MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO: LETRAS/INGLÊS

June 6, 2017 | Autor: Priscila Aline | Categoria: English Literature, Teaching English as a Second Language, Literature
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO: LETRAS/INGLÊS

PRISCILA ALINE RODRIGUES SILVA

A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM PROTAGONISTA EM IN AMERICA, DE SUSAN SONTAG, SOB O VIÉS IDENTITÁRIO

RONDONÓPOLIS 2014

PRISCILA ALINE RODRIGUES SILVA

A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM PROTAGONISTA EM IN AMERICA, DE SUSAN SONTAG, SOB O VIÉS IDENTITÁRIO

Trabalho

de

Conclusão

de

Curso

apresentado ao curso de Licenciatura em Letras – Língua Inglesa e Literaturas de Língua Inglesa, do Instituto de Ciências Humanas

e

Sociais,

do

Campus

Universitário de Rondonópolis, pela Universidade Federal de Mato Grosso como requisito parcial de avaliação sob a orientação

da

Dra.

Rodrigues Benfatti.

RONDONÓPOLIS 2014

Flávia

Andréa

Ofereço esse trabalho a quem se permite ser livre. A quem vive com licença poética a sua própria contradição. A quem quer que entenda que várias identidades podem constituir o nosso ser sem que uma sacrifique a outra.

AGRADECIMENTOS

Sou grata a Deus, a Força maior que rege o Universo pela vida e pela força para continuar seguindo em frente quando nada parecia fazer sentido. À minha orientadora, Flávia Andrea Rodrigues Benfatti, pelos ensinamentos, pela fé na minha capacidade, pelo apoio e pela amizade a mim dedicados. À minha mãe Conceição e ao meu pai, Eleude, que me ensinaram desde cedo o valor do conhecimento, que permitiram a realização do meu sonho e que sempre foram meu exemplo de vida. Aos meus irmãos de sangue, Jéssica e Gabriel por complementarem o meu ser. Aos meus irmãos de consideração, Beatriz, Caroline, Riquiely e João Paulo, pela amizade de sempre. Ao meu sobrinho Davi, meu maior presente. À minha tia Madalena, que é como uma segunda mãe e por quem tenho muito carinho. À toda minha família, meu tesouro maior, que sempre esteve ao meu lado ao longo desses quatro anos de luta. À Universidade Federal de Mato Grosso e aos meus mestres, que me inseriram no universo da pesquisa e do pensamento crítico. Aos integrantes do Centro de Estudos de Língua, que acreditaram em minha capacidade de lecionar e permitiram que eu me apaixonasse ainda mais pela carreira docente. Aos meus colegas de curso, os Beatniks, pelas experiências que trocamos ao longo dos quatro anos de curso e pela parceria. Aos meus queridos Helen, Graziely, Rogério, Felipe, George, Jonathan, Cláudia Sarah e Maiquel, que estiveram ao meu lado nos piores e melhores momentos, tornando a minha estadia em Rondonópolis uma experiência incrível. Aos meus avós (in memorian), que eu gostaria que estivessem ao meu lado presenciando essa vitória. Aos meus amigos de toda a vida que contribuíram para a constituição da minha própria identidade.

A existência é moderna na medida em que se bifurca em ordem e caos Zygmunt Bauman

RESUMO

Essa pesquisa pretende levantar uma reflexão acerca dos processos de construção identitária do sujeito pós-moderno. Para tanto, fazemos uma análise da identidade da personagem protagonista Maryna Zalezowska do romance In America (2000), da escritora norte-americana Susan Sontag. Entende-se identidade como um constante processo de formação do sujeito, que ocorre a partir do fenômeno de socialização. Diante disso, reconhece-se que identidade não diz respeito a uma condição fixa e imutável do sujeito, mas que está sempre em transformação. Valendo-se desses conceitos, acreditamos que a identidade da protagonista se constrói a partir de suas relações com o meio. Entendemos, então, que esse processo de construção do “eu” passa por três fases principais: a identificação da atriz enquanto diva polonesa; o reconhecimento de Maryna como mulher simples que vive no interior rural da Califórnia e, finalmente, a formação da celebridade americana. Compreendemos também que a personagem assume uma identidade de gênero masculina e hegemônica, e que essa identificação permite que ela se imponha diante da sociedade patriarcal que integra.

Palavras-chave: In America; identidade; gênero; pós-modernidade.

ABSTRACT

This research aims to reflect about identity construction procedures of the postmodern subject. For such, it analyzes In America’s (2000) main character Maryna Zalezowska, a novel by Susan Sontag. We understand identity as a constant process of subject’s formation, which happens through socialization. Considering this, we recognize identity as something which is always changing instead of something immutable. From these concepts, we believe that Maryna’s identity is built through her relations to her social environment. So, we understand that this “self” construction process goes through three major phases: the actress’ identification while a Poland diva; Maryna’s attitude as a simply woman from California’s countryside and, finally, her transformation into an American superstar. We also perceive that the character takes over a male and hegemonic gender identity. This identification allows her to impose herself before the patriarchal society she lives in.

Keywords: In America; identity; gender; post-modernity.

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS .........................................................................................9 Parte I – Sobre a autora Susan Sontag .............................................................................12 Parte II – Contextualização histórica do romance In America (2000) ............................16 Parte III – In America (2000): Enredo, Foco Narrativo e Tempo ...................................19 Parte IV – A identidade como aporte teórico na construção da personagem protagonista .....................................................................................................................26 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................42 REFERÊNCIAS ..............................................................................................................44

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS Essa pesquisa pretende estudar a trajetória da personagem protagonista Maryna Zalezowska do romance In America (2000), de Susan Sontag enfocando a construção identitária e reconhecimento de gênero da personagem em questão. Trabalhamos com a hipótese de que a construção identitária da personagem passa por três fases principais e que ela está diretamente relacionada com os meios nos quais a personagem se insere. Defendemos também que Maryna Zalezowska assume uma identidade de gênero masculina e hegemônica, na medida em que ela exerce lideranças e se posiciona em situação de poder diante dos grupos que integra. Nosso estudo se detém numa pesquisa bibliográfica que se vale do método analítico interpretativo para identificar as possíveis identidades da personagem e sua relevância para o desenvolvimento da narrativa. Como base de análise, utilizaremos conhecimentos da sociologia para explicar os comportamentos da protagonista. Autores como Bauman (2005), Dubar (1997) e Hall (2006) serão utilizados como aporte teórico nesse trabalho. Sobre a identidade, Hall (2006) argumenta tratar-se de algo formado ao longo do tempo, através de processos inconscientes, não configurando, assim, algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. O autor ainda complementa: Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. As partes “femininas” do eu masculino, por exemplo, que são negadas, permanecem com ele e encontram expressão inconsciente em muitas formas não reconhecidas, na vida adulta. Assim, em vez de falar de identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. (HALL, 2006, p.39).

Portanto, Hall (2006) argumenta que se criou um mito em torno da ideia de identidade, que a concebe como um fenômeno fixo, imutável, uno. A identidade é um processo que está em constante transformação. Ela é constituída ao longo de toda a nossa vida, a partir de nossas experiências e relações com o meio. É uma obra inacabada, que nunca está completa, que sofre constantes reformas. Por esse motivo o autor prefere falar não de identidade, mas de identificação. À medida que nos identificamos com determinados grupos é que nos constituímos enquanto sujeitos. O autor também menciona

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a necessidade de preencher-se a partir do exterior. Essa necessidade é resultado da fragmentação do “eu” do sujeito pós-moderno e da confusão de identidades que se estabelecem dentro de cada um, bem como da necessidade de pertencimento. Nessa mesma perspectiva, Bauman (2005) conceitua identidade como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma coisa que se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais – mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta (BAUMAN, 2005, p. 22).

Em outras palavras, identidade é um fenômeno socialmente construído. Ela se desenvolve de modo particular para cada indivíduo, que a inventa e a assume da forma que melhor lhe convém. O caráter inconcluso da identidade é mascarado pelo mito que tentamos manter da sua singularidade. Igualmente, Dubar (1997) afirma:

A identidade de alguém é, no entanto, aquilo que ele tem de mais precioso: a perda de identidade é sinónimo de alienação, de sofrimento, de angústia e de morte. Ora, a identidade humana não é dada, de uma vez por todas, no ato do nascimento: constrói-se na infância e deve reconstruir-se sempre ao longo da vida. O indivíduo nunca a constrói sozinho: ela depende tanto dos julgamentos dos outros como das suas próprias orientações e autodefinições. A identidade é um produto de sucessivas socializações (DUBAR, 1997, p. 04).

Além de corroborar Hall (2006) e Bauman (2005) no que diz respeito à não natividade da identidade, Dubar (1997) ainda disserta a respeito do valor da identidade para o indivíduo e do sofrimento causado pela perda do “eu”. Esse processo de alienação consequente da crise identitária é que provoca as grandes mudanças ao longo da trajetória de cada individuo. Concordamos então com os autores no que diz respeito ao caráter social da identidade e também ao seu estado heterogêneo. As várias identidades de um ser se constituem a partir do fazer social, no contato com o outro e com o meio. Dessa forma, estudaremos o processo de construção identitária da personagem protagonista do romance In America (2000), a partir de suas experiências de vida. Verificaremos, ainda, como esses processos ocorrem na narrativa, pontuando a forma como as crises identitárias sofridas pela personagem mudam o rumo de sua história.

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Entendemos que a literatura é uma arte mimética que faz um recorte histórico e social de uma determinada sociedade. Assim, estudar literatura é fundamental para compreender o homem e suas mazelas. O estudo das identidades dentro do contexto pósmoderno é uma forma de compreender as nossas próprias angústias e as razões que levaram ao processo de descentração do sujeito que nos afeta atualmente. Nas palavras de Benfatti (2013), a literatura é capaz de transformar, de fazer repensar nossa condição no mundo. A pesquisadora aponta, ainda, que a arte se relaciona com as formas de vida comum, e por isso deve ultrapassar as barreiras do academicismo e estimular a transformação e a emancipação do homem comum em todos os tempos e lugares. Partindo desse princípio, a literatura pode transformar os seres humanos a partir dos acontecimentos que narra, reconhecendo-se que toda narrativa é uma recriação ficcional de uma realidade. Compreender a construção identitária de um personagem, portanto, é fazer uma viagem para dentro de si mesmo ou da história de uma sociedade.

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Parte I – Sobre a autora Susan Sontag Susan Sontag nasceu em 16 de janeiro de 1933 na cidade de Nova York. Sontag cresceu em Tucson, no estado do Arizona, tendo frequentado o ensino médio em Los Angeles. Formou-se em Filosofia, Literatura e Teologia pela Harvard University e Saint Anne’s College, em Oxford. Susan Sontag era uma grande amante das artes, sobretudo a arte dramática. A americana escreveu romances, contos, peças teatrais, artigos e nove trabalhos de nãoficção. Ela escreveu e dirigiu quatro filmes ao redor do mundo, além de dirigir peças teatrais nos palcos dos Estados Unidos da América e da Europa. A autora foi ainda uma ativista dos direitos humanos por mais de duas décadas. Entre 1987 e 1989, Sontag atuou, também, como presidente do American Center of PEN, uma organização de escritores dedicada à liberdade de expressão e aprimoramento da literatura. Enquanto esteve no comando, Sontag liderou uma série de campanhas em nome de escritores perseguidos e presos. Aos 15 anos, Sontag reconhecia relutantemente sua tendência homossexual. Nesse período confessou em seu diário sua atração por mulheres. Registrou sua primeira experiência sexual com uma mulher aos 16 anos, mas casou-se com um homem, Phillip Rieff, que conhecera na Faculdade. O casamento durou oito anos e um filho, David Rieff, nasceu dessa união. Após o fim do matrimônio, Sontag assumiu sua homossexualidade e levantou a bandeira da sua orientação sexual. Envolveu-se romanticamente com várias mulheres, dentre elas, a fotógrafa Annie Leibovitz, de quem se manteve muito próxima nos últimos anos de vida. Desfeito o casamento, Susan Sontag muda-se para Paris, onde dá continuidade aos seus estudos e passa a ter contato com filósofos renomados. Albert Camus, Georg Lukács, Sartre, Artaud, Becket e Lévi-Straus foram autores de grande impacto na vida e obra de Sontag. A intelectual sempre sentiu uma grande admiração pelo existencialismo e pela obra de Sartre. Essa teoria a influenciou a pensar e refletir sobre a arte como pontapé inicial para a modificação de uma realidade sempre permeável a transformações. Sontag dirigiu dois filmes no apogeu de sua carreira: Duets for Cannibals (1970) e Brother Carl (1974). A escritora compôs seis romances de ficção: The Benefector (1963); Death Kit (1967); I, Etcetera (1977); The Way We Live Now (1991); The Volcano Lover (1992) e In America (2000). Foi autora de oito obras de não-ficção:

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Against interpretation and other essays (1996); Styles of Radical Will (1969); On Photography (1977); Illness as a Metaphor (1978); AIDS and Its Metaphors (1988); Under The Sign of Saturn (1980); Where the Stress Falls (2001); Regarding the Pain of Others (2003). E arriscou-se, ainda, como dramaturga, criando a peça Alice in bed (1993). In America (2000) constitui uma de suas obras mais significativas e foi ganhadora do prêmio National Book Award de melhor ficção em 2000, um dos mais importantes prêmios literários dos Estados Unidos da América, anualmente dedicado aos melhores livros escritos por cidadãos norte-americanos vivos. Devido à sua importância e riqueza de conteúdo, esta obra será fonte de nossa análise. In America (2000) é um romance inspirado na vida de uma famosa atriz polonesa chamada Helena Modjeska. Helena Modrzejewska (nome original polonês) foi uma renomada atriz que viveu entre 1840 e 1909. Modjeska era especialista em papéis shakespearianos. Casou-se pela primeira vez com Gustave Sinnmayer, mas muitos anos depois de seu casamento descobriu que seu matrimônio não tinha valor legal porque seu marido já era casado. Juntos, tiveram duas crianças, Rudolf Modjeski e Marulka, que morreu ainda na infância. Seu segundo casamento foi com Karol Bozenta Chlapowski. Em 1876, por razões pessoais e políticas, Helena Modjeska e seu marido emigraram para os Estados Unidos com amigos para fundar uma sociedade nos moldes do socialismo utópico. A atriz queria abandonar sua carreira e viver tranquilamente sob o céu azul da Califórnia. No entanto, a colônia falhou e Modjeska teve de retornar aos palcos para sobreviver com a família. Apesar de seu sotaque e pouco domínio da língua inglesa, Modjeska fez muito sucesso em solo americano. Em abril de 1909, aos 68 anos, Modjeska faleceu de problemas renais. A obra In America (2000) faz algumas adaptações na verdadeira história de Modjeska, sobretudo no que se refere à identidade da atriz polonesa. A personalidade da atriz é recriada com genialidade e a obra traz em si o contraste entre a realidade polonesa, o ideal americano e a realidade americana. Sendo inspirada na vida de uma personalidade real, a atriz polonesa Helena Modjeska, a obra assume traços biográficos. No entanto ela não se configura uma biografia, pois a realidade é manipulada para a composição do enredo. No capítulo de abertura, Sontag faz um misto de realidade e ficção atribuindo aos personagens reais (tais como a atriz e seus familiares) nomes fictícios e conferindo à obra um caráter ficcional e não biográfico.

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No trecho a seguir, podemos verificar que a própria narradora faz a associação entre a atriz que inspirou a obra e a personagem que criou para representá-la, mas percebemos a preferência da narradora pela adoção do nome fictício: Parecia-me ter ouvido de passagem o seu nome, Helena ou Maryna – e supondo que, caso eu conseguisse identificar a dupla ou o trio, ficaria mais fácil decifrar aquela história, e como não havia forma melhor para começar do que lhe dar nomes, resolvi pensar nela como Maryna 1 (SONTAG, p.11, 2000).

Adotando um nome arbitrário, a narradora assume a liberdade de contar uma história ficcional, sem prender-se às limitações de uma biografia e se permitindo alterar a verdadeira história da atriz. O mesmo pode ser verificado neste outro trecho, no qual a autora se nega a adotar o verdadeiro nome do marido de Helena Modjeska para designar seu personagem, mesmo tendo a certeza de quem se tratava:

Por fim, ouvi alguém chamá-lo de... Karol. Não sei explicar por que esse nome não me agradou; talvez, irritada por não ser capaz de perscrutar aquela história, eu simplesmente afogava minha frustração nesse homem de rosto pálido, comprido e de feições comuns, cujos pais haviam escolhido um nome tão eufônico para dar ao filho. Portanto, embora eu não tivesse dúvida alguma sobre o que ouvira, e não pudera alegar a mesma incerteza que tivera no caso do nome da esposa (Maryna ou Helena), determinei que ele não podia ser Karol, que eu ouvira mal seu nome, e me dei autorização para rebatizá-lo de Bogdan2 (SONTAG, 2000, p. 12-13).

As escolhas da narradora permitem que a narrativa siga rumos diferentes da história original e que a autora enriqueça seus personagens atribuindo-lhes características diferentes das reais. Ousamos ainda dizer que a autora Susan Sontag permitiu se projetar na figura do marido da personagem Maryna, acrescentando à sua identidade traços homossexuais e negação dessa condição. A própria escritora era homossexual e esteve em uma relação heterossexual como uma forma de negar a sua orientação. É possível, então, que a figura de Bogdan esteja diretamente associada à vida da escritora. Leitão e Schurster (2011) dissertam sobre a riqueza da metáfora na obra de Susan Sontag, que é sempre meticulosamente pensada. Sontag, apropriando-se da It seemed to me I’d caught her name, it was either Helena or Maryna—and supposing it would help me to decipher the story if I could identify the couple or the trio, what better start than to give them names, I decided to think of her as Maryna (SONTAG, 2000, p. 04). 2 Finally, I heard someone call him... Karol. I can’t explain why this name didn’t please me; perhaps, peeved by not being able to fathom the story, I was simply venting my frustration on this man with the long, pale, evenly shaped face whose parents had chosen for him so euphonious a name. So, although I had no doubt about what I’d heard, I couldn’t claim to be unsure, as I’d been with his wife’s name (Maryna or Helena), I ruled that he could not be a Karol that I had misheard his name, and gave myself permission to rechristen him Bogdan. (SONTAG, 2000, p.06). 1

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concepção de metáfora de Aristóteles, entende que ela “consiste em dar a uma coisa o nome de outra”. Assim ela tece suas tramas. A doença, as artes, o cinema, o teatro, a guerra, as imagens, a imprensa, os próprios personagens são metáforas dentro de suas obras. A personagem protagonista do romance In America (2000) é um exemplo da metáfora de Sontag, sobretudo por sua multiplicidade de identidades. Todo plano de fundo contribui para a composição de uma teia de ideais que permeiam a obra:

Sontag mostra que o que faz de um acontecimento uma metáfora não é apenas sua condição de existência, mas sua inteligibilidade, sua capacidade de se tornar algo dizível através de interpretações sociais que modificam o cotidiano trazendo o evento ou o próprio pensamento expresso em interpretação e consequentemente em metáfora para o dia-a-dia (LEITÃO ; SCHURSTER, 2011).

Esses autores comparam o trabalho de Susan Sontag a Walter Benjamin no que diz respeito à abordagem das metáforas. Ambos acreditavam na força libertadora da literatura e no caráter de resistência ao cerceamento das liberdades individuais e coletivas por meio da alegoria. Por isso era importante observar o meio, compreender a complexidade da realidade e problematizá-la assumindo uma natureza metafórica que requer uma profunda busca do leitor por ressignificação. Pensar e escrever são fundamentalmente questões de resistência. Para Sontag (2001), um escritor é alguém que observa o mundo. Para Leitão e Shurster (2011) um bom escritor é alguém que se preocupa com os detalhes. Consideram, ainda, que um bom escritor é aquele que toma para si as informações e os detalhes referentes ao objeto a que está se dedicando e transforma-os em perceptíveis em seus textos. Sobre o trabalho do escritor, Sontag afirma: A tarefa ética do escritor moderno não é ser um criador, mas um destruidor – um destruidor da interiorização superficial, a ideia consoladora do universalmente humano, da criatividade diletantística e das frases vazias. (SONTAG, 1986, p. 101.)

E assim a escritora e filósofa compõe as suas obras. Ela destrói conceitos superficiais de realidade e os reinventa, atribuindo novos significados ao real. Deixando um relevante acervo literário para as gerações futuras, Susan Sontag faleceu em Nova York em 28 de dezembro de 2004, aos 71 anos, de complicações de síndrome mielodisplásica, que evoluiu para leucemia mielóide aguda.

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Parte II – Contextualização histórica do romance In America (2000) A Polônia é uma nação eslava localizada no leste europeu, que divide duas áreas hostis. Gusmão e Schilling (2005, p. 2) mencionam que, certa vez, Napoleão disse que “Geografia é destino”. Isso significa que a História de países e sociedades é prédeterminada pela sua localização no mapa geopolítico. Rousseau (1772, apud GUSMÃO e SCHILLING, 2005, p. 2) afirmou que “a Polônia é um grande Estado cercado de Estados maiores e que possuem uma grande força ofensiva devido ao despotismo e à disciplina militar”. Portanto, a Polônia sempre esteve em posição de vulnerabilidade ao domínio e opressão de outros países europeus. De acordo com Gusmão e Schilling (2005, p. 2), a Polônia ainda distingue “dois mundos culturais, étnicos e religiosos muito distintos: o germano e o eslavo”. Ao lado oeste e norte dispõem-se os prussianos, suecos e saxões. Ao lado sul estão os austríacos e ao leste, os russos. O sentimento de ameaça despertado pelas comunidades a leste e oeste e a sua posição geográfica vulnerável são as justificativas mais plausíveis para a fervorosa adesão dos poloneses ao catolicismo e para a sua leal subordinação à Roma. Foi no século X que a sociedade polonesa rendeu-se à fé católica e, desde então, essa religião passou a constituir a identidade polonesa: um autêntico polonês deveria seguir o catolicismo. Essa posição geográfica vulnerável combinada à paisagem de extensas planícies (o que desnuda a Polônia de proteção natural) e à falta de um governo político forte e centralizado é que condenou a História da sociedade polonesa à subordinação. Gusmão e Schilling (2005, p. 3) afirmam que “quando os vizinhos dos poloneses estavam em paz entre si, tendiam a partilhar o território polonês entre eles; quando estavam em guerra, faziam-na sobre as terras polonesas”. Essa nação, portanto, vivia sob constante tensão. A partir do término da Dinastia lituano-polonesa, monarcas estrangeiros passaram a ser escolhidos para reinar em Cracóvia. Assim, o reino polonês continuava sob o domínio de países como Rússia, Prússia e Áustria. E então, em 1793 aconteceu a segunda partilha da Polônia, na qual tais países tomaram 42% do território polonês, o que compreendia sua parte mais rica e populosa. Em resposta à essa agressão, o revolucionário Tadeu Kosciuszco armou-se para defender sua pátria em março de 1794, tornando-se um ditador polonês sob o juramento de jamais utilizar seu poder para oprimir sua nação. Kosciuszco lutou contra

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os países opressores e perdeu a batalha. O fracasso da Insurreição de Kosciuszco levou a Polônia a um longo período de subordinação e opressão, que apenas teve fim em 1918, após o fim da Primeira Guerra Mundial. Kosciuszco foi um grande herói para sua nação, inspirando os poloneses muitos anos após sua rebelião, permitindo que a sociedade sonhasse com a liberdade e lutasse por ela nos 1830, 1848, 1863, 1918, 1944 e, por fim, em 1980, a partir da criação do Sindicato Solidariedade. Outra tentativa de conquistar a liberdade deu-se em novembro de 1830. Inspirados pelo sucesso das revoluções ocorridas na França, que depôs por meio de um levante popular o rei Carlos X, os poloneses se ergueram na tentativa de afastar o czar Nicolau I de Varsóvia e convocar um Governo Nacional para assumir o controle da nação. A Rússia contra-atacou os libertários, ocupando Varsóvia em setembro do ano seguinte, assassinando o sonho da conquista da liberdade. Diante de mais um fracasso, vários poloneses buscaram exílio em outros países. Em 1848 ocorreu outra tentativa frustrada de levante, que levou muitos poloneses a tornarem-se ativos internacionalistas, lutando para derrubar a política da Santa Aliança. Por fim, em 1863, deu-se a última tentativa de revolucionários poloneses do século XIX pela liberdade. Em protestando contra a sujeição dos jovens ao exército do czar, milhares de cidadãos poloneses atacaram o domínio russo. Mas, em 1865 os russos conseguiram acabar com os últimos resquícios de resistência. Nas palavras de Gusmão e Schilling (2005, p. 19), “os patriotas foram deportados em massa para a Sibéria e 18 mil deles condenados a longas penas de degredo”. O czar Alexandre II dissolveu o Reino da Polônia, dividindo-o em 10 províncias russas. A herança desses acontecimentos históricos é que compõem parte do plano de fundo do romance In America, de Susan Sontag, que se passa em torno de 1876. Essas inúmeras insurreições e as várias derrotas sofridas pelo povo polonês influenciaram, em muito, na sua construção identitária e, consequentemente, refletiram na constituição da personagem principal Maryna Zalenzowska. O outro cenário que dá vida à história e influencia na personalidade de seus personagens é a América de 1876. Entre 1865 e 1918, a História americana é marcada pela transformação dos Estados Unidos da América em uma grande potência política, militar e econômica. Nesse período deu-se a Reconstrução do país americano que ficara devastado pela Guerra Civil. Após esse conflito, entramos em um processo de expansão capitalista. Em 1863 a escravidão foi abolida e deu lugar a um novo regime socioeconômico. Houve um grande

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desenvolvimento da indústria e surgiu a necessidade de criação de um mercado consumidor. A indústria desenvolveu técnicas modernas, rápidas e eficientes de fabricação, aumentando, assim, a capacidade de produzir das fábricas. Uma grande ferrovia foi construída ao longo do país, agilizando o transporte dos industriais. Novos inventos iam surgindo no seio do país e grandes empresas iam se levantando. Se antes da Guerra Civil a maioria esmagadora da população vivia na zona rural, com o processo de industrialização, houve uma grande migração para as áreas urbanas. Ademais, a revolução industrial desse período provocou um grande fluxo de imigração de europeus ao país. Em 1877 o período de Reconstrução chegou ao fim e logo desenvolveu-se uma sociedade segregada, com brancos e negros vivendo vidas distintas e desiguais. Surgiram nessa época vários movimentos de supremacia branca e atos de violência contra negros. Entre 1840 e 1920 aproximadamente 37 milhões de imigrantes vindos da Alemanha, Áustria, Irlanda, Inglaterra, Escócia, País de Gales, Rússia, Escandinávia e Polônia instalaram-se nos Estados Unidos da América. Os imigrantes foram admitidos para trabalhar na indústria e na mineração ou, ainda, formavam colônias de agricultura de subsistência. Nesse período, também, o setor agrícola passou por uma crise. O solo entrou em exaustão de recursos, desastres naturais acabavam com a produção, houve um declínio na autossuficiência e falta de ajuda socioeconômica vinda do governo norte-americano. Logo, pequenos produtores faliram e grandes produtores entraram em crise. Na indústria, as condições de trabalho eram precárias. Instalou-se um sistema que buscava o máximo de lucro a custa da exploração máxima da mão de obra. O capitalismo se alastrava, proporcionando condições sub-humanas de trabalho e criando uma sociedade de consumo que se deteriorava moralmente para acumular bens. É, também, nesse contexto que se desenvolve a nossa narrativa. Esse cenário de expansão capitalista e criação de uma sociedade consumista e perdida nos próprios valores deixa marcas na identidade da atriz Maryna Zalezowska, à medida em que a personagem se constitui um sujeito norte-americano.

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Parte III – In America (2000): Enredo, Foco Narrativo e Tempo Maryna é uma mulher vinda de família simples. Embora humilde, a família valoriza as artes, a leitura e a boa música. Quando pequena, Maryna quer ser soldado. Desde sempre fora consciente de sua força. Todavia, sabendo que os pais nunca aprovariam que pegasse em armas, sonha em ser poeta. Mas poetas pensam demais, e o pai acha que ser intelectual não é coisa de mulher. Por isso prepara-a para a música e ensina-a a tocar flauta, um instrumento delicado o suficiente para uma boa-moça. A paixão pelo teatro surge a partir dos irmãos. Ao ver o irmão atuar e ao dar-se conta de que fora incapaz de reconhecê-lo, Maryna passa a desejar essa vida de fingimentos. Os irmãos que já estão no meio tentam desencorajá-la, pois é árdua a vida de um ator e poucos alcançam o sucesso. Mas Maryna é persistente e se julga forte o bastante para lidar com as adversidades. Aliás, o que mais atrai a pequena estrela aos palcos é justamente o desafio que essa carreira proporciona. Pouca coisa parecia instigar tanto Maryna quanto superar-se. Logo após a morte do pai e ainda muito jovem, aos catorze anos, Maryna é sexualmente abusada por um pensionista que se instalara na casa da mãe. Ele se afeiçoa muito a ela e acredita na sua capacidade de se tornar atriz. Como já havia empresariado uma companhia de teatro antes, o senhor Heinrich Zalezowski promete ajudá-la a ingressar no meio. Os dois se casam e partem para a Bochnia em busca de trabalho. Ele contribui muito para a formação teatral de Maryna, ensinando-lhe grandes lições. Mas todo o crédito, toda dedicação à carreira, todo o trabalho árduo é competência dela. A jovem atriz estuda muito, treina seus papéis incansavelmente todos os dias para atingir a perfeição. E vive nos palcos para cumprir seus contratos. Inclusive perde sua filha ainda bebê enquanto está em viagem com sua trupe. Essa lembrança ainda a perturba. Mas é preciso seguir em frente e trabalhar duro para tornar-se a atriz que está obstinada a ser. Com seus esforços e a ajuda do marido, Maryna torna-se uma grande estrela rapidamente. Ainda na Polônia, Maryna tem outro filho com Heinrich, Piotr. Mas Piotr é ainda um menino quando os pais se separam. Heinrich já é casado em algum lugar da Alemanha e depois de idas e vindas, Maryna e Heinrich rompem definitivamente a relação. Ele retorna à Alemanha, seu país de origem, para viver com a primeira esposa. Depois do término, Heinrich reaparece esporadicamente na vida da atriz para perturbar sua paz. Maryna nutre pelo ex-marido uma espécie de aversão e desprezo misturados com medo.

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Algum tempo depois, Maryna conhece o conde Bogdan Dembowski, com quem casa-se pela segunda vez. O Conde Dembowski é um homem doce e afável que ama e respeita muito sua mulher. No entanto, a narrativa deixa subentendido que Bogdan possui tendências homossexuais e que Maryna tem pleno conhecimento disso. Não há, na narração, vestígios de que o casal compartilhe uma vida sexual. Há respeito, amor e companheirismo entre os dois, mas pouca ou nenhuma paixão. A privação da vida sexual não é um aspecto que incomoda Maryna. Aliás, isso parece contribuir muito para a sua carreira, pois permite que ela concentre suas emoções no palco. Bogdan é perfeito para acompanhar a poderosa Zalenzowska. Sempre na plateia, sempre gentil, passivo, figurativo. Ele não ofusca o brilho da esposa e está sempre disposto a ampará-la e concordar com ela, inclusive permitindo que ela flerte com seus fãs. Maryna é uma mulher dominadora. Domina os palcos, domina sua família, domina o público, domina seus amigos, domina a Polônia. Ela já havia alcançado o ápice de sua carreira. Tornara-se a melhor e não pode ir além. E ela tem sede de superação. A vida de atriz a está cansando, pois não há mais desafios para serem superados. Talvez seja isso, ou talvez seja mero capricho (sim, Maryna era muito caprichosa. Quê mais se podia esperar de uma estrela?) que a faz resolver partir com seus amigos rumo à América, a terra dos sonhos. Nos Estados Unidos, Maryna deseja viver com simplicidade. É verdade que levara algumas das indumentárias de suas personagens, mas retornar aos palcos não é sua intenção. Ela, sua família, sua empregada Aniela, três casais de amigos e dois amigos solteiros, Ryszard e Jakub se instalam em uma simplória chácara no interior da Califórnia. Constituem uma colônia polonesa que aspira a uma vida tranquila na América. Sendo os componentes da colônia membros da aristocracia polonesa, tem pouca ou nenhuma habilidade com as tarefas domésticas e o cultivo da fazenda para onde se mudam. Tudo na América é árduo: o trabalho, a rudeza das cidades americanas, seu cenário sujo e pouco sofisticado que em nada lembra a Europa, o clima quente e seco. Tudo é muito distinto da elegante e fria Polônia. Mas eles se mantêm unidos no propósito de fazer prosperar a fazenda. Maryna, a líder do grupo, dá o exemplo. Distribui as tarefas e começa a exercer o serviço doméstico. Apesar de sua pouca aptidão, Maryna faz um bom trabalho, inspirando as outras mulheres. A fazenda começa então a prosperar e prover as necessidades da colônia.

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Cada dia no Novo Mundo imprime marcas mais profundas nos aventureiros. Entregando-se ao novo sistema socioeconômico, o dinheiro passa a ser algo importante para a colônia, especialmente para Bogdan, que se esforça para fazer a fazenda prosperar, sempre pesquisando as culturas mais lucrativas e as formas mais rentáveis de cultivo. Maryna conhece uma serenidade e uma simplicidade nunca antes imaginada, que contrasta em muito com a vida luxuosa que levava quando se apresentava nos mais famosos teatros da Polônia. Richard, o escritor solteiro que os acompanha (e que é perdidamente apaixonado por Maryna), nunca havia produzido tanto. Romances, artigos jornalísticos sobre a nova terra, contos – tudo isso encontra terra fértil e começa a florescer sem grande dificuldade no solo americano. Os próprios nomes dos integrantes da colônia se adaptam para melhor ajustarem-se à América e seu linguajar. Os ares americanos transformam Maryna. O trabalho pesado muda sua aparência, embora nada a deixe menos elegante. O fato é que sua aparência pouco importa ali. Ela não tem necessidade de ser a mais bela ou parecer a mais jovem. Pouco a pouco a vaidade de Maryna vai ficando de lado. Por vezes, Maryna se sente menos inteligente também. O trabalho braçal a afasta da vida culta polonesa. Os livros, os poetas, as filosofias, tudo parece mais distante ou menos importante na vida campestre. Apesar de todos os esforços, a colônia logo começa a fracassar. O clima e as pragas danificam a produção e a própria convivência de várias famílias sob o mesmo teto começa a ruir. Logo, dois dos casais vão embora e o outro resolve juntar-se ao grupo religioso que está seguindo. Um dos amigos solteiros, Jakub, também parte para Nova Iorque em busca de melhores condições de vida. As dívidas da fazenda começam a aumentar. O retorno à Polônia seria a aceitação do fracasso, e Maryna não está disposta a se deixar vencer sem lutar bravamente. Assim, Maryna não vê outra saída senão retornar aos palcos em território americano. Tendo penhorado algumas joias e pertences valiosos, Maryna levanta algum dinheiro para hospedar-se com simplicidade em Nova Yorque e contratar os serviços de uma exigente professora de línguas. Bogdan permanece na fazenda cuidando dos negócios e de Piotr. Durante várias semanas a atriz prepara-se para fazer um teste no mais importante teatro da cidade. Maryna é perfeita em suas ações. Embora saiba de seu potencial, Maryna sabe também que é preciso retomar a prática da sua técnica teatral. É humilde o suficiente para compreender que sempre se pode falhar. Mas, não fosse a barreira da língua e seu sotaque carregado, não teria tanto medo. O polonês não é uma

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linguagem apreciada em território americano. É preciso dominar o inglês, tornar-se americana. Para isso, trabalha incansavelmente com sua professora. Durante o tempo que em que se retira para preparar-se para o ingresso nos palcos americanos, Maryna aproxima-se muito de Ryszard. Ele é loucamente apaixonado por ela desde que a conhecera, mas ela nunca lhe dera esperanças. No entanto, algo está mudando. Maryna sente-se mais aberta ao amor de Ryszard. Sensações que ela não experimentava há muito começam a despertar dentro dela. Mas ela não está pronta para entregar o seu amor ao escritor enquanto não obtiver sucesso. Maryna precisa concentrarse na técnica, na vida de atriz, e não pode ceder a distrações. Quando finalmente sente-se preparada, Maryna faz um teste para o teatro local. O diretor, incrédulo, ri de Maryna antes de sua apresentação, mas fica emocionado e rendido diante dos talentos da atriz. Assim, Maryna Zalezowska consegue um contrato de várias semanas naquele teatro, onde apresentará diversas peças consagradas em uma turnê. Para atingir o público americano é preciso aproximar-se de sua cultura. Dessa forma, o nome Maryna Zalezowska é alterado para Marina Zalenska, a fim de que os espectadores sejam capazes de pronunciá-lo corretamente. É um nome estrangeiro, mas ao alcance da América. Maryna aceita, sem grande relutância, a mudança de seu sobrenome. O seu prenome, no entanto, é alterado com sofrimento. Marina é a versão russa de seu nome, e a Rússia é uma das nações que oprimem a Polônia. É uma traição a seu país de origem, mas como pode ela manter um nome desfigurado pela pronúncia americana? Imediatamente o público americano se apaixona por Maryna. O sucesso é tão grande que a atriz é convidada a fazer várias outras apresentações nas cidades vizinhas. A atriz vê-se obrigada a contratar um empresário competente para administrar os seus contratos. Exultante por, mais uma vez, ter obtido sucesso, Maryna finalmente entregase à paixão de Ryszard. O desejo, o amor e a felicidade estão consumindo o casal. Embora ainda se comunique com Bogdan, em nenhum momento Maryna arrepende-se ou teme machucá-lo. Maryna sabe que Bogdan quer vê-la feliz e que qualquer drama acerca disso é desnecessário. Ele simplesmente não precisa saber. A conquista dos palcos e de Ryszard enchem Maryna de motivação. É como viver um sonho americano. A paixão a impele a dar sempre o melhor de si, a aperfeiçoar as suas personagens. Mas também inquieta-lhe o espírito e retira-lhe a paz. São sentimentos muito intensos para Maryna lidar fora dos

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palcos. Maryna é uma fingidora. Só sabe controlar mentiras, é incapaz de lidar com uma realidade que a controle. Além disso, Ryszard é muito ciumento. Na ausência de Bogdan ele a acompanha nas apresentações e não age tão figurativamente e complacente quanto o marido. Isso perturba Maryna. Ele tenta reprimi-la, dominá-la. Maryna é um espírito independente e livre, que vive para a arte, vive para o fingimento, para o belo, para uma realidade perfeita. Isso a inquieta tanto que a leva a dar fim ao relacionamento. Com o fim de seu caso amoroso, Maryna volta-se completamente para sua carreira. A memória ainda viva daquela paixão contribui para que a atriz preencha suas personagens de vida. Maryna torna-se uma atriz americana ainda melhor que sua versão polonesa. Com seu timbre de voz encantador e seus trejeitos elegantes, Maryna Zalezowski encanta e domina a América. Seu nome é conhecido por toda a população e ela é aclamada por onde quer que pise. A atriz torna-se uma grande estrela. Assim acumula capital e torna possível a permanência de sua família na América. Maryna fica tão famosa que forma sua própria companhia teatral e viaja intineirante no seu próprio vagão de trem. Bogdan a acompanha sempre que possível. O casal vende a antiga fazenda, que começa a dar prejuízo e compra um pequeno rancho onde a família pode se retirar quando Maryna não está em turnê. Quando a agenda de apresentações fica extremamente lotada, Piotr é enviado a um colégio interno. Maryna desperta, na mesma proporção, o amor e o ódio do público americano. Ao mesmo tempo em que os encanta, escandaliza os puritanos com as vívidas representações de suas heroínas pecadoras. O público puritano tenta dissuadi-la a não representar papéis profanos e voltar seu dom para a pregação do bem. Mas o que Maryna prega é a arte. A representação bela e pomposa dos clássicos, como é conveniente aos palcos americanos. Na Polônia o teatro é simples e as companhias teatrais não se valem de muitos artifícios para comover o público. Os espectadores são requintados, conhecem as obras e apreciam sua poesia. O ator deve cativar os espectadores. Em contraste, na América não há sofisticação. As peças são cheias de artifícios, cenários e indumentárias ostentadores. A fama muda completamente a vida e a personalidade de Maryna. À medida em que se torna uma celebridade, Maryna torna-se, também, mais americana. Ambiciosa, a atriz sempre tenta se superar e render-se aos luxos da modernidade. Com a fama, vem o hábito de mentir acerca de suas origens e costumes. Quando dá entrevistas, frequentemente reinventa seu passado. Uma hora recria a infância e a família, outra hora omite a vida simples que levara na Califórnia. Maryna não sabe por que inventa mentiras,

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mas aos poucos perde-se no meio de suas próprias verdades inventadas, mal podendo discernir a realidade da ficção. Para administrar seu sucesso, Maryna contrata um empresário, que fica responsável por sua agenda de apresentações e imagem. O primeiro empresário que contrata é um grande profissional e muito experiente no ramo. Conhece o público americano e reconhece que a América gosta de excentricidades. Faz Maryna perder joias, adotar animais exóticos e até mesmo difundir superstições. Maryna, embora ache tudo aquilo uma bobagem, sempre cede à suas vontades. E assim, aos poucos sua fama vai aumentando. No entanto, ele controla muito a vida de Maryna. E ela gosta de ter autonomia, de ser dona de si. Não tolera ser mandada. E quando ele a contraria sobre sua turnê em Londres, alegando que será um fracasso, ela o demite, contratando outro empresário que a obedeça. Quando Maryna visita a Polônia, ocorre um choque entre presente e passado. A atriz compreende o quanto mudara, o quanto tornara-se americana. Se antes o clima frio europeu a agradava, agora o cenário da Polônia lhe parece simplório e hostil. Maryna faz uma turnê em Londres, na tentativa de equiparar-se à sua rival, Sarah Bernhardt. O público inglês, no entanto, é muito tradicional. Não recebem com ardor o sotaque polonês-americano de Maryna. Já a América é mais aberta a novas culturas. Qualquer um pode entrar e se tornar americano, mas ninguém que não seja nascido na Inglaterra pode tornar-se inglês. Muito menos alguém proveniente de um país subalterno, tal qual a Polônia. Graças ao tradicionalismo inglês, a turnê de Maryna é um fracasso. Mas ela nunca reconheceria aquela experiência como uma falha. Por fim, Maryna permanece na América durante muitos anos e consagra-se como uma grande estrela. Bogdan permanece sempre seu fiel companheiro, embora o casamento dos dois não passe de uma fachada. Uma característica marcante desse romance é seu peculiar foco narrativo. No capítulo inicial, existe uma narradora-personagem onisciente, onipotente e onipresente. A narradora é uma mulher não identificada que, certa noite, tremendo de frio e buscando abrigo da gélida noite polonesa, entra de penetra numa sala de hotel onde está acontecendo uma celebração. A narradora não domina a língua que está sendo falada naquele ambiente, pois visitara aquele país anteriormente apenas uma vez, treze anos antes desse evento. Apesar da barreira linguística, como que por uma força superior, a narradora consegue compreender alguns pontos dos diálogos que se tecem naquela sala. Pouco a pouco ela colhe informações para construir sua história. A narração desse evento

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ocorre de forma bastante linear, embora confusa. A narradora nunca está certa de suas palavras, mas sempre faz suposições em cima dos fragmentos de diálogos que consegue compreender. No capítulo seguinte a narração continua sob o domínio dessa desconhecida perspicaz. No entanto, ela assume esse caráter onisciente. A narradora estabelece uma linha direta com os pensamentos da personagem principal, Maryna Zalezowska, conseguindo penetrar em sua mente e decifrar os seus sentimentos mais profundos, muitas vezes revelando acontecimentos que apenas a atriz conhece. Os sentimentos e vivências de outros personagens também são expostos pela narradora, mas apenas os sentimentos de Maryna são precisamente descritos, o que caracteriza uma ligação especial. Todas as demais encarnações são nubladas. O tom de grande intimidade na narrativa pode nos levar a acreditar que a narradora está relatando um fato sobre alguém que conhece muito profundamente. Se somarmos essa teoria ao fato de que esse romance foi inspirado na vida de uma personalidade real, a atriz polonesa Helena Modjeska, podemos admitir que a obra assume um caráter biográfico, embora não se constitua uma biografia, como já mencionado anteriormente. O tempo da narrativa é caracteristicamente psicológico, configurando assim, uma narrativa que se enquadra dentro dos padrões da corrente pós-modernista na medida em que muitas narrativas pós-modernas tomam como padrão temporal a relatividade do tempo, teorizado pelo físico alemão Albert Einstein no início do século XX. Dessa forma, o tempo, tende a não seguir mais uma ordem cronológica dando vasão ao tempo psicológico no qual presente, passado e futuro se mesclam e algumas vezes o leitor pode demorar a perceber essa interconexão. A volta ao passado ocorre sempre que é necessário justificar algum aspecto do presente e surge em forma de memória. O futuro aparece nas aspirações e sonhos dos personagens. Há, também, acontecimentos que são antecipados pela narradora. Outro aspecto marcante dessa narrativa, e também o principal objeto de análise dessa pesquisa, é a construção identitária da personagem Maryna, que se bifurca, divergindo entre a identidade polonesa e a identidade norte-americana. Para tanto, utilizaremos os autores Bauman (2005), Dubar (1997) e Hall (2006) a fim de avaliarmos como questões identitárias perpassam o construto da personagem protagonista, como será mostrado na parte seguinte.

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Parte IV – A Identidade como aporte teórico na construção da personagem protagonista Identidade é o conjunto de caracteres particulares que identificam uma pessoa. De acordo com Ciampa (1987 apud FARIA; SOUZA, 2011 p. 38), esse conjunto de caracteres é resultado das experiências vividas por ela, de sua história, seu contexto histórico e social e seus projetos. A identidade está sempre em processo de construção. Na leitura de Faria e Souza (2011), ela se constrói na e pela atividade. Ela não tem, portanto, caráter sólido e estático, mas líquido e volátil, sobretudo no contexto pósmoderno, onde “tudo o que é solido se desmancha no ar”. E é nesse contexto pós-moderno de inconstâncias que se passa a narrativa In America (2000). Nesse romance, o processo de construção identitária da personagem Maryna Zalezowska sofre várias alterações, sobretudo devido à relação da personagem com o meio no qual se insere. Assim, podemos considerar que a construção de sua identidade passa por três momentos principais ao longo da narrativa. E cada momento é influenciado pelo espaço no qual a personagem está inserida. Dessa forma, Maryna Zalezowska assume, pelo menos, três identidades distintas que se diferem e se confundem ao longo de toda a sua trajetória. Primeiro nos deparamos com a atriz polonesa, cuja identidade está sujeita à sua posição de destaque naquela sociedade e sua identificação como sujeito nacional. Logo nos encontramos com uma nova Maryna, mulher humilde que vive no anonimato do meio rural do interior da Califórnia. Em um terceiro momento vemos o ressurgimento da atriz e observamos a sua transformação em cidadã americana. Para Dubar (1997), a identidade é resultado de um processo de socialização. Assim, as relações com o meio e seus componentes imprimem marcas na identidade do sujeito, contribuindo significativamente para a sua formação. Ainda, segundo o autor, a identificação utiliza categorias socialmente disponíveis. Considerando que assumimos não apenas uma identidade única, mas várias identidades, reconhecemos que existem atos de atribuição que contribuem para a formação das identidades virtuais (quando os outros atribuem determinada identidade a um determinado sujeito) e atos de pertença (quando o sujeito se identifica com as atribuições de outrem e as toma para si). Assim, entendemos que a atribuição corresponde à identidade para o outro enquanto a pertença indica a identidade para si, o que gera um movimento de tensão caracterizado pelo conflito entre o que esperam que o sujeito seja e o que o sujeito realmente acredita que é. Logo, o

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processo de construção identitária se dá por meio da identificação ou não identificação com as atribuições que são sempre do outro, considerando que essa dinâmica apenas é possível no âmbito da socialização. Esse processo de construção identitária a partir da socialização pode ser verificado na narrativa. Na Polônia, Maryna Zalezowska é uma mulher rica e influente, dama da alta sociedade polonesa. É mais que uma mulher poderosa, é uma diva. Tem seu país aos seus pés e pode conquistar o que quiser. Isso acontece porque o público polonês assim a classifica e porque ela se identifica com essa categorização. Sendo apenas uma mulher comum, Maryna não poderia ser nada, não poderia ter voz. Mas, por ser uma celebridade, ela tem liberdade de “ser”. A personagem afirma que “Uma mulher não podia falar muita coisa. Uma diva podia falar uma enormidade. Como diva, com as licenças de uma diva, ela podia ter acessos de raiva, podia pedir o impossível, podia mentir”3 (SONTAG, 2000, p. 57). Nessa passagem, percebemos que Maryna assume a posição de poder que lhe foi oferecida pelo público. Ela é consciente de suas possibilidades enquanto atriz. Sendo famosa, ela tem permissão para dar vazão a comportamentos socialmente condenáveis, tais como acessos de raiva, caprichos e mentiras. A fama lhe concede poderes e Maryna usufrui deles, assumindo assim a identidade de diva que foi atribuída pelo público e assumida por ela. Todavia, não ser uma mulher comum também lhe traz desafios. A fama também tolhe sua liberdade. Sendo uma figura pública, Maryna está sempre sob o olhar do público e de qualquer curioso que deseje bisbilhotar sua vida. No trecho abaixo verifica-se que Maryna reconhece que o lugar socialmente adequado para uma mulher era o seio do lar e da vida doméstica: Sim, a vida pública não convém para uma mulher. O lar é o lugar adequado para ela. Aí ela reina – inacessível, inviolável! Mas uma mulher que se atreveu a erguer a cabeça acima das demais, que estendeu sua mão sequiosa de láureas, que não hesitou em expor ante as multidões tudo o que sua alma contém de entusiasmo e desespero – essa mulher deu a todos o direito de bisbilhotar sua vida4 (SONTAG, 2000, p.75).

A woman could not say much. A diva could say too much. As a diva, with a diva’s permissions, she could have tantrums, she could ask for the impossible, she could lie” (SONTAG, 2000, p. 41) 4 Yes, a public life is not suited to a woman. Home is the proprer place for her. There she reigns – inaccessible, inviolable! But a woman who has dared to raise her head above the others, who has extended her eager hand for laurels, who has not hesitated to expose to the crowds all that her soul contains of enthusiasm and despair – that woman has given everyone the right to rummage in the most secret recesses of her life (SONTAG, 2000, p. 56). 3

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No lar a mulher é rainha soberana, cuja palavra é lei. Mas dentro da sociedade ela não tem voz, a não ser que seja famosa. A fama, no entanto, a colocava sob o olhar inquisidor de todos. Abrir sua alma para o público autoriza-o a julgá-la. Essa é uma das consequências de não ser uma mulher anônima, uma mãe de família ou senhora do lar como tantas outras. Conquistar seu espaço e sua voz dentro da sociedade, sendo uma mulher, tem um alto preço. Por questões históricas, vimos que a Polônia é um país adepto do cristianismo e que o catolicismo faz parte da identidade polonesa. Por essa razão, encontramos em nossa personagem, traços de uma fé cristã socialmente arraigada, como podemos observar no excerto a seguir: “No paraíso”, Maryna aproximou-se dele, com os olhos cinzentos brilhando, “não haverá nenhuma experiência. Só êxtase. Lá, seremos capazes de falar a verdade um para o outro. Ou nem haverá necessidade de falar.” “Desde quando você acredita no paraíso? Eu a invejo.” “Sempre. Desde pequena. E quanto mais velha fico, mais acredito, porque o paraíso é algo necessário”5 (SONTAG, 2000, p.53).

Ao mesmo tempo em que identificamos traços do cristianismo em nossa protagonista, também percebemos a desesperança no discurso de seu interlocutor. A história se passa em um momento em que o país está bastante dilacerado pelas consequências da última fracassada Insurreição polonesa. Os poloneses ainda sofrem perseguições e são impedidos de demonstrar qualquer traço de patriotismo por seu país. É natural, assim, que a desesperança conviva lado a lado com a fé em um futuro melhor. A política aleijada de seu país somada à impossibilidade de expressar qualquer afeição pela sua terra natal despertam em Maryna Zalezowska o desejo de sair da Polônia. No seguinte trecho a atriz pede forças ao Deus cristão para realizar seu desejo de seguir viagem com os amigos rumo à América: […] ah, Deus todo-poderoso, tenha misericórdia! Tira de mim essa insatisfação ou dê-me meios para realizar o meu desejo. [...] eu fiz tudo aquilo que, com minha capacidade, podia fazer. Eu dei para o nosso país tudo o que tinha para dar, consciente da sua importância patriótica. E pensar que, em Warszawa o

“In paradise” – she bore down on him, her grey eyes glittering – “there Will be no experiences. Only bliss. There we will be able speak the truth to each other. Or not need to speak at all.” “Since when have you believed in paradise? I envy you” “Always. Since I was a child. And the older I get, the more I believe in it, because paradise is something necessary.” (SONTAG, 2000, p.38). 5

29 único palanque oficial em que os poloneses podem falar em polonês é o palco!6 (SONTAG, 2000, p. 73).

O mundo é muito grande para prender-se a um espaço tão pequeno. Ainda há muito a ser conquistado. Ademais, Maryna já está insatisfeita com sua vida na Polônia. Seu espírito inquieto anseia uma mudança de vida, um desafio a ser superado. Isso leva a atriz a refletir acerca do mundo e suas possibilidades. Talvez seja uma maldição vir de algum lugar. O mundo, entende,” disse ela, “é muito grande. Quero dizer, o mundo é feito de muitas partes. O mundo, como a nossa pobre Polônia, sempre pode ser dividido. E subdividido. A pessoa se vê ocupando um lugar cada vez menor. E, no entanto, a pessoa se vê em casa nesse espaço...”7 (SONTAG, 2000, p. 55).

Nesse trecho, Maryna questiona a sua relação de pertencimento com a sociedade na qual estava inserida. Ela acredita que o mundo é grande demais para ficar presa a um espaço tão pequeno e sentir-se em casa. Esse seria o princípio de uma crise de identidade. A esse respeito, Hall (2006) disserta:

Para aqueles/as teóricos/as que acreditam que as identidades modernas estão entrando em colapso, o argumento se desenvolve da seguinte forma. Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós mesmos como sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade para o indivíduo” (HALL, 2006, p.9).

Logo, percebemos que Maryna faz uma profunda reflexão acerca do mundo, que provoca uma perda do “sentido de si” e leva ao questionamento de sua identidade nacional. Bauman (2005), consoante com Hall (2006), acrescenta que:

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[...] oh almighty God be merciful! Take this dissatisfaction from me, or give me the means to accomplish my desire. […] I have done all that I, with my abilities, could do. I’ve given what I have to give to our country, mindful of its patriotic importance. To think that in Warsaw the only official platform from which Poles are permitted to speak in Polish is a stage! (SONTAG, 2000, p.55). 7 “Perhaps it is a curse to come from anywhere. The world, you see,” she said, “is very large. I mean,” she said, “the world comes in many parts. The world, like our poor Poland, can always be divided. And subdivided. You find yourself occupying a smaller and smaller space. Though you’re at home in that space -” (SONTAG, 2000, p. 40)

30 A idéia de “identidade”, e particularmente de “identidade nacional”, não foi “naturalmente” gestada e incubada na experiência humana, não emergiu dessa experiência como um “fato da vida” auto-evidente. Essa ideia foi forçada a entrar na Lebenswelt de homens e mulheres modernos – e chegou como uma ficção. Ela se solidificou num “fato”, num “dado”, precisamente porque tinha sido uma ficção, e graças à brecha dolorosamente sentida que se estendeu entre aquilo que essa ideia sugeria, insinuava ou impelia, e ao status quo ante (o estado de coisas que precede a intervenção humana, portanto inocente em relação a esta). A ideia de “identidade” nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve” e o “é” e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela ideia – recriar a realidade à semelhança da ideia (BAUMAN, 2005, p. 26).

Assim, a partir da crise de identidade provocada pela reflexão, a atriz reconhece esse caráter ficcional da identidade nacional. Ela mesma afirma que não pertence a lugar nenhum. Essa crise de identidade e o reconhecimento da não existência de uma identidade nacional fixa e imutável possibilita que a atriz permita e almeje o desenvolvimento de novas identidades no interior de seu “eu”. Bauman (2005) trata a questão das identidades fragmentadas da pósmodernidade. O sociólogo define identidade como autodeterminação, como o “eu” postulado. Para Bauman (2005), as comunidades são fatores decisivos para a formação identitária do sujeito. De acordo com o autor as comunidades podem ser distintas em comunidades de vida e destino, nas quais os membros vivem juntos e compartilham de uma cultura, e as comunidades de ideias, constituídas por uma variedade de princípios. Partindo dessa perspectiva, os grupos dos quais o sujeito participa o representam. O contato com os vários grupos requer a contínua escolha de ideais que contribui para a formação identitária do sujeito. Identidade, portanto, não é algo que parte de dentro do sujeito e se revela para o meio, não é uma questão pronta, de descoberta, mas uma criação ou recriação do “eu”. É um processo de construção do sujeito que parte de fora para dentro, sai do meio para imprimir marcas no indivíduo. Concordando com a teoria de Bauman (2005), nossa personagem sofre uma mudança de vida que imprime profundas marcas na sua identidade. Ela vive em uma comunidade na qual um novo estilo de vida é adotado. Nessa comunidade os membros compartilham juntos de uma nova cultura. A convivência em comunidade, por sua vez, recria uma identidade social que também representa a personagem em questão. Ao mudar-se para os Estados Unidos e viver com simplicidade em uma fazenda no interior da Califórnia com sua comunidade polonesa, Maryna Zalezowska deixa de ser a diva europeia para viver no anonimato da vida rural americana. Embora

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não se veja mais como uma diva, Maryna ainda conserva o seu espírito de liderança, agindo como a representante de seu grupo, como mostra o trecho a seguir:

Eles se recusavam a permitir que a sua inexperiência fosse um obstáculo intransponível. Tudo o que precisavam era aplicação, firmeza – humildade. Maryna acordava às seis e meia todas as manhãs e imediatamente empenhava sua vassoura. Ah, Henryk, se você pudesse ver agora a sua Desdêmona, a sua Marguerite Gautier, a sua Lady Anne, a sua princesa Eboli! Tolhida entre duas tendências opostas, atribuir tarefas a todos e impor o princípio de que todos os trabalhos deviam ser voluntários, Maryna resolvera simplesmente dar o exemplo. Ela adorava varrer: os golpes e as estocadas vigorosas harmonizavam-se com seus pensamentos. E descascar feijões, coisa que gostava de executar em uma poltrona feita de ramos de manzanitas, na varanda: o alheamento desse serviço despertava as profundas e tranquilizantes reservas de vacuidade de que Maryna fizera bom uso, como atriz8 (SONTAG, 2000, p. 199).

Então, ela assume uma posição de humildade e constrói uma identidade de mulher do lar, sujeitando-se às tarefas domésticas do dia-a-dia para motivar as outras mulheres. A própria atriz faz um contraste entre a vida antiga e a vida campestre, ao citar as renomadas personagens a quem deu vida. Reconhece também o alheamento provocado pelo serviço braçal, que em contraste com o trabalho intelectual que exercera outrora, lhe permite relaxar. A vida rural também trouxe a Maryna uma considerável dose de paciência:

Não estava na natureza de Maryna ser caridosa consigo mesma, jamais, nem tolerante com os outros. Mas como parecia fútil, sob aquele sol implacável, irritar-se porque Barbara e Danuta revelavam-se ordenhadoras relutantes9 (SONTAG, 2000, p.219).

Embora Maryna continue sendo exigente consigo mesma, sua postura com relação aos amigos muda bastante. Ela passa a enxergar-se como apenas mais uma integrante da colônia. Ela sabe que sempre deve agir de modo a inspirá-los, mas não se julga mais importante que nenhum outro membro do grupo.

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They refused to allow that their inexperience was an insuperable obstacle. All that was needed was industry, stamina – humility. Maryna arose at six-thirty each morning and instantly seized her broom. Ah, Henryk, if you could see your Desdemona, your Marguerite Gautieur, your Lady Anne, your Princess Eboli now! Caught between two inclinations, to hand out tasks to everyone and to impose the principle that all work be voluntary, Maryna had decided simply to set an example. She enjoyed sweeping: the robust strokes and jabs accorded with her thoughts. And shelling beans, which she liked to do in an armchair made of manzanita branches on the porch: the mindlessness of it drew on deep calming reserves of vacuity she had made good use of as an actor (SONTAG, 2000, p. 158-159). 9 It was not in Maryna’s nature to be charitable to herself, ever, or forbearing with others. But how pretty it seemed under this unrelenting sun to be fretting that Barbara and Danuta made reluctant milkmaids (SONTAG, 2000, p. 175).

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A mudança mais significativa que se operou na identidade de Maryna nesse período foi a preocupação com a aparência. Quando era uma celebridade, Maryna deveria conservar-se sempre a mais bela possível. Naquele ambiente simples e hostil, no entanto, a busca incessante pela beleza simplesmente não faz sentido. Ela não tem uma imagem a vender e poucas vezes reflete sobre sua aparência. Esse fato é evidenciado por meio de uma conversa que Maryna tem com o marido: “Eu me pergunto se não vou ficar chocada quando vir a mim mesma na fotografia,” disse Maryna para Bogdan, quando ficaram sozinhos. “Parei completamente de pensar a respeito da minha aparência, agora que não sou mais obrigada a me preocupar em ter a melhor aparência possível”10 (SONTAG, 2000, p. 244).

Apesar de a vaidade não ser mais uma questão relevante para Maryna, a atriz se vê preocupada com o processo de alienação causado pela nova vida, e em várias passagens admite sentir-se menos inteligente por falta de suficiente estímulo mental (SONTAG, 2000, p. 249). Outro aspecto importante que assinala a influência da cultura norte americana na identidade da personagem em questão (e também na identidade de seus compatriotas) é a celebração do dia de ação de graças e dos aniversários. O dia de ação de graças é uma das mais importantes tradições americanas, a qual os imigrantes aderiram com alegria. Já o aniversário é comemorado na América de maneira distinta da Polônia, como podemos verificar nesse trecho do diário de Bogdan:

17 de abril. Nasci trinta e cinco anos atrás, o que faz do dia de hoje o meu aniversário à l’américaine. Nosso costume de comemorar o aniversário no dia do santo com cujo nome fomos batizados é impensável aqui, e não só por este não ser um país católico com um calendário religioso que presta reverência às histórias e tradições mais antigas. Na América, o soberano é o calendário pessoal, a viagem pessoal. O meu aniversário, a minha vida, a minha felicidade11 (SONTAG, 2000, p. 267).

“I wonder if I’m going to be schocked when I see myself in the photograph,” said Maryna to Bogdan when they were alone. “I never think anymore about how I look, now that I’m not obliged to care about looking my best.” 10 (SONTAG, 2000, p.194) 11 April 17. I was Born thirty-five years ago, which makes it my birthday à l’américaine. Our custom of celebrating birthdays on the day of the saint after whom one is named is unthinkable here,, and not just because this is not a Catholic country, with a religious calendar enshrining the most ancient histories and traditions. What is paramount in America is the personal calendar, the personal journey. My birthday, my life, my happiness (SONTAG, 2000, p. 213). 10

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Nesse trecho percebemos, ainda, uma crítica do personagem Bogdan à cultura individualista norte-americana. Enquanto na Polônia prevalecia o espírito de comunidade, na América, tudo girava em torno do “eu”. Enfim, nos deparamos com o momento em que a comunidade polonesa, acometida pela crise do setor agrícola norte-americano, chega à beira da falência. Esse abalo na estrutura da comunidade levou o grupo a se desfazer, deixando Maryna, Bogdan e Piotr sozinhos na terra arrendada. Essa crise foi o catalisador necessário para levar Maryna de volta aos palcos. E essa experiência provocou em Maryna outra crise identitária, que culminou na sua identificação como sujeito norte-americano. Esse processo inicia-se a partir do isolamento de Maryna. A atriz, que agora nutria em si um sentimento de coletividade, precisava recuperar sua individualidade:

Ela necessitava de solidão para recompor o instinto, a técnica, as insatisfações e o gosto pelo atrevimento que haviam feito dela a atriz que era. A arte de caminhar, a segurança e o porte naturalmente ereto de seus passos, não precisava de nenhuma restauração. A arte de pensar só pra si mesma, essencial à criação autêntica – essa, ela só poderia recuperar sozinha12 (SONTAG, 2000, p.290).

Esse isolamento não apenas acentuou o individualismo em Maryna, como também contribuiu para o domínio da língua inglesa. A língua constitui um dos principais símbolos identitários de uma nação. A partir desse isolamento e da tentativa de dominar a língua daquele país, a atriz começou a projetar sua identidade como característica da cultura norte-americana. Hall (2006), argumenta que: O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis (HALL, 2006, p. 12).

Nesse excerto, Hall (2006) defende que uma forma de pertencer à determinada cultura é projetar nossa identidade como um reflexo do grupo que a compõe, internalizando seus valores e costumes. No caso da personagem Maryna, a própria

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She required solitude to reconstruct the instincts, the technique, the dissatisfactions, and the taste of effrontery which have made her the actress she was. The art of walking, the effortlessly upright carriage and certainty of step, needed no refurbishing. The art of thinking only of herself, essential to true creation – that, she could only recover alone (SONTAG, 2000, p.231).

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aquisição da língua do grupo que deseja integrar é uma forma de identificação para com ele. Assim, segundo o autor, a identidade é uma espécie de junção do sujeito com o meio cultural. Embora Hall (2006) defenda que existe uma fragmentação e descentralização dessas identidades culturais, é fato que elas ainda coexistem com as outras identidades que assumimos a partir do que Dubar (1997) caracteriza como ato de pertença. A cultura na qual estamos inseridos interfere incisivamente na formação do “eu”, embora não seja único fator importante. A partir disso, nos deparamos com uma personagem mulher que se identifica como polonesa, que se reconhece enquanto atriz, aprecia a cultura e a atividade intelectual, assume postura dominante nos círculos sociais a que pertence e luta para constituir uma identidade norte-americana. Nessa perspectiva, o primeiro passo da personagem em direção à americanização de seu “eu”, é a mudança de seu nome. O sobrenome fora alterado com entusiasmo, como uma forma de desfazer-se da supremacia de seu ex-marido, como podemos verificar na passagem abaixo: “Vou tentar uma vez. Só uma vez. Zalen... Não, Zawen... Eu tenho de sibilar, correto?” Ele riu. “Mas, vamos falar sério, cara senhora. A senhora percebe, não é verdade?, que ninguém na América jamais aprenderá a pronunciar seu nome corretamente. Agora, eu tenho certeza de que a senhora não deseja ouvir seu nome pronunciado de forma errada o tempo todo, e a minha preocupação é que muito pouca gente vai se dispor a fazer o esforço necessário para simplesmente dizê-lo.” Barton recostou-se na sua cadeira. “Tem de ser mais curto. Talvez a senhora pudesse omitir o z-o-w. O que acha?” “Ficarei feliz de aperfeiçoar o meu difícil nome estrangeiro”, disse ela, com humor. “Não é o que tanta gente faz quando vem para a América? Tenho certeza que o meu primeiro marido, cujo sobrenome trago comigo, Heinrich Zalezowski (não, creio que não vou explicar ao senhor por que ele era Zalezowski e eu sou Zalezowska, isso já é demais para uma mente ianque), iria achar isso muito divertido”. E, encantada com a perspectiva de pôr por terra a última fração de supremacia que Heinrich ainda exercia sobre ela, Maryna pegou o papel de volta, escreveu sobre a folha e entregou-a de volta para Barton”13 (SONTAG, 2000, p.315-316).

“I shall attempt it once. Just once. Zalen… Zawen… I hape to lisp, right?” He laughed. “But let’s be serious, dear lady. You realize, don’t you, that no one in America will ever learn to pronounce your name correctly. Now, I’m sure you don’t want to hear your name mispronounced all the time, and my worry is that only a few will make the effort to say it at all.” He leaned back in his chair. “It’s got to be short. Maybe you could drop the z-o-w. What do you say?” I shall be glad to improve my difficult foreign name,” she said airily. “Isn’t what many people do when they come to America? I’m sure my late first husband whose name I bear, Heinrich Zalenzowski – no, I think I’m not going to explain to you why he was Zalezowski and I am Zalezowska, that’s too much for a Yankee mind – would have been very amused.” And, amused by the prospect of marring Heinrich’s last bit of sovereignty over her, she took back the paper, wrote on it, and handed it to him again (SONTAG, 2000, p. 252). 13

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Contudo, a personagem relutou para alterar seu prenome. Isso acontece porque a alteração na grafia sugerida pelo diretor do teatro, de Maryna para Marina, a fim de não comprometer a pronúncia do nome em inglês, era o equivalente de seu nome em russo:

No papel, ele havia escrito M-A-R-I-N-A. “Mas é assim que se escreve meu nome em russo! Não, senhor Barton, uma atriz polonesa não poderia de modo algum ter um nome russo.” Ela estava prestes a dizer: os russos são nossos opressores, mas compreendeu que isso soaria infantil. “Por que não? Na América, quem ia notar a diferença?”14 (SONTAG, 2000, p.316).

A alteração de seu prenome, portanto, gerava um conflito entre as duas identidades nacionais da atriz: a americana e a polonesa. Se a sua identidade polonesa predominasse, Maryna permitiria que o sotaque inglês deturpasse seu nome. Além disso, Maryna estaria abrindo mão de um dos aspectos mais importantes de seu processo de americanização – a língua – e impediria seu público de pronunciar seu nome corretamente, provocando sua rejeição. Se a sua identidade americana prevalecesse, por sua vez, Maryna estaria renegando e oprimindo seu país de origem. Como está na América, no entanto, Maryna concorda com a mudança. Esse foi o grande marco da narrativa na constituição e fortalecimento de sua identidade americana, uma vez que libertou a atriz de qualquer prisão cultural. A partir da mudança do nome, ela sentiu-se livre para fazer todo o necessário para tornar-se americana, como veremos mais adiante em nossa análise. A respeito da questão dessa mobilidade de identidade nacional, Bauman (2005) argumenta que devemos ser conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não tem a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre e a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade” (BAUMAN, 2005, p. 17).

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On the paper, He had written M-A-R-I-N-A. “But that’s how my name is spelled in Russian! No, Mr. Barton, a Polish actress could hardly have a Russian name.” She was about to say, The Russian are our oppressors, and realized how puerile this would sound (SONTAG, 2000, p. 253).

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Partindo desse ideal, a personagem Maryna escolhe romper com a crença de que a identidade é algo fixo e imutável, sobretudo a identidade nacional. Sobre esse assunto, Bauman acrescenta: A ficção da “natividade do nascimento” desempenhou o papel principal entre as fórmulas empregadas pelo nascente Estado moderno para legitimar a exigência de subordinação incondicional de seus indivíduos [...]. Não fosse o poder do Estado de definir, classificar, segregar, separar e selecionar, o agregado de tradições, dialetos, leis consuetudinárias e modos de vida locais, dificilmente seria remodelado em algo como os requisitos de unidade e coesão da comunidade nacional. Se o Estado era a concretização do futuro da nação, era também uma condição necessária para haver uma nação proclamando – em voz alta, confiante e de modo eficaz – um destino compartilhado (BAUMAN, 2005, p. 27).

Logo, de acordo com as afirmações de Bauman (2005), criou-se o mito de que a identidade nacional é imutável e isso deriva das relações de poder. Difunde-se a ideia de uma natividade da identidade nacional como uma forma de segregar e, em um movimento contrário, de estabelecer padrões de comportamento que perpetuem a ideia de um destino compartilhado. Ao reconhecer que não existe uma identidade nativa e que integrar-se a uma comunidade diz respeito a compreender e jogar com suas relações de poder, a nossa personagem se abre para novas mudanças – tais como a troca de nomes – e adere às tradições e culturas da sociedade que planeja integrar, aumentando as suas chances de aceitação. Nos trechos anteriores, pudemos perceber, também, o sentimento de aversão da personagem ao domínio social exercido por seu ex-marido a partir de seu sobrenome. Esse é um resquício de uma postura feminista da atriz, que questionava as hierarquias de gênero e adotava uma identidade predominantemente masculina. Ainda na América, Marina comporta-se como o sexo forte. Ela é a chefe da família, que trabalha para prover o sustento do filho e do marido, lidera os grupos que integra e se impõe enquanto sujeito pensante. Ela não se subestima por ser mulher. A personagem ainda é consciente do patriarcalismo que a oprime e o denuncia. Isso pode ser verificado no seguinte trecho: “Ah, entendo. Você é orgulhosa, é confiante. Na certa é inteligente. Pois bem”, rosnou ele, “isso não é virtude para um ator.” “Já me disseram isso antes, senhor Barton.” “Aposto que sim.” “Mas o senhor poderia ser mais condescendente. Poderia ter me dito que a inteligência não é uma virtude para uma mulher”15 (SONTAG, 2000, p. 303). “Ah, I see. You are proud, you are confident. You are probably intelligent. Well”, he snorted, “that’s no assert for an actor.” 15

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Considerando a postura de Marina diante dos grupos dos quais faz parte e sua relação ativa com o meio, podemos dizer que ela incorpora uma postura feminista um tanto radical ao se posicionar como “masculina” e “dominante”. Reconhecendo o gênero como uma construção social e entendendo que o sexo do indivíduo não define sua posição diante da sociedade, aceitamos que tanto mulheres podem assumir uma identidade masculina quanto homens podem assumir uma identidade feminina. Isso não necessariamente tem a ver com a prática sexual do indivíduo, embora no romance In America (2000) possamos reconhecer que Marina assuma a identidade masculina, também – mas não somente –, como consequência da identidade do marido que adota uma postura feminina nos círculos sociais e apresenta inclinações homossexuais. A respeito do caráter social do gênero, Stets; Burke (2000) argumentam:

femininity and masculinity are rooted in the social (one’s gender) rather than the biological (one’s sex). Societal members decide what being a male and a female means (e.g. dominant or passive, brave or emotional), and males will generally respond by defining themselves as masculine while females will generally define themselves as feminine. Because these are social definitions, however, it is possible for one to be female and see herself as masculine or male and see himself as feminine16 (STES; BURKE, 2000, apud BENFATTI, 2013, p. 100-101)

Assim, entende-se que femininidade e masculinidade estão enraizadas nas práticas sociais, e não nas determinações biológicas. O sujeito é que deve se identificar enquanto masculino ou feminino. No entanto, homens assumem uma identidade masculina e mulheres inclinam-se para a femininidade não como resultado de um processo natural, mas sim de uma herança social. A personagem Maryna, todavia, rompe com essa convenção e porta-se como a chefe de sua família e líder de seu grupo, assumindo uma identidade hegemônica.

“I have been told that before, Mr Barton.” “I suppose you have.” “But you could be more condescending. You could have said to me that intelligence is no assert for a woman.” (SONTAG, 2000, p. 242). 16 A femininidade e masculinidade estão enraizadas na prática social (o gênero de cada um), e não determinação biológica (o sexo do sujeito). Os membros de uma sociedade é que decidem o que significa ser macho ou fêmea (por exemplo, dominante ou passivo, corajoso ou emocional), e homens geralmente responderão se definindo enquanto sujeito masculino, enquanto mulheres, em geral, definirão si mesmas como femininas. Essas são definições sociais. No entanto, é possível que alguém seja uma mulher e se defina como masculina ou que alguém seja homem e se identifique como sujeito feminino (STES; BURKE, 2000, apud BENFATTI, p. 100-101 – tradução nossa).

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Ademais, Maryna é uma mulher livre. Ainda na Polônia, dava vazão às suas vontades blindando-se com a identidade de diva. Ninguém a questionava por ser uma atriz e Maryna aproveitava sua soberania. Na América, no entanto, Maryna parece sentirse ainda mais livre. Ela percebe que está prestes a construir uma vida totalmente nova e que pode ser quem quiser. Talvez por esse sentimento de liberdade absoluta, despertado pela nova vida e pela iminente reconstrução de sua história, é que Maryna sente-se preparada para aceitar o amor que Ryszard vem lhe oferecendo há anos. Ela se despe dos pudores socialmente impostos e se dá direito ao prazer que o casamento não lhe proporciona. O escritor sempre fora apaixonado pela atriz, mas somente em território americano essa paixão é vivida pelo casal. “Para Maryna, parecia tão natural ver-se tragada pela admiração geral quanto haver descoberto em si a liberdade para aceitar o amor de Ryszard. Se houvesse uma voz que lhe dissesse: Um idílio como esse não pode durar, Maryna não lhe daria ouvidos”17 (SONTAG, 2000, p.342). Apesar da felicidade que a relação extraconjugal com Ryszard proporciona para Maryna, o romance não dura muito. O escritor não é tão complacente quanto o marido com o sucesso da estrela. Ela é uma atriz e, sendo uma figura pública, é muito desejada. Mas o poeta é muito ciumento e começa a ferir sua liberdade. Além disso, a atriz não sabe lidar com a confusão de sentimentos que essa paixão desperta. Maryna é uma fingidora. Sabe lidar com sentimentos em cima de um palco, controlá-los. Quando esses sentimentos a possuem com tamanha força ela fica descentrada: “Mas você me ama!”, exclamou ele. “Amo. E você me fez muito feliz. Mas como posso dizê-lo, a coisa à deux não é, nunca poderá ser algo importante para mim. Agora eu compreendo isso. Déformation professionelle, se você quiser. Quero amar e ser amada, quem não quer, mas tenho de ser calma... no meu interior. E com você eu viveria o tempo todo preocupada [...]”18 (SONTAG, 2000, p.363).

Maryna precisa de paz para atuar. A lembrança daquele relacionamento a ajuda a dar vida às suas personagens. Mas apenas a lembrança lhe basta. A atriz diz ao amante que viverá dessa memória. Pois “atores não se interessam muito pela vida real.” (SONTAG, 2000, p.364). Atores só querem saber de representar. Era mais fácil para ela 17

It felt so natural to Maryna to be engulfed by admiration, as it did to have found the freedom to accept Ryszard’s Love. If there was a voice that said to her, Such an idyll cannot last, she could not hear it. 18 “But you Love me!” He cried. “I do. And you have made me very happy. But, how can I say this, the à deux thing isn’t, can never be that important to me. I understand that now. Déformation professionelle, if you will. I want to love and be loved, who does not, but now I have to be calm… within myself. And with you I would worry […]” (SONTAG, 2000, p. 290).

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representar uma mulher apaixonada que dar vazão a seus sentimentos. O amor a aprisiona. Por isso ela prefere a calmaria de seu casamento de fachada à tempestade da paixão pelo amante. O fim do relacionamento também pode ter sido um efeito do que Bauman (2005) define como uma era líquido-moderna. Segundo o autor, as relações interpessoais, com tudo o que as acompanha – amor, parcerias, compromissos, direitos e deveres mutuamente reconhecidos –, são simultaneamente objetos de atração e apreensão, desejo e medo; locais de ambiguidade e hesitação, inquietação, ansiedade. Como apontei em outro texto (Amor líquido), depois do “Homem sem qualidades” de Robert Musil veio o nosso “homem sem vínculos” líquido-moderno (BAUMAN, 2005, p.69).

Embora Maryna já fosse casada, percebemos que se trata de um casamento livre de compromissos. O relacionamento com Ryszard, por sua vez, exige um comprometimento emocional, o que assusta e afasta a atriz de seu objeto de desejo, na tentativa de manter sua liberdade. Ao reencontrar Bogdan, Maryna não menciona o que acontecera entre ela e Ryszard. Há entre eles um acordo mútuo e silencioso de que as aventuras que vivem na América devem permanecer em segredo:

Admitia-se que, durante a sua longa separação no ano anterior, Maryna e Bogdan haviam, ambos, buscado afeição em outra parte, como era necessário: eles não iam inventar histórias um para o outro acerca do que já era sabido sem ser contado. O amor, o amor no casamento, era repleto de silêncios generosos. Eles haviam de ser mutuamente generosos19 (SONTAG, 2000, p. 392).

Ambos sabem, em silêncio, que o casamento se apoia em cima de uma bela amizade, mas que lhes falta o mínimo de paixão entre um casal. Portanto é preciso que satisfaçam seus desejos de forma independente. A atriz também pode constatar com alegria que “em contraste com o palco, onde o adultério de uma mulher jamais passava sem punição, a vida real não precisava ser um melodrama”20 (SONTAG, 2000, p. 378). Ou seja, para ela, mulheres também traem, também buscam o prazer. Não é necessário fazer disso um grande acontecimento.

19

Assume that, during their long separation last year, Maryna and Bogdan had both sought affection elsewhere, as needed: they were not going to force stories upon each other about what was known without being told. Love, marriage love, was full of generous silences. They were going to be generous with each other. 20 In contrast to the stage, where a woman’s adultery never went unpunished, real life did not have to be a melodrama (SONTAG, 2000, p. 303).

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Quando finalmente começa a fazer sucesso na América, Maryna é convidada a dar várias entrevistas. Mas a atriz se encontra novamente em uma crise identitária, e começa a reinventar o seu passado, a sua vida na Polônia e os primeiros meses vividos na América. Maryna mente tanto aos entrevistadores que se perde em meio às próprias verdades inventadas:

Mas não é fácil lembrar quais histórias são verdadeiras entre todas aquelas que contamos a respeito da nossa vida, quando se é obrigado a contá-la tantas vezes. Ainda mais porque todas as histórias correspondem a alguma verdade interior. Claro que é impossível, e também imprudente, explicar-se inteiramente quando se está na posição de estrangeiro. Algumas verdades precisam ser enfatizadas para se adequarem aos critérios locais de decoro (Maryna sabia que os americanos gostavam de ouvir histórias de privações e rejeições, relatadas por pessoas mais tarde coroadas pelo êxito e pela riqueza), ao passo que era melhor nem mencionar certas verdades, aquelas que só tinham seu peso justo na terra natal21 (SONTAG, 2000, p. 337).

As mentiras não são senão uma forma de jogar com as identidades para integrar-se ao povo norte-americano. Sendo uma estrangeira, ela precisa agradá-los para ser aceita e considerada parte daquele grupo. Os americanos gostam de excentricidades e ostentação. As indumentárias utilizadas por Maryna, os produtos, as joias, a própria atuação no palco, tudo deveria expressar riqueza e glamour para agradar os espectadores. Assim, Maryna vai ganhando a simpatia da sociedade norte-americana. Eles a amam e aceitam-na como se fizesse parte dela. A estrela frequentemente recebe cartas carinhosas de seus fãs. Numa delas, fica bem evidente a aceitação da atriz no seio daquela sociedade: “Guarda as lembranças da Polônia em teu coração, A América agora te reclama só para si” (SONTAG, 2000, p.334). Maryna torna-se uma super estrela. É uma das celebridades mais aclamadas pelo público dos Estados Unidos. É idolatrada pelos americanos e passa a ser modelo de conduta. Seus trajes, sua maquiagem e até os produtos que utiliza são imitados ao redor de toda a América. Eis que em um momento de consolidação do capitalismo, sua fama é bastante conveniente para fomentar o sistema. A atriz torna-se a garota propaganda de vários produtos, que são comprados por suas fãs gerando lucro para as grandes empresas.

21

But is not easy to remember which of the stories you relate about your life are true when you relate all of them so often. And all stories respond to some inner truth. Of course it is impossible, and imprudent, to explain oneself fully when one has become a foreigner. Some truth need to be emphasized to jibe with local ideas of seemliness (she knew Americans liked being told about early hardships and rebuffs by those crowned with wealth and success), while some truths, the one that have their just weight only back home, are best not mentioned at all.

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Difundir ideais que não são seus, todavia, causam em Maryna outra perda do sentido de si. Ao assinar sua aprovação em produtos a troco de patrocínio, a atriz admite tornar-se “difícil saber a diferença entre aquilo que disse e aquilo que deveras pensa” (SONTAG, 2000, p. 442). Finalmente, Maryna torna-se uma perfeita cidadã norte-americana. Os vários anos que vive na América contribuem para a solidificação dessa identidade. Seu individualismo, o amor pelo dinheiro, o gosto pelo luxo e pelas invenções da modernidade, a vaidade, a busca pelo prazer e pela satisfação do eu e o vício pelo trabalho. Todas essas características se ajustam ao seu “ser”. Mas Maryna nunca deixa de ser uma mulher polonesa. Com os anos e a experiência, ela pôde compreender que é um sujeito composto de várias identidades e que essas identidades podem conviver harmonicamente dentro de si:

América: não apenas um outro país. Se de um lado, o rumo injusto da história européia determinara que um polonês não podia ser um cidadão da Polônia (mas apenas da Rússia, da Prússia), de outro lado o rumo justo da história mundial havia criado a América. Maryna sempre seria polonesa, não havia como mudar isso, e nem ela o desejava. Mas ela poderia, se assim escolhesse, também ser americana22 (SONTAG, 2000, p.429).

Bauman (2005) defende que uma identidade coesa, firmemente fixada e solidamente construída seria um fardo, uma repressão, uma limitação da liberdade de escolha. Decerto, Maryna constitui-se um sujeito pós-moderno, integrante dessa era líquida e instável. Seu maior tesouro é a liberdade de ser. Como defende o autor, atitudes como cuidar da coesão, apegar-se às regras, agir de acordo com os precedentes e manterse fiel à lógica da continuidade, em vez de flutuar na onda das oportunidades mutáveis e de certa duração, não constituem opções promissoras (BAUMAN, 2005, p. 60). Essa fixidez da identidade e apego às regras resultariam no que o sociólogo define como uma privação social e um estigma do fracasso na vida. Maryna, no entanto, é uma vencedora. Preza demais sua liberdade para assumir identidades fixas. É, portanto, um sujeito constituído por um mosaico de identidades, o que torna sua trajetória de vida bastante instigante.

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America: not just another country. While the injust course of European history had ordained that a Pole could not be a citizen of Poland (but only of Russia or Austria or Prussia), the just course of world history had created America. Maryna would always be a Pole – no way to change that, nor would she want to. But she could, if she so chose, be an American too.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho possibilitou investigar as possíveis construções identitárias da personagem protagonista Maryna Zalezowska do romance In America (2000) de Susan Sontag, dentro de um enfoque sociológico que permitiu verificar se havia influência direta do meio na construção da sua identidade. Nesse sentido, pretendemos explicar os comportamentos da personagem sob o viés das identidades assumidas por ela. Ao compor a sua personagem, a autora Susan Sontag nos trouxe um recorte histórico-social de duas nações: a Polônia e os Estados Unidos. Reconhecendo que dentro de uma narrativa todo detalhe é minuciosamente pensado, traçamos um perfil de nossa personagem protagonista com base na herança social dos contextos no qual se insere, estudando suas construções identitárias e a forma como as identidades assumidas afetavam sua relação consigo e com o meio. Diante dos dados apresentados, confirmamos a hipótese de que a personagem protagonista do romance passa por pelo menos três fases principais e que elas se relacionam com o ambiente cultural no qual a personagem está inserida. Na primeira fase, a atriz se identifica como sujeito pertencente à aristocracia polonesa, como mulher influente e católica. Assim a atriz se apresenta, até que um questionamento da sua identidade nacional provoque uma crise identitária e desperte em Maryna o desejo de sair de seu país. A segunda fase refere-se ao momento em que a personagem vive humildemente no meio rural do interior da Califórnia, onde abandona sua identidade de diva, sua vaidade e seu privilegiado status social para viver de seu trabalho na fazenda que arrendara com a família. E dessa forma a personagem se identifica até que a crise do setor agrícola norte-americano leve seu grupo à falência e desperte a necessidade de Maryna retornar aos palcos. Por último, nos deparamos com uma mulher que luta para integrar-se à sociedade norte-americana, uma estrangeira que se identificasse com seu novo país e adotasse essa nova identidade por meio do domínio de sua língua, da adoção de seus costumes e superstições, da valorização do capital, da busca da satisfação do eu e da venda de seus produtos. Esperamos que essa análise possibilite uma nova leitura do romance In America (2000) e seu conteúdo, ressaltando a complexidade e riqueza de conteúdo dessa obra, uma vez que poucos pesquisadores se debruçaram sobre ela.

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Portanto, os temas e discussões propostos por esse trabalho permitiram uma reflexão sobre a formação da identidade do sujeito pós-moderno valendo-se de um recorte literário. Compreendemos, a partir dessa análise, o caráter líquido e volátil das identidades que assumimos nos mais variados campos sociais. A partir de nossa personagem, entendemos, também, que não somos sujeitos com identidades prontas, definidas no nascimento. Constituímo-nos a partir de nossas experiências de vida, no contato com o meio, com sua cultura e com o outro. Somos produtos de uma série de experiências resultadas do processo de socialização. Além disso, somos sujeitos plurais. Comportamos dentro de nós várias identidades, que se complementam ou são contraditórias, mas que ainda assim convivem harmonicamente dentro de um mesmo “eu”.

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REFERÊNCIAS ALLEN, H.C. História dos Estados Unidos da América. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1968.

BAUMAN, Z. Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução Carlos Alberto Medeiros. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

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