Mi’kmaqs e Acadianos: aspectos históricos e políticos de uma relação entre dois mundos no Canadá Atlântico entre os séculos XVII e XVIII

May 28, 2017 | Autor: André Sena Sena | Categoria: History of Canada, First Nations of Canada, Mi'kmaq History, Acadians, Acadians, Acadiens,
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Mi'kmaqs e Acadianos: aspectos históricos e políticos de uma relação entre
dois mundos no Canadá Atlântico entre os séculos XVII e XVIII


RESUMO:

A questão das Primeiras Nações (First Nations) na história canadense
constitui um traço de narrativa essencial. Em toda extensão territorial do
país há uma profusão complexa e profunda de culturas, línguas e
representações do que comumente denominamos indígenas. Termo complexo e
facilmente manipulável, a historiografia canadense em geral prefere
denominar os 617 povos autóctones de Nações, termo que configura a essas
comunidades um estatuto político crescente na vida canadense depois de
séculos de assimetria, opressão e das mais diversas tentativas de
erradicação. Sejam os Inuits do norte, habitantes do gélido Yukon, ou
os Nanooks da costa pacífica, as Primeiras Nações são um legado ancestral
indissociável da cultura e história canadenses. No caso do Canadá
Atlântico, os Mi'kmaqs foram e ainda são o traço autóctone cultural
dominante. A importância histórica dos Mi'kmaqs se justifica pelo fato de
terem sido eles os primeiros a estabelecer relações com os imigrantes
franceses que chegaram a costa atlântica do país em 1604, fundando a
primeira comunidade do que mais tarde chamou-se Acádia. O presente artigo
pretende introduzir o leitor a aspectos fundamentais da história e da
cultura Mi'kmaq discutindo suas principais representações, questões
simbólicas e seu papel histórico na formação do Canadá Atlântico entre os
séculos XVII e XVIII.

Palavras-Chave: MI'KMAQ – ACADIANOS – CANADÁ ATLÂNTICO – NAÇÕES-ORIGINAIS


ABSTRACT:

The issue of the First Nations is a major theme in Canadian history. All
over Canada's territory there is an outstanding variety of cultures,
languages and representations of what common sense ordinarily designates as
Indians. This term happens to be a complex and easily manipulated word and
Canadian historiography prefers to use more often "Nations" when it refers
to the 617 original peoples that compose its national mosaic. The term
First Nations allows these communities do acquire a increasingly stronger
political status in Canadian society after centuries of asymmetry,
oppression and attempts to eradicate their very existence. From the frozen
Yukon Inuits to the Nanook of the West Pacific Coast, the First Nations
consist in an ancestral heritage that is indivisible from Canadian history
and culture. In terms of Atlantic Canada the Mi'kmaq people were and still
are a predominat First Nation people. The historical importance of the
Mi'kmaq is confirmed by the fact that they were the first ones to establish
contact with the arriving French in 1604, at the very founding of Acadia.
This article intends to present an introduction to the fundamental aspects
of Mi'kmaq history and culture, discussing its main representations and
symbols as well as its historical role in the formation of Atlantic Canada
between 17th and 18th centuries.

Keywords: MI'KMAQ - ACADIANS - ATLANTIC CANADA - FIRST NATIONS



"Um dia, quando Kluskap e Nukumi caminhavam pela
floresta se depararam com um homem. Ele era
jovem, alto e fisicamente robusto com olhos
cinza-claros. Kluskap perguntou seu nome e como
ele havia chegado ao mundo Mi'kmaq. O jovem
revelou a Kluskap que seu nome era Netawansum e
que ele era seu sobrinho. Ele disse a Kluskap
que era um jovem forte e que poderia caçar o
alce e o caribú sem recorrer a qualquer
armamento, apenas com a força de suas mãos e que
todos no mundo viveriam fartos graças a isso.
(...) Kluskap ficou tão feliz com a chegada de
seu sobrinho ao mundo Mi'kmaq que convocou todos
os salmões dos rios e mares para que viessem à
margem e se entregassem aos homens
voluntariamente. Isto ocorreu porque Kluskap,
Netawansum e Nukumi concordaram em não matar
animais em vão para o seu sustento, e para
comemorar essa decisão organizaram um banquete
de peixes. Os três se alegraram e agradeceram
porque estavam vivos e continuaram a confiar em
seus irmãos (as árvores e as águas), e também a
confiar uns nos outros em prol de sua
sobrevivência."
(trecho de um conto Mi'kmaq)



Para os Mi'kmaq Kluskap representa o princípio ativo do mundo e da vida. É
ele quem impregna o mundo com engenhosidade e sentido criativo. Neto de
Nukumi, Kluskap herda de sua avó a sabedoria necessária para inspirar os
homens, instigar-lhe a inteligência. A velha Nukumi, em algumas histórias
Mi'kmaq filha do próprio Sol, é a garantia de que Kluskap vem de uma
linhagem segura e apropriada. Ele é portanto uma "criatura-deus" que traz a
luz do conhecimento e as técnicas da caça subsistente.

Os Malisheet, outro povo autóctone do Canadá, chamam-no Klue-skopp o
percebe de outra forma, atribuindo-lhe dons protetores, livrando os homens
dos perigos do mundo. Vários outros povos canadenses do ramo algonquino
possuem seus congêneres para Kluskap; os Anishinabes chamam-no Manabush, os
Pés-Negros o denominam simplesmente O Velho e os Cree o chamam Wisakejak,
jocosamente apelidado na cultura pop canadense de Whiskey-Jack.

A riqueza cultural e etnográfica dos Povos Originais canadenses é
indiscutivelmente imensa e nós historiadores nos sentimos perplexos com o
volume de informações e possibilidades de análise de uma história indígena
do Canadá. O próprio termo Povos Originais, (tradução livre minha de First
Nations) é um conceito importante fruto de muitas lutas dessas comunidades
que ainda insistem em existir a despeito de processos verdadeiramente
genocidários pelos quais atravessaram ao longo de séculos de história.

Promulgando como uma emenda a Constituição de 1867, o Indian Act de 1876
foi o primeiro documento a abordar a questão dos direitos indígenas no país
de forma concisa e sua implementação enfrentou inúmeras resistências que
atravessaram o século posterior chegando inclusive aos nossos dias. Este
regime jurídico foi uma iniciativa protagonista na história canadense e
permitiu a criação de políticas de Estado que legislassem sobre terras e
sobre a pessoa indígena. O termo Povos Originais, ou Primeiras Nações
coroaria mais tarde essa iniciativa, mas não sem despertar na sociedade
canadense polêmica e dissenso.

Scholars in Canada, from at least as early as the mid-eighteenth
century, have continually confronted the question of where to place
this country's first peoples in relation to their general formulations
of Canadian history. Until well into the present century, historians
tended to fashion depictions of native peoples in their works on the
basis of utility to their own community, and at various times this has
consequently meant that Canadian histories have amounted to chronicles
of white achievements in which non-Europeans have not been depicted at
all.[i]

Uma das mais intrigantes querelas se dá no campo historiográfico. Alguns
historiadores afinam-se com o argumento de que o Indian Act inaugurou um
processo quase irreversível de romantização do elemento indígena, como um
ser puro e ligado a natureza, inscrito no arquétipo do bom selvagem
russoeauniano, que inspirou, por exemplo o filme americano Dança Com Lobos,
sucesso cinematográfico do ano de 1990. Os povos autóctones teriam sido
muito menos inocentes do que essa pueril versão de suas comunidades
dimensionam.

Outros defendem de fato a existência de um efetivo holocausto indígena que
assolou as 617 First Nations desde os primeiros contatos com exploradores
do quilate de Jacques Cartier, John Cabot e Samuel de Champlain, Pierre de
Mons e Humprey Gilbert, argumento que aparece no personagem de um professor
de história do célebre filme canadense As Invasões Bárbaras em 2003.

Indubitavelmente essa oposição de argumentos leva a historiadores não-
canadenses que se dedicam ao estudo do Canadá ao caminho analítico que
aborda a velha questão da alteridade; do outro como um problema e de sua
constituição ou destituição como sujeito histórico; de processos de
desumanização/reabilitação do outro e da formulação de discursos e
representações daqueles que consideramos estar "do outro lado do rio."
Neste sentido, ainda que me pareça um déja-vu analítico, a obra de Tzvetan
Todorov A Conquista da América. A Questão do Outro me parece incontornável
como fundamentação conceitual acerca do problema da alteridade como um
problema da História.

Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma
substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si
mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujei to
como eu. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e
eu estou só aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim.
Posso conceber os outros como uma abstração, como uma instância da
configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem
em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós
não pertencemos.[ii]

A história dos povos autóctones do Canadá não foge a esta regra de ouro
todoroviana. A construção psíquica do outro enquanto O Outro abstraído
conceitualmente, alimentou práticas criminosas que exterminaram povos
inteiros dos quais hoje não se tem mais notícia como por exemplo os
Beothuks, completamente subtraídos na poeira do tempo. Chamados "Indios
Vermelhos" pelo branco colonizador, os Beothuks resistiram entre os anos de
1613 (quando se tem notícia deles primeiramente) até princípios do século
XIX. Em 1823 restavam apenas três mulheres Beothuk na província de Terra
Nova (Newfoundland). Todo um povo desaparecia.

Outros povos entretanto souberam trilhar caminhos de resistência que
dispensaram em alguns momentos da história colonial canadense (não todos!)
o confronto direto com a conquista e a colonização. Dentre os povos hoje
considerados etnograficamente troncos centrais[iii] dos Primeiros Povos, os
Mik'maq destacam-se neste sentido. Sua história apresenta elementos de
integração específicos extraordinários, se comparados a outros povos, como
é o caso dos Beothuks, ou dos Inuits (na costa do Pacífico-Norte) que no
confronto sucumbiram (ou quase sucumbiram, no segundo caso) diante de um
conjunto de assimetrias que conferiram ao elemento europeu a sua projeção
hegemônica em regiões como o Canadá Altântico, por exemplo.



1. ASPECTOS HISTÓRICO-CULTURAIS DOS MI'KMAQ: O POVO DAS "MARITIMES".


Como dito anteriormente, os Mi'kmaq destacam-se na história indígena
canadense por uma série de razões que inclusive justificam a sua
sobrevivência como comunidade e civilização no Canadá até os dias de hoje.
Sua capacidade de negociação e comunicação foram fundamentais para evitar o
genocídio de recaiu sobre outros povos. Foram ferramentas que viabilizaram
uma "integração" à empresa colonial e a ocupação do território canadense
atlântico pelo elemento europeu.

Certamente não foram eles os primeiros a entrar em contato com o branco que
chegava do Velho Mundo em expedições que remontam os anos de 1525, quando
por exemplo os Bascos ocuparam o Canadá Atlântico até por volta de 1565.
Porém tal ocupação não se dava em regiões habitadas expressivamente por
Mik'maqs e mesmo se assim fosse, os Bascos estabeleciam ocupações
intermitentes do território atlântico, mais por interesse exploratório,
seja em virtude da valiosíssima atividade pesqueira do Bacalhau ou devido
ao comércio de peles que começava a aquecer a região.

The relationship between the indigenous peoples and non-natives has
been shaped by practical, often economic, factors. The record of
Indian-white relations in Canada is one molded by the reasons that the
various parties have had for making contact and maintaining
relations.[iv]

As Províncias que compreendem o que chamamos de Canadá Atlântico foram
portanto e naturalmente as primeiras regiões de contato entre europeus e
autóctones. Hoje elas correspondem às províncias de Novo Brunswick, Nova
Escócia, Labrador, Terra Nova e Ilha do Príncipe Eduardo.[v] Em termos
hidrográficos a região é atravessada por dois golfos fundamentais, o de São
Lourenço e o do Maine. O Golfo de São Lourenço é uma região historicamente
estratégica para a ocupação colonial canadense e hoje assume uma dimensão
simbólica nacional, sendo uma das representações históricas do país. Houve
um tempo na história canadense em que o grupo que dominasse a
navegabilidade do São Lourenço dominava o próprio Canadá colonial. Arrisco-
me a afirmar que ele tem a dimensão simbólica que teve para nós o Amazonas,
embora confesse que isso não passe de uma suspeita de minha parte.

Em termos etnográficos o Canadá Atlântico (especialmente no contexto das
Províncias Marítimas) era ocupado por três povos de grande envergadura
cultural e política já no século XVI: os Mi'kmaq, os Malisheet (já
mencionados anteriormente) e os Passamaquody, todos ligados a uma
denominação gentílica maior, na verdade uma gigantesca civilização
autóctone canadense, os Algonquinos[vi], aos quais vários destes povos
pertenceram culturalmente.

Os Mi'kmaq foram dentre esses os primeiros a estabelece um contato de tipo
comunitário, não-esporádico ou furtivo. A partir de 1604, com a fundação da
colônia da Ile de Sanite-Croix e o envio de jesuítas franceses para o
Canadá, os Mi'kamq estiveram na linha de frente destes primeiros encontros,
sendo um caso interessante em termos analíticos referente a mesma questão
da confecção da alteridade abstrata que nos levanta Todorov (2002. p.3).

A colônia de Port Royal, fundada logo depois pelo assentamento no que hoje
é a Nova Escócia, de 80 membros iniciais vindos de diversas regiões
francesas é o início de um experimento de ocupação que se tornará no futuro
a Nouvelle France e posteriormente a Acádia, na qual os Mi'kamq
desempenharão um papel importante em termos de integração e relações entre
brancos e autóctones. As interações entre Mi'maq e Acadianos serão
exploradas mais adiante.

Também conhecidos como L'nu´k ou Mikmaws os Mi'kmaq ainda ocupam a mesma
região histórica onde foram encontrados pelos europeus estendendo-se também
pelo Quebec, apenas recentemente. Sua língua sofreu poucas modificações e
ainda representa um legado vivo das línguas algonquinas orientais, com uma
escrita alfabética atual que substituiu os belíssimos hieróglifos que no
passado compunham o seu corpo gráfico. A cultura gráfica Mi'kmaq é de
chamar atenção na medida em que alguns outros Primeiros Povos eram
fundamentalmente ágrafos, embora de cultura oral profunda e rica, como os
Beothuks exterminados para sempre em 1823.

A Companhia de Jesus não mediu esforços para que seus membros rapidamente
dominassem a língua Mi'kmaq afim de iniciar a atividade da catequese. A
colonização do imaginário do outro requer do colonizador uma imersão
sistemática em sua cultura e línguas, muitas vezes abrigado na fantasia de
que essa imersão instrumental não o afetaria; de que sairia incólume ao
retornar para seu lugar original. Improvável. Impossível. Tanto Jesuítas
como Mi'kmaqs impactaram-se uns aos outros neste processo de confecção
abstrata do outro, o que resultou na violência do elemento europeu
certamente, mas também em comunicação, em hibridismo e adesão, elementos
inalienáveis ao processo de contato e conquista.

O impacto do contato com um sistema religioso externo, europeu por
excelência e dotado de um projeto de catequese que se afinava com a
atividade da ocupação, colonização e conquista produzirá necessariamente
efeitos profundos na vida dos Mi'kmaq, não apenas em seu modus vivendi
econômico que já se estabelecia antes da chegada dos franceses ao Canadá
pelas relações de troca e comércio não-monetário de peles com outros Povos
Originais, que levaram os Mi'kmaq muitas vezes a conflitos intra-
algonquinos, a exemplo das sangrentas guerras com os Malisheets e outras
rivalidades importantes que muitas vezes serviram como instrumento de
controle pelos colonizadores posteriormente.

A chegada do elemento colonizador aqueceu o comércio de peles, acentuando a
pesca da baleia no Pacífico Norte e do Bacalhau na própria costa atlântica
e isto não deve ser minimizado; o pensador inglês Francis Bacon chegou a
afirmar em 1608, que "a prática da pesca em Newfoundland era inesgotável,
sendo mais valiosa para o Império do que todo o ouro do Peru."
(Fergunson:2005)[vii]
A adesão mais ou menos sincera das camadas dirigentes às sociedades
dos vencedores, o papel ativo dos índios de igreja, o desaparecimento
do aparato dos antigos cultos substituídos por instituições cristãs, a
exploração colonial sob suas formas mais diversas e mais brutais, para
culminar, a colossal perda demográfica, transformaram a existência
cotidiana de todos os indígenas.[viii]

Apesar de referir-se ao caso mexicano e não ao canadense, o argumento acima
nos ajuda a compreender o processo de intervenção e alteração sofrido pelas
civilizações indígenas como resultante do contato com os europeus
especialmente no campo ideológico, onde podemos localizar, com certa
licença conceitual os sistemas religiosos instrumentalizados para a
conquista e colonização.

Os Mi'kmaq estabeleceram desde os primeiros contatos com os franceses,
futuros acadianos, um dinamismo de integração profundamente atravessado
pelo catolicismo jesuítico. Ainda hoje uma boa parte dos Mi'kmaqs
residentes no Canadá são fervorosos católicos romanos, o que demonstra não
apenas uma permanência colonizadora de longa duração em tempos pós-
coloniais, como a força que a proposição/imposição do catolicismo imbuído
do espírito contra-reformista produziu no mundo Mi'kmaq. Muitos Mi'kmaq
ainda hoje relatam que já conheciam o símbolo da cruz como um adereço
religioso antes da chegada dos jesuítas a partir de 1604.

Em uma narrativa que mais se aproxima de um mito fundador posterior do que
propriamente passível de comprovação, conta-se a história de que antes dos
primeiros contatos uma índia doente teria sido visitada por uma senhora que
pediu que ela recolhesse na floresta dois gravetos e os pusesse de maneira
cruciforme sobre seu abdome; a cura lhe seria garantida. O milagre ocorreu
e a partir de então os Mi'kmaq passaram a usar cruzes penduradas ao peito
como símbolo de proteção, para o estarrecimento dos jesuitas quando os
viram pela primeira vez ostentando-as em seu corpo.[ix]

A conversão religiosa de Membertou, Sakmow (chefe) dos Mi'kmaq no dia 24 de
junho de 1610 foi o símbolo do princípio dessa relação que atingirá seu
apogeu com a expulsão dos acadianos pelos ingleses em 1755. Membertou
aceita o batismo tornando-se o primeiro indígena canadense cristão, e
recebendo dos jesuítas o nome Henri Sachem Membertou, e sua esposa,
igualmente batizada passa a chamar-se Marie Membertou. Curiosamente seus
nomes de batismo são homônimos do rei e rainha da França naquele momento.
Naturalmente isto não se dá de forma aleatória. Trata-se, como nos
esclarece Gruzinsky de um processo de adesão "mais ou menos sincera" das
camadas dirigentes sociedades dos vencedores." (2003:p.219)

No século posterior os Mi'kmaq destemidamente protegeram os acadianos o
quanto puderam do que foi um dos mais trágicos episódios da Acádia, o Grand
Derrangement, narrado no poema épico de Henry W. Longfellow, Evangeline, e
que até hoje povoa o imaginário cultural e histórico do Canadá Atlântico.
Tal episódio criou um processo diaspórico sem precedentes na história do
Canadá e talvez na das Américas. Mi'kmaqs honraram sua aliança histórica
com os acadianos, escondendo-os e criando uma rede clandestina de proteção
que poupou muitos deles, salvando-os da morte pura e simples ou criando
rotas de fuga para a Luisiana, Caribe ou de volta à França, comprovando o
funcionamento (para o bem e para o mal) dos mecanismos de integração entre
nativos e não-nativos na esfera do Canadá Atlântico no século XVII.


2. MI'KMAQ E ACADIANOS: HISTÓRIA, INTEGRAÇÃO E ALIANÇAS NO ENTRE OS SÉCULOS
XVII E XVIII.


Como dito anteriormente, a relação entre Mi'kmaqs e Acadianos se deu desde
um primeiro momento de forma intensa. O estranhamento automático de dois
mundos que se olham nos olhos e buscam ocupar um o imaginário do outro deu-
se entre as duas "comunidades" de forma precoce. A despeito de todos os
problemas que viriam a marcar no futuro a trajetória do povo Mi'kmaq em
virtude de sua possível subalternidade em uma sociedade colonialista e
ocupante, Acadianos e Mi'maq reconheceram-se, e isso contribuiu fortemente
para que suas relações chamassem a atenção dos historiadores que se
debruçam sobre a história do Canadá Atlântico.

Mais do que isso, esse reconhecimento e estabelecimento de uma rede de
comunicação e conversação desde a fundação da colônia da Ile de Sainte
Croix em 1604, seguida de Port Royal em 1605 estendeu-se até a diáspora
acadiana de 1755, quando os ingleses expulsaram-nos da Acádia, sob protesto
e até mesmo socorro dos descendentes históricos de Henri Membertou, o
Grande Chefe L'nu'k[x].

Mas em que consiste exatamente a Acádia e seu povo? Quem são os acadianos e
porque exatamente chamam-se desta forma? Iniciemos pelo ápice histórico da
formação dos acadianos enquanto "comunidade imaginada", ou povo autônomo.
Tal ápice deu-se no século XIX, a partir de 1860, período que alguns
historiadores canadenses denominam de Renascença Acadiana. (LANDRY:2013,
p.213).[xi] Este período culminaria com um movimento pela autodeterminação
cultural e identitária dos acadianos em duas Convenções Nacionais, entre
1881 e 1884.[xii] Nestas duas reuniões decidiu-se a confecção de símbolos
nacionais acadianos como bandeira, hino e lema nacional, bem como uma data
nacional para a Acádia. Tais símbolos ainda são cultuados nas províncias
que correspondem a Acádia do passado.

Possivelmente este movimento de organização dos acadianos como uma
comunidade nacional foi influenciado pelas ondas nacionalistas que se
traduziram na Primavera dos Povos, a partir de 1848 na Europa, porém tal
relação não é algo que se encontre na historiografia canadense de forma
clara. Fato é que o século XIX representou para os acadianos um processo de
"retomada" identitária após as grandes instabilidades do século XVIII,
alimentadas pela diáspora e por tentativas de retorno ao Canadá Atlântico
depois de passado o radicalismo da expulsão de 1755.

O termo Acádia é bastante antigo na nomenclatura gentílica e territorial do
Canadá Atlântico e remonta de fato às primeiras ocupações espaciais que se
deram no século XVII, localizadas no contexto da formação da Nouvelle
France, logo em princípios dos seiscentos.


Colonos franceses se estabeleceram na Acádia em princípios do século
XVII. Sua implantação, ao longo do litoral da baía francesa (baía de
Fundy) é um traço importante na compreensão da trama histórica que se
preparará mais adiante. O distanciamento desta pequena comunidade
francesa em relação a uma outra, mais importante no vale do Rio São
Lourenço forçaria a Acádia a "viver seu isolamento". Ainda que
dotados de uma origem comum, uma clivagem cultural se estabelecerá
entre as duas comunidades. As ligações com a frança reduziram-se a uma
expressão cada vez mais simples e
nenhum aporte migratório seria acrescentado à colônia após 1672.[xiii]



Para compreendermos a origem do nome Acádia será preciso recuar as
primeiras expedições ao Atlântico Norte, lideradas pelo navegador e
explorador florentino Giovanni da Verazzano (1485-1528) que em uma de suas
expedições deu a uma região que hoje corresponde ao estado norte-americano
do Delaware o nome de Archadia, em 1524-1525. No mesmo ano de 1524
encontram-se nas notas de bordo de um navegador português de nome Estevão
Gomes (1483-1538) o nome Arcadia referindo-se a toda a região atlântica
setentrional até Newfoundland. Curiosamente, algumas décadas depois, mais
precisamente em 1566, um cartógrafo de nome Bolongnini Zaltieri utiliza o
termo Larcadia para referir-se a outra região, que corresponde hoje ao Novo
Brunswick e a Nova Escócia.[xiv]

Apesar de contatos feitos anteriormente com os Mi'kmaq em terras acadianas
por personagens importantes da dinâmica exploratória canadense como Jacques
Cartier[xv], foi com os primeiros franceses ocupantes (e não simplesmente
exploradores) que eles estabeleceram mecanismos relacionais de fato.
Desnecessário dizer que a ocupação do Canadá Atlântico em seus primeiros
momentos não se deu de forma fácil, nem tampouco confortável. Diante de uma
topografia desconhecida associada a um clima surpreendente e nada
previsível, os 80 franceses que fundaram sob a liderança de Pierre de Mons
e Samuel de Champlain a Ile de Sainte-Croix na Nova Escócia quase não
sobreviveram ao primeiro inverno. De hipotermia e escorbuto morreram 36
deles. A sobrevivência do restante só foi possível graças a provisões
(peles e outros elementos infra-estruturais) fornecidas por Mi'kmaqs a seus
novos vizinhos.

O quilate deste gesto do elemento autóctone para com o arrivista
dificilmente pode ser precisado pelo historiador. Boa vontade?
Solidariedade? Piedade? Estes não são elementos analíticos que passam pela
narrativa do historiador, ao menos não em primeira mão. Entretanto o fato
de Mi'kmaq aproximarem-se dos franceses na primeira hora pode nos remeter
ao argumento de Guuzinsky explorado anteriormente acerca da sinceridade
mediana do olhar indígena sobre o elemento europeu no caso da ocupação
mexicana. Poderíamos aplicar esse argumento, talvez sentimental (como
avaliar ou quantificar algo tão subjetivo como a sinceridade?) ao caso dos
Mi'kmaq para com os fundadores da Acádia? Uma questão de difícil resposta
que nos remete ao cálculo dos fatos: os primeiros acadianos sobreviveram ao
primeiro inverno de 1604-1605. E isto foi possível apenas porque os Mi'kmaq
vieram em seu socorro. Ponto final. E esta seria a primeira, mas não a
única em que a ajuda viria. Ajuda e proteção.

Apesar da largueza do termo Acádia (especialmente se o deixarmos livre nas
mãos dos navegantes e cartógrafos mencionados anteriormente) a Acádia
colonial é relativamente precisa. Trata-se de um território que compreende
o que hoje conhecemos como "Les Maritimes", das quais falamos
anteriormente, uma parte do Quebec e uma parte do estado norte-americano do
Maine. É possível somarmos à essas terras as províncias de Newfoundland e
Labrador, mas o coração da Acádia encontra-se no Novo Brunswick, na Nova
Escócia e Ilha de São João (hoje Ilha do Príncipe Eduardo).

É exatamente neste território que os Mi'kmaq floresceram antes dos
primeiros contatos com europeus e continuarão a florescer depois do mesmo.
Resistentes ao processo de desumanização do elemento autóctone inerente a
todo processo colonialista, os Mi'kmaq submeteram-se sem sucumbir,
adaptando-se a um sistema colonial que introduziu em sua realidade a
aceleração e aquecimento de um comércio que eles já manipulavam, sem a
sofisticação trágica das regras de mercado trazidas de fora e que trouxeram
mais violência do que antes, porque uma nova tecnologia de confronto em
torno das armas de fogo acompanhava a cruz jesuítica.

The Mi'kmaq regarded themselves as Mi'kmaq who were also New World
peoples. Being New World peoples was a necessity for survival insofar
as colonial oppression could not be avoided, and the threat of
dispossession, illness, or starvation required that native peoples
continually acknowledge and contend with the British presence in
Acadia.[xvi]

A reflexão acima, proposta pela historiadora canadense Jennifer Reid
levanta uma questão e aponta um dado: a questão levantada é a da
necessidade de os Mi'kmaq se pensarem enquanto um povo pertencente a uma
região a partir da chegada do outro, europeu, configurado naturalmente como
o de fora. As relações com os acadianos, naquilo que puderam render aos
Mi'kmaq traços positivos, serviram-lhes como ferramentas de sobrevivência
diante de um sistema colonial que se lhes impunha. Isto não significa uma
classificação arbitrária que define o autóctone como ardiloso e
estrategista. Mas é preciso que localizemos essa aliança Mi'kmaq-Acadiana
no campo da sobrevivência de ambos, mas especialmente do primeiro, e a
conversão de Membertou ao catolicismo pode ter sido um gesto que apontava
para esse caminho sem volta: sobreviver.

Já o dado que podemos aproveitar do texto citado consiste na presença
Britânica em uma Nova França, cujo lado mais valioso é a Acádia, já que sua
dimensão litorânea e atlântica a insere em uma fronteira com o mundo
exterior. Os Britânicos sempre ocuparam de alguma forma a região, e suas
contendas com os franceses são muito anteriores as Guerras Coloniais que
ocorrerão entre França e Inglaterra no século XVIII. O palco dessas guerras
estende-se do Canadá Atlântico ao Vale de Ohio, berço da Guerra-Franco
Indígena ocorrida entre 1756 e 1763, que está na origem da Revolução
Americana.

Uma das preocupações britânicas com relação a Acádia é o crescimento
expressivo de sua população, bem como sua capacidade de relacionar-se com
índios, especialmente com a comunidade Mi'kmaq. O primeiro censo de 1671
revela um contingente populacional de 400 acadianos, número que em menos
de 80 anos chegará a 16.000 pessoas[xvii] tal como aponta o censo de 1755.
Tal crescimento demográfico se dá especialmente a partir de 1713, data da
assinatura do Tratado de Utrecht[xviii], quando a Acádia passa a pertencer
oficialmente a Inglaterra, nunca mais retornando à soberania francesa. Isto
implicou no fato de sujeitos francófonos passarem à soberania da Coroa
Inglesa, tendo que jurar coletivamente fidelidade a um Rei Inglês.

Yet for the Acadians, the change would be much more than this
[disputed boundaries between France and England]. Their circumstances
were indeed altered, from those of a people of the periphery of French
power to those of a border people of the English Empire. International
agreement had made them, should they remain in the lands they have
settled, the legitimate subjects of the British crown.[xix]

A britanização da Acádia a partir de princípios do século XVII não afetou
apenas acadianos mas igualmente Mi'kmaqs. Os supostos 45 anos de relações
estáveis entre acadianos e ingleses que se seguiram, classicamente
conhecidos como a Idade de Ouro Acadiana, podem ser perfeitamente
questionados. Port-Royal, um dos berços históricos da Acádia é rebatizada
de Annapolis Royal e a Ile de Saint-Jean passa a chamar-se Prince Edouard
Island, nome ainda usado nos dias atuais. Isso demonstra a clara e bem
sucedida tentativa de uma Pax Britanica que começava a redesenhar o Canadá
Atlântico inteiro, com exceção de alguns entroncamentos franceses como
Louisbourg, que será destruída no cerco de 1758, no contexto da Guerra dos
Sete Anos.

A expulsão dos acadianos do Canadá Atlântico é um dos temas mais espinhosos
da história canadense. Não pela sua aridez, pois há muito material já
pesquisado sobre o tema nas universidades do país com destaques para as
Universidades de Moncton, onde encontra-se o Centro de Estudos Acadianos
Anselme-Chiasson e universidades de maior porte como a Universidade de
Toronto. Trata-se de um tema mais doloroso do que propriamente complexo. Há
aqueles que defendam a tese do genocídio dos acadianos e os que preferem
enfatizar a questão da expulsão e sua conseqüência mais grave: a diáspora
de uma comunidade, de um "povo".

Os Mi'kmaq foram testemunhas oculares de todo o processo, cujo ápice é o
ano de 1755 (sem esquecermos o Cerco a Louisbourg de 1758) e mais do que
simplesmente testemunhas, estabeleceram-se como atores históricos durante
os anos de expulsão dos acadianos. Tendo estabelecido desde o início uma
relação íntima com estes (que chegou a produzir casamentos inter-
comunitários) o elemento Mi'kmaq foi sempre visto no contexto pós-1713 como
um proxy autóctone dos franceses em um Canadá fundamentalmente britânico.
Portanto não são apenas os acadianos que recaem sob a suspeição britânica,
mas Mi'kmaq também recebem dos súditos ingleses um imenso voto de
desconfiança que se confirmará no modo como estes agirão quando der-se de
fato o processo de esvaziamento da Acádia na segunda metade do século
XVIII.

Curiosamente, durante a sua primeira metade os Mi'kmaq fizeram sua parte na
construção de uma relação política com os ingleses, independente de sua
relação com os acadianos, o que revela uma capacidade interessante de
elaboração estratégica e mobilização sistêmica. Acordos assinados em 1725
assegurava-lhes direito a pesca e a caça em terras definidas como
propriedades suas, que antes eram disputadas inclusive entre estes e
"colonos de Sua Majestade." Tais acordos não se deram pela simples
negociação diplomática mas pela capacidade e desempenho dos Mi'kmaq em uma
guerra de três anos com os ingleses no Canadá Atlântico, que custou aos
últimos mais do que esperavam. A Guerra da Confederação Wabanaki[xx] contra
a Nova Inglaterra (confederação integrada pelos Mi'kmaq) durou entre 1722 e
1725 e terminou como um jogo de soma zero entre colonos e indígenas. A
confecção de tratados de paz e comércio era um imperativo.

Já as vésperas da expulsão dos acadianos, os Mikmaq assinaram outro
importante tratado com os ingleses, protagonizado pelo Chefe Jean-Baptiste
Kopit, que atuou como uma importante liderança política da Subenacadie,
importante território Mi'kmaq na Nova Escócia. Kopit firmava com os
ingleses o Tratado de de Paz de 1752 que propunha a cessação das
hostilidades com os ingleses por um prazo mínimo de 75 anos. Ou seja: a
capacidade de articulação política dos Mi'kmaq no novo contexto inglês
parece ter sido extraordinária e isso pode nos ajudar a entender a sua
futura habilidade no enfrentamento com os ingleses e na formação de uma
rede de proteção dos acadianos quando os britânicos impuseram aos últimos
aquilo que chamaram com certa dose de ironia de A Great Noble Scheme.

In the Autumn of 1755, officers and troops from New England, acting
under the authority of the colonial governor of Nova Scotia and
Massachussetts, systematically rounded up more than 7.000 Acadians,
the French speaking, Catholic inhabitants who lived in communities
along the shores of the Bay of Fundy. Men, woman and children alike
were crowded into transports vessels and deported in small groups to
other British colonies. Many families were separated, some never to
meet again. Another 10.000 Acadians managed to escape and spent years
as refugees. Hundreds of them were captured and deported, while others
took up arms in resistance. Meanwhile their property was plundered,
their communities were torched, their lands were seized.[xxi]

Talvez este seja um dos relatos mais sucintos daquilo que os acadianos
denominaram de Le Grand Derrangement, ocorrido na virada da primeira para a
segunda metade do século XVIII. Mais do que simplesmente a imposição de um
regime jurídico sobre os acadianos desde 1713, os ingleses em pouco tempo
decidiram que era preciso mais do que isso; a lealdade acadiana nunca fora
de fato confirmada no ambiente político da Nova Inglaterra e as rivalidades
continentais entre os dois países pode ter contribuído enormemente para
esta escalada de desconfiança que desembocou na desterritorialização de
quase 20.000 pessoas.

We are upon a great and noble Scheme of sending the neutral French out
of this Province, who have always been secret Enemies, and have
encouraged our Savages to cut out throats. If we effect their
Expulsion, it will be one of the greatest Things that ever the English
did in America; for by all accounts, that Part of the Country they
possess is as good Land as any in the World : in case therefore we
could get some good English Farmers in their Room, this Province
would abound with all kinds of Provisions.[xxii]

A tensão entre Inglaterra e França aumentara consideravelmente desde 1740 a
partir do reposicionamento de alianças no continente europeu. A Inglaterra
aproximava-se gradualmente de um aliado histórico dos franceses, a Prússia,
e constrangia a França a aproximar-se da Áustria. Este processo ficou
conhecido na história das relações internacionais do século XVIII como a
Revolução Diplomática ou Quadrilha dos Estados e desencadeou a Guerra dos
Sete Anos (1756-1763) que terá consequências importantes na esfera
atlântica e americana como já sabemos. Muito possivelmente os antecedentes
da States Quadrille produziram impactos no aumento dos dilemas de segurança
entre França e Inglaterra no contexto americano e a expulsão dos acadianos
inscreve-se perfeitamente nisso. Há naturalmente as dinâmicas internas
deste processo, mas a contextualização do sistema internacional daquele
período nos ajuda a compreender melhor certos elementos causais do
processo.

Os Mi'kmaq exercerão um papel fundamental na resistência contra os ingleses
na medida do possível no que tange a deportação dos acadianos, inclusive
colocando em cheque a grande trégua de 1752, assinada pelo sakinow Jean-
Baptiste Copit. Rotas de fuga serão estabelecidas para salvar vidas
acadianas, abrigo de famílias fugitivas, medidas protetivas as mais
diversas mas também a inserção dos Mi'kmaq no contexto bélico maior onde os
próprios acadianos serão atores de frente. A aliança entre acadianos
resistentes e indígenas provou certa eficácia frente ao poderio inglês na
Acádia, especialmente na Nova Escócia onde ambos estabeleceram uma
coligação de combate e contenção aos ingleses.

Mais do que simplesmente elementos subalternos e passivos em uma sociedade
colonial naturalmente cruel e assimétrica, os Mi'kmaq souberam desde o
início que sua sobrevivência lhes custaria caro e de que o preço desta
estava diretamente ligado a sua capacidade de inserção e articulação tanto
nos modos de produção desde novo Novo Mundo, como nas correlações de força
entre os grupos de poder e pressão no Canadá Atlântico. A aliança original
com os acadianos pode ter lhes aberto os olhos, mas muito mais do que isto,
lhes abriu o caminho para formular possibilidades diversas de sobrevivência
e auto-determinação neste mesmo contexto. Os séculos XVII e XVIII foram
fundamentais neste processo para esta First Nation canadense. Os séculos
subseqüentes seriam ainda mais desafiadores.


REFERÊNCIAS
-----------------------
[i] REID, Jennifer. Myth, Symbol and Colonial Encounter. British and
Mi'kmaq in Acadia 1700-1867. University of Ottawa Press, 1995.
[ii] TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. A Questão do Outro. Ed.
Martins Fontes, 2002. p.3
[iii] Os seis trocos centrais dos Primeiros Povos são denominados pelo
Governo do Canadá a partir de suas localizações regionais e culturais.
Trata-se de uma classificação oficial do estado, tal como segue: Primeiras
Nações Florestais, Iroqueses, Primeiros Povos da Planície, Primeiros Povos
do Planalto, Primeiros Povos da Costa do Pacífico, Primeiros Povos das
Bacias Makenzie e Yukon. Para saber mais acesse a agência governamental
canadense para assuntos indígenas: www.aadnc-aadnc.gc.ca
[iv] MILLER, J.R. Skyscrapers Hide the Heavens. A History of Indian-White
Relations in Canada.University of Toronto Press, 200. p. ix-x.
[v] Para visualizar um mapa desta região acesse:
http://f.tqn.com/y/gocanada/1/S/I/2/-/-/MaritimesMap.jpg
[vi] Os Algonquinos ultrapassam o estatuto de uma simples comunidade
autóctone canadense. Eles são na verdade o berço civilizacional do qual
derivam diversos Primeiros Povos, como por exemplo os próprios Mi'kmaq, mas
também os Cree e os Malisheet. A civilização algonquina espalhou-se pelo
Vale de Ontário, pelo Quebec oriental e por todo o Canadá Atlântico, bem
como por partes importantes da Nova Inglaterra americana, especialmente no
Maine.
[vii] Na realidade trata-se de um panfleto assinado por Bacon incentivando
a atividade colonial inglesa no Canadá. O texto original do panfleto é tal
como segue: "The Gold Mines of the Newfoundland fishery, of which there
is none so rich..." (grifo meu). In: SEBEK, Barbara, DENG, Stephen. Global
Traffic. Discourses and Practices in Englsish Litterature and Culture from
1550 to 1700. Ed. Palmgrave McMillian, 2008, p205.
[viii] GRUZINSKY, Serge. A Colonização do Imaginário. Sociedades indígenas
e ocidentalização no México espanhol. Séculos XVI-XVIII. Ed.Companhia das
Letras 2003, p. 219.
[ix] O relato desta história pode ser encontrado em um documentário The
Mi'Kmaq Nation - A Story of Survival, produzido pelo projeto Canadian
Heritage em comemoração aos 400 anos do Chefe Henri Membertou e dirigido
por James Mallon. Acesse aqui: https://www.youtube.com/watch?v=l-Infp9jmdM
[x] O termo L'nu'k é sinônimo de Mi'kmaq. Trata-se simplesmente da maneira
pela qual Mi'kmaqs ainda hoje preferem denominar a si mesmos. A tradução é
simplória e curiosa: gente, homem, pessoa.
[xi] LANDRY, Michelle. Esquisse d'une genèse de la société acadienne.
Recherches sociographiques, vol. 54, n° 2, 2013, p. 305-323.
[xii] A última Convenção Nacional Acadiana deu-se em 1979, somando um total
de 16 assembléias.
[xiii] "Des colons français s'établissent en Acadie au tout début du 17e
siècle. Leur implantation, le long du littoral de la baie Française (baie
de Fundy), est importante dans la compréhension de la trame historique qui
se prépare. L'éloignement de cette petite communauté française par rapport
à celle plus importante de la vallée du Saint-Laurent allait contraindre
l'Acadie à « vivre son isolement ». Bien que d'origine commune, un clivage
culturel se dessina forcément entre les deux communautés. Les liens avec la
France étaient aussi réduits à leur plus simple expression, et aucun apport
migratoire. français ne viendra grossir les rangs de la colonie après
1672."
LEBLANC, Robert. Les migrations acadiennes. CAHIERS DE GÉOGRAPHIE DU
QUÉBEC,
Vol. 23, no 58, avril 1979, 99-124, p.100.
[xiv] MARSH, James H. The Canadian Encyclopedia. McClelland /Stewart.
Toronto, 2000. pp. 07-12.
[xv] Jacques Cartier (1491-1557), juntamente com John Cabot (1450-1499) e
Samuel de Champlain (1567-1635) são considerados os três maiores
"descobridores" do Canadá e figuram quase que unanimemente no imaginário
histórico dos canadenses.
[xvi] REID, Jennifer. Myth, Symbol and Colonial Encounter. British and
Mi'kmaq in Acadia., 1700-1867. Ed. University of Ottawa, 1994, p.102.
[xvii] LEBLANC, Robert. Les migrations acadiennes. CAHIERS DE GÉOGRAPHIE DU
QUÉBEC,
Vol. 23, no 58, avril 1979, 99-124, p.102.
[xviii] O Tratado de Utrecht de 1713, apesar de se dar no contexto de uma
questão ibérica ( A Guerra de Sucessão Espanhola de 1702-1714) regulamenta
uma série de disputas entre Portugal e França, e entre esta e a Inglaterra.
É neste tratado que uma boa parte do Canadá Atlântico passará as mãos
britânicas, consolidando o que mais tarde chamar-se-ia de a América do
Norte Britânica (British North America) em um contexto pós-Independência
dos Estados Unidos.
[xix] GRIFFITHS, N.E.S. From Migrant to Acadian. A North American Border
People. 1604-1755. McGill-Queen's University Press, Montreal 2005, p.254.
[xx] A Confederação Wabanaki compreendia povos originais diferentes e
remonta a fins do século XVII. Seus integrantes são os Mi'kmaq, Malisheet,
Passamaquody, Abenaki e Penobscot. A Confederação teve como última grande
atuação a Guerra Franco Indígena , terminada em 1763.
[xxi] FARAGHER, John Mack. A Great and Noble Scheme. The tragic History of
the Expulsion of the Acadians from their American Homeland. Ed. WW Norton,
Londres, 2006, p.xvii.
[xxii] Idem, p.335. Trata-se de um despacho do governador da Nova Escócia,
publicado na Gazeta da Pensilvânia no dia 4 de setembro de 1755. Grifo meu.
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