Mitologia para hoje: necessidade histórica urgente!

June 3, 2017 | Autor: Alessandra Viegas | Categoria: Mythology
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Sumário

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Editorial A necessidade do estudo da mitologia Alessandra Serra Viegas

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Medeia, de princesa à bárbara

4

Deidades e o Fórum de Conimbriga

6 8

Hathor, Atributos e Mitos

Renan Marques Liparotti

Raquel Soutelo Gomes

Julio Gralha / Thamis Caria

Eventos

De

princesa pacífica a bárbara cruel, de responsável por rejuvenescer Eson a assassina de Pélias, de mãe a filicida, de humana a feiticeira semideusa. Esses são alguns dos traços de Medeia cosidos pelo fio ovidiano da metamorfose.

Os encantamentos mágicos dirigidos à deusa Hathor tinham como objetivo atrair a mulher

- Estágio na École Française d'Athènes

amado.

- Lançamento do livro "Práticas Alimentares no Mediterrâneo Antigo"

tais

De

ou o certa

forma,

também podemos comparar práticas

com

as

simpatias praticadas pelos

- Cursos de Teatro Grego e II Congresso Internacional de Religião, Mito e Magia na Antiguidade

devotos de Santo Antônio a fim de conquistar um bom casamento.

Conselho Editorial Prof. Dr. Fábio Lessa - UFRJ

homem

Pág. 6 Medeia. LIMC (pag. 199, fig. 39).

Pág. 3

Prof. Dr. Alexandre Carneiro - UFF Profª. Drª. Claudia Beltrão – UNIRIO Prof. Doutorando Deivid Valério Gaia UNIPAMPA Expediente Coordenação e Direção Profª. Drª. Maria Regina Candido Coordenação de Publicações Prof. Ms. José Roberto Paiva Gomes Edição Prof Mestrando Carlos E. Campos Editoração Gráfica Profª Mestranda Tricia Carnevale Revisora Profª. Msª. Alessandra Serra Viegas Desde 1998 - Edições Trimestrais Indexado ao Sumarios.org

Conimbriga,

uma cidade de origem lusitana habitada desde os séculos VIII e VII a.C que foi conquistada por Décimo Júnio Bruto, o Galaico em 137-136 a.C. Uma cidade que a princípio recebeu o status de oppidium e que só teve as primeiras reformas urbanas sob o governo de Augusto, que ao criar as termas, o aqueduto, a muralha e o Fórum augustano, adequou a localidade aos padrões romanos. Árula dedicada ao Genius de Conimbrica, datada do século I d.C. Atualmente, se encontra no Museu Monográfico de Conímbriga (Inventário 65.9). [Fonte: Matriznet: Colecções do IMC (Base de dados do Instituto dos Museus e da Conservação): http://www.matriznet.imcip.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=106705]

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de 2012 – Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ

Profª. Mestre Alessandra Serra Viegas Pergunte-se a si mesmo: você contou uma ‘estorinha’ para

encontram

as

categorias

mitológicas,

presentes

nos

seu filho ontem à noite, antes dele dormir? Ou já tentou

subterrâneos de tudo que somos e rever o caminho percorrido

descobrir por que os livros de Harry Potter ou Percy Jackson

pela humanidade em nosso ser-afetado pelo passado, pois

encantam os adolescentes e são recordes de vendas?

nada melhor para falar de nós mesmos do que nossos mitos.

Respondo: Porque trazem os mitos e o continuum necessário

Preservar nossa continuidade, fazendo história como se deve.

para nos encontramos conosco mesmos antropologicamente. O

Pensando a história e a história do pensar da história,

problema é que ‘crescemos’ e deixamos a ‘Razão’ tomar conta

consoante

de um espaço que a ela não pertence: o espaço do mythos –

Maieuticamente como Platão.

as

filosofias

de

Collingwood

e

Marc

Bloch.

do discurso que fala à alma e nos mostra que não nascemos

Se não há como demarcar nossas mitologias e nem nos

hoje como humanidade. Em Historia de la eternidad, Jorge Luis

identificarmos com nossos heróis necessários, Zeus, Afrodite,

Borges

homens

Aquiles, Odisseu, e tantos outros não têm como vir a nós.

planejaram no decurso da história e apresenta a mágica da

Perdeu-se o fio de Ariadne. Ainda que Darth Vader de Star

simultaneidade entre pretérito, presente e futuro para que o

Wars e os Anéis de Tolkien tentem trazer à juventude de cada

homem mortal fuja do desengano.

época releituras de nossos mitos. Não obstante, diante de

aponta

as

várias

eternidades

que

os

Chronos – o tempo – é um deus da teogonia órfica

nossos olhos a iminência do perigo na ponta do iceberg se

incorpóreo e serpentino, formado por si mesmo. Não por acaso

mostra, através da fala de Boaventura de Sousa Santos quanto

se une à Ananke – a necessidade, a inevitabilidade – para

ao tempo em que vivemos, tempo de transição paradigmática,

formar o Universo. Na antiga Grécia, vorazmente Chronos

no qual nem é valorizado nosso espaço de experiências com

devora seus próprios filhos ou súditos, já que tudo ao tempo

relação ao nosso passado e não há onde fincar as raízes de um

está submetido, e nada lhe foge ao alcance. Hoje, mais do que

horizonte de expectativas por vir.

sempre, somos fagocitados pela crono-logia de nossas

Sociedade arrizotônica é esta na qual (sobre)vivemos.

agendas, de nossos relógios e celulares que avisam sem

Demitologizada e desencantada. Construída sobre a areia. Na

descanso: é tempo! O problema é que em nosso tempo, que a

linguagem do texto bíblico ou na historieta dos

nós não pertence e tampouco nós a ele, o passado se

porquinhos, qualquer vento derruba a casa e o perigo se

preterizou em excesso – perdeu-se a memória de uma história

avizinha. As crianças não conhecem a Carochinha e não

– e o porvir não tem futuro – não se sabe agora para onde se

conseguem construir seu presente e tampouco seu futuro a

vai adiante – , porque não há mitos em que crer.

partir do espaço pretérito. Não há sonhos porque não há

três

Ao lado do Chronos órfico está o olímpico Kairós – deus

realidade. O mundo é virtual. Sem paradigmas e em transição

belo e jovem, o qual só possui um tufo de cabelo, asas nos pés

não se sabe bem em relação a quê. Vive-se um interregno.

como Hermes, para que ninguém lhe possua ou segure por

Necessário nos seria nascer de novo, e voltar aos mitos para

muito tempo, assim como o momento da oportunidade, os

que tenhamos onde nos fincar. No entanto, apenas vai-se

bons tempos, que já se foram, efemeramente, e não voltam

vivendo. Sem passado. Sem memória. Sem futuro. Sem

mais. Não importa se na religião oficial ou marginal grega

história. Sem presente, fatalmente. Simplesmente reticente.

Chronos e Kairós se misturavam ou se integravam para formar

Sem tempo para pensar no tempo presente, o tempo oportuno

um ser híbrido que mostrasse a que tempo se deveria

para re-mitologizar nosso espaço antropológico neste mundo.

pertencer ou qual se podia agarrar; uma coisa importa: a

Mitologia é coisa séria. E necessária. Ω

antiguidade narrou o seu tempo. Fez história. Apropriou-se da hermenêutica de sua consciência para, pela memória do passado, sonhar a esperança do futuro. Deu-se dentro da normalidade a união mitológica entre a inevitabilidade e o tempo – e o ofício do historiador blochiano pode (ô) se realizar dentro da arqueologia do saber foucaultiana. Eis a discussão para uma consciência histórica no mundo hodierno: é necessário trazer à baila o desgaste em que se

PHILÍA - ISSN 1519-6917

Alessandra Serra Viegas Mestre em História Comparada pela UFRJ Licenciada nas Línguas Portuguesa e em Grega pela UERJ Pesquisadora no Núcleo de Estudos da Antiguidade/UERJ

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Prof. Mestrando Renan Marques Liparotti Resumo: De princesa pacífica a bárbara cruel, de responsável por rejuvenescer Eson a assassina de Pélias, de mãe a filicida, de humana a feiticeira semideusa. Esses são alguns dos traços de Medeia cosidos pelo fio ovidiano da metamorfose.

descrição sobre o amor, comparando-o a uma pequena

Palavras-Chave: Mitologia, Ovídio, Medeia.

vê o filho de Éson e a chama apagada volta a brilhar” (v.

fagulha (v. 79). Ela tenta racionalmente resistir ao desejo de ajudar Jasão, pois seria ímpio fazê-lo. Mas apesar de já se sentir forte, “a paixão, banida, se ia desvanecendo, quando 110).

Argos foi a primeira nau que com a magia do carvalho de Pélion fez ringir os silenciosos mares circundantes de Iolco, junto às Rochas Planctas. Ouve-se esse rilhado ressoando através dos séculos. Essa ousadia foi considerada uma hybris aos deuses. É que a physis provém dos deuses. Tentar vencer seus obstáculos naturais está para além dos mortais. É por isso que, segundo a tradição, os argonautas foram punidos, muitos com a morte. Jasão, todavia, foi o único que

Ela então lhe fornece ervas mágicas e incita feitiços com os quais Jasão consegue superar todas as intempéries, captura o velo de ouro e ainda leva-a como esposa. A primeira parada nesse retorno é a Hemônia onde estavam as mães à espera dos guerreiros. Uma grande festa se fez em comemoração à chegada, mas nela não está Éson. Jasão então descobre que este se encontrava bastante debilitado e, por isso, pede a Medeia que ela,

escapou.

através da sua magia, transferira

Dentre as correntezas de ventos que nos

trazem

expedição

as

reverberações

mitológica,

alguns anos de sua vida para seu

dessa

pai.

perduraram

Ela

rechassa

possibilidade;

essa

promete-lhe,

principalmente duas. A primeira nos conta

todavia, rejuvenecê-lo, não os

a história desde o início. O enfoque está

transferindo

no heroi Jasão e em como Medeia, como

inaceitável,

a mulher que domina as poções e a

Hécate e rogando-lhe.

magia, o ajuda na conquista do velocino

lagoas e todos os deuses dos

ápice Apolônio de Rodes. A segunda, de

bosques e da noite. Dentre eles

leitura trágica, retrata o fim dos membros

todos os elementos do universo

da expedição, em especial de Jasão, seu

são invocados o que sugere uma

comandante, que apesar de ser o único a após

a

à

ventos, as montanhas e rios e

Homero, Hesíodo, Píndaro, tendo como

isolado

seria

Hécate, a terra, as brisas e os

de leitura épica, teve como destaques

termina

que

invocando

Medeia então invoca a noite,

de ouro e nas restantes conquistas. Essa,

sobreviver,

o mas

concepção da magia como criação

Figura 1. LIMC (pag. 192, fig. 10).

vingança de Medeia, na qual se inclui o filicídio. Nesta se destacam Eurípides e Sêneca.

A

versão ovidiana, apresentada no livro VII das Metamorfoses, liga-se principalmente à primeira corrente embora não deixe de se referir a aspectos cristalizados por Eurípides. Tem como temática estrutural a mesma da obra, a mudança.

alternativa

ou

anti-criação,

segundo Torre (2006). Além disso, retoma a ideia de interdependência dos elementos, intrínseca à concepção de mundo

ovidiana

que

se

faz

presente

nas

diversas

metamorfoses. Utiliza-se do carro do sol (seu avô) para proceder a uma viagem intercontinental à procura dos ingredientes de sua poção. E depois procede ao ritual. Essa

Nesta, quando Jasão, o filho de Éson, chega ao rio Fásis,

descrição durará do verso 179 ao 293. Trecho de singular

na Cólquida, e à presença do rei Eetes pede o velo de ouro,

interesse a todos aqueles que se interessam pela concepção

são-lhe

desafios

de magia na antiguidade. Reunem-se elementos como raízes,

intransponíveis. Superar “o sopro das narinas dos touros” (v.

sementes, asas de um vampiro, vísceras de um lobisomem,

29), enfrentar “a sementeira que fizer de inimigos nascidos

pele de uma serpente marinha, fígado de um veado muito

da terra” (v. 30) e derrotar “um dragão que nunca dorme”

idoso, bico e cabeça de uma gralha velha de nove gerações

(v. 31). Para sorte do heroi, no exato momento que Medeia o

humanas. Elementos relacionados à longevidade, que ainda

viu ela por ele apaixona-se. Aí se encontra uma bela

persistem nas histórias de bruxaria da contemporaneidade.

estabelecidos,

como

condição,

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Depois desse episódio, dá-se a passagem por Iolco onde

cruéis. Medeia mostra-se assim um exemplo ovidiano de que

as filhas de Pélias também irão desejar rejuvenescer o pai.

nem sempre a evolução dos elementos se dá para o bem,

Há, todavia, um apagamento da figura de Jasão que não

não por culpa da magia, pois esta pode ser usada para o

interfere. Abstido o amor, vê-se agora Medeia por si só

bem, como o foi por si em alguns momentos e é pela figura

decidir. Escolhe realizar idêntico procedimento, mas falso, de

de Canente, ou para o mal. Incerteza que nos impõe reflexão

modo a resultar na morte do rei Pélias. A ação se torna

sobre esse misterioso e complexo universo.

condensada, perdurará apenas os versos 296-349. Este episódio parece simbolizar a transformação de Medeia em uma figura maligna, pois aqui suas poções e suas palavras só são usadas para o engano.

Referências Bibliográficas

Lexicon Iconographicum Mythologiae Classicae (LIMC), Volume VI. . ZürichMünchen: Artemis Verlag, 1981-1997.

Degradação essa imparável, pois a partir daí Medeia percorrerá diversos territórios como Ásia menor, Cos, Rodas, Grécia continental, Peloponeso, e é numa dessas viagens que o famoso episódio euripidiano da vingança à nova esposa de Jasão e do filicídio se deu em Corinto, ao qual Ovidio dedica apenas quatro versos (394-397). Após isso, Medeia torna-se um ser cujas terroridades estão para além dos humanos, tanto que é colocada em um patamar entre o humano e o

OVID, Metamorphoses V-VIII. Edited with translation and commentary by D. E. Hill. Warminster: Aris & Phillips Ltd, 1992. OVÍDIO, Metamorfoses. Tradução de Paulo Farmhouse Albert. Lisboa: Cotovia, 2007. TORRE, Emílio Suárez de la . Medeia em ovídio: A magia como metamorfose. In: FIALHO, Maria do Céu, TORRE, Emílio Suárez de la (coords.). Sob o signo de Medéia. Universidade de Valladolid, Secretariado de Publicaciones e Intercambio Editorial, 2006.

divino. Ao ser recebida por Egeu, em Atenas, ela ainda por cima irá planejar a morte de Teseu. Desta vez, todavia, os seus planos falham, pois Egeu reconhece o filho e consegue evitar esse ímpio derramamento de sangue, como destaca Ovídio em 396. Por fim, ela “escapa à morte em névoa convocada por prece mágica” (424). Dessarte se encerra a existência desta figura de jovem pacífica, após conhecida a força do amor, põe em exercícios as artes da magia. Estas, porém, parecem ter se tornado, segundo Ovidio, mais importantes que o amor. Pois, se este no início a motivava, depois essa motivação dava-se existia

Renan Marques Liparotti Mestrando em Mundo Antigo no Instituto de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra. Licenciado em Língua Portuguesa pela UFRN. E-mail: [email protected]

por si só, expressa em atitudes cada vez mais funestas e

Profª. Raquel de Morais Soutelo Gomes Resumo: Nos séculos I, II e III d.C, a cidade lusitana de Conimbriga vivia um intenso contato com a cultura e religião romana, o que possibilitou o fenômeno da interpretatio visto nas epígrafes de seu Fórum. Palavras-chave: interpretatio, Conimbriga, Fórum. Este

artigo

interpretatio

trata na

sobre

Lusitânia

a

pesquisa Romana:

Práticas

de

O

de

caso

Conimbriga vinculada ao projeto-mãe Religio Romana: uma análise das instituições religiosas romanas em discursos tardo-republicanos, sob orientação da Profa. Claudia Beltrão da Rosa e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Nela, analisamos os vestígios epigráficos dos séculos I, II e III d.C encontrados nas três evoluções do Fórum da cidade de Conimbriga que demonstram o contato indígena com a cultura e a religião romana, que provocaram novas experiências culturais e que possibilitaram o fenômeno da

interpretatio. Para nos auxiliar na análise desses processos de hibridização que envolveram o dominador (Roma) e o dominado

(Conimbriga),

“romanização”

como:

utilizamos “um

o

processo

conceito de

de

mudança

sociocultural, multifacetada em termos de significados e de

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mecanismos, que teve início com a relação entre os padrões culturais romanos e a diversidade cultural provincial em uma dinâmica de negociação bidirecional” (BUSTAMANTE, DAVIDSON, MENDES, 2005: 41). E entendemos que a religião romana por ser parte da identidade romana (BELTRÃO, 2006: 137) tornou-se rapidamente uma poderosa ferramenta de “romanização” e integração imperial, já que ela permitia a construção de novas realidades religiosas, que permitiu as práticas de interpretatio, ou seja, a “identificação dos deuses nativos com equivalentes romanos, seja pela associação do nome do deus nativo à divindade romana, seja pela latinização pura e simples do nome da divindade indígena” (MENDES, OTERO, 2004: 202). Assim, estudamos Conimbriga, uma cidade de origem lusitana habitada desde os séculos VIII e VII a.C que foi conquistada por Décimo Júnio Bruto, o Galaico em 137-136 a.C. Uma cidade que a princípio recebeu o status de oppidium e que só teve as primeiras reformas urbanas sob o governo de Augusto, que ao criar as termas, o aqueduto, a muralha e o Fórum augustano, adequou a localidade aos padrões romanos. O Fórum localizado no centro da cidade era o seu coração, uma instituição que representava o povo conimbricense, e que neste primeiro momento abarcava tanto as funções religiosas como também as políticas e comerciais. Mas, ao receber o estatuto de municipium a cidade passa novamente por um programa de obras públicas que introduziram ainda mais elementos culturais e religiosos romanos na cultura local. O antigo fórum que tinha sido inclusive remodelado no período claudio-neroniano é agora destruído para ser substituído por um mais monumental que espelhasse o novo status daquela localidade. Neste novo Fórum encontra-se agora somente a função religiosa e seu templo é dedicado ao Culto Imperial. E é neste contexto de intensificação da presença romana que estudamos os vestígios epigráficos encontrados no Fórum, já que estes representam os cultos que ali se deram e quais tiveram popularidade entre a população conimbricense, que havia interpretado e associado seus deuses antigos aos romanos criando novas deidades que representavam a nova identidade híbrida da cidade. Destacando-se os cultos ao Gênio de Conimbriga, aos Lares de Flávia Conimbriga, aos Lares Viales, a Marte Neto e Marte Augusto, deuses interpretados que aparecem nas epígrafes do Fórum datáveis dos séculos I, II e III d.C e que refletem as devoções dos conimbricenses. E para extrairmos o máximo de informação destas fontes e podermos entender por completo esse processo de hibridização utilizamos a metodologia proposta por J. Encarnação (2010: 183-190) para analisar as epígrafes sozinhas e a construção de “grades de leitura e análise” de C. Cardoso (2001) para analisa-las em conjunto. Uma análise que nos permitiu, então, ver que foi a população de Conimbriga que escolheu quais elementos da cultura romana iriam assimilar e quais se identificavam com a

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sua que era fortemente ligada ao topos e a comunidade, criando assim uma nova identidade religiosa, que prezava a proteção dos espaços físicos, das pessoas que o utilizavam e o bem-estar do Imperador. O que nos faz ver que as principais preocupações dos habitantes de Conimbriga eram

Figura 1. Placa votiva que descreve um sacrifício a Marte Augusto datável dos século II/III d.C. Atualmente se encontra no Museu Monográfico de Conímbriga (Inventário 73.1). [Fonte: Matriznet: Colecções do IMC (Base de dados do Instituto dos Museus e da Conservação). Disponível em: http://www.matriznet.imcip.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg= 106704].

a terra, sua comunidade e a prosperidade de sua cidade. Referências Bibliográficas BELTRÃO, C. Religião na Urbs. In: MENDES, N.M.; SILVA, G.V (orgs.). Repensando o Império Romano: perspectivas socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad, 2006: 137-159. BUSTAMANTE, R. M. da C; DAVIDSON, J; MENDES, N. M. A experiência imperialista romana: teorias e práticas. In: Tempo, n. 18, Niterói, 2005: 17-41. CARDOSO, C. F. S. Análise de Conteúdo: método básico. Notas de aula (PPGH-UFF), 2001. ENCARNAÇÃO, J. Epigrafia: As pedras que falam. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010. MENDES, N. M; OTERO, U. Religiões e as Questões de Cultura, Identidade e Poder no Império Romano. In: Phoînix. Ano XI, Rio de Janeiro, 2004: 196-220.

Raquel de Morais Soutelo Gomes Licenciada em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO. Membro do Núcleo de Referências da Antiguidade e do Medievo (NERO/UNIRIO).

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Prof. Dr. Julio César Mendonça Gralha / Profª. Especialista Thamis Malena Marciano Caria Resumo: O presente artigo levanta questões acerca

do falecido desorientado e na forma de uma vaca ou

da participação da deusa egípcia Hathor e sua relação

pássaro intercede e o guia para o mundo dos mortos.

com os atributos: beleza, dança, música, felicidade, embriaguez, poder sexual, perfume, amor entre homem e mulher, e regeneração no sentido espiritual e das forças vitais.

Sua representação é pouco variada e de um modo geral aparece na forma de mulher com um toucado tendo dois chifres e o Sol entre eles. Esta cena se confunde com Isis e somente pela escrita conseguimos

Palavras-Chave: mitologia egípcia, Hathor, religião. Para os gregos ela é Hathor, para os egípcios ela é Het-Heru, cuja tradução é “a morada de Hórus”. Ela possui diversos atributos e os indícios nos levam a crer em cultos para esta deusa na Somália, Palestina e Etiópia. Ao que parece era a “patrona” dos ébrios, músicos e dançarinos e está associada ao culto solar.

fazer a diferença. Também poderia aparecer como uma mulher com orelhas de vaca e um tipo especial de penteado. A cabeleira da deusa parece denotar o lado sedutor e belo da divindade, tal como a cor avermelhada de sua vestimenta, predominante nos rituais e práticas mágicas. Ao que tudo indica parece ter uma ligação com a cor do coração.

No período ptlomaico, por volta do século III e século I a.C. um importante centro de culto para esta deusa foi estabelecido no templo de Dendera perto da atual Luxor e durante seu festival ela visitava o consorte Hórus na cidade de Edfu e vice-versa. A idéia da união com Hórus parece ser uma construção greco-romana. Outro belo templo é o de Abu Simbel construído por Ramses II e dedicado a deusa e sua esposa a rainha Nefertari (ver figura 1). Hathor possuía atributos ligados ao prazer, tais como: beleza, dança, música, felicidade, embriaguez, poder sexual, perfume, amor entre homem e mulher, e regeneração no sentido espiritual e das forças vitais. É comum aparecer na iconografia desta deusa, o sistro (um tipo de chocalho, que servia para apaziguar), o espelho, a flor de lótus e instrumentos musicais. A deusa não parece ter um mito próprio, mas está associada a diversos mitos dos quais A contenda de

Hórus e Seth é talvez o mais conhecido. Neste mito sua origem é relatada.

Durante um acesso de ira

Hórus corta a cabeça de sua mãe Isis e em seguida coloca uma cabeça de vaca. Compreender o porquê deste e outros atos ainda é algo difícil para os egiptólogos. Também acolhe o deus Hórus e curar seu olho ferido após o combate com o deus Seth. Em um outro mito ela tem por função guiar os mortos e para tal se esconde em um arbusto aguardando a passagem

Figura 1. Deusa Hathor (à esquerda) conduzindo a rainha Nefertari em ritual funerário – Tumba da rainha Nefertari no Vale das Rainhas. (MCDONALD, 1996). PHILÍA - ISSN 1519-6917

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Em relação ao cotidiano do egípcio antigo Hathor pode ser identificada na literatura do Reino Novo (1550-1070 a.C.)

no qual se desenvolveu um estilo

literário, conhecido entre os egiptólogos como poemas

de amor. Tais poemas eram constituídos de versos que retratavam sentimentos de amor, desejo, práticas amorosas, relações de intimidade, e de perda amorosa. Como exemplo tomamos algumas passagens do Papiro Chester Beatty I -

20ª dinastia (c. 1180-1069 a.C.)

(1): Passagem do primeiro poema:

Feliz aquele que ela abraça, Torna-se o primeiro dos homens! Ao sair de sua casa Ela é como a outra Única (2). Passagem do segundo poema:

Ó, meu irmão, quisera eu ser dada a ti pela Deusa de Ouro (3) das mulheres! Passagem do sexto poema:

Ó deusa de Ouro, põe isso no coração dela (da mãe da jovem de modo a permitir o namoro) e então correrei para o meu irmão (expressão para namorado). Podemos sugerir que os poemas de amor eram cantados e acompanhados de instrumentos musicais porque a figura de Hathor é mencionada nos poemas, e sendo ela a deusa da música e do amor, não é difícil

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mim, então eu colocarei fogo em Busiris (cidade) e queimarei [Osiris]". Os antigos egípcios invocavam as Hathors para predestinar um futuro ao recém-nascido e neste encantamento podemos inferir que o pedinte solicitava as Hathors a previsão e a concessão do seu romance. De certa forma, também podemos comparar tais práticas com as simpatias praticadas pelos devotos de Santo Antônio a fim de conquistar um bom casamento. NOTAS (1) ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade. Brasília: UnB, 2000, pp 303-310 (2) Apesar dos egiptólogos divergirem este epíteto pode se referir à deusa Hathor (3) Ou 'Dourada', epíteto de Hathor associado ao Sol. Referências Bibliográficas ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade. Brasília: UnB, 2000. GRALHA, Julio César Mendonça. Deuses, faros e poder: Legitimidade e imagem do deus dinástico e do monarca no antigo Egito. Rio de Janeiro: Barroso Produções Editoriais, 2002. MCDONALD, John. House of Enternity: The Tomb of Nefertari. Oxford: Oxford University Press, 1996. SHAFER, Byron E. (org.). As Religiões no Egito Antigo – Deuses, mitos e rituais domésticos. Tradução: Luis Krausz. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2002.

imaginar que os egípcios transmitiam seus sentimentos aos amados com a permissão e poder da deusa, para legitimar e prolongar o momento amoroso. Os encantamentos mágicos dirigidos à deusa Hathor tinham como objetivo atrair a mulher ou o

Julio César Mendonça Gralha Professor adjunto de História Antiga e Medieval da UFFPUCG.

o pedinte ao praticar a magia saudava os deuses e as

Coordenador no Núcleo de Estudos em História Medieval, Antiga e Arqueologia Transdisciplinar (NEHMAAT/UFF/PUCG).

Sete Hathors, e ao mesmo tempo ameaçava-os caso

Pós-doutorando em História pela UERJ.

homem amado. Como exemplo, citamos o fragmento de cerâmica da 20ª dinastia (c. 1000 a.C.) que se refere a uma poção de amarração para o amor em que

seu pedido não fosse atendido:

“Saúdo a ti O Ra-Harakhty, Pais dos Deuses! Saúdo a ti O “Sete Hathors”(...) Venham [façam] [fulana] filha de siclano vir atrás de mim, como um cervo atrás da grama (...) Se vocês não fizerem ela vir atrás de

Professor colaborador do CEHAM e do Núcleo de Estudos da Antiguidade NEA – UERJ. Thamis Malena Marciano Caria Professora especialista em História Antiga e Medieval pelo CEHAM do Núcleo de Estudos da Antiguidade NEA/UERJ.

PHILÍA - ISSN 1519-6917

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de 2012 – Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ

Drª Maria Regina Candido e pesquisadores do NEA viajam para a Europa Na primeira quinzena de janeiro de 2012, os pesquisadores do NEA/UERJ participaram do I Colóquio de História da Alimentação na Antiguidade, promovido pela Universidade de Coimbra, onde o Núcleo lançou o livro "Práticas Alimentares no Mediterrâneo Antigo". O evento contou com a participação da Profª. Drª. Maria Regina Candido que realizou uma conferência sobre "Banquete grego: entre o ritual da philía e o prazer da luxúria" e da Profª. Drª. Carmem Soares. O Colóquio também contou com a participação dos pesquisadores Carlos Eduardo C. Campos, José Roberto de P. Gomes e Luis Filipe B. Assumpção que fizeram estágio de levantamento documental e historiográfico. Na segunda quinzena de janeiro, a Profª. Drª. Maria Regina Candido conduziu uma equipe de pesquisadores do Núcleo de Estudos da Antiguidade em uma visita aos sítios arqueológicos de Atenas e Creta. Com a Profª. Maria Regina, os pesquisadores Carlos Eduardo da Costa Campos, José Roberto de Paiva Gomes, Luis Filipe B. Assumpção e Marcos Davi Duarte visitaram a Acrópolis, Biblioteca de Adriano, Ágora Romana, Ágora Antiga, Teatro de Dionísio, Museu Nacional de Atenas e da Acrópolis, Cnossos, Areópago e Cemitério de Kerameikos. Além das visitas aos sítios arqueológicos, os pesquisadores do NEA fizeram estágio de levantamento documental e historiográfico na École Française d'Athènes.

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Catalogação na Fonte UERJ/Rede Sirius/CCS/A Philía: jornal informativo de história antiga. – vol.1, n.1 (1998) . – Rio de Janeiro: UERJ/NEA, 1998 – v. : Il.

Como citar o Philía: POZZER, K. M. P. Banquetes, Recepções e Rituais na Mesopotâmia. Philía: Jornal Informativo de História Antiga, Rio de Janeiro, Ano XIII, n. 37, p. 5-6, jan./fev./mar. 2011.

Trimestral. ISSN 1519-6917 1. História antiga – Peródicos. I. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Núcleo de Estudos da Antiguidade.

Obs.: o destaque é para o título do periódico, o subtítulo do periódico ou título do artigo não são destacados.

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www.nea.uerj.br [email protected] Apoio e Impressão PHILÍA - ISSN 1519-6917

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