MILTON SCHWANTES E A INTERPRETAÇÃO DE GÊNESIS 1 COMO PROJETOS DE ESPERANÇA

May 30, 2017 | Autor: D. Rubens de Souza | Categoria: Hermeneutics, Teologia, Teologia biblica
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VII Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica (ABIB) Evento promovido pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Metodista e a Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). 29 ago - 01 set, 2016 Pentateuco da Formação à Recepção

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Comunicação GT 3 - MÉTODOS DE LEITURA E HERMENÊUTICAS DA BÍBLIA Coordenadores: Valmor da Silva e João Luiz Correia

MILTON SCHWANTES E A INTERPRETAÇÃO DE GÊNESIS 1 COMO PROJETOS DE ESPERANÇA David Rubens de Souza1

O presente estudo visa prestar uma singela homenagem a Milton Schwantes que nos deixou no dia 01 de março de 2012. O prof. Schwantes sempre teve presença marcante nos congressos da ABIB. Um de seus grandes legados é a proposta de interpretação do livro de Gênesis. A linguagem simbólica e mítica do primeiro livro do Pentateuco foi compreendida na perspectiva de projetos de esperança. O simbólico expressa o histórico, nesse sentido, Schwantes sugeriu uma interpretação de Gênesis 1 partindo do pressuposto de que o texto foi produzido pelos deportados no exílio babilônico, século VI a.C. Este estudo deve ser compreendido como apresentação da interpretação de Gênesis 1 feita pelo prof. Milton.

O CONTEXTO DE GÊNESIS 1 Milton escreveu um pequeno livro,2 propondo uma interpretação dos primeiros capítulos do livro de Gênesis, escrito numa linguagem simples o livro tem por objetivo animar as comunidades, um texto acessível e ao mesmo tempo revelador no sentido acadêmico.

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Pós-Graduado em Ensino de Filosofia pela UFSCar. Bacharel em Teologia pela Faculdade Dehoniana. Licenciado em Filosofia pela UNITAU. Professor de Teologia no Ensino Superior. Professor de Filosofia, Sociologia e História da rede estadual de ensino de São Paulo. Contato: [email protected]. 2 SCHWANTES, Milton. Projetos de Esperança: Meditações sobre Gênesis 1-11. São Paulo: Paulinas, 2009.

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Milton afirma que o capítulo 1 de Gênesis é um texto de cunho teológico que tem por objetivo revelar Deus em uma linguagem poética, sem interesse histórico ou científico, uma espécie de confissão de fé.3 O texto é produto da elite de Judá e Jerusalém deportada para Babilônia em 597 e 586 a.C. Milton comenta que “gente deportada e desenraizada se expressa através de Gênesis 1”.4 A narrativa deixa transparecer o conflito religioso no contexto do exílio, revela o trabalho dos exsacerdotes no sentido de conservar a identidade dos judeus que corriam o risco de perder suas tradições e se converter ao sistema cultural babilônico.5 O exílio babilônico marcou a história de Israel em dois sentidos. Primeiro, foi uma catástrofe sócio-econômica, a elite, ou classe dirigente, foram os mais atingidos pela invasão babilônica. Segundo, reacendeu a vida religiosa do povo. Os deportados, sujeitos a trabalho forçado, reativaram as lembranças e encontraram nas tradições de fé de Israel força para manter acesa a esperança de vida. Mais do que expor o assunto, Milton reler Gênesis 1 a partir de pessoas oprimidas que através da poesia tentavam reacender a chama da esperança, pessoas sofridas que encontravam forças nas lembranças e se achavam capazes até mesmo de desafiar os deuses babilônicos, pessoas roubadas que ainda a sim eram capazes de sonhar com a libertação. Schwantes afirma que Gênesis 1 apesar de ter característica de narração, é seguramente poesia. As frases seguem um ritmo, trata-se de um poema solene com reflexões: “houve tarde e manhã”, (v. 5, 8, 13). O texto era usado em liturgia nas reuniões do povo. A poesia tinha por finalidade “esquentar o coração e facilitar o movimento dos pés”.6

OS GEMIDOS POÉTICOS DE GÊNESIS 1

Situando Gênesis 1 no Século VI a.C. entre os deportados da Babilônia. O texto é a vida do povo, expressão de gente sofredora explorada pelo império, Milton indica

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Nesse mesmo sentido leia: REIMER, Haroldo. Projeto de Vida: Ensaios a partir de Gênesis 1-11. ESTUDOS BÍBLICOS, Petrópolis, n. 50, p. 10, 1996. 4 SCHWANTES, Projetos de Esperança, p. 31. 5 Sobre o contexto do exílio babilônico leia: MALLMANN, Loivo José. A Criação, obra gratuita de Deus em vista do sábado: Releitura de Gênesis -13. ESTUDOS BÍBLICOS, Petrópolis, n. 60, p. 22, 1998. 6 SCHWANTES, Projetos de Esperança, p. 31.

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as regiões onde os deportados estariam assentados, Tel Abibe, Ez 3.15, “as margens dos rios” Sl 137.1.7 A linguagem poética deixa transparecer a classe que os autores pertenciam. Exsacerdotes e ex-cantores do templo de Jerusalém deram a forma final a poesia. Gerhard von Rad, teólogo alemão que influenciou significativamente os estudos do Milton sobre o Antigo Testamento, reconhece o relato da criação como “expressão de fé da classe sacerdotal”.8 O professor do Milton em Heidelberg, Hans W. Wolff, também destacou a importância do texto para a ativação da esperança do povo de Israel: “Gênesis 1, é a última forma narrativa dos principais artigos da história antiga, na qual Israel havia encontrado sua fundação e sua fé”.9

SÁBADO: TEMPO DE ATIVAR A ESPERANÇA

Milton observa que Gênesis 1 é acima de tudo, uma liturgia de reinvindicação, segundo ele, a exigência é o sábado, o dia de descanso. No texto percebe-se que Deus não abençoa ou santifica algum lugar ou criatura em especial. “Deus abençoa um tempo determinado: o tempo de descanso. Isso talvez seja um dos marcos constitutivos da fé de Israel”.10 O povo de Israel tem um tempo santo, uma pausa no trabalho para reanimar a fé e ativar a esperança, um tempo para se voltar ao criador. Schwantes explica que os babilônios possuíam uma forma diferente para contagem dos dias da semana: “Seus dias festivos tinham origem no ritmo da lua eram, se muito, quinzenais. E, por outro lado, o trabalho forçado imposto pelos babilônios exigia atividade contínua, sem dias de festa e sem descanso”.11 Trabalhar ao sábado significava romper com as tradições, seria ceder ao modelo babilônico e consequentemente, render a idolatria. Para Israel, sábado era o dia do senhor, dia do descanso. Milton destaca que o descanso ativa a memória: “surgem as lembranças a respeito dos tempos passados, em Jerusalém. Pergunta-se: Por que estamos aqui no desterro? Uns contestam, outros afirmam a justiça do exílio (Ez 18)”.12 7

SCHWANTES, Projetos de Esperança, p. 34. RAD, von Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Aste; Targumim. 2006, p. 135. 9 WOLFF, Hans Walter. Bíblia Antigo Testamento: Introdução aos escritos e aos métodos de estudo. São Paulo: Teológica; Paulus, 2003. p. 44. 10 REIMER, Projeto de Vida: Ensaios a partir de Gênesis 1-11, p. 21. 11 SCHWANTES, Projetos de Esperança, p. 37. 12 SCHWANTES, Projetos de Esperança, p. 38. 8

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Sábado era dia de organizar o enfrentamento, tempo de manter viva a esperança de retorno. “Sábado veicula a libertação”.13 A palavra “sábado” está ligada ao verbo hebraico “shabat” que significa repousar, cessar de trabalhar. O sábado não é apenas reposição das forças para poder trabalhar mais. O sábado “é um projeto de vida do Criador, para si e para toda a criação”.14 No mesmo sentido, Westermann afirma que “a história do homem, termina no dia consagrado a Deus, na instalação do culto divino, [sábado] o dia do Senhor”.15

O VERDADEIRO DEUS CRIADOR

Dois dias são dedicados ao assunto da luz e dos astros. O povo vencido não deve fazer outra coisa a não ser adorar os deuses vencedores. “Não foi propriamente uma nação que derrotara a outra, e sim, a divindade dos vencedores que levara vantagem sobre os derrotados”.16 O relato da criação tem a ver com a religião do império babilônico. Os astros eram os símbolos principais da crença babilônica. Marduk era representado no astro sol. Esse deus babilônico era a justificação religiosa para a violência imperialista da Babilônia que, “como um rolo compressor, esmagava e subjugava inúmeros povos”.17 Destronar os deuses babilônicos tornaria o povo mais forte no enfrentamento para libertação. Milton afirma que sábado e antiidolatria fixam os parâmetros das exigências em Gênesis 1. Schwantes afirma que o texto vem desautorizar as divindades babilônicas: “tanto faz seguir o sol, lua ou estrelas. Pois tudo isso não são deuses. São partes da criação com tarefas especificas”.18 Ao destronar os deuses babilônicos o povo se faz mais forte e esperançosos o que os torna capazes de vencer o inimigo. Os astros, idolatrados na Babilônia, e que causaram tanto temor em muitos povos, foram transformados em luzeiros diurnos e noturnos nas reuniões do povo do verdadeiro Deus criador.

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SCHWANTES, Projetos de Esperança, p. 39. REIMER, Haroldo. Toda a Criação. São Paulo: Oikos, 2016, p. 62. 15 Leia sobre isso: WESTERMANN, Claus. Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Academia Cristã, 2005. p. 109. 16 ODORÍSSIO, Mauro. O mundo bem-aventurado. ESTUDOS BÍBLICOS, Petrópolis, n. 53. p. 11, 1997. 17 CORDEIRO, Ana Luisa Alves. Fortalecendo a mística, a partir de uma leitura afro-descendente de Gn 1.1-2,4a. ESTUDOS BÍBLICOS, Petrópolis, n. 97, p. 30, 2008. 18 SCHWANTES, Projetos de Esperança, p. 31. 14

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CONCLUSÃO

Milton mostra que Gênesis 1, revela a força do povo que mesmo deportado e sujeito a trabalho forçado mantinha viva a esperança de libertação. Para Schwantes a experiência do povo de Deus na Babilônia, torna-se hoje uma fonte de encorajamento para o povo que sofre. Gênesis 1 é inspirador pelo fato de revelar o concreto, por expressar de forma poética a luta do povo de Deus contra as forças da morte. A interpretação de Gênesis 1 é um exemplo do método exegético do Milton, que consiste na leitura com base na vida. Com seu jeito simples de ser e escrever Milton formou inúmeros biblistas, conquistou e animou a esperança de diversas pessoas simples e empobrecidas. Merecidamente, Milton ocupa um lugar especial na história da interpretação bíblica.

REFERÊNCIAS

CORDEIRO, Ana Luisa Alves. Fortalecendo a mística, a partir de uma leitura afrodescendente de Gn 1.1-2,4a. ESTUDOS BÍBLICOS, Petrópolis, n. 97, 2008. GASS, Ildon Bohn (org.). Exílio babilônico e dominação persa. 2ª ed. São Leopoldo: CEBI; São Paulo: Paulus, 2005. MALLMANN, Loivo José. A Criação, obra gratuita de Deus em vista do sábado: Releitura de Gênesis -13. ESTUDOS BÍBLICOS, Petrópolis, n. 60, 1998. ODORÍSSIO, Mauro. O mundo bem-aventurado. ESTUDOS BÍBLICOS, Petrópolis, n. 53, 1997. RAD, von Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Aste; Targumim, 2006. REIMER, Haroldo. Projeto de Vida: Ensaios a partir de Gênesis 1-11. ESTUDOS BÍBLICOS, Petrópolis, n. 50, 1996. REIMER, Haroldo. Toda a Criação. São Paulo: Oikos, 2016. SCHWANTES, Milton. Projetos de Esperança: Meditações sobre Gênesis 1-11. São Paulo: Paulinas, 2009. WESTERMANN, Claus. Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Academia Cristã, 2005. WOLFF, Hans Walter. Bíblia Antigo Testamento: Introdução aos escritos e aos métodos de estudo. São Paulo: Teológica; Paulus, 2003.

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