Minicurso “Capacidade de Suporte em Empreendimentos Aquícolas em Reservatórios Tropicais (Aula 1)”

July 23, 2017 | Autor: R. Pinto-Coelho | Categoria: Limnology, Fish Biology, Aquaculture
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Minicurso “Capacidade de Suporte em Empreendimentos Aquícolas em Reservatórios Tropicais (Aula 1)” VI Congresso da Sociedade Brasileira de Aquicultura e Biologia Aquática Prof. Dr. Ricardo Motta Pinto-Coelho Professor Associado LGAR-ICB-UFMG ______________ 01 de setembro de 2014 09:00 hs às 17 hs.

Capacidade de Suporte em Ciências Ambientais

A primeira vez que o termo capacidade de suporte surgiu foi no final dos anos 1890s, quando os pesquisadores do Departamento de Agricultura dos EUA conceituaram capacidade suporte como o número de animais selvagens que uma área de pastagem poderia suportar sem a sua deterioração.

Mais tarde, nos anos 30, o conceito aparece explícito na literatura científica (Errington,1936) como o nível de abundância de populações selvagens que uma área pode conter.

Somente em 1950, o termo passa para os livros de Ecologia como o número máximo de indivíduos que um dado ambiente pode suportar (Odum,1988).

O modelo de crescimento populacional humano desenvolvido por Mauthus, foi modificado por Verhulst para incluir o conceito de “nível de saturação”, denominado capacidade de saturação ou capacidade de suporte e definido como o nível máximo de população que um dado ambiente pode suportar com base nos seus recursos finitos (alimento, água, espaço, etc.).

MODELO DE CRESCIMENTO LOGÍSTICO (VERHULST, 1838)

Na prática, estes limites têm sido comumente medidos como indivíduos, biomassa, número de espécies e considerados dependentes dos fatores que determinam este crescimento como área, volume, produtividade, alimento, mudanças ambientais, energia, etc.

Ao se transportar o conceito de capacidade suporte (CS) para ecossistemas, com o intuito de promover cultivos animais e/ou vegetais, é importante considerar a CS como uma característica intrínseca do ecossistema denotando a sua produtividade máxima e também a sua capacidade de assimilar os impactos provenientes destas atividades (Odum, 1998; Angelini, 2000).

DEFINIÇÃO E ABRANGÊNCIA DO TERMO CAPACIDADE SUPORTE

O fundamento básico do Desenvolvimento Sustentável pressupõe o uso máximo de um recurso sem causar danos a capacidade regenerativa do sistema. Uma outra interpretação da capacidade suporte para atividades humanas é a que se refere à taxa máxima de consumo de um recurso e lançamento de efluentes que pode ser sustentada indefinidamente sem afetar a integridade funcional e a produtividade dos ecossistemas (Folke et al., 1998).

AQUICULTURA ECOLÓGICA

Surge então o conceito de aquicultura ecológica, que prevê a consideração da questão ambiental como limitante à produção máxima de um determinado organismo que um dado ambiente pode sustentar, evitando assim que sejam gerados impactos ambientais (Duarte et al., 2003). O conceito de capacidade de suporte ecológica aplicado a aquicultura prevê a definição da produção máxima permissível de organismos aquáticos na qual a emissão de resíduos não ultrapasse a capacidade assimilativa do ambiente (Kautsky et al., 1997).

CAPACIDADE SUPORTE DE RESERVATÓRIOS PARA AQUICULTURA EM TANQUES-REDES

A expansão dos sistemas de aquicultura intensiva em tanques redes é frequentemente acompanhada de uma degradação do ambiente natural nas imediações da área de cultivo (Beveridge, 1996). Resíduos presentes nos efluentes da aquicultura têm sido comparados aos efluentes domésticos, adicionando grande quantidade de carbono, nitrogênio e fósforo ao ambiente.

Os efluente líquidos (água) contendo as fezes dos peixes, resíduos urinários e ração não consumida entram nos corpos d’água. Os materiais particulados sedimentam e se acumulam no fundo do ecossistema e os nutrientes dissolvidos entram prontamente na cadeia produtiva dos organismos aquáticos.

CAPACIDADE SUPORTE DE RESERVATÓRIOS PARA AQUICULTURA EM TANQUES-REDES

A acumulação de matéria orgânica aumenta o consumo de oxigênio dos sedimentos, levando, em muitos casos, a um hipolímnio anóxico que gera consequências ecológicas negativas tais como mudanças de espécies e desequilíbrios no funcionamento de todo o ecossistema. A liberação de nutrientes dissolvidos, como fosfato e íon amônio estimulam a produção primária do fitoplâncton, sendo que o aumento da biomassa algal acarreta uma elevação do consumo de oxigênio durante a decomposição, acelerando o conhecido processo de eutrofização dos ambientes lacustres.

Ração Peixes Resíduos

Uma das principais desvantagens da criação de peixes diz respeito a seus produtos metabólicos: ração não ingerida e os nutrientes inorgânicos dissolvidos excretados com as fezes que permanecem na água (Pagand, et al. 2000).

CAPACIDADE SUPORTE DE UM TANQUE-REDE (CS)

A capacidade de suporte representa a máxima biomassa sustentada por volume de tanque-rede. A CS é expressa em quilos de peixe por metro cúbico de volume útil ou submerso do tanque-rede (kg/m) Dizemos que um tanque-rede atingiu a CS quando os peixes param de ganhar peso, ou seja, quando o incremento em biomassa for nulo. O primeiro fator determinante da CS é a concentração de oxigênio dissolvido no interior do tanque-rede. Quanto menor o tanque-rede e maior a densidade de peixes, maior será a troca de renovação de água e oxigenação, portanto, maior a capacidade suporte.

CAPACIDADE SUPORTE DE REPRESAS COM TANQUES REDE

Os limites de capacidade de suporte e os níveis máximos de arraçoamento estabelecidos para o cultivo de peixes nas represas ou lagos servem como referência para estabelecer a CS do cultivo de peixes em tanques-rede.

REVISÃO DOS MODELOS DE ESTIMATIVA DA CAPACIDADE DE SUPORTE

Uma estimativa razoavelmente acurada da capacidade suporte de lagos e reservatórios pode ser feita através de modelos derivados da aplicação das equações que descrevem as respostas dos ecossistemas lacustres frente à aumentos das cargas de nutrientes como parte do conhecido processo de eutrofização artificial, e.g., Vollenweider (1968); CEPIS (1990). A premissa básica de todos os modelos desenvolvidos para este fim é de que a abundância algal é negativamente correlacionada à qualidade da água e de que o fósforo (P) é o fator limitante que controla o crescimento fitoplanctônico.

REVISÃO DOS MODELOS DE ESTIMATIVA DA CAPACIDADE DE SUPORTE

Alguns modelos têm sido desenvolvidos para prever a resposta dos ecossistemas aquáticos frente ao incremento nas cargas de fósforo oriundas da aquicultura intensiva em tanques-redes, sendo a sua grande maioria empírica e frequentemente submetida a calibrações, testes, verificações e modificações com base em dados de campo.

O modelo mais testado e utilizado é o de Dillon & Rigler (1974) e considera que a concentração de fósforo total [P] em um dado corpo d’água é determinada pela carga de P, tamanho do lago (área e profundidade média), taxa de renovação da água (fração da coluna d’água perdida anualmente para jusante) e a fração de fósforo (P) que é permanentemente perdida para o sedimento.

Profundidade média (z) = volume / área do lago Importância:

Lagos rasos são geralmente mais produtivos do que lagos profundos e a profundidade média é um meio rápido de se avaliar o potencial de produção de um corpo aquático. Também indica o potencial para ondas (vento) e eventos de mistura (tempestades) atingirem os sedimentos do fundo do lago.

PROFUNDIDADE MÉDIA (Z) – EXEMPLOS

TAXA DE RENOVAÇÃO DA ÁGUA

TAXA DE RENOVAÇÃO DA ÁGUA – EXEMPLOS

Bacia Hidrográfica Piranhas/Açu com destaque para o reservatório Mendubim, RN.

O MODELO DE DILLON & RIGLER (1974)

ESTIMATIVA DA CAPACIDADE DE SUPORTE A PARTIR DO MODELO DE DILLON & RIGLER (1974)

Com base nesse modelo, pode-se determinar a capacidade de suporte de um lago ou reservatório para a aquicultura em tanques-redes.

Parte-se do pressuposto de que a concentração original de P sofrerá um aumento como resultado da atividade de aquicultura até o nível determinado pela função dos usos pretendidos para este ecossistema. Assim, a capacidade de carga de fósforo que um reservatório pode receber pode ser expressa como a diferença entre a concentração de fósforo antes da atividade aquicola [Pinicio], e a concentração de fósforo final desejável ou aceitável [Pfinal], após a implantação do projeto aquícola.

Etapa 1: Medir a concentração total de fósforo (P-total) em equilíbrio. Considerar a concentração média anual da concentração de P-total de águas superficiais, baseado numa série temporal e espacial de amostras tomadas no ambiente em questão.

Medir P-Total inicial Etapa 2: A capacidade do desenvolvimento de um lago ou reservatório para o cultivo intensivo em gaiolas é a diferença entre a produtividade antes do empreendimento e o nível desejável/aceitável de produtividade. Normalmente, esse limite é estabelecido por normas legais (CONAMA 357).

Definir qual deve ser a P-Total final

Etapa 3: Nesta etapa estima-se a capacidade de cultivo de peixes tendo por base a quantidade aceitável de aumento das concentrações de fósforo total ( ∆P)

∆ P-Total = P-Total final – P-Total inicial

Etapa 4: Nessa etapa realizamos o balanço das duas equações associando a carga máxima de fósforo permissível no ambiente (Lp) com a quantidade de fósforo perdida nos sedimentos (Rp) através da igualdade (∆ [P] = Lp)

∆ [P] = Lp (1 – Rp) / zm.p Lp = ∆ [P] zm.p / (1 – Rp) Onde: zm : profundidade média em metros; p : taxa de renovação da água (tempo de detenção); Lp: Carga de Fósforo permitida Rp: fração da carga de fósforo que sedimenta Lp depende de profundidade média (zm) e de Rp que é o parâmetro mais difícil de estimar nesse modelo. Observação: Usando os argumentos propostos por Beveridge (1991), pelo menos 45 a 55% dos resíduos de P-total do cultivo de peixes em gaiolas são perdidos para os sedimentos, como resultado da deposição de sólidos (fezes e ração).

Fazendo um rearranjo das equações acima, temos: Etapa 4:

∆[P] = Lp (1 – Rp) / z.p

Lp = ∆[P] z.p / (1 – Rp) Rp = x + [(1 – x) R] onde x = a proporção líquida de P-total permanentemente perdida para os sedimentos como resultado da deposição de sólidos (isto é, algo entre 0,45-0,55) R = proporção de P total dissolvido perdido para os sedimentos calculado a partir da equação: R = 1/(1 + 0,614) onde o valor de 0.614 é a constante proposta por Beveridge (1991).

Uma tonelada de peixe (tilápia) contém 22,6 kg de Fósforo (P)

Conteúdo de P 2,2 % (Peso Seco)

Etapa 5: Uma vez tendo sido calculada a carga permissível / aceitável de P-Total e Rp, então a produção intensiva de peixes em tanques-rede pode ser estimada dividindo-se a carga permissível pela carga média de resíduos de P-Total por tonelada de peixe produzida. Neste cálculo, são considerados os níveis médios de fósforo encontrados nas rações brasileiras.

Segundo o modelo, em uma situação de equilíbrio:

[P] = [Pf – Pi] = Lp (1 – Rp) / z.p Onde: P são as concentrações de P-total no início (Pi), final (Pf) e [P] é o valor que corresponde a capacidade de suporte do sistema, ou seja, quanto o sistema suporta de entrada de fósforo. Lp: carga aceitável de P-total derivada da aquicultura em tanques-rede Rp: fração da carga desta carga que sedimenta e fica retida no sedimento do reservatório. Z: é a profundidade média do ambiente (em metros).

P: tempo de renovação da água

EXEMPLO PRÁTICO: CAPACIDADE SUPORTE DO RESERVATÓRIO DE SOBRADINHO

EXEMPLO PRÁTICO: CAPACIDADE SUPORTE DO RESERVATÓRIO DE SOBRADINHO

•Área superficial do reservatório: A = 2.087 km 2 = 208.700 ha ou 2.087.000.000 m2 •Volume: V= 13.634.850.000 m3 •Vazão média = 1512,35 m3/s •Profundidade média (z): V/A = 6,53 metros •Taxa de renovação (p): 1/ TR = 3,49 . Ano-1 •P-Total inicial = 8,53 mg/m3

EXEMPLO PRÁTICO: CAPACIDADE SUPORTE DO RESERVATÓRIO DE SOBRADINHO

Para a definição da carga aceitável de fósforo P-total final, após a introdução dos tanques-rede, foi considerada a Resolução CONAMA No 20, que estabelece 25 mg/m3 como valor limite para a concentração de fosfato total, adotado para a Classe de Águas dentro da Categoria II. P-Total = P-Total final – P-Total inicial = 25,0 - 8,53 = 16,47 mg/m3 Considerando-se R = 0,468 e x = 0,5

Rpeixe = x + [(1 – x) R] = 0,5 + [(1-0,5) 0,468] = 0,734

EXEMPLO PRÁTICO: CAPACIDADE SUPORTE DO RESERVATÓRIO DE SOBRADINHO

A carga aceitável de Fósforo Total (Reservatório de Sobradinho) P-total = Lp = [P] z.p / (1 – Rp)= 0,01647 x 6,53 x 3,49 / (1- 0,734) = 0,3753 / 0,266 = 1,411 g.m2.ano-1

Carga P-Total aceitável no reservatório: Lp x área do Reservatório = 1,411 g.m-2.ano-1 x 2,087 x 109 m2= 2,969 x 109 g/ano-1 = 2.969 toneladas de P-Total/ano-1

EXEMPLO PRÁTICO: CAPACIDADE SUPORTE DO RESERVATÓRIO DE SOBRADINHO

EXEMPLO PRÁTICO: CAPACIDADE SUPORTE DO RESERVATÓRIO DE SOBRADINHO

A quantidade de peixe que pode ser produzida, assumindo uma carga de fósforo de 22,6 kg/tonelada de peixe, a capacidade máxima de produção de tilápia em Sobradinho será:

CS =131.371 toneladas de peixes.ano-1 Usamos dados de carga de matéria seca (1486,2 kg/tonelada de tilápia produzida), de teor de nitrogênio (77,6 kg/ton) e de fósforo (22,6 kg/ton) lançados no corpo d’água por cada empreendimento, tomando como referência os teores médios destes componentes encontrados nas rações comerciais brasileiras analisadas por Kubitza (1999).

Obrigado! Ricardo Motta Pinto Coelho Departamento de Biologia Geral Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627, Bairro São Francisco Telefax 031 3409 2605 E-mail: [email protected] http://ecologia.icb.ufm.br/lgar

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