MOBILIDADE DO TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO URBANA EM CIDADES MÉDIAS: UHE Belo Monte e as transformações na cidade de Altamira-PA

July 8, 2017 | Autor: José Neto | Categoria: Demografía, Sociología, Geografia Urbana
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1  III SIMPÓSIO INTERNACIONAL CIDADES MÉDIAS – III CIMDEPE  27 a 30 de abril de 2015, Rio de Janeiro.  

Grupo de Trabalho: Reestruturação produtiva, indústria e cidades médias.

MOBILIDADE DO TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO URBANA EM CIDADES MÉDIAS: UHE Belo Monte e as transformações na cidade de Altamira-PA José Queiroz de Miranda Neto1

RESUMO Com este artigo se pretende analisar o processo de mobilidade da força de trabalho e as implicações da reestruturação urbana em cidades médias, tendo como recorte metodológico a intensificação das frentes migratórias para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte entre 2010 e 2014 e as transformações urbanas na cidade de Altamira, no Estado do Pará. Para tanto são utilizados dados de admissão do consórcio construtor no período delimitado, bem como informações que tratam das mudanças na dinâmica urbana, como as alterações no quadro habitacional, incremento demográfico e modificações econômicas recentes. Palavras Chave: mobilidade do trabalho, reestruturação urbana, cidade média.

1. Introdução

No contexto da crise do regime de acumulação (HARVEY, 2005) e de mudanças na dinâmica urbana do país a partir da década de 1970, algumas cidades com população entre 50 e 500 mil habitantes passaram a responder de forma mais ativa aos interesses do capital, em especial com a expansão da atividade produtiva (SPOSITO e SPOSITO, 2013). Trata-se de um processo de reestruturação urbana que atinge, em níveis variados, a escala nacional e se estabelece como tendência até o presente. Conforme argumenta Sposito (2004, p. 126), as cidades médias “são aquelas que, numa dada divisão territorial do trabalho, são centros regionais importantes, em função de serem elos de ligação entre as cidades maiores e menores”. Ainda que de modo diferenciado, algumas cidades do Norte do país começam a se destacar como resultado desse processo entre as décadas de 1970 e 1980, como Santarém, Marabá e, mais timidamente, Altamira. Esta última ganha atenção como um dos principais centros urbanos do sudoeste do Pará, polarizando as cidades situadas no interfluxo entre o rio Xingu e a rodovia Transamazônica (BR-230).

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Professor da Universidade Federal do Pará e doutorando em Geografia pela FCT/UNESP – Presidente Prudente, sob a orientação do Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito.

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Atualmente, com a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte a partir de 2010, começa-se a inferir sobre o grau de interferência dos processos relativos à barragem nessa cidade média e seus nexos causais com a dinâmica urbana recente. Entende-se que o processo de construção do complexo hidrelétrico é componente da reestruturação produtiva, uma vez que surge para dar condições à expansão do processo de acumulação de capital no território nacional. De acordo Sposito e Sposito (2013, p. 5) “à medida que se constituem as dinâmicas que consubstanciam uma reestruturação econômica, observamos, pari passu, uma reestruturação urbana que lhe é base e lhe revela”. Com este trabalho se pretende, portanto, analisar de que forma o intenso processo migratório de força de trabalho decorrente da usina hidrelétrica vem produzindo transformações urbanas da cidade de Altamira, no Estado do Pará. Longe de se estabelecer uma relação mecânica, os processos de mobilidade da força de trabalho e de reestruturação urbana representam uma parte importante da literatura sobre a dinâmica espacial do Brasil, notadamente com intensificação da produção industrial. De um lado, o ciclo de acumulação de capital necessitou explorar os excedentes de mão-de-obra de regiões decadentes e, portanto, com estoque de força de trabalho para a expansão da atividade produtiva. De outro lado, a produção industrial concentrada nas metrópoles também produziu seu próprio estoque de superpopulação relativa: trabalhadores urbanos sub-remunerados do terciário, integralmente aptos para serem absorvidos em novos movimentos de expansão do capital. É necessário, contudo, estudos sobre como as cidades médias se comportam diante do rápido incremento demográfico, especialmente no caso de surtos industrializantes ou de instalações de projetos de grande escala. Adiante, será possível entender como se dá essa dinâmica de reprodução da força de trabalho para as barragens, bem como as implicações urbanas nas áreas em que se instalam, com destaque para as transformações recentes na cidade de Altamira.

2. Usina hidrelétrica e mobilidade da força de trabalho na Amazônia

A mobilidade da força de trabalho é um tema recorrente no campo das ciências sociais e de grande importância para se entender de que forma o capitalismo consegue deslocar fluxos com vistas à reprodução ampliada do capital. Neste item, pretende-se abordar sobre o papel da migração de trabalhadores relacionada à construção de grandes usinas hidrelétricas, bem como o significado destes deslocamentos nas cidades em que se instalam.

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Ao longo da história é evidente o papel da migração como um fenômeno determinante para a sobrevivência da espécie humana, porém as populações nunca se deslocaram de forma tal como fazem no modo-de-produção vigente. Mesmo as grandes diásporas ou a saída em massa de populações de regiões ambientalmente precárias e desprovidas de recursos não produziram efeitos tão dinâmicos quanto os processos decorrentes da economia capitalista. O nomadismo cidade-campo, os deslocamentos para as regiões das minas ou as migrações para as áreas de produção industrial montaram um quadro sem precedentes de mobilidade humana. Mas qual seria, então, a razão fundamental para a existência de um intenso fluxo migratório no mundo contemporâneo? Até a década de 1970, a explicação dada a esse fenômeno se repousava em uma perspectiva neoclássica, onde “a decisão de migrar era percebida como decorrente apenas da decisão pessoal e não pressionada ou produzida por forças socioeconômicas exógenas” (BECKER, 1997, p. 323). Os estudos se concentravam em descrever os fluxos de origem/destino, bem como as tipologias de deslocamento sem, contudo, levantar maiores explicações a respeito dos fatores estruturais que determinavam tais movimentos. Porém, alguns se permitiram questionar para além da mera aparência do fenômeno e encontraram na teoria marxista da população um importante ponto de encontro em suas análises. Em sua obra principal, Marx mostrou interesse por esta questão ao tratar da existência de uma superpopulação relativa, ou seja, “uma população trabalhadora adicional relativamente excedente, isto é, excessiva para as necessidades médias de valorização do capital e, portanto, supérflua” (MARX, 2013, p. 705). Deste excedente, parte seria aproveitada como um volume de força de trabalho a ser utilizado de acordo com os movimentos cíclicos de expansão/retração do capital. Nenhum trabalhador estaria livre de compor a superpopulação relativa, mesmo que por curtos períodos ou de acordo com as fases da produção industrial. Embora fosse possível considerar as variações desta lei, Marx viu uma estreita relação entre o desenvolvimento econômico e o pauperismo da classe trabalhadora ao afirmar que Quanto maiores forem a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume o vigor de seu crescimento e, portanto, também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior será o exército industrial de reserva (...) Mas quanto maior for esse exercito de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto maior será a massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do martírio de seu trabalho (MARX, 2013, p. 719).

A partir da lei da superpopulação relativa, têm-se duas importantes afirmações que podem ser relacionadas à questão aqui proposta: a) quanto maior a atividade produtiva do

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capitalismo, o exército de reserva tende a ser maior e b) quanto maior a quantidade de trabalhadores em reserva em relação aos trabalhadores ativos, as condições de vida dos primeiros tenderão a ser piores. Se for isto correto, em momentos de expansão das atividades industriais, onde se demanda uma grande quantidade de trabalho, estarão os trabalhadores sempre sujeitos aos deslocamentos demandados pela economia de mercado, segundo Becker (1997, p. 334) “o capital pode escolher a força de trabalho onde melhor lhe convier e da forma que lhe for mais rentável, pois crescem de forma assustadora os estoques de população excedente”. As determinações de existência dessa população relativa residem na acumulação de capital, já que este a cria e, dialeticamente, é reproduzido por ela. A acumulação não é somente um crescimento quantitativo de capital, mas também sua alteração qualitativa, isto é, sua composição orgânica. Na medida em que aumentam as forças produtivas do trabalho (com o uso sistemático de máquinas) e se conforma um modo de produção especificamente capitalista, torna-se cada vez mais supérfluo o trabalho vivo, uma vez que este, no capitalismo, é reificado como capital variável, um mero custo de produção. A relação, então, entre as partes variáveis e constantes do capital se modifica (diminuindo o componente variável), produzindo a diminuição da demanda por trabalho vivo pari passo ao aumento do capital total, provocando, por sua vez, maior demanda por trabalho, mas sempre em menor proporção. Nesse sentido, a superpopulação relativa não é somente um produto necessário da acumulação, mas também sua impulsionadora, dado o aumento relativo da demanda por força de trabalho em função da ampliação do capital. Desta feita, é que Marx (2013, p. 707) afirma que a superpopulação relativa se torna condição de existência do capital, pois ela “fornece a suas necessidades variáveis de valorização o material humano sempre pronto para ser explorado”. A razão pela qual a mobilidade existe no capitalismo de forma específica e mais intensa que em outros momentos da história reside na ideia da “liberdade” da força de trabalho, ou seja, a “condição de exercício de sua liberdade de se sujeitar ao capital, de se tornar mercadoria cujo consumo criará o valor e assim produzirá o capital” (GAUDEMAR, 1977, p. 190). O que há, em verdade, é uma decisão entre migrar ou viver de parcos recursos em seu local de origem, sujeito a condições miseráveis de subsistência. São, portanto, as necessidades dos capitais (e não dos indivíduos) que são atendidas com o processo migratório, de acordo com Gaudemar (1977, p. 192) Se se afirmou que o capitalismo começava com a exploração da força de trabalho, é necessário acrescentar que ele só poderia nascer uma vez que o trabalhador tivesse

5  III SIMPÓSIO INTERNACIONAL CIDADES MÉDIAS – III CIMDEPE  27 a 30 de abril de 2015, Rio de Janeiro.   adquirido esta mobilidade; não no sentido apologético que a teoria clássica reconheceu, do homem inteiramente livre do seu destino, ator de sua própria história, mas no sentido das contrariedades que lhe são impostas por esta procura de emprego. A mobilidade da força de trabalho surge então como uma condição necessária, se não suficiente, da gênese do capitalismo e como um índice de seu desenvolvimento.

No caso do Brasil, a história é marcada por esta mobilidade. De acordo com os ciclos de desenvolvimento e com a divisão territorial instalada, grandes porções do país passaram a constituir áreas de destino da força de trabalho, como a região centro-sul a partir da montagem dos grandes parques industriais, da construção de Brasília e de obras faraônicas de infraestrutura entre as décadas de 1950 e 1970. Para estes empreendimentos, levas de migrantes foram deslocadas da região nordeste para serem utilizados como força de trabalho ativa nas áreas de expansão do capital. A partir da década de 1960, sob a égide do Governo Militar, articula-se outro grande ciclo de mobilização da força de trabalho, desta vez em direção à Amazônia com vistas a ocupar a nova fronteira de expansão nacional através dos programas nacionais de colonização. Esse tipo de migração, que à primeira vista parece ser de cunho rural-rural, adquire diferente conotação ao se considerar o caráter urbano da fronteira amazônica, uma vez que foi articulada tendo como suporte uma rede de cidades e vilas concebidas pelos militares. É, portanto, nesse novo contexto de expansão da capacidade econômica do país que surgem as grandes hidrelétricas, a exemplo de Itaipu e de Tucuruí, ambas iniciadas na década de 1970. Estes Projetos de Grande Escala (PGE) estão diretamente ligados ao desenvolvimento capitalista e demandam uma grande quantidade de força de trabalho para sua constituição. Porém, segundo RIBEIRO (1987, p. 5)

Si es cierto que los PGE crean una considerable oferta de empleo, tambien lo es que, en general, las poblaciones locales y de áreas vecinas son incorporadas en las posiciones mas bajas del mercado de trabajo, que los proyectos poseen un circuito migratorio propio y que la cantidad de empleos creados guarda una proporcion baja con respecto a los montos gigantescos de las inversiones. La dinamica tipica de los PGE termina por replicar la dependencia politico-económica, sobre todo cuando estan en juego relaciones con paises poco o no industrializados.

Tomando-se o exemplo da usina hidrelétrica de Tucuruí, é possível constatar o papel de intervenção de um PGE na mobilização de fluxos migratório para a região Amazônica. Instalada no rio Tocantins entre 1975 e 1985, verifica-se um intenso processo migratório para a área no entorno do lago. Segundo Rocha (2008, p. 150) “é exemplar a intensidade e volume de população que se dirigiu durante a construção da usina hidrelétrica”. O autor aponta que,

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entre 1970 e 1986, a população da região que abrange os municípios de Itupiranga, Jacundá, Marabá e Tucuruí saltou de 47.486 para 360.791, um crescimento de 760%. No caso específico de Tucuruí, passou de 10.091 habitantes para 182.021, multiplicando 18 vezes (ROCHA, 2008, p. 150). Sobre a atratividade exercida pelas áreas de projetos hidrelétricos, a realidade aponta sempre um deslocamento maior que a capacidade de absorção da mão-deobra efetiva dos empreendimentos. Para os que não conseguem empregos diretos nas atividades relacionadas à usina, resta a ocupação no comércio local ou em atividades urbanas sub-remuneradas. Essa tendência produz efeitos críticos sobre as condições de vida nessas áreas urbanas, especialmente com a proliferação de assentamentos irregulares ao longo da cidade. A área urbana do município de Tucuruí se constituiu como o principal ponto de destino da população migrante, gerando em um curto período os seguintes efeitos: a) ampliação da população em vinte vezes na sede municipal; b) crescimento significativo da malha urbana; c) surgimento de novos bairros periféricos decorrentes de assentamentos irregulares; d) aprofundamento das desigualdades espaciais internas; e) alterações na forma urbana, com deslocamento de atividades do centro histórico para novas áreas; f) aumento da densidade populacional na área urbana, com imóveis se multiplicando nos quintais (ROCHA e GOMES, 2002). Embora este quadro seja recorrente em várias outras cidades que absorveram a população migrante ao longo do país, no caso da região amazônica se soma a grande deficiência desses centros urbanos antes da instalação dos empreendimentos, especialmente quanto à ausência de equipamentos urbanos ligados à saúde, educação e assistência social. Trinta anos após a construção da hidrelétrica de Tucuruí, grande parte da legislação brasileira foi alterada. Os estudos para constituição de usinas hidrelétricas se tornaram mais rigorosos, sobretudo por pressão de grupos sociais como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e de organismos internacionais de proteção ao meio ambiente. Não obstante tais iniciativas, as usinas hidrelétricas ainda são as principais fontes de energia do país e, a cada ano, se criam novos projetos de instalação. Na Amazônia estão previstas 20 hidrelétricas para os próximos oito anos e, destas, cinco já estão em processo de construção: Jirau, Teles Pires, Ferreira Gomes, Santo Antônio e Belo Monte. Neste trabalho, aborda-se acerca dos deslocamentos migratórios por ocasião da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, que está em processo de instalação no Rio Xingu, com capacidade de 11.233 MW. Segundo o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), serão gerados no pico das obras (terceiro ano) mais de 18 mil empregos diretos e de 23 mil

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indiretos (BRASIL, 2009). O município de instalação da usina é Vitória do Xingu (PA) que, apesar de abrigar grande parte do complexo estrutural relacionado à barragem, não é o grande impactado do ponto de vista da densidade populacional, situação que fez de Altamira o principal lócus de absorção dos problemas relacionados à hidrelétrica. Diferente de Tucuruí, que possuía poucos habitantes no início das obras da usina hidrelétrica, Altamira apresenta ao final de 2010 uma população urbana estimada em 76 mil habitantes, ou seja, deverá responder de modo diferenciado às intervenções causadas pelo grande incremento populacional. Até a conclusão das obras, esta cidade deve passar por grandes mudanças em sua estrutura intraurbana, muitas das quais podemos verificar a seguir.

3. O núcleo urbano de Altamira e seu papel de absorção dos fluxos populacionais

Neste trabalho, considera-se a cidade de Altamira como uma cidade média com importante papel de centralidade no sudoeste paraense. Sua área de influencia compreende os núcleos urbanos de Brasil Novo, Vitória do Xingu, Pacajá, Uruará, Medicilândia, Anapú e Senador José Porfírio. As áreas municipais que abrangem esses núcleos formam a microrregião de Altamira, conforme se pode visualizar na Figura 1.

Figura 1 – Mesorregião do Sudoeste paraense Fonte: Base Cartográfica do IBGE, 2010.

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Os núcleos urbanos da rede estão situados entre dois eixos de ligação: a rodovia transamazônica (BR-230) e o Rio Xingu. Entre a cidade de Altamira e a cidade de Vitória do Xingu o rio faz uma curva denominada “volta grande do Xingu”, área onde será construída a usina hidrelétrica. Trata-se de um trecho de 100 km povoado por rochas e extensas corredeiras, que tornam impraticável a navegação em embarcações maiores. Por esse motivo, desde o final do Séc. XIX foi criada uma via de ligação por terra entre Altamira (antigo Forte Ambé) e o Porto de Vitória, onde se faria a ligação entre o Rio Tucuruí e o alto Rio Xingu. O declive de 90 metros no trecho da volta grande, que antes seria um obstáculo ao desenvolvimento comercial, torna-se agora uma grande oportunidade de geração de energia por meio da construção da barragem. Os estudos para o aproveitamento hidrelétrico na bacia do rio Xingu começaram em 1975, a partir de quando se poderia aferir a viabilidade técnica de uma usina hidrelétrica naquele curso d’água. Na época, a usina foi denominada de “Kararaô”, que significa “grito de guerra” na língua Kaiapó, nome que seria alterado em 1989 por ser considerado uma afronta aos povos indígenas. Após um longo período de revisões e avaliações, os estudos foram concluídos somente em 2006 através de uma cooperação técnica entre a Eletrobrás e as construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Norberto Odebrecht (BRASIL, 2009). No ano seguinte os estudos foram repassados ao IBAMA para o licenciamento, que foi concluído somente no final de 2009, diante de vários protestos viabilizados por ONGs e movimentos sociais. Em 1º de fevereiro de 2010 a licença ambiental é publicada e, em abril do mesmo ano, é definida em leilão a empresa responsável pela construção e venda da energia gerada pela usina, a Norte Energia S.A (NESA). A partir de então se iniciam os deslocamentos de trabalhadores para a cidade de Altamira, a começar pelos técnicos responsáveis pelo gerenciamento dos trabalhos. Como ainda não havia sido criada uma área específica para abrigar a população no perímetro do projeto, a cidade de Altamira, localizada a 54 km de Belo Monte, passou a absorver esses migrantes pioneiros. Nesse período, o crescimento do preço dos aluguéis chega a superar a taxa de 300% (Portal G1, 2011). Grande parte das residências disponíveis para locação passou a servir ao projeto Belo Monte entre 2010 e 2013, quando ainda não haviam sido concluídas as obras dos alojamentos coletivos e as residências para trabalhadores. O primeiro impacto da imigração é, portanto, a pressão sobre a oferta de bens e serviços na cidade, com destaque para aluguéis e alimentos. De acordo com os documentos ligados à admissão da Norte Energia, entre 2011 e 2014 um número de 45.934 trabalhadores diretos foi admitido, incluindo atividades ligadas às

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obras e aos escritórios (CCBM, 2014). Os dados incluem todas as admissões diretas no período, sem considerar os desligamentos. Os mapas da Figura 2 representam as cidades de origem desses trabalhadores e os feixes de deslocamento, o que demostra a capacidade de recrutamento de uma usina hidrelétrica. Além disso, indicam a desigualdade na distribuição dos trabalhadores pelo país, uma vez que determinadas regiões fornecem profissionais especializados (executivos), outras se destacam em funções intermediárias (escritórios), enquanto que as regiões historicamente mais pobres ofertam trabalhadores ligados às atividades que demandam maior esforço físico (obras).

Figura 2 – Deslocamentos de trabalhadores para Belo Monte. Fonte: Elaboração própria com base nos dados de admissão da CCBM, 2014.

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No que se refere ao deslocamento de executivos, percebe-se o total afastamento dessa categoria de trabalhadores da região de atividade ou mesmo das metrópoles regionais, sendo que os maiores fluxos partem de Belo Horizonte (10) e São Paulo (14). Todas as demais cidades representadas não ofertam mais que três executivos. Em primeira instância, esse dado indicaria a capacidade presente no eixo de maior desenvolvimento do país quanto à oferta de profissionais especializados em função do próprio desenvolvimento técnicocientífico dos pontos de origem. Porém, mais do que isso, representa a disposição de comando que emana das “regiões do mandar” em relação às “regiões do fazer”, embora não seja possível dissociar uma coisa da outra, ou seja, a densidade técnica das funções de controle (SANTOS & SILVEIRA, 2001). No que tange aos deslocamentos para cargos de escritório, em Altamira se encontra o maior contingente, de 1.465 admitidos no período. Vale observar que nos estudos de licenciamento havia uma previsão de que a empresa contratasse entre 60% e 70% de trabalhadores locais, o que justifica o maior número de pessoas situadas em Altamira. Na sequência, é possível observar o destaque da capital e demais núcleos de importância, respectivamente Belém-PA (26), Santarém-PA (19), Brasil Novo-PA (18) e Marabá-PA (18), além da capital Porto Velho-RO (18). Somados a estes estão os núcleos de Vitória do XinguPA (14), Belo Horizonte-MG (13) e Tucuruí-PA (11), os quais compõem os oito primeiros. Santarém e Marabá se destacam como os subcentros regionais mais próximos, com presença de uma população devidamente qualificada para as atividades que, em geral, exigem o ensino médio completo ou ensino superior em nível de graduação. Porto Velho, onde estão sendo erguidas as Barragens de Jirau e Santo Antônio, atende ao ciclo das hidrelétricas, onde há pessoas disponíveis para o deslocamento por ocasião do excedente gerado quando se encerra o pico das atividades. Os trabalhadores que se deslocaram para as atividades relacionadas às obras correspondem a mais densa representação, com grande número de cidades ao longo do Brasil e destaque para as regiões norte e nordeste. No total somam 44.019 admissões (95,83%) e se destinam aos sítios Belo Monte e Pimentel (áreas das barragens), além dos diques, canais, portos e acessos e infraestrutura geral. O maior número está registrado na cidade de Altamira (12.141), seguido por Tucuruí-PA (2.619), Santarém-PA (1.574), Belém-PA (1.520), São Luiz-MA (1.185), Pinheiro-MA (1.161), Porto Velho-RO (1.095) e Marabá (757), sendo estas os oito primeiras. A lista é extensa e abrange principalmente os municípios dos estados do Pará (114) e Maranhão (178), os quais apresentam também o maior número de admissões, 12.405 e 8.720, respectivamente. Os dados revelam a prevalência dos centros regionais mais

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próximos, além da manutenção do ciclo das hidrelétricas para o caso dos deslocamentos da capital Porto Velho. Porém, chama a atenção a grande presença de trabalhadores da região nordeste do país, na proporção de 28%, o que indica a presença de um estoque de população excedente disponível para o deslocamento. Os gráficos a seguir exibem os dados obtidos junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e representam o número de admissões e dispensas da construção civil entre janeiro de 2010 e dezembro 2014, onde é possível observar a flutuação para os municípios de Altamira e Vitória do Xingu.

Gráfico 1 – Admissões e desligamentos entre 2010 e 2014 Fonte: CAGED/MTE, 2015

O Gráfico 1 representa o número de admissões e desligamentos em Altamira e Vitória do Xingu, porém em escalas bem diferentes. No primeiro é possível visualizar um fluxo maior de trabalhadores, enquanto que no segundo as contratações não ultrapassam o número pouco significativo de 1.185 admissões em 2014. Esse quadro reflete o papel de Altamira enquanto cidade-suporte para as atividades de gerenciamento da usina, mesmo que este não seja o local das instalações do complexo estrutural hidroelétrico. No que se refere à Altamira, o gráfico apresenta um crescimento constante nas admissões entre 2010 e 2013 e uma tendência de estabilidade em 2014. Esse dado pode indicar, entre outras questões: a) o período de pico das obras, previsto para o primeiro triênio do projeto e b) a redução das atividades ligadas ao consórcio construtor (CCBM) e início das atividades

vinculadas

ao

consórcio

montador

(CMBM),

relacionado

à

estrutura

eletromecânica do projeto. Chama atenção, contudo, a alta incidência de desligamentos, superior a 28 mil ao final de 2014, o que demonstra o processo de renovação constante dos canteiros. A esse respeito, Souza (1988, p. 121) argumenta que:

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A economia da obra acaba por determinar altíssimos níveis de crescimento demográfico anual, com forte incidência sobretudo nos anos que coincidem com o “pico” dos trabalhos, desde o desvio do rio até o fim da concretagem. Segue-se um período de gradativa desmobilização dos efetivos, uma parte significativa dos quais, sendo subcontratada, acaba por se tornar um “peso morto” na área, carecendo de todo apoio governamental, seja para manter-se no local, seja para retornar à sua área de origem.

Com base nas estimativas apontadas pelo EIA de Belo Monte, a previsão é que “ao todo e ao longo do período de obras, 96 mil pessoas cheguem à região, incluindo aquelas que estarão trabalhando nas obras, o que deverá causar outros impactos” (BRASIL, 2009, p. 85). Nesse caso, o fluxo de trabalhadores diretos é grande, porém não são apenas estes que chegam à região de instalação da usina hidrelétrica, que funciona como um polo de atração populacional para os trabalhadores de todo país, com especial destaque para regiões onde é maior a insegurança na oferta de emprego. A seguir, veremos como esse processo atinge a principal cidade de destino dos deslocamentos populacionais: o centro urbano de Altamira.

4. Belo Monte e a reestruturação urbana em Altamira-PA

Mesmo antes da finalização da rodovia Transamazônica, inaugurada em 1972, Altamira já se apresentava como um polo de atração de migrantes devido à atividade da colonização dirigida. A cidade se destacava como um importante centro comercial e de serviços entre a densa floresta Amazônica, fazendas e assentamentos rurais em instalação. Os núcleos que se desenvolveram ao longo da rodovia começaram a divisar Altamira como um ponto de encontro entre a economia regional e a verticalidade das redes do capitalismo, mediadas pelos sistemas de transporte e telecomunicações, bem como pela instalação de instituições financeiras, comerciais e administrativas. Ao final de 1980, este núcleo já havia se consolidado como uma cidade média na rede urbana do sudoeste paraense. Porém, ao mesmo tempo, a história da colonização na Amazônia reservou para Altamira um difícil papel de absorção de fluxos populacionais, tanto no que se refere aos deslocamentos inter-regionais como intrarregionais. Com a crise no campo a partir de 1974 e o consequente êxodo rural, houve um forte deslocamento para a área urbana, que se mostrou mais intenso entre 1980 e 1990. Em decorrência desse processo, de acordo com (Becker, 1985, p. 134) “novos bairros surgiram na

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periferia urbana, habitados por migrantes sem-terra, assalariados urbano-rurais, bem como, no centro ou próximo a ele, loteamentos espontâneos, ocupados por ex-colonos empregados no setor terciário”. O foco desses migrantes foi a ocupação em áreas próximas aos leitos dos igarapés Altamira e Ambé, muitas das quais sujeitas a alagamentos no período de cheia do Rio Xingu. Segundo Miranda Neto (2014, p. 4)

Tal crescimento esteve acompanhado de uma ocupação urbana sem planejamento, pois muitas famílias fixaram residência em áreas de alagamento próximas aos igarapés Altamira e Ambé. Tais ocupações se deram, em grande parte, a partir da construção de residências em palafitas, com sistemas de saneamento precário ou inexistente, motivando o despejo de esgoto residencial diretamente no rio. Com as crises sucessivas no campo e a consequente migração rural-urbana, outras frentes de migrantes passaram a ocupar a cidade em áreas ainda mais inadequadas, a exemplo da “Invasão dos Padres”.

Na medida em que se acentuam os níveis de urbanização e se ampliam os assentamentos espontâneos ao longo da cidade, esta vai ampliando os índices relacionados à precariedade urbana. Proliferam-se moradias precárias, a maioria sem rede de coleta de esgoto e abastecimento de água. De acordo com o IBGE, até 2010 se registra um contingente de mais de nove mil pessoas residindo em aglomerados subnormais na cidade, o que representa 11% da população urbana (IBGE, 2010). É, portanto, nesse quadro de insuficiência de infraestrutura e equipamentos urbanos que começa a se instalar o projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte. Em 2011, desembarca em Altamira uma grande quantidade de trabalhadores, tanto de forma conduzida pelo sistema de recrutamento da UHE Belo Monte quanto de forma espontânea, sem qualquer garantia de alojamento e subsistência. Nos primeiros meses, era comum a presença de famílias circulando pela cidade à procura de uma atividade sub-remunerada, apenas para garantir um dia de alimentação. Próximo à rodoviária se instalou um acampamento improvisado de migrantes espontâneos, os quais se abrigavam durante vários dias sob as árvores na esperança de serem absorvidos por um posto de trabalho formal. Essa área chegou a ser nacionalmente conhecida como “hotel calango”, como referência à grande quantidade de redes instaladas entre as árvores. A estimativa do IBGE para a população urbana de Altamira em 2010, de 76 mil habitantes (considerando os situados no perímetro urbano), estaria em muito subestimada nos anos seguintes. Em 2012, a Secretaria de Planejamento do Município avaliou a população total do município em 148.224 mil com base no acesso aos serviços de saúde, o que representaria para área urbana um contingente próximo de 127 mil. A dificuldade em se obter

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uma estatística oficial reside na própria velocidade nos fluxos de admissões/demissões de trabalhadores, bem como a inexistência de um registro das migrações espontâneas em direção ao núcleo urbano. Sobre esse aspecto, Souza (1988, p. 132) argumenta que:

A pressão do mercado de trabalho aberta com as obras conduz a um processo de crescimento acelerado da população urbana, diante do qual a oferta de serviços públicos jamais é suficiente, tornando-se intensa e precária a urbanização tudo se agrava ainda mais, conforme o tipo de política de mão-de-obra adotada pelas empreiteiras e pelas empresas de eletricidade.

A respeito das consequências desse processo migratório e das transformações estruturais recentes na área urbana de Altamira, é possível elencar algumas tendências verificadas nos três primeiros anos de execução do projeto: a) Acelerado crescimento da população urbana: em 2010 a população urbana de Altamira situada na sede municipal estava em torno de 79.622 (IBGE, 2010). Com o processo migratório, espera-se um crescimento acelerado da população urbana, com predomínio da população masculina. De acordo com o EIA de Belo Monte, “Essas pessoas deverão procurar morar próximo aos alojamentos e às residências dos trabalhadores, podendo formar núcleos sem as condições adequadas” (BRASIL, 2009). Os efeitos desse crescimento começam a ser percebidos de forma mais intensa a partir da desmobilização da mão-de-obra, quando muitos trabalhadores decidem permanecer na região. As consequências para a cidade dizem respeito às alterações na estrutura urbana, especialmente com o crescimento da ocupação desordenada. b) Significativa mudança no quadro habitacional: entre 2010 e 2014 vários assentamentos foram criados pela NESA com vistas à indenização das populações atingidas na área urbana de Altamira e também para abrigar a mão-de-obra vinculada ao projeto, denominados RUC (Reassentamento urbano coletivo). Ao todo, somam-se cinco assentamentos com distância de até 2 km da área de origem, designados na sequência com a quantidade de lotes residenciais previstos: Casa Nova (453), São Joaquim (1.041), Jatobá (1.286), Água Azul (775) e Laranjeiras (545). Além destes, dois loteamentos subsidiados pelo programa “minha casa minha vida”, do governo federal: residencial Santa Benedita (958) e Residencial Ilha do Arapujá (1.444). Ressalta-se, também, a forte presença das empresas incorporadoras, com lotes planejados para os segmentos de alta/media renda: Terras de Bonanza (6.615), Cidade Jardim (5.386), Cidade Nova (7.000), Viena (2.458) e São Francisco (709). Apenas no que se refere à presença de lotes planejados, se prevê uma oferta de 28.670 unidades.

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c) Ampliação da malha urbana: em 2010 a malha urbana de Altamira estava estimada em 2.200 hectares com uma tendência de crescimento já acelerada em decorrência das migrações desde 1980. Com as alterações no quadro habitacional provenientes dos novos assentamentos urbanos e da ação de empresas incorporadoras, se prevê um crescimento próximo de 50% entre 2010 e 2014, conforme se pode visualizar no mapa da Figura 3.

Figura 3 - Evolução da Malha urbana de Altamira Com base na leitura do mapa é possível perceber um grande incremento da malha urbana em várias direções, seguindo o eixo das principais vias da cidade. Percebe-se, também, uma mudança no perímetro urbano da cidade, que passou de 95,235 km² (incluindo partes do rio e da ilha do Arapujá) para 111,229 km². d) Alterações na economia local: sabe-se que as usinas hidrelétricas possuem a capacidade de gerar uma divisão do trabalho estranha ao local em que se instalam. Tanto nos sítios de instalação dos canteiros de obras quanto nas cidades mais próximas percebe-se um circuito de cooperação marcado pela mobilização de diversas empresas e funcionários especializados. Não raro as empresas locais são contratadas para fornecer produtos e serviços exclusivos para atender as necessidades do projeto, especialmente no ramo da alimentação. O comércio se intensifica de forma acelerada, de modo que mercados e lojas de varejo são ampliados de forma improvisada em tendas ou estruturas de madeira com vistas a acompanhar a nova demanda local. Entre 2010 e 2013 já se observa um aumento da transferência de impostos2 na taxa de 470%, sendo que os incrementos anuais não ultrapassavam 30% até                                                              2

Referem-se às transferências constitucionais do ICMS, IPI, IPVA, FUNDEB-ICMS e FUNDEB-IPVA.

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2010 (IDESP, 2014). De modo geral, o ritmo econômico se intensifica, porém parece subsistir com base no fluxo de pessoas e capitais decorrentes da obra, sem garantias de sua real continuidade nos anos subsequentes.

5. Considerações Finais

A experiência da construção de hidrelétricas no Brasil permite dizer que não se trata de um tipo de indústria como as outras, especialmente por sua capacidade de mobilização de mão-de-obra e de organização/desorganização das estruturas regionais. Sabe-se, porém, que não é a hidrelétrica, enquanto objeto técnico, que produz as transformações de maior destaque, mas os processos sociais decorrentes de sua construção, o que inclui a instalação de um conjunto de infraestruturas de suporte e obras de mitigação em uma vasta área geográfica. A força de trabalho utilizada em um primeiro momento é cristalizada na forma de um grande artefato técnico, o qual é empregado para a geração da hidroeletricidade, esta sim a verdadeira mercadoria. Poder-se-ia dizer, inclusive, que a energia consumida em megawatts é nada mais que o resultado do trabalho aplicado de milhares de trabalhadores ao longo de cinco anos, que pela tecnologia pode se estender para cem anos ou mais. Nestes termos, a usina hidrelétrica é um grande monumento de trabalho morto, utilizado para vários ciclos de exploração do trabalho vivo. O Brasil se destaca no cenário mundial como um grande construtor de usinas hidrelétricas, com um número invejável de 112 unidades. Mas como se tornariam viáveis estes projetos sem os estoques de força de trabalho presentes no território brasileiro? É, portanto, a disponibilidade de trabalhadores “livres” que permite a realização desses empreendimentos em áreas remotas do país, cuja liberdade reside na difícil escolha entre migrar e viver de recursos insuficientes em seu local de origem. Um exemplo é o deslocamento de trabalhadores de Pinheiro-MA, uma cidade de 79 mil habitantes que mobilizou em torno de 1,2% de seus habitantes para Belo Monte. Os mapas apresentados demostram a capacidade de mobilização de uma grande usina hidrelétrica, bem como o cenário desigual de residência dos funcionários. A usina hidrelétrica, como um tipo de indústria, depende de uma grande quantidade de força-de-trabalho para sua instalação, de modo que absorve os excedentes gerados ao longo do país durante curtos períodos. Os trabalhadores são, portanto, inseridos na lógica de controle do empreendedor e depois dispensados para exercerem sua “livre opção”, que basicamente se resume em três escolhas: a) retornar ao local de origem, b) tentar a vida na

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região em que se estabeleceram e c) serem lançados novamente no chamado “ciclo das barragens”, migrando para outras áreas de instalação. Na outra ponta do fluxo migratório se encontra a região de instalação da usina hidrelétrica e, em especial, o núcleo urbano de Altamira, que mais uma vez aceita o difícil papel de anteparo dos deslocamentos populacionais. Ao mesmo tempo em que sofre impactos diretos relativos à obra, a cidade precisa responder de forma premente à necessidade dos moradores locais, antigos e novos. Com carências estruturais históricas, o núcleo urbano recebe novos assentamentos e lotes urbanizados em uma quantidade sem precedentes, alterando sobremaneira o quadro da habitação. A economia se modifica com vistas a receber os novos moradores e atender as demandas do projeto, de modo que as necessidades locais históricas são desconsideradas em nome de um desenvolvimento que demora a acontecer. As transformações na cidade de Altamira estão em pleno curso e avançam de modo associado aos avanços das instalações de Belo Monte. Espera-se até a conclusão das obras, em 2019, um conjunto de fenômenos novos e também novos indicadores para se compreender as mudanças recentes nessa cidade média amazônica.

6. Referências

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