-16 http://www.theguardian.com/global-development/2016/jan/11/uk-increasing-abuse-foreign-maids-tied-visas http://www.theguardian.com/global-development/2015/dec/17/ireland-trafficked-migrant-fishermen-2010-trawlers-guardian-investigation

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