MINECRAFT - Jogos virtuais como simuladores de Estado e soberania

July 5, 2017 | Autor: Régis Cardoso | Categoria: Direito, Educação, Tecnologia, Pedagogia, Minecraft, Artigos acadêmcos
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MINECRAFT - JOGOS VIRTUAIS COMO SIMULADORES DE ESTADO E SOBERANIA Régis Cardoso1 Resumo: O presente artigo possui como finalidade apresentar uma proposta pedagógica que, por meio de jogos virtuais de tipo sandbox (neste caso em específico, o popular “Minecraft”), alia diversão a aprendizado, tornando possível trabalhar, na prática, conceitos abstratos de Estado, soberania, modalidades de governo, divisão do trabalho, sistemas monetários e assim por diante. A relevância social e jurídica deste tipo de abordagem educacional é comumente ofuscada pelo preconceito a que são submetidos os jogos de aparência infantil, não tendo sua potencialidade pedagógica explorada. Palavras-chave: Minecraft. Jogos virtuais. Proposta pedagógica. Simulação. Estado e soberania.

MINECRAFT - VIRTUAL GAMES AS SIMULATORS FOR STATE AND SOVEREIGNTY Abstract: The current article’s goal is to present a pedagogic project that makes use of virtual sandbox games (in this particular case, the popular “Minecraft”) by allying fun with learning, making it possible to handle, in practice, abstract concepts such as State, sovereignty, government modalities, division of labour, monetary systems and so on. The social and juridical relevance of this kind of educational approach is often blurred by the popular bias that stops childlike games from having their pedagogic potentiality explored. Keywords: Minecraft. Virtual games. Pedagogic Project. State and sovereignty.

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Estudante de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected] Blog: www.regiscardoso.com.br

1. TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA Em tempos de absurda ascendência informacional, é natural que muito do que já existia de forma consolidada venha a adquirir novas formas. Os processos jurídicos estão sendo progressivamente informatizados, as pessoas passaram a ter os bate-papos e as redes sociais como novos e poderosos vetores de comunicação social e até mesmo as crianças incorporaram, ainda que inconscientemente, os aplicativos de entretenimento como parte de seu processo de crescimento e aprendizagem. Diante de tais mudanças bruscas no modo como enxergamos e interagimos com o mundo, não é novidade que haja um pensamento partindo de determinados setores conservadores de que a tecnologia é essencialmente prejudicial e compromete a qualidade do desenvolvimento social, cultural e educacional dos seres humanos. Em certa medida, esta mentalidade, que, por sinal, contaminou uma parte da população, não deixa de ser saudosista, posto que valoriza outros tempos e épocas em detrimento da contemporaneidade, desqualificando esta última. Segundo este pensamento, a tecnologia da atualidade seria nociva ao desenvolvimento social em decorrência do fato de que, agora, conversa-se muito com quem está longe e pouco com quem está perto, ao passo que antigamente as conversas diziam respeito aos diálogos “em pessoa”; nociva ao desenvolvimento cultural, por conta da indústria de massas que se ancora em recursos tecnológicos para a produção, por exemplo, de músicas com efeitos sonoros computadorizados, em contraponto à “cultura de verdadeira qualidade”, desprovida de tamanhos artifícios informacionais, de modo a tornar sucedidos somente os talentos supostamente genuínos; e, finalmente, nociva ao desenvolvimento educacional, posto que antigamente se valorizava muito a rígida disciplina, enquanto hoje se prima, teoricamente, por entreter o aluno, o qual, a propósito, estaria cada vez mais disperso. Bem, já a princípio é preciso dizer que, ainda que a comunicação social tenha adquirido novas plataformas, e estas tenham em seus aspectos intrínsecos certas limitações, o advento destas plataformas jamais substituirá as formas convencionais de diálogo. Os mensageiros instantâneos não são oponentes ou concorrentes da conversa pessoal, e sim complementares. Além disso, há determinados benefícios em sistemas de diálogo virtual que ampliam inegavelmente o alcance, a disponibilidade e o acesso a conversas que, de outro modo, seriam impossíveis. Mesmo se consideradas alternativas como a telefonia móvel, em circunstâncias mais extremas (como uma distância intercontinental) esta seria uma solução financeiramente absurda, o que nos permite concluir que, além de todos os atributos supracitados, os veículos

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virtuais de comunicação são também democráticos em termos econômicos de acesso por parte da população. No tocante à suposta decadência cultural, as críticas feita à inovação dos meios de produção artística revela que quem as faz está, de fato, parado no tempo. Estes críticos agem com a arrogante postura de detentores da exímia qualidade cultural, monopolizando a arte e insistindo que somente a sua arte é válida. Recusam-se a ver, porém, que a cultura não é e não pode ser, sob circunstância alguma, algo inerte e descolado da sociedade pela qual foi produzida e que por ela é refletida. Pelo contrário: uma arte que não serve seus propósitos temporais e não contempla a mentalidade da população, a qual irremediavelmente progride, subverte sua própria finalidade artística. O melhor critério pelo qual pode-se avaliar com honestidade intelectual a cultura é a serventia que esta tem a seu público imediato; as marcas positivas que ela deixará na história da humanidade não devem jamais impedir a renovação artística e cultural. Se a contemporaneidade encontra-se imersa em uma realidade diversa da de séculos atrás, seria de uma imensa insensatez negligenciar sua sede por novos recursos em razão de uma mera erudição cultural. E por último, no que diz respeito ao comprometimento do desenvolvimento educacional, que é o mais relevante para este artigo, é assustador perceber que muitas pessoas insistem em ideias pedagógicas já ultrapassadas que demonstraram-se claramente ineficazes, para dizer o mínimo. Aquilo que se entende por “disciplina” pode ser resumido a tabuadas, horários inflexíveis, uniformes, entre outros elementos metodológicos que enclausuram a liberdade e a criatividade do aluno, desenvolvendo nele apenas um processo mecânico de produtividade forçada e desestimulando o gosto pela efetiva aprendizagem. Sob qualquer perspectiva lúcida, este tipo de abordagem não foi benéfico senão para as grandes indústrias que acabaram tendo uma imensa disponibilidade de pessoas para atuar na atividade mecânica das linhas de montagem. Ainda assim, esta metodologia mal sucedida é muito defendida e perpetuada até hoje, sob um forte apego às tradições que impede o aprimoramento das formas de ensinar e aprender. Não se trata de negar a realidade e ignorar que a tecnologia tem vários malefícios, tanto em termos de impactos negativos no modo como as pessoas se relacionam quanto ao que diz respeito à facilidade com que se comete determinados crimes atualmente. Trata-se apenas de reconhecer que, sendo a tecnologia uma ferramenta, a incumbência de seu mal uso deve necessariamente recair sobre o utilizador; a ferramenta por si só não deve ser responsabilizada por aquilo que com ela fazem. 2

A maneira pela qual se evita a utilização inadequada da tecnologia não é, obviamente, repudiando-a, na tentativa de impedir que as pessoas progridam com o tempo, e sim criando formas inteligentes e eficazes para extrair dela seu potencial benéfico, sobretudo educacional. É tirar proveito de sistemas e mecanismos já existentes — e mais importante: já usados pelos jovens — para desenvolver habilidades e reduzir o gigante abismo que há entre aprendizado e diversão; é mostrar que estas duas coisas não são auto excludentes. Os processos de aprendizagem jamais podem ser reduzidos a metodologias arcaicas de séculos passados, das quais o aluno não toma parte. É imperativo fazer com que o aluno se sinta envolvido e contemplado pelas atividades que integrem não apenas um abstrato e inaplicável estrato escolar, mas uma esfera que remeta direta e automaticamente à sua vida e aos elementos que o cercam.

2. O QUE SÃO JOGOS DE SANDBOX A maioria dos jogos possui certas restrições em termos espaciais e temporais. Eles permitem, por exemplo, que o jogador se movimente dentro de um certo campo espacial, o qual ele não pode extrapolar, pelo menos durante determinado período de tempo ou até que sejam cumpridos os objetivos estabelecidos pelo jogo. Os jogos de sandbox quebram este padrão tradicional de jogabilidade e dão ao jogador a oportunidade de fazer o que, quando e onde quiser. O termo sandbox é uma referência metafórica à caixa de areia infantil, na qual as regras e os objetivos são feitos pelas próprias crianças que nela brincam. Estes jogos supracitados comportam-se da mesma maneira. Chutam a linearidade para escanteio e o jogador não se vê obrigado a seguir um cronograma inflexível imposto pelos desenvolvedores do enredo. Em alguns casos, inclusive, como é o caso do jogo do qual trataremos neste artigo, sequer há um enredo; a quem joga é dado o poder de decidir seus próprios objetivos, seus motivos e seus meios. Ao usuário que não está acostumado com este tipo de jogo, esta falta de delimitação de objetivos pode parecer, a princípio, uma grave falha. Contudo, é comum que, eventualmente, após um tempo de jogo, sejam percebidas as vantagens lúdicas e pedagógicas das infinitas possibilidades que podem ser concretizadas conforme o desejo do jogador. O jogo se torna uma experiência menos padronizada e mais pessoal, visto que cabe a cada um construir sua própria história. É frequente os jogos de sandbox serem chamados de jogos de mundo aberto, como se as duas expressões fossem sinônimo uma da outra. Entretanto, ainda que os dois gêneros jogatinos 3

estejam intimamente atrelados, é consenso entre a comunidade gamer que o conceito “mundo aberto” é muito mais genérico e abrangente, podendo dizer respeito apenas à ausência de barreiras artificiais e de linearidade de enredo, ao passo que o conceito de sandbox resguarda em sua especificidade o fato de não impor objetivos ou regras claras. Não são, assim, a mesma coisa, tampouco coisas completamente dissociadas; poder-se-ia dizer que os jogos de sandbox estão contidos no conjunto de jogos de mundo aberto, embora esta seja uma definição um pouco tênue e flexível.

3.1. MINECRAFT: O QUE É E COMO FUNCIONA Criado pelo programador sueco Markus Alexej Persson em 2009, inicialmente em versão alfa (isto é, ainda incompleta), e futuramente ampliado e desenvolvido pela empresa, também sueca, Mojang, em 2011, Minecraft trilhou de modo extraordinariamente rápido seu caminho de ascensão no meio gamer, chegando a ganhar prêmios internacionais, quatro dos quais como jogo do ano, sendo outros dois como jogo mais inovador do ano, e assim por diante. Até junho de 2015, Minecraft vendeu mais de 70 milhões de cópias, tornando-se o jogo de PC mais vendido até hoje e o terceiro jogo de videogame mais vendido na história. Em Minecraft, o jogador é participante de um mundo tridimensional feito majoritariamente de blocos, sendo possível construir, destruir e reconstruir basicamente qualquer coisa. É como uma realidade composta por peças de Lego, exceto que muito mais dinâmica e com uma variedade enorme de cubos, cada um com propriedades coligativas e funcionais distintas. Isso por si só já possibilita, literalmente, uma infinidade de possibilidades de realidades que o jogador constrói e molda a seu bel prazer. Para ilustrar, digamos que se cortem várias árvores (que também são feitas de blocos, evidentemente): com as madeiras coletadas, pode-se construir o que bem se entende, de qualquer forma desejada. Uma casa simples? Uma embarcação? Uma catedral? Um palácio, quem sabe? Cabe ao jogador decidir. Embora a unidade mínima estrutural que compõe o universo do jogo sejam os blocos, nem tudo se resume a eles ou à própria atividade de construção. Existem muitos outros elementos que aliam a simplicidade do jogo a um certo esforço que o jogador precisa desempenhar. No modo survival, que é a alternativa ao modo creative no qual não há tais requisitos, o usuário possui necessidades básicas como fome e saúde. O jogador pode optar por encontrar seu alimento na própria natureza, caçando-o e cozinhando-o (após coletar carvão e construir uma fornalha), como pode optar, também, por produzi-lo. A produção de pão, por exemplo, é feita nestes procedimentos: corta-se grama selvagem até que, dela, surjam algumas sementes; após 4

construir uma foice, é preciso que por meio dela o chão seja carpido e que haja uma fonte de água perto, para a irrigação; as sementes são então plantadas, preferencialmente em algum lugar sobre o qual incida bastante luz solar para agilizar o crescimento; depois de um longo tempo, o trigo é colhido em blocos e com ele é feito pão. E apesar de o trigo ter sido usado como exemplificação do processo de produção alimentícia, isso não significa que esta seja a única opção do jogador; existem, ao contrário, diversas atividades agrícolas a serem exploradas que acabam acarretando uma diversificação de possibilidades. Em que pese o fato de a manutenção alimentar estar obviamente relacionada à saúde do jogador, há uma maneira ainda mais urgente e especial de garantir esta última: o abrigo. Para tornar o jogo mais divertido e, ao mesmo tempo, impelir os jogadores a criarem casas em razão da necessidade, o anoitecer traz consigo diversas espécies de monstros cujas intenções evidentemente não são nada boas. É possível batalhar com eles, e isto é até benéfico à medida que, ao matá-los, o jogador ganha itens específicos que variam de monstro para monstro, porém, a menos que se queira batalhar sempre que o sol se pôr, será preciso um lar, seja ele uma pequena caverna cavoucada pelo jogador ou uma elaborada construção. É evidente que, por ser dotado de uma grande capacidade de personalização, o jogo permite que sejam desabilitados os monstros para os que não estejam interessados nesse tipo de entretenimento. Outra característica muito particular de Minecraft remete ao próprio nome, que numa tradução livre seria algo próximo a “Atividade de Minerar”. Não se pode dizer que este seja o objetivo do jogo, posto que, como já foi dito, é um jogo de um sandbox e pressupõe a ausência de objetivos claros; entretanto, é correto inferir que a mineração é uma das principais atividades desempenhada pelo jogador. À medida que se constroem ferramentas como picaretas e pás, pode-se escavar até as profundezas do solo e encontrar diversos tipos de minérios, tais como carvão mineral, ferro, ouro, esmeralda, diamante e assim por diante. O jogo trabalha com um algoritmo específico que faz com que a probabilidade de encontrar certos minérios se diferencie em função dos estratos geológicos. Cada minério possui suas próprias propriedades funcionais.

3.2. POTENCIAL EDUCACIONAL Minecraft realiza e potencializa a necessária aliança entre diversão e aprendizagem, desenvolvendo muitas habilidades que seriam inusitadas quando se pensa em jogos virtuais. A necessidade de o jogador administrar recursos limitados — e isso cria, já de antemão, uma noção de sustentabilidade — e redirecionar a própria mão-de-obra para atingir objetivos

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estipulados por si mesmo, sejam eles produtivos, acumulativos ou arquitetônicos, desenvolve um senso de responsabilidade muito grande em quem joga. Trabalha-se também a matemática, pois cada elemento criado pelo jogador requer uma determinada quantia de outros recursos: com 3 blocos de cana-de-açúcar (como quantia mínima de produção) é possível produzir 3 folhas de papel, e estas, adicionadas a 1 pedaço de couro de vaca, dão lugar a 1 livro, nestas exatas proporções. Com 3 livros e 6 blocos de madeira, novamente como requisito mínimo, cria-se 1 bloco de estante de livros. Um jogador que pretende, por exemplo, construir uma biblioteca com 15 blocos de estantes, precisa, antes, fazer uma regra de três composta para calcular que precisará colher 135 blocos de cana, abater 45 vacas e cortar 90 blocos de madeira. Desenvolvem-se noções de biologia e geografia, já que há vários biossistemas, cada qual com suas características específicas (como a taiga ou o pântano), e sobretudo noções de geometria, posto que o jogador necessita trabalhar com blocos e estes ajudam-no a compreender conceitos de volume, perímetro e área, como já acontece em algumas escolas em Seattle, no estado norte-americano de Washington. Isso sem mencionar as dificuldades que estruturas arquitetônicas mais complexas impõem, como tetos em abóbodas côncavas, sendo necessário um planejamento prévio de como a simetria e as dimensões deverão ser repensadas e conciliadas antes da efetiva construção. Há também aplicações de conceitos de química, como quando se aquece a areia de modo a transformá-la em vidro, e de programação básica, com dispositivos de redstone, um minério fictício que permite ao jogador criar sistemas automáticos envolvendo pistões, alavancas, trilhos com propulsão automática e assim por diante. Assim que o potencial educacional do game foi descoberto, sua utilização ao redor do planeta cresceu de forma impressionante. A estimativa é de que no começo de 2013 mais de mil escolas já adotavam Minecraft como parte do ensino. Na Suécia, terra natal do jogo, este chegou até a entrar para a grade de disciplinas obrigatórias em determinadas escolas. Algumas escolas australianas, inclusive, já fazem uso do supracitado cálculo de combinações de matériaprima nas aulas de matemática. Joel Levin, professor de uma escola em Nova York, foi citado pela Folha em uma matéria acerca do jogo, dizendo que passou a usar Minecraft com seus alunos a fim de trabalhar a criatividade destes e fazê-los construir o que a imaginação permitisse. Joel fundou o blog The Minecraft Teacher, que serve como referência a professores ao redor do mundo todo que

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porventura estejam interessados em aprender com a experiência do nova-iorquino e seguir seus passos no caminho pedagógico. Na Temple University, localizada no estado norte-americano da Pensilvânia, um grupo de professores liderados pelo professor e entusiasta de Minecraft Randy Fujimoto buscam transformar a educação básica por meio do game. São várias as propostas de seu projeto; dentre elas, destaca-se a que propõe que os alunos pesquisem eventos e cenários históricos e os recriem dentro do jogo. Foi criada, por exemplo, uma réplica virtual do Manzanar, um dos campos de concentração mais conhecidos da Segunda Guerra Mundial, usado para o encarceramento dos japoneses que nasceram em solo americano, para que assim os alunos possam participar de uma atividade educativa envolvente ao construírem e sentirem-se inseridos, dentro do jogo, em um evento histórico de tamanho impacto e relevância. A história deixa de ser uma narrativa distante e os alunos passam a ser transportados para dentro dela. Uma proposta extremamente semelhante foi feita por determinadas escolas na Nova Zelândia, em parceria com o Museu Memorial da Guerra de Auckland. O mesmo se aplica a algumas escolas de Los Angeles, cujos alunos precisam visitar templos sagrados das grandes religiões mundiais e reconstruí-los no Minecraft. O potencial educacional do jogo chegou a ir literalmente até o outro lado do mundo: na China, algumas escolas pedem, durante a aula de literatura, que seus alunos reconstruam cenários de romance clássico. E, voltando ao Ocidente, o investimento aplicado neste caminho tecnológico da educação é tão grande que o Departamento de Cultura, Artes e Lazer da Irlanda do Norte financiou o CultureTech, projeto que concretizou a instalação de Minecraft em 100% das escolas de segundo grau do país. Não seria possível listar todas as parcerias que a Mojang, empresa produtora do game, fez com tantas organizações e instituições importantes: até mesmo a Fundação de Arquitetura de Chicago se interessou por esta abordagem pedagógica e criou um summercamp, uma espécie de programa intensivo de verão, para arquitetos mirins que aspiram a esta carreira e desejam desenvolver suas habilidades arquitetônicas dentro do jogo. Este tipo de iniciação à engenharia básica por meio do Minecraft também ocorre em certas escolas primárias na Escócia. No Brasil, este tipo de abordagem é escassa e tímida, mas tende a crescer: uma sala de 9º ano no Colégio Bandeirantes, em São Paulo, já utiliza o game como ferramenta para construir a própria escola e algumas partes da capital paulista e tem demonstrado resultados muito positivos e promissores. A professora emérita da UFRGS Léa Fagundes afirmou ao jornal Zero Hora que “um jogo como o Minecraft é uma prova de que o grande atrativo dos videogames não está na violência 7

ou nos gráficos elaborados, e sim na possibilidade de permitir descobertas”. Aposentada pelo Instituto de Psicologia da UFRGS e docente convidada do Departamento de Psicologia Social e Institucional e do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, dedica-se à educação há mais de quarenta anos e é pioneira na utilização da tecnologia para fins educacionais. “Os programadores não conhecem a psicologia da criança e imaginam que é a violência e a destruição que tornam os jogos atrativos. Mas o lúdico está em experimentar, explorar objetos, fazer descobertas”, explana. Minecraft tem um sucesso tão notório que foi convidado pela Organização das Nações Unidas para montar, junto ao escritório de desenvolvimento urbano e ambiental da ONU chamado Habitat, o projeto Bloco por Bloco, no qual a proposta é que jovens recuperem virtualmente áreas abandonadas. A recriação e a modificação de tais espaços têm como finalidade estimular o jogador a envolver-se com tais lugares e a revitalizá-los dentro do jogo. O projeto tem feito tanto sucesso que Lydia Winters, atual diretora da Mojang, já afirmou que há intenção de levá-lo a todos os continentes. A Mojang fez também parceria com uma gigante da computação, a Microsoft, no intuito de desenvolver o portal Minecraft in Education, uma comunidade virtual na qual professores do mundo inteiro poderão compartilhar suas experiências profissionais e didáticas com outros professores, possibilitando a formação de uma teia de inspiração e ideias, cujo alcance seja global e que consiga extrair o máximo do potencial educativo do game. A fim de facilitar a interação entre professor e aluno e gerar um ambiente semelhante ao de uma sala-de-aula, surgiu uma modificação oficial do jogo chamada MinecraftEDU que, além de fornecer servidores online para salas-de-aula individuais, também acrescenta ao Minecraft um painel de controle que atribui ao professor certos poderes, como a habilidade de monitorar o que os outros alunos fazem em tempo real, congelá-los, transportá-los para si e assim por diante.

3. O MINECRAFT E O DIREITO Ainda que haja um bom aproveitamento didático no modo single player, o verdadeiro potencial educacional abrocha-se no modo multiplayer, onde há dois ou mais jogadores num espaço online no qual podem interagir entre si e desenvolver uma ampla gama de relações que dialogam com as ferramentas do jogo. Quando a jogabilidade se dá em grupo, as atividades possíveis de serem realizadas se multiplicam, pois surge invariavelmente o fator social.

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É possível, por exemplo, criar uma divisão do trabalho, na qual os próprios jogadores se dividem em mineradores, exploradores, produtores agrícolas e arquitetos. Os mineradores dedicam-se a adquirir minérios nas profundezas do solo e a colocá-los na fornalha a fim de torná-los utilizáveis; os exploradores a percorrer o mapa (quase ilimitado) com certa destreza para encontrar recursos úteis e voltar ao local em que estão estabelecidos todos os jogadores; os produtores agrícolas a montar pequenas fazendas nas quais o solo possa ser preparado, irrigado, iluminado, protegido dos animais e usado para o plantio, sendo realizada a colheita e a estocagem de tempos em tempos; e, por fim, os arquitetos a construírem e decorarem as instalações domésticas, produtivas e de espaço comum. É claro que cabem muitas outras divisões e funções benéficas à sociedade inserida no jogo, e estas são possíveis na medida em que os jogadores as idealizam e se organizam para torná-las concretizadas. Dentre os incalculáveis aspectos da vida social que podem ser explorados, destacam-se sob a luz da especificidade temática do presente artigo os que se relacionam com sistemas primitivos de Estado e soberania. Em lugar de uma tradicionalista e exaustiva abordagem escolar a conceitos abstratos e desinteressantes para os jovens, é não somente possível como também crucial que se utilize o Minecraft para reproduzir cenários políticos que instruam, eduquem e inspirem os alunos, de modo que, ao cabo, estes efetivamente se interessem por aquilo que estão aprendendo e se envolvam de corpo e alma nas atividades didáticas. Não deixa de ser um grande passo para o ensino político de uma população despolitizada desde as bases educacionais. Tome-se como exemplo uma monarquia. Em vez de tentar apenas passar aos alunos textos que expliquem de modo expositivo e mecânico o que é e como funciona um sistema monárquico, por que não inseri-los em um e fazê-los tomar parte nas diferentes formas que um governo pode se apresentar? Um professor poderia montar uma sala-de-aula online e selecionar aleatoriamente um aluno para tornar-se o monarca. Durante estas aulas nas quais a turma se dedicaria a jogar Minecraft, todos os demais alunos precisariam trabalhar, seja com mineração, produção alimentícia ou coleta de outros recursos, e dar parte de sua produção como um imposto ao monarca. Seria interessante observar que, como num exímio simulador de Estado e soberania, não tardariam a surtir determinados efeitos como a própria rebeldia de um ou outro aluno que eventualmente se recuse a entregar parcela do que produz para um rei que nada faz, obrigando, assim, o monarca a encontrar soluções para satisfazer a população ou ser temido por ela. E só então os conceitos de Maquiavel, Hobbes, Locke etc. poderiam ser ministrados com a

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garantia de que os alunos teriam sede por sua aprendizagem, posto que aplicariam toda aquela abstração na prática, virtualmente. Ainda nesta hipótese de monarquia virtual, o professor poderia instruir o monarca a utilizar parte do imposto que recebe para financiar um exército particular; ao monopolizar a violência em suas mãos, garantiria a obediência de seus súditos. E, além da remuneração financeira, o rei poderia criar títulos de nobreza e atribuir aos nobres certos privilégios, a fim de garantir seu poder. Nesse sentido, é de suma importância perceber a quantidade inesgotável de conceitos acadêmicos que podem ser trabalhados de maneira prática e intuitiva com os jovens. É claro que, à medida que os experimentos sociais adquirem estruturas e dimensões mais complexas, o número mínimo de alunos participantes para o funcionamento da experiência pode ter que aumentar, mas isso pode ser facilmente resolvido agregando várias salas em apenas um servidor, ou mesmo interligando duas ou mais escolas, o que também é positivo por ampliar o projeto educacional e criar vínculos entre alunos fisicamente distantes. É provável que, neste processo de reprodução de determinados sistemas de governo, surjam vários impasses que causem a quebra de expectativa do professor. Entretanto, todos os eventuais problemas não serão ao acaso; são, ao contrário, intrínsecos a estes próprios tipos de governo, e decerto terão alguma correspondência histórica. Na pior das hipóteses, ainda que os súditos decidam não respeitar o soberano, esta rebeldia possui lógica e embasamento histórico. Um resultado diferente do previsível não irá interromper a experiência social, mas apenas desembocar em um dos multifacetados rumos que esta pode naturalmente tomar. Qualquer desdobramento da experiência de simular um governo no Minecraft poderá ser aproveitado didaticamente pelos alunos, seja o desdobramento previsto ou não pelo professor. O resultado será sempre frutífero. Essa fluidez é justamente o que distingue o Minecraft e o que o torna tão valioso diante de tantos outros jogos educativos que não dão espaço e liberdade para a criatividade dos jovens. Algo que pode ajudar a aproximar ainda mais as simulações educativas da realidade é trabalhar com sistemas monetários. O mais interessante seria que, a princípio, o professor deixasse a critério dos alunos definir como funcionará o sistema de trocas. O natural é que as primeiras transações entre jogadores se deem por um sistema de trocas, que também tem procedência histórica (no escambo, por exemplo), e que futuramente a complexidade dos recursos crie um certo caos de valores, até o ponto que os alunos vejam necessário, ou sejam instruídos pelo orientador nesse sentido, a criarem um sistema monetário. Essas dificuldades que a insuficiência das trocas causa na tal sociedade simulada podem ajudar os jovens a 10

entender a necessidade de uma moeda e, após a instauração de um sistema monetário, a compreender as próprias complicações inerentes a este último, como inflação, deflação, recessão e assim por diante. O critério para a escolha do objeto que servirá como moeda pode variar, mas é obviamente preferível que seja selecionado um mineral excepcionalmente raro, podendo ser, por exemplo, o diamante ou a própria esmeralda, já usada como moeda de troca para obter recursos de nonplayable characters (NPC, ou personagens não jogáveis), como moradores de vilas espalhadas pelos mapas de Minecraft. E é possível, inclusive, utilizar mais de uma moeda, desenvolvendo assim um sistema cambiável de valores, que terá sua complexidade traduzida em aprendizagem se o professor em questão for qualificado o suficiente para isso e souber conduzir a experiência com maestria e simplicidade. Nas possibilidades de sistemas de governos que os alunos eventualmente instaurem, está contemplada, inclusive, a ausência de um governo, o que torna as coisas ainda mais interessantes. As formas como a população virtual enfrentará problemas sociais e econômicos não precisam passar necessariamente por um modelo centralizado de poder, especialmente tendo um conjunto populacional pequeno, e estas novas formas podem ser inusitadas e proveitosas. Novamente: mesmo supondo a pior das hipóteses, o próprio caos seria, com efeito, um resultado frutífero, posto que poderia render reflexão e análise dos motivos pelos quais a experiência social não foi “bem sucedida”. Outros conceitos relacionados ao Direito podem ser abordados com destreza no jogo, como a propriedade privada. Pela quase inesgotável extensão do mapa frente à pouca quantidade de jogadores, não há escassez de terras e por isso acaba sendo difícil haver uma valorização de terrenos, mas nada impede que os jogadores cerquem propriedades e estabeleçam entre si a legitimidade destas. Isso tornaria possível garantir a integridade material dos bens que estão inseridos dentro da propriedade ou mesmo vender obras arquitetônicas como se fossem um item único. A aderência e a abrangência dos conceitos no Minecraft só dependem da criatividade de quem o joga ou, no caso, de quem orienta os alunos. E é justamente devido a isso que não convém citar aqui todos os tipos de modelos de governo possíveis de serem desenvolvidos didaticamente no jogo, pois seria simplesmente impossível listar tudo. A proposta aqui, inclusive, não é apresentar moldes pré-estabelecidos e limitar a eles a exploração das possibilidades didáticas. O jogo, sendo uma ferramenta, coloca seu potencial à mercê do

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utilizador e é nesse sentido que cabe ao orientador responsável tirar todo o proveito educacional que estiver ao seu alcance.

4. CONCLUSÃO Minecraft permite, com uma interface simples e intuitiva, que os jovens desenvolvam e aperfeiçoem várias habilidades e sintam-se livres para praticar diversas atividades da forma que julgarem mais apropriada. Remete imediatamente, portanto, a uma ruptura com as algemas da estática educação tradicional, que durante todos esses anos fez um desserviço a si mesma ao fazer com que o aluno associasse a aprendizagem a um processo mecânico e desestimulante. É justamente nesse sentido que se torna crucial enfatizar que o professor não precisa necessariamente tutelar os alunos de forma que estes atendam, nas experiências de simulações relacionadas ao direito, um sistema governamental predefinido ou sequer já inventado. Ainda que orientações aqui e ali sejam bem-vindas, é importante não sufocar a espontaneidade de quem participa desse tipo de atividade. Os alunos podem, e, dependendo do sistema de governo ao qual estão submetidos na vida real, provavelmente irão, promover uma eleição, atribuir determinados poderes ao eleito e ir adequando estes poderes de acordo com a necessidade, por exemplo. A representatividade, assim como os demais conceitos que se entrelaçam ao Estado e à soberania, não possui qualquer espécie de “fórmula pronta”; é extremamente benéfico que os jogadores experimentem suas diversas faces, remodelando-a e complementando-a conforme melhor acharem. Essa dinamicidade é precisamente o pomo-de-ouro deste tipo de abordagem educacional, pois desperta nos alunos um senso de mobilização e sobretudo de emancipação, em contraposição a atividades educacionais maçantes e ineficazes que os colocam como mero objeto passivo de uma metodologia engessada.

5. BIBLIOGRAFIA Wikipedia, the free encyclopedia, Glossary of Video Game Terms. Sandbox game. Disponível em: Acesso em 10 de agosto de 2015. Wikipedia, the free encyclopedia, Minecraft. Disponível em: Acesso em 10 de agosto de 2015. Minecraft Wiki, Minecraft. Disponível em: Acesso em 10 de agosto de 2015. Academia.edu, The Minecraft Teacher: An anthropological exploration of the pedagogy behind Minecraft as a teaching tool, by David Smeaton. Disponível em: 12

Acesso em 13 de agosto de 2015. Folha UOL, Game 'Minecraft' é adotado como ferramenta de ensino por quase mil escolas no mundo. Disponível em: Acesso em 19 de agosto de 2015. Folha UOL, 'Minecraft' é usado para criar réplicas de monumentos, cenários de filmes e cidades. Disponível em: Acesso em 19 de agosto de 2015. Zero Hora, Minecraft: Game usado por professores vira febre entre crianças e adolescentes. Disponível em: Acesso em 20 de agosto de 2015. The Minecraft Teacher. Disponível em: Acesso em 21 de agosto de 2015. TheGuardian, Microsoft launches site for teachers taking Minecraft into the classroom. Disponível em: Acesso em 21 de agosto de 2015. Revista Época, O mundo infinito de "Minecraft". Disponível em: Acesso em 21 de agosto de 2015. Engadget, Microsoft is launching a site to help teachers master 'Minecraft'. Disponível em: Acesso em 21 de agosto de 2015. Minecraft in Education, Why Minecraft Rewrites the Playbook for Learning. Disponível em: Acesso em 25 de agosto de 2015. TheGuadian, Minecraft free for every secondary school in Northern Ireland. Disponível em: Acesso em 26 de agosto de 2015.

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