Miradas sobre a cidade: formas de olhar, antecipar, intervir

July 23, 2017 | Autor: Marcelo Diana | Categoria: Intellectual History, Social Sciences, Argentina History, Historia Argentina, Latinoamerica
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Trabalho apresentado para a disciplina “Intelectuais, ideias e instituições”, ministrada pela professora Dr. Maria Alice Rezende de Carvalho, entre março e julho de 2008, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.

Miradas sobre a cidade: formas de olhar, antecipar, intervir Marcelo Henrique Nogueira Diana Doutorando em Ciência Política Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ)

Resenha de GORELIK, Adrian. Miradas sobre Buenos Aires: historia cultural y crítica urbana. Buenos Aires, Siglo XXI, 2004. pp.283.

Como relacionar a voga crescente dos estudos de sociologia e cultura que tomam a cidade como objeto de investigação com o lugar contemporâneo de uma crítica social? Esta é a pergunta que motiva o historiador Adrián Gorelik e se faz presente, mais uma vez, na sua coletânea de ensaios (ainda sem publicação no Brasil), Miradas sobre Buenos Aires. Com efeito, tomar os estudos sociais como um passaporte crítico nos coloca, de alguma maneira, sob o desafio de considerar as questões que animam a vida das cidades como versões mais ou menos aceitas de imaginação social. Ou em outras palavras, para se compreender os fenômenos contemporâneos que ocorrem sob o registro da cidade seria preciso espichar o olhar, também, para as obras de literatura e os diversos fragmentos que compõem o seu tema, lidando com estes elementos como um grande depósito de imaginações. Como realidade que se debate hoje, a cidade apresenta uma história que não é apenas urbana, mas também literária, nacional, simbólica, plástica e, assim mesmo, imaginária. Gorelik demonstra como na cidade também habitam as suas imaginações sociais. Todavia, apesar do aspecto de totalidade, existem espaços abertos na cidade, assim como sínteses inconclusas em teorias que carecem de algumas novas miradas. O seu livro, de uma maneira muito positiva, levanta e confirma essa hipótese. Além de investigar os imaginários e as interpretações que se ocupam, na Argentina, do signo urbano como parâmetro para se pensar uma modernidade periférica, Gorelik apresenta como a imaginação de cidade sobre Buenos Aires surgiu e se atualiza ainda hoje junto aos seus debates urbanos. Não apenas Buenos Aires, mas especialmente

 

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ela, encontramos na reunião de ensaios e textos de conjuntura assinados pelo autor uma prova da evolução e das diferentes passagens por que passaram e passam os estudos urbanos. Neste sentido, explorando uma zona não menos confusa do que ambígua, extrapolando os limites institucionais do saber acadêmico que encerra nas diversas disciplinas que se conectam com o urbano uma linguagem própria de investigação, o pesquisador na figura de crítico social resolve, com a inscrição no debate dos estudos culturais, um lugar para se olhar criticamente para a cidade. Dessa monta, os ensaios que compõem a sua coletânea podem ser ao mesmo tempo uma inventiva intelectual, formulada para compreender aspectos importantes que cercam a cultura urbana na Argentina, como também testemunhos escritos pelo autor, impactado pelas direções por que têm passado os estudos culturais, especialmente os estudos culturais do urbano, nas ciências sociais. Como o título dessa coletânea representa, mirar Buenos Aires envolve uma atitude de paradoxo diante dos dilemas históricos e culturais insuperáveis até então na imaginação da cidade. Para a composição do livros, foram reunidos artigos escritos ao longo da década de 1990 que, aparecendo juntos, compõem uma coletânea sobre o pensar a cidade, um exercício que apesar do caráter ensaístico e multifacetado e da vontade de intervenção política e intelectual presente no autor, revela, de outra parte, um rastro de caminho sobre os estudos culturais urbanos nas últimas décadas. Com foco especial sobre o ambiente latino-americano, Gorelik rastreia no pensamento social sobre o território um lugar de investigação para os estudos culturais. Este é o tema do artigo que abre a primeira seção do livro “Mapas de Identidade”, intitulado “Buenos Aires en el país: para una historia cultural de las imaginaciones territoriales”. No artigo, o mais extenso do livro, encontram-se reunidos em discussão o tema da imaginação territorial e do ensaio de interpretação nacional, comum e desenvolvido sobretudo a partir da segunda metade do século XIX na Argentina. Para eles, a pergunta que faz Gorelik é a seguinte: o que pretendiam alguns autores quando faziam um ensaio de interpretação? Como alguns traços inventados por esta ensaística sobreviveram à época de sua criação, circulando ainda hoje como síntese impactante de uma realidade nacional? Por meio de qual síntese esses ensaios se alojaram em uma imaginação que, ao fim e ao cabo, vinculou às suas interpretações um paradigma sobre a realidade nacional? A aposta de Gorelik, vale destacar, em ensaio próprio,

 

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incide sobre o aspecto específico que na Argentina poderia responder a algumas dessas perguntas: a imaginação territorial. Longe de pretender abarcar o tema em sua completude, sem nenhuma ambição totalizadora, mas nem por isso displicente com a possibilidade de interpretação que o território, enquanto identidade e metáfora nacional argentina, poderia revelar, Gorelik apresenta um painel pontual e por tópicos dessa imaginação territorial, considerando dois dos seus mais influentes intérpretes: Ezequiel Martínez Estrada com a “Radiografía de La Pampa”, ensaio publicado em 1933, e Bernardo Canal Feijóo, nos dois ensaios sobre a realidade argentina, “De la estructura mediterrânea argentina”, escrito entre 1938 e 1943 porém publicado em 1948 e “Teoria de la ciudad argentina”, de 1951. De início, o que alega Gorelik, é que devemos ter em conta que os dois autores, assim como outros da sua geração – falamos aqui de ensaios produzidos ao longo das décadas de 1910 e de 1940 – pois bem, devemos ter em conta que pensar a questão nacional para estes autores consistia pensar, sobretudo, em modos através dos quais seria possível ler e dimensionar alguns problemas de realidade nacional. Um desses modos encontrados consistia, exatamente, na temática do território, ou melhor, na metáfora do território como identidade da nação. Para Martínez Estrada, a primeira estrutura defeituosa no mapa nacional argentino revelava-se fortemente na forma do seu território, por uma configuração absurda que inviabilizou o contato e a civilização. Segundo Estrada, “a geografia constitui o diagrama de base porque a natureza acidentada é, ainda antes de povoar-se, o esquema do que em breve será a nação, um diagrama formado por três partes constitutivas”, continua Martínez Estrada, “cordilheira, deserto e planície, sobre as quais se produzirão as sucessivas superposições socioculturais” (Gorelik, 2008, p.38). Estes três blocos, históricos, culturais e geográficos, configuram a cultura nacional argentina, que a valer do julgamento de Estrada, “tecnicamente não houve nada nem tampouco ocorreu nada”, produzindo, assim, resultados idênticos à lógica geográfica do rio, “que não é caminho senão fronteira”, “distância, isolamento e confim” (ibidem). Todavia, conforme Estrada, o outro vértice dessa terra desolada, desértica e sem história, a cidade, o porto, a capital nacional Buenos Aires levantaria a discussão sobre a existência de duas Argentinas: uma profunda e de natureza bárbara e a outra litorânea sintonizada com a civilização. Ainda que recorrente na imaginação social argentina – basta lembrar a tensão que Sarmiento ativa no interior da Argentina com o seu Facundo – este dualismo, não

 

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tem de nada simplificador para a imaginação do espaço. Como nos lembra Gorelik, remetendo à Martínez Estrada, “a questão da autenticidade [nacional] é um problema chave em Radiografia de la pampa, porém ela não produz dualismos unívocos, pelo contrário avança também em uma espiral de mútua contaminação. Por isso Buenos Aires é ao mesmo tempo a causa da ‘guerra civil’ que destruiu o interior e o seu mais profundo desejo imaginário... Buenos Aires é o país, falso e verdadeiro” ou, na expressão original de Estrada, “Buenos Aires es Trapalanda” (Gorelik, 2004, p.46). Diferentemente de Martínez Estrada, Bernardo Canal Feijóo elabora, em seus ensaios, uma resenha em que critica o subjetivismo a partir do qual permanece atada a ilustração de alguns problemas da nação. Contrário ao enfoque sobre a terra e da vinculação da sua imagem ao histórico da nação, Feijóo desvia o olhar dos complexos psicoanalíticos e de fatores orgânicos, para buscar razões em problemas cujas causas provavelmente repousam em fatores políticos, sociais e econômicos. Pode-se perceber, desde então, o pragmatismo que separaria a interpretação de Feijóo daquele subjetivismo de Estrada, e mais ainda, o desacordo que de imediato se instalava quando comparadas as suas respectivas metáforas geográficas. Para Feijóo, o amorfismo que caracterizaria a cultura nacional argentina, o seu tempo lento, mediterrâneo, deveria ser revolucionado pelo heroísmo das classes mais miseráveis e pobres, pela realidade irrefutável do chão interior. Um “modernismo terra adentro” é o que reclama essa visão triunfalista de Feijóo, cujo respaldo se garantiria pela constituição e planificação social, política, econômica e regional de uma nação e um povo Argentino. O heroísmo nacional argentino estaria em vencer a adversidade que o diagnostico histórico-cultural ou outros derivados dele enfatizaram, a dizer, a tensão e dualidade que a geografia argentina vinha abrigando na construção da sua imagem nacional, rejeitando-a pela crítica. Para Feijóo, o Estado, ou melhor, a vocação política que seria encarnada pelo Estado identificado com a nação seria, ele sim, o promotor e o lugar de onde partiria esse ato heróico sobre a morfologia, bem como seria a técnica, por meio da planificação, a forma adequada pelo nacional para “litoralizar o interior” (Gorelik, 2004, p.65). Por essa vocação política, buscar-se-ia uma maneira de modernizar o deserto, dando forma àquela paisagem amorfa. Na conclusão da primeira parte do livro, Gorelik deixa clara a repercussão do ensaio de interpretação, tanto na imaginação nacional argentina quanto na sua relação com os países vizinhos. Neste caso, como lembrado por ele, o Brasil certamente incluiria

 

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algumas de suas interpretações no elenco dessa ensaística periférica, destacando a antropofagia dos modernistas paulistas e o integralismo de Plínio Salgado. Na segunda parte do livro, “Buenos Aires análogas: para uma historia cultural das representações urbanas”, Gorelik concede espaço, em cinco artigos, à paisagem de Buenos Aires representada nas artes e nas imagens produzidas pela/sobre a cidade. A ideia de “cidade análoga” inclui a observação de que a cidade cria representações que dialogam com o seu espaço. Isto quer dizer que a imagem de uma Buenos Aires europeia, presente tanto nos ensaios escritos no século XIX, quanto na imaginação e concepção urbana e arquitetônica da cidade, possibilitam revelar uma realidade que quase chegou a ocupar uma posição de mito no imaginário nacional, desfeita, porém, pelo surgimento dos bolsões de pobreza e pelo crescimento marginalizado localizados nos subúrbios. Gorelik apresenta como este modelo de urbanização, consolidado na década de 1930 e consagrado na de 1950, encontra a partir da sua dessemelhança no real uma crise permanente de confiança. Por isso, para caracterizar uma versão porteña da cidade europeia, deve-se observar mais que a forma da cidade: “mais que uma qualidade morfológica”. Os traços de cidade europeia em Buenos Aires, diz o autor, “são o resultado de uma combinação peculiar de elementos que se destacam no espaço público: a homogeneidade urbana, garantida pela odiada estrutura da quadra americana; mais a manutenção da qualidade e vitalidade do centro tradicional, que, com pequenos deslocamentos, continua a ser tanto o lugar escolhido para o ócio das multidões como a residência dos setores altos da sociedade, organizando um núcleo duro de reconhecimento horizontal para toda a sociedade portenha; mais a correspondente homogeneidade social de uma extensa classe média que dá o tom à cultura urbana, garantida pela escola pública de massa, com o predomínio da cultura francesa como padrão de valoração.” (Gorelik, 2004, p.91) Curiosamente, porém, como assinala Gorelik, a consolidação dessa forma europeia de Buenos Aires era contemporânea à segunda expansão metropolitana da cidade, isto é, àquela que estava fincando a grande Buenos Aires no mapa, a sua região metropolitana, a povoar as margens dos territórios não mais com imigrantes de ultra-mar, mas com uma massa obscura vinda do interior do país e de países vizinhos. Esta ocupação coloca em xeque-mate aquele imaginário “importado” ou “europeu” da cidade de Buenos Aires. Ainda assim, como fica claro na representação que a cidade faz da sua ocupação urbana, essa parcela metropolitana não teria sido reconhecida no traçado central e tradicional da cidade que se teima europeia. O que está fora desse

 

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traçado, externo à sua forma, nas reformas da década de 1950, permanece alheio à representação da cidade. Neste processo de exclusão chegamos até o presente, como que por uma reiteração porém em decadência, em que a margem da sociedade pósindustrial, na ausência da garantia de um posto de trabalho formal, ocupa-se nas ruas da cidade em catar e revender o lixo das ruas, sendo assim os cartoneros percebidos como realidade externa da cidade, estrangeiros que desajustam o seu bom funcionamento interior. A presença desse exemplo valeria, por si, para desmitificar e reinterpretar a forma de cidade europeia construída sobre Buenos Aires. Desenvolvendo este mesmo tema das representações urbanas na cidade, porém agora pelas artes plásticas, Gorelik recupera e interpreta as fotografias de Horacio Coppola, os poemas de García Helder e as gravuras de Félix Rodríguez, além da película “Mala época”, cuja estréia data de 1999, pelo viés da cidade análoga. Em cada um desses artistas, Gorelik retém uma oportunidade de conversar com a cidade e com a sua época. Sem a intenção de fazer um amplo contexto para as obras, o autor enreda a sua interpretação para as representações que a cidade oferece enquanto símbolo importante para se pensar a experiência do urbano. Presa na imagem de uma Buenos Aires ainda em seus limites, margeando a zona que mais tarde seria redefinida como metropolitana, Gorelik percebe nas fotografias de Coppola, tiradas entre 1927 e 1936, a fagulha para a interpretação do subúrbio na construção da cidade. Tema caro à tradição vanguardista, especialmente borgeano, as margens podem ser miradas nas fotografias de Coppola como realidade ainda a ser instalada. As casas cujos quintais se confundem com a paisagem pampeana ao fundo, os postes e fios de energia elétrica que se perdem na amplitude do horizonte desabitado, a calçada com o meio-fio indistinto exposto à pavimentação franqueiam, nessas zonas, uma representação distinta da Buenos Aires tradicional. Nas fotografias de Coppola, em que o moderno cinde e se confunde com o existente, o novo perde a sua velocidade, integrando-se de um jeito possível ao espaço. Neste registro de possibilidade, Buenos Aires revela a duplicidade da sua história. Também acerca do espaço e da passagem do tempo nas margens da cidade, Gorelik interpreta os poemas de Helder e as gravuras de Rodríguez, ambos produtores de arte atuantes na década de 1990. Nos dois artistas, tratados em conjunto, o espaço marginal aparece não mais pela amplitude, como representada em Coppola, mas pela desolação, pelo abandono, pela fugacidade inadiável que resultou do projeto modernizador. As fábricas arruinadas, os trilhos suplantados pelo asfalto, bem como

 

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os vagões abandonados em velhas estações confirmam o caráter voraz e arbitrário do desenvolvimento fabril, das arenosas fundações modernas da cidade. Na sua paisagem, tudo o que é representado é o que é, deteriorado e sem margem para interpretação, carcomido. Na cidade habita a desolação, tema que será fonte de inspiração para a interpretação do filme “Mala época”: a deteriorização das relações humanas expõe dois irmãos recém chegados de um província do interior a um assassinato, este ocorrido na cidade. O anonimato da cidade permite que os dois fujam com o corpo do defunto escondido em seu carro, mas, ao mesmo tempo, a cidade atua sobre a fuga como testemunha ocular, protagonizando um complô contra os seus planos de se livrarem do corpo. Ao longo do filme aparecem em evidência os traços de decomposição e de violência gratuita e inesperada que a cultura urbana portenha (mas não apenas ela) abriga no final do século XX. De alguma maneira a cidade, longe de ser a causa, é a personagem que atua onipresente na trama que se desenrola no filme. Ninguém persegue os dois irmãos, a não ser ela, a cidade, cúmplice dos seus atos. Nem culpada, tampouco inocente, a cidade torna-se o que é em realidade – um estado em decomposição, sem imaginação que a abarque. A cidade vítima e culpada, dupla e cindida. Encerrando esse cenário contemporâneo desolador da cidade de Buenos Aires nos anos 1990 e princípios do 2000, Gorelik dedica a terceira e última parte da sua coletânea de ensaios intitulada “Buenos Aires en la encruzijada: para uma crítica das políticas urbanas de La modernización conservadora”. Nesta seção, o autor arrisca a sua mirada mais forte sobre Buenos Aires, em pautas intensamente críticas. Centrado sobretudo no tema das reformas urbanas implementadas a partir das décadas de 1960 e 1970, mas que nas décadas de 1980 e 1990 encontraram uma encruzilhada e paralisia quanto a qual diretiva política para se orientar, Gorelik privilegia em sua análise os documentos produzidos pelos órgãos estatais acerca do funcionamento e da planificação da cidade, bem como de artigos de jornais e de outros editoriais. Com estes documentos em mãos, ele averigua um problema comum emergente nas cidades latino-americanas na pós-modernidade: a inversão de valores que a onda neoconservadora remanescente do período autoritário imprimiu às zonas em deteriorização da cidade, transformando-as não em áreas de combate para o espaço público, mas em zonas retalhadas administradas pela iniciativa privada.

 

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juntamente com a revitalização de centros comerciais e urbanos tradicionais que passavam por uma fase de decadência, mas que são recuperados tornando-se foco de revitalizações comandadas pela iniciativa privada, como é o caso crítico das zonas de Puerto Madero e do Retiro. Para além disso, a cidade sofre com o seu marketing urbano turístico, que privilegia o exótico e camufla o miserável, como também é o caso da região do Caminito. Na paisagem urbana que imita um cenário frágil, fica patente que a retirada do Estado da planificação e intervenção urbana, se não acompanhada por uma agenda pública que possa sustentar o urbano pela sociedade civil – o que não foi o caso de Buenos Aires, como também não o foi de outras cidades latino-americanas – essa ausência abre a oportunidade de transformar a cidade em barrios, zonas fragmentadas freqüentadas de acordo com a classificação social e econômica. Mais do que isso, inviabiliza a chegada de cidadãos a serviços essenciais, presentes nas regiões mais nobres. Transforma os cidadãos em clientes potenciais de uma determinada zona urbana. A cidade literalmente se mercantiliza. Esta última questão é retomada no pósfacio que encerra o livro, “Transformações urbanas e estudos culturais: para um recorrido por los lugares comunes de los estudios culturales urbanos”, onde Gorelik repassa os temas clássicos tratados ao longo do livro, como o pensamento social, a imaginação territorial, as representações da cidade na cultura urbana, o aparecimento de um comando neoconservador na gerência da cidade, a ausência de agendas públicas que tomem a cidade e o seu processo de crescimento e decomposição, como elementos para uma intervenção crítica sobre a cidade. De fato, todo este complexo traz o cientista ou observador social para o posto de crítico. Como sugere Gorelik, detectar a decomposição da cidade é também atentar para a falência das imaginações sobre/para a cidade. Paradoxalmente, justamente no período em que assistimos a uma retomada e efervescência dos estudos urbanos, com a expansão de assuntos e das suas investigações sobre o espaço da cidade a confabularem acerca dos imaginários urbanos então existentes, é que na intervenção sobre a cidade tem se feito realçar o seu signo em decomposição, isto é: há ainda uma insuficiência dos estudos culturais de apresentar hipóteses que levantem a cidade do seu sono de signo, do seu confinamento como espaço de um mesmo lugar comum, para recuperar a sua crítica necessária e reinterpretá-la para além da decomposição. Na contrapartida a essa

 

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acomodação furiosa, temos o livro do argentino Adrian Gorelik como testemunho e chamativa a questionar e estimular os estudos culturais.

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