Mobilização jurídica e sociedade civil: um panorama das entidades de defesa de direitos no Brasil

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37º Encontro Anual da ANPOCS

ST12 Instituições judiciais, política e moralidades na democracia Titulo da Sessão: Mobilização Judicial de Moralidades: agentes, estratégias e processos

Mobilização jurídica e sociedade civil: um panorama das entidades de defesa de direitos no Brasil

Evorah Cardoso Fabiola Fanti Iagê Zendron Miola

1. Introdução

A presente pesquisa insere-se em um campo de estudos que busca analisar a relação entre a sociedade civil, o direito e as instituições jurídicas. Tal literatura vem apontando para a crescente centralidade do Poder Judiciário enquanto espaço de debate político para os atores da sociedade civil e, para como os movimentos sociais vêm atribuindo importância estratégica à disputa em torno da criação e do sentido dos direitos1. A relação da sociedade civil com o direito e o Poder Judiciário é frequentemente descrita como multifacetada. O direito pode ser tanto um elemento de manutenção da ordem vigente, criminalizando movimentos sociais ou bloqueando as suas demandas, como um importante instrumento no processo de mudanças sociais buscadas pelos atores da sociedade civil. Dessa forma, as instituições jurídicas têm uma relação ambivalente com os diversos setores da sociedade civil, ora obstruindo a sua atuação, ora facilitandoa. Isso pode ser observado, por exemplo, quando o Poder Judiciário decreta a reintegração de posse de um terreno, prédio ou terra, despejando o Movimento de Moradia ou o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que antes os ocupava. Ao contrário, quando o Supremo Tribunal Federal autoriza a união estável entre pessoas do mesmo sexo, ele contribui para a realização de uma demanda dos movimentos Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), que estiveram historicamente travados no âmbito Legislativo. Esta pesquisa pretende contribuir com o debate sobre a relação entre sociedade civil e o direito a partir do estudo das dinâmicas de interação entre os atores que realizam mobilização jurídica no Brasil e os agentes do Estado que desempenham seus papéis institucionais em um mesmo campo de prática: a advocacia de interesse público. As instituições estatais que, de maneira mais evidente, compartilham este espaço de mobilização jurídica ocupado por certos atores da sociedade civil são o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública (DP), nos distintos níveis federativos. Tomando as entidades de defesa de direitos, o MP e a DP como agentes atuantes em um mesmo nicho

1

Pode-se citar como exemplos dessa literatura os trabalhos de MCCANN (1994, 2006 e 2010); EPP (1998); HILSON (2002); ANDERSEN (2004); VANHALA (2006 e 2011); WILSON E CORDERO (2006); CASE E GIVENS (2010); MACIEL (2011).

de prática, a pesquisa busca identificar as dinâmicas de interação instituídas entre a sociedade civil e os órgãos do Estado. Levando-se em consideração a interação entre entidades da sociedade civil e estas instituições jurídicas como enfoque de investigação, esta pesquisa se desdobra em dois objetivos principais. De um lado, pretende aferir como a mobilização jurídica desempenhada por entidades da sociedade civil impacta a advocacia pública promovida pelo MP e pela DP. De outro, busca identificar como a prática dos órgãos de litígio do Estado influencia a atuação das entidades de defesa de direitos, com especial atenção aos elementos de desenho institucional que afetam a interação com a sociedade civil. Gráfico 1. Objeto da pesquisa: a interação entre sociedade civil e Estado na advocacia de interesse público como o desenho institucional dos órgãos de litígio do Estado favorece ou não a mobilização social jurídica

SOCIEDADE CIVIL

ESTADO

Entidades de defesa de direitos

Órgãos de litígio: Ministério Público e Defensoria Pública

como a mobilização jurídica da sociedade civil repercute nos órgãos de litígio do Estado

2. Mobilização jurídica e sociedade civil: pluralidade de experiências e conceitos

A mobilização jurídica pela sociedade civil abarca experiências e formas de organização bastante diversas. Os usos do direito por parte de entidades não governamentais e movimentos sociais englobam desde atividades de extensão universitária das faculdades de direito, advogados populares, promotoras legais, advocacia pro bono, até organizações não governamentais (ONGs) de litígio estratégico. A cada tipo de experiência correspondem diferentes matizes de influência teórica, estratégias

de

prática

e

concepções

políticas.



distintas

trajetórias

e,

consequentemente, formas de mobilização do direito por parte da sociedade civil. Uma advocacia tão variada requer, dessa forma, certo grau de sistematização funcional e conceitual para que se possa compreender melhor o objeto desta pesquisa.

A dificuldade em conceituar a mobilização jurídica, em seus diversos tipos, não é observável exclusivamente no Brasil, e está relacionada ao fato de as formas assumidas pela sociedade civil na defesa de direitos serem “influenciadas diretamente pelo regime político, pelo sistema jurídico, pela tradição jurídica, pela relação com a ordem profissional e com o projeto de transformação social” presentes em cada país2. Apesar da variedade de experiências e formas de organização da sociedade civil na mobilização do direito, há elementos em comum que permitem que sejam consideradas como parte de um mesmo fenômeno. As experiências de “advocacia de interesse público”, com frequência, convergem com respeito ao público-alvo (população de baixa renda, grupos sociais minoritários ou discriminados, e interesses difusos, por exemplo), à agenda temática (defesa de determinados direitos), ao objetivo final (promover transformação social) e ao método de trabalho (client ou issue-oriented, de litígio estratégico3 etc.). Frente a essas semelhanças, o conceito de “advocacia de interesse público” e a distinção entre as formas de advocacia client e issue-oriented revelam-se úteis. Estes dois conceitos permitem superar a particularidade das experiências de mobilização jurídica e, dessa forma, abarcar a variedade de formas de defesa de direitos pela sociedade civil. A “advocacia de interesse público” está historicamente relacionada ao acesso à justiça por pessoas marginalizadas política ou economicamente e, com o tempo, passou a abranger outras atividades4. O formato tradicional das entidades de interesse público são escritórios de advocacia que prestam assistência judiciária gratuita. Não há, nesses escritórios, seleção de casos paradigmáticos ou mesmo uma seleção temática, mas sim atendimento à demanda nos limites orçamentários da entidade. Aproximam-se, dessa forma, do trabalho da advocacia tradicional client-oriented5 (forma de advocacia pautada pela solução do caso concreto e obtenção de justiça individual), ainda que o objetivo não

2

SARAT e SCHEINGOLD (1998), JUNQUEIRA (2002, p. 194). Algumas entidades de advocacia em direitos humanos apostam no litígio estratégico como uma via hábil para provocar transformações sociais. “Litígio estratégico”, “litígio de impacto”, “litígio paradigmático” ou “litígio de caso-teste” são expressões correlatas que surgiram de uma prática diferenciada de litígio não necessariamente relacionada ao histórico da advocacia em direitos humanos. O litígio estratégico busca, por meio do uso do Judiciário e de casos paradigmáticos, alcançar mudanças sociais. Os casos são escolhidos como ferramentas para transformação da jurisprudência dos tribunais e formação de precedentes, para provocar mudanças legislativas ou de políticas públicas. Trata-se de um método ou uma técnica que pode ser utilizada para diferentes fins/temas (CARDOSO, 2012; IHRLG, 2001, p. 82; ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 37-38). 4 REKOSH, BUCHKO, TERZIEVA, 2001, p. 1. 5 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41. 3

se restrinja à satisfação do interesse do indivíduo e busque a transformação social trazida pelo acesso ao direito por parte de grupos marginalizados. Outra frente desse tipo de mobilização jurídica é a chamada advocacia issue ou policy-oriented6, uma advocacia temática, voltada a mudanças sociais em determinadas áreas: discriminação racial, meio ambiente, mulheres, entre outras. Com esse fim, as entidades policy-oriented costumam ter um trabalho preliminar de escolha do caso paradigmático, conforme o seu potencial impacto social no tema ou na política tidos como prioritários na agenda temática. Diante da escassez de recursos, grupos organizados fazem um raciocínio de custo-benefício para a seleção dos casos paradigmáticos, que gerem o máximo de impacto dentro dos objetivos traçados pela entidade e beneficiem uma coletividade ampla7. Ambas as frentes de advocacia são reconhecidas como parte do movimento de “direito de interesse público”8, embora tenha sido a partir da segunda que se desenvolveu a prática de litígio estratégico9. Neste tipo de mobilização jurídica, geralmente, o litígio é apenas uma das ferramentas utilizadas pelos centros de “direito de interesse público”. Há múltiplas possibilidades de ação relacionadas à mobilização jurídica na sociedade civil, tais como: campanhas de mobilização e educacionais em torno de direitos humanos, lobby legislativo, pesquisas e documentação em direitos humanos, solução alternativa de disputas10, agenda de reforma institucional, entre outros. Em contraste, as entidades client-oriented não costumam ter este trabalho, pois atendem a um determinado público, conforme a demanda ou os limites orçamentários da entidade. Entidades de advocacia client-oriented, no entanto, também podem exercer litígio estratégico, mas geralmente de maneira ad hoc, quando são levadas pelo caso a planejar estratégias de impacto social11. Em ambas as formas, no entanto, a mobilização do direito visa a um objetivo de transformação social e atende a públicos marginalizados, discriminados e/ou vulneráveis. A partir desse marco conceitual, é possível visualizar uma série de experiências de mobilização jurídica pela sociedade civil no Brasil nas quais é possível identificar, em maior ou menor grau, os elementos apontados como definidores da advocacia de 6

ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 41. WEISSBRODT, 1984, p. 31. 8 JOHNSON, 1991, p. 171. 9 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 35; IHRLG, 2001, p. 82. 10 IHRLG, 2001, p. 2. 11 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41. 7

interesse público. Diversos exemplos dessa variedade de experiências podem ser mencionados. As chamadas “promotoras legais populares”, iniciativas por meio das quais líderes comunitárias são capacitadas para reconhecerem violações de direitos que podem ser depois encaminhadas ao Poder Judiciário por ONGs ou por órgãos de litígio do Estado. Extensões universitárias em direito que priorizam como trabalho de advocacia a assessoria jurídica comunitária e tem por objetivo fomentar uma pedagogia de direitos, sem necessariamente prestar assistência judiciária ou desenvolver assessoria jurídica em questões coletivas, comunitárias e a movimentos sociais. As experiências de advocacia popular propriamente dita, em que advogados próximos a movimentos sociais se dedicam às causas judiciais desses grupos. ONGs de direitos humanos ou especializadas em certas temáticas que promovem uma advocacia estratégica em âmbito nacional e internacional, ou que prestam atendimento direto a indivíduos, grupos ou mesmo a outras ONGs. A noção de advocacia de interesse público permite, ainda, a consideração simultânea de outro tipo de atores que, particularmente no contexto brasileiro, são essenciais para o estudo da defesa de direitos pela sociedade civil e de uma advocacia temática: o Ministério Público e a Defensoria Pública. 3. Advocacia de interesse público no estado: Ministério Público e Defensoria Pública

Diferente de outros países, onde a advocacia de interesse público é exercida primordialmente por atores da sociedade civil, no Brasil, órgãos de litígio do Estado, como o Ministério Público (estaduais e federal) e as Defensorias Públicas (estaduais e federal) ocupam, em parte, o espaço da mobilização jurídica e de uma atuação judicial temática. Esses órgãos de litígio do Estado são dotados de uma grande capacidade institucional de defesa de direitos, sem comparação em outros países. Possuem profissionais qualificados, bem remunerados, com relativa independência de atuação, abrangente capacidade de atuação (local, estadual e nacional). Adicionalmente, as áreas de competência dessas instituições jurídicas se sobrepõem, em grande medida, ao nicho de atuação de entidades de defesa de direito da sociedade civil. Isso porque a sua atuação se assemelha aos elementos anteriormente mencionados como definidores da advocacia de interesse público, sobretudo o público-alvo (grupos sociais marginalizados,

minoritários ou discriminados e interesses difusos, por exemplo) e a agenda temática (defesa de determinados direitos). Também os métodos de atuação da sociedade civil podem ser encontrados no Ministério Público e na Defensoria Pública. As Defensorias Públicas, por exemplo, por estarem em contato com um grande volume de demandas individuais, podem funcionar como um termômetro das necessidades de medidas coletivas. Pela abrangência de sua atuação, podem pensar em estratégias de longo prazo de caráter de reforma institucional, seja a partir de seu trabalho de litígio individual ou coletivo, seja por estratégias de negociação com órgãos públicos e privados, prévias ao litígio. O Ministério Público também possui uma série de instrumentos que possibilitam atacar problemas de reforma institucional, graças ao tratamento da dimensão coletiva dos conflitos, como nas ações civis públicas, ou nas negociações prévias ao litígio com órgãos públicos e privados, os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Além disso, pode também realizar propostas de lei. A identificação de que o campo da advocacia de interesse público é compartilhado entre atores da sociedade civil e do Estado revela, dessa forma, uma arena de interação. Situa-se, assim, o objeto da pesquisa: identificar quais as dinâmicas de interação instituídas entre Estado e sociedade civil neste espaço. As questões enfrentadas pela pesquisa podem, dessa forma, ser apresentadas: havendo posições, em boa medida, sobrepostas na advocacia de interesse público, como a mobilização jurídica da sociedade civil interage com o trabalho de litígio dos órgãos estatais? Os órgãos estatais conflitam ou cooperam com as entidades da sociedade civil? Como repercute o trabalho desses órgãos das entidades da sociedade civil de advocacia de interesse público e vice-versa? Que elementos institucionais dos órgãos oficiais dificultam ou facilitam a relação com as entidades da sociedade civil? Em um plano propositivo, que transformações institucionais podem ser adotadas para otimizar essa interação? 4. Delimitação do objeto de pesquisa e método

Em razão da amplitude do campo da advocacia de interesse público e dos diversos enfoques possíveis, o estudo da interação entre as entidades de defesa de direitos e os órgãos de litígio do Estado (MP e DP) exige delimitação. Logo de início, o recorte da pesquisa foi feito sobre a perspectiva das entidades de defesa de direitos acerca dessa interação com MP e DP. Privilegiamos o estudo desses atores da sociedade civil por

carecermos de informações sistematizadas acerca deste universo de entidades de defesa de direitos no Brasil12 – quem são, com que temas trabalham, quais atividades realizam – e, em especial, sobre sua relação com MP e DP – tanto mais levando em consideração as alterações institucionais que estes órgãos estatais sofreram recentemente. Este recorte implica ganhos de profundidade, uma vez que possibilita a coleta de um grande número de narrativas, representativa nacionalmente, de um dos polos – na estratégia adotada pela pesquisa, a sociedade civil. Seria importante, em outro estudo de âmbito nacional, observar essa interação também sob a perspectiva de defensores, promotores e procuradores. As conclusões apresentadas aqui devem, portanto, levar em conta a delimitação de objeto adotada pela pesquisa. Outros dois recortes foram adotados para a circunscrição do objeto de pesquisa. Primeiro, com respeito aos tipos de experiências de mobilização jurídica da sociedade civil que serão estudados. O foco da pesquisa é sobre as interações protagonizadas por distintos tipos de entidades de defesa de direitos que atendam aos seguintes critérios, alternativamente: que possuam advogado(s) em sua estrutura e/ou; que tenham atividade judicial e/ou; que tenham relação com o MP e/ou com a DP; e/ou que estejam voltadas a discutir e alterar o funcionamento dessas instituições estatais de litígio. Com este recorte, buscamos selecionar entidades da sociedade civil que são atores habituais do sistema de justiça13 e que, portanto, estariam expostos à interação com o Poder Judiciário e os órgãos de litígio do Estado e teriam potencialmente um maior acúmulo de experiências sobre essas formas de interação. São excluídas, por exemplo, algumas experiências de extensão universitária que priorizam como trabalho de advocacia a assessoria jurídica comunitária, sem necessariamente prestar assistência judiciária a essas comunidades. Isso não por se entender que este trabalho não seja de “interesse público” ou não se caracterize como “advocacia popular”, mas por tentar destacar nesta pesquisa a interação dessas entidades de defesa de direitos com o Poder Judiciário e os demais órgãos de litígio do Estado. Ou seja, a pesquisa procura destacar justamente as entidades de “advocacia de interesse público” que usam o direito no espaço institucional do Judiciário, seja diretamente, seja por intermédio dos órgãos de litígio do Estado. Igualmente, são excluídos os escritórios das faculdades de direito e outras entidades que trabalham apenas com a lógica do litígio de cada caso, realizando o atendimento individual de público sem 12 13

Destacamos neste esforço o trabalho de Terra de Direitos e Dignitatis Assessoria Técnica Popular, 2013. GALANTER, 1974.

condições de pagar um advogado, que não fazem qualquer seleção ou agrupamento temático de casos, nem possuem agenda de litígio de direitos de longo prazo. Por mais que essa prática atenda à finalidade social de acesso à justiça individual, não necessariamente forma um corpus de litígios individuais orientado para a transformação para além do caso concreto, como, por exemplo, de uma determinada política pública ou de uma determinada interpretação dogmática do direito. Além disso, estes seriam atores que se relacionam de modo eventual com o sistema de justiça14. Não necessariamente sua atuação reiterada em casos individuais geraria um acúmulo de experiência sobre como se dá a interação com os órgãos de litígio do Estado. Segundo, com respeito aos perfis das entidades da sociedade civil estudadas, excluímos entidades representativas de classes profissionais como, por exemplo, sindicatos de trabalhadores ou Ordem dos Advogados do Brasil. Embora essas entidades por vezes possam representar interesses difusos ou coletivos, de grupos marginalizados ou discriminados, também possuem uma clara agenda temática que envolve os interesses de suas categorias profissionais em suas atuações jurídico-judiciais. Afora os recortes mencionados, a pesquisa não adotou delimitação geográfica, abarcando entidades de defesa de direitos de todo o País. Pretendeu-se, dessa forma, elaborar um diagnóstico de âmbito nacional sobre as formas de interação da mobilização jurídica da sociedade civil com os órgãos de litígio do Estado no Brasil. A abrangência nacional do estudo possibilitou a identificação de variações nacionais na relação entre sociedade civil e Estado no nicho da advocacia de interesse público, o que, por sua vez, contribui para a elaboração de respostas substantivas às perguntas que guiam a pesquisa. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com uma amostra nacional de entidades de defesa de direitos para que, a partir das narrativas fornecidas pelos atores que promovem a mobilização jurídica, fossem identificadas experiências de interação com e percepções da sociedade civil sobre o Ministério Público e a Defensoria Pública. A construção da amostra analisada pela pesquisa enfrentou a dificuldade decorrente da multiplicidade de experiências de entidades que trabalham com a defesa de direitos e da concomitante ausência de referenciais ou bancos de dados que, ao mesmo tempo, atentem para essa variedade e atendam aos critérios de delimitação do objeto da pesquisa. Para contornar este obstáculo, adotou-se como estratégia de identificação de

14

GALANTER, 1974.

entidades de defesa de direitos a consulta a distintos mapeamentos parciais realizados por outras pesquisas15. Em razão do seu foco em experiências específicas de advocacia de interesse público, estes mapeamentos permitem, se tomados em conjunto, a construção de uma listagem de entidades de perfis bastante variados. Buscou-se, com a amostra construída com base em fontes secundárias, garantir representatividade mínima à variedade de experiências de advocacia de interesse público em pelo menos três dimensões: regional, com entidades de todas as regiões do país e do maior número de estados possível; temática, incluindo experiências em diversos campos de atuação; e de perfil, inserindo na amostra entidades de diferentes tipos (advocacia popular, extensões universitárias, advocacia pro bono, ONGs etc.), com distintos graus de profissionalização e organicidade, que adotam formas variadas de estratégias jurídicas e que desempenham diferentes atividades e em diversos âmbitos (local, regional, nacional e internacional). Tabela 1. Temas de atuação das entidades Áreas temáticas

15

Número de entidades

Violência Institucional

30

Cidade

26

Crianças e adolescentes

25

Terra

20

Gênero

19

Comunidades tradicionais

17

Meio ambiente

16

Saúde

15

A amostra foi construída a partir dos bancos de dados de entidades disponibilizados nas seguintes pesquisas e fontes: Lista de entidades filiadas à Associação Brasileira de Organizações NãoGovernamentais (ABONG), classificadas como atuantes na categoria “Justiça e promoção de direitos”; Pesquisa “Mapa Territorial, Temático e Instrumental da Assessoria jurídica e Advocacia Popular no Brasil”, realizada pela Terra de Direitos e Dignitatis, para o Observatório da Justiça Brasileira (http://terradedireitos.org.br/biblioteca/noticias/pesquisa-apresenta-mapa-da-assessoria-juridica-eadvocacia-popular-no-brasil/); Pesquisa “O direito visto por dentro (e por fora): a disputa pela interpretação da lei Maria da Penha e da Legislação Anti-Racista”, realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) (Projeto CNPQ. 2010-2012); Pesquisa “Judicialização da política e demandas por juridificação: O Judiciário frente aos outros poderes e frente à sociedade”, realizada pela Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), para o Observatório da Justiça Brasileira – mapeamento de entidades de interesse difuso e coletivo que atuaram como amicus curiae junto ao Supremo Tribunal Federal ou que participaram em audiências públicas organizadas pelo STF em ações de controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos de origem do Executivo e Legislativo federal; Mapeamento de entidades de advocacia popular realizado pelo site “Assessoria Jurídica Popular” (http://assessoriajuridicapopular.blogspot.com.br/2011/10/mapeamento.html); Lista de entidades mencionadas pelos Núcleos Especializados da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em seu site institucional (http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3145).

Indígenas Trabalho

12

LGBT

9

Família

7

Criminal Consumidor

6

Organização comunitária Educação Raça

5

Idosos e portadores de deficiência

4

Imigrantes Comunicação

3

Tráfico de pessoas Religião

2

A partir dessas fontes e excluindo-se eventuais repetições, a amostra do estudo é composta de 103 entidades (listadas no Anexo I). A amostra analisada na pesquisa integra entidades atuantes em diversas temáticas. As cinco regiões do país estão representadas na amostra, 30 cidades localizadas em 23 estados da federação. A região Sudeste congrega mais da metade das entidades. Aproximadamente dois quintos da amostra são de organizações com sede no estado de São Paulo. Essa concentração está relacionada, em certa medida, aos perfis das entidades mapeadas por parte das fontes de dados utilizadas para a construção da amostra. Não se pretende, com a amostra construída, realizar um mapeamento censitário das experiências de advocacia de interesse público no Brasil, ou elaborar generalizações estatísticas sobre o campo. Objetivou-se, ao contrário, compor uma amostra com relativa representatividade regional para identificar tendências na interação com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Levando-se em conta que todas as regiões do país foram contempladas pela amostra e que foi coberto um amplo espectro de estados e cidades, a amostra se revela útil aos propósitos da pesquisa. As entrevistas foram guiadas por um roteiro formulado previamente que incluía questões sobre (i) o perfil do respondente; (ii) o perfil da entidade; e (iii) a sua relação com o MP e a DP (Anexo II). O roteiro tinha por objetivo operacionalizar, em perguntas empíricas, as questões gerais enfrentadas pelo estudo: quem são as entidades de defesa de direitos e como interagem com o MP e a DP? No item (i), foram buscadas informações sobre a trajetória pessoal, acadêmica e profissional do respondente, suas motivações para atuar na defesa de direitos e o papel que ele desempenha na entidade. No item (ii), foram coletados dados sobre os temas, formas e âmbitos de atuação da entidade, sua estrutura e

organização internas, meios de financiamento, os tipos de casos em que a entidade atua judicialmente, como esses casos chegam à entidade, e as estratégias de atuação jurídica da entidade. No item (iii), buscou-se coletar informações e experiências do entrevistado e da entidade sobre as formas e a qualidade da interação com o MP e a DP. Foram realizadas 110 entrevistas, envolvendo 130 integrantes das 103 entidades que compõem a amostra. Buscou-se, sempre que viável, entrevistar os advogados atuantes nas organizações que integram a amostra. Quando não foi possível, ou em casos em que informações sobre a entidade não foram fornecidas de maneira satisfatória pelos advogados da entidade, integrantes com outras funções também foram entrevistados, em geral, coordenadores. Foram elaborados “códigos” para categorizar as diferentes informações disponibilizadas nas transcrições das entrevistas. O objetivo da aplicação de códigos às transcrições (“codificação”) era reunir, sob uma mesma categoria de análise, informações identificadas no conjunto das entrevistas. Os códigos tomaram por base a estrutura do roteiro de entrevista e incluíram outros elementos que emergiram do trabalho de campo. A aplicação dos códigos às transcrições das entrevistas foi realizada por meio do software de análise de dados Atlas.ti. Tabela 2 . Livro de códigos Grupo de códigos

Objetivo

Exemplos de códigos

(1) Respondente

Identificar informações sobre a trajetória pessoal do entrevistado, sobre o que ele faz na entidade e o que o motiva a atuar na mobilização jurídica.

Respondente: Movimento Estudantil Respondente: Extensão Universitária Respondente: Movimento Social Respondente: Estágio

(2) Entidade

Compor o perfil da entidade entrevistada: histórico, estrutura, financiamento, atividades e temas de atuação etc.

Entidade: Histórico: Fundada antes de 1988 Entidade: Estrutura: Número de profissionais Entidade: Financiamento: Internacional Entidade: Atividades: Educação popular Entidade: Temas: Meio Ambiente

(3) Atuação judicial

Compor o perfil da atuação judicial/ jurídica da entidade: tipo de estratégia jurídica, forma de seleção de casos, instrumentos adotados e instâncias de atuação etc.

Atuação judicial: Instâncias: Tribunais Superiores Atuação judicial: Seleção de casos: Casos emblemáticos Atuação judicial: Instrumentos jurídicos: Ação Civil Pública

(4) Defensoria Pública e Ministério Público

Identificar exemplos de interação da DP: Formas de interação: entidade com o MP ou a DP e coletarEncaminhamento de casos informações sobre como o MP: Formas de interação: Representação entrevistado avalia os papeis do DP: Desenho institucional: Núcleo MP/DP, a relação desses órgãos com temático a entidade, e questões de desenho institucional do MP/DP.

5. A formação de defensores de direitos

A descrição dos elementos de trajetória identificados a partir das entrevistas com os 130 respondentes da pesquisa destacou três grandes grupos de fatores como determinantes à formação de defensores de direitos: experiências universitárias, experiências profissionais e experiências sociais e pessoais. Além de influências familiares, vínculos religiosos e da identificação dos respondentes com os grupos que buscam defender terem se revelado determinantes para a formação de defensores de direitos, há dois elementos de trajetória que estão mais claramente ao alcance das políticas públicas e, dessa forma, merecem ser enfatizados no âmbito deste relatório: as experiências universitárias e profissionais dos respondentes. Tabela 3. Elementos de trajetória dos entrevistados Elementos de trajetória

Número de respondentes

Extensão universitária

40

Pesquisa / Ensino

34

Movimento estudantil

32

Família

26

Estágio

24

Religião

18

Movimento social ou comunitário

17

Especialização / Pós-Graduação

13

Grupo representado

9

Trabalho voluntário

9

Movimento sindical

7

As experiências no âmbito universitário, que abarcam desde a dimensão do ensino e da pesquisa até iniciativas de extensão e o movimento estudantil, se revelaram as mais frequentes no grupo entrevistado pela pesquisa. Em especial no caso de entrevistados que, formados em direito ou ainda estudantes de direito, essas experiências são reputadas como responsáveis por uma maior aproximação dos respondentes, enquanto estudantes, de demandas sociais, de violações de direitos e de grupos e

movimentos organizados em torno dessas demandas e violações. A partir dessa aproximação ocorre uma maior politização do indivíduo, bem como um aprendizado sobre as necessidades de atuação em relação a determinados grupos e sobre estratégias de trabalho. As experiências de extensão universitária, em especial, aparecem como um primeiro aprendizado da advocacia de interesse público, ainda durante a graduação em direito. Experiências profissionais também contribuem neste sentido. Em especial, estágios em ONGs e no Ministério Público foram elementos relativamente frequentes nas trajetórias dos respondentes. Da mesma forma que as extensões universitárias, estas experiências de estágio foram relatadas como uma oportunidade de entrar em contato com certos problemas sociojurídicos e de conhecer técnicas e formas de atuação para buscar resolvê-los. A politização e o aprendizado de estratégias de atuação e mobilização referidos pelos entrevistados como decorrentes dessas influências se reflete, em grande medida, no perfil das entidades onde eles atuam. Tendo em vista que os entrevistados, em regra, atribuem o seu envolvimento com defesa de direitos às experiências de proximidade com comunidades, coletivos, grupos e movimentos sociais vulneráveis, a capilaridade das entidades de defesa de direitos não surpreende. Igualmente, a combinação de estratégias jurídicas – ou, sobretudo, a compreensão da atuação judicial como parte de uma gama de formas de atuação – pode ser identificada nas trajetórias dos entrevistados. Com frequência, os respondentes afirmam ter combinado, em sua história acadêmica e profissional, ativismo político com atuação técnica, explorando âmbitos institucionais e estratégias de mobilização que não estão restritos ao Judiciário ou ao direito. Identificamse, dessa forma, alguns dos vetores para a formação de defensores de direitos no Brasil e a sua relação com o tipo de trabalho que desenvolvem nas entidades onde atuam. 6. Tipos de advocacia de interesse público

A descrição dos perfis das entidades de defesa de direitos que compõem a amostra apontou para uma importante variedade de experiências, temáticas de atuação, estruturas e formas de organização, atividades e âmbitos de trabalho. Há grande diversidade no perfil das entidades entrevistadas quanto à sua estrutura interna (física e de pessoal): desde entidades comunitárias, que trabalham com voluntariado ou que

contam com integrantes que são, eles próprios, parte dos grupos a que visam defender as entidades, e com estrutura de funcionamento frágil (poucos contratados, advogados voluntários e esporádicos, sem financiamento fixo), até organizações com estrutura mais profissionalizada (assessoria de imprensa, grande número de contratados, advogados com dedicação exclusiva no corpo da entidade). Tabela 4. Perfil da composição da entidade Perfil de composição

Número de entidades

Estrutura composta exclusivamente de advogados e/ou estudantes de direito

26

Estrutura multidisciplinar

77

Entidades com pelo menos um advogado

80

Entidades sem advogados

23

Entidades com assessoria de imprensa

28

Entidades com funções administrativas

61

Como se viu, as entidades de defesa de direitos da sociedade civil costumam atuar em diversas frentes, junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e com frequência apostam em estratégias integradas para a mobilização de uma determinada demanda. A capacidade de atuação, tanto do ponto de vista quantitativo quanto em termos de alcance das ações, está relacionada à estrutura interna da entidade. Nas distintas frentes de atuação, as entidades mobilizam estratégias diversas, tais como litígio, litígio estratégico, advocacy, participação em conselhos e audiências públicas, mobilização social, lobby nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, estratégias de comunicação/mídia,

formação/educação/capacitação

popular,

consultoria

jurídica,

monitoramento de políticas públicas. Tabela 5 . Âmbito de atuação das entidades Âmbito

Número de entidades

Legislativo

84

Executivo

64

Conselhos

49

Especificamente com relação à atuação judicial das entidades, observou-se uma mudança de estratégia, valorizando a coletivização das demandas judiciais, em detrimento de uma advocacia client-oriented, que promovia ações judiciais individuais.

A coletivização manifesta-se não apenas no recurso das ações coletivas, mas também no das

individuais

com

potencial

coletivo

de

repercussão

(casos

exemplares,

paradigmáticos). Tabela 6 . Atividades jurídicas Atividade jurídica

Número de entidades

Orientação jurídica

33

Mediação e conciliação

6

Acompanhamento processual

20

Ação judicial individual

50

Ação judicial coletiva

34

Tabela 7 . Critérios de seleção de casos Critério de seleção dos casos

Número de entidades

Casos exemplares

26

Demanda

21

Temática

8

Mobilização social

7

A profissionalização das entidades de defesa de direitos é acompanhada pela definição clara dos limites de atuação das entidades, com relação a público atendido, tema. O aperfeiçoamento da atuação jurídico-judicial envolve o emprego de uma série de estratégias, além da judicial, tais como: articulação social, formação, advocacy, pesquisa, mídia e lobby judicial. Tabela 8. Combinação de estratégias Estratégia judicial combinada com:

Número de entidades

Articulação social

17

Formação

13

Advocacy

10

Pesquisa

10

Mídia

7

Lobby judicial

7

Os financiamentos internacional e nacional público revelaram-se os mais recorrentes nas entidades entrevistadas. Para a atuação judicial, recursos de fora do País são mais relevantes, tanto de fundações públicas quanto privadas. Outras atividades costumam ser financiadas por editais públicos de governos municipais, estaduais e federal. Em menor proporção, as entidades obtêm parte de seus recursos de doações

individuais ou a partir da prestação de serviços ou vendas de produtos da entidade. Dificuldades de financiamento são apontadas, de forma quase unânime, como um dos principais obstáculos à execução das atividades. Com frequência, são seis os fatores problemáticos ligados ao financiamento. Primeiro, a diminuição da disponibilidade de financiamento internacional. Muitos dos financiadores internacionais estão retirando financiamentos para entidades da sociedade civil, na medida em que o Brasil passou a ser considerado um país em um estágio mais avançado de desenvolvimento econômico e social, com capacidade de captação de recursos internos para o desenvolvimento de suas atividades. A redução do apoio internacional à área de litígio estaria relacionada, também, à percepção, por parte dos financiadores, de que a atividade poderia ser feita pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público. Segundo, a conjuntura econômica. A crise financeira internacional teria retirado grande parte da possibilidade de financiamento do Norte global, de onde, em geral, parte o financiamento internacional. Paralelamente, o fortalecimento da economia brasileira teria valorizado a moeda local, tornando o financiamento em moeda estrangeira menos rentável. Terceiro, a estrutura legal rígida e complexa imposta às organizações não governamentais para acessar o financiamento público nacional e para prestar contas. Quarto, a ausência de uma cultura de financiamento nacional, seja por pessoas físicas, seja por pessoas jurídicas. Quinto, a dificuldade de financiar determinados temas. Sexto, em particular no âmbito das ações jurídicas, as formas de financiamento são vistas como incompatíveis com a atividade de litígio, já que são, em regra, focadas em projetos de curto ou médio prazo, enquanto o litígio tem tempo indeterminado. Alguns entrevistados apontaram que a natureza do trabalho de assessoria jurídica (que raramente produz resultados concretos imediatos, em razão da demora judicial) e a sua imprevisibilidade também desestimulam financiadores, em especial internacionais. Tabela 9. Origem do financiamento das entidades Origem do financiamento

Número de entidades

Internacional (público ou privado)

68

Nacional público

68

Doações e contribuições

41

Produtos e serviços

21

Nacional privado

19

A partir das informações sobre os temas, atividades, estrutura, financiamento e estratégias de atuação das entidades entrevistadas, é possível identificar uma ampla variedade de experiências de mobilização jurídica na sociedade civil. A miríade de conceitos mobilizados pela literatura para caracterizar o tipo de trabalho dessas entidades (advocacia popular, advocacia de interesse público, litígio estratégico, advocacia pro bono, assistência judicial) mostra-se, assim, insuficiente para abarcar a complexidade desse campo de atuação. A mobilização jurídica é multifacetada, no Brasil, e quaisquer políticas públicas formuladas para este campo devem levar em conta a variedade de experiências, perfis e necessidades de atores tão distintos entre si. 7. MP e DP: o fator desenho institucional

A pesquisa identificou uma série de padrões de interação entre as entidades de defesa de direitos estudadas, o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública (DP), sendo que muitas dessas formas de relação eram comuns às duas instituições. Entre tais padrões comuns, podemos citar, primeiramente, o encaminhamento de casos das entidades de defesa de direitos para o Ministério Público (por meio de denúncias e representações) e para a Defensoria Pública. As entidades citaram como motivo para fazer os encaminhamentos, entre outros, (i) o fato de somente fazerem o trabalho de orientação jurídica e não entrarem com ações judiciais; e/ou (ii) o fato de que não têm estrutura (técnica, financeira, física) para atender o caso em questão; e/ou (iii) porque o caso foge da temática com a qual a entidade trabalha; e/ou (iv) porque só levavam para o Poder Judiciário casos paradigmáticos e não realizam atendimento individual e/ou porque acreditam que o peso institucional do Ministério Público e da Defensoria Pública podem colaborar para um desfecho positivo do caso. Para algumas das entidades, esse encaminhamento de casos para o Ministério Público e para a Defensoria Pública também é justificável na medida em que elas acreditam ser um dever do Estado e função das instituições fazer o atendimento individual ou coletivo aos cidadãos, promovendo, assim, o acesso à justiça. Este encaminhamento de casos também é uma forma de as entidades da sociedade civil levarem ao MP e à DP questões relevantes que estão ocorrendo no campo no qual elas trabalham. Assim, elas buscam fazer com que o MP e a DP atuem nos casos que elas consideram relevantes.

As entidades de defesa de direito apontaram que também realizam parcerias e articulações com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Essas parcerias e articulações podem se dar tanto na forma de reuniões ou seminários promovidos pelo MP e DP para discussão de casos (e que em alguns conta também com a presença de grupos com os quais as entidades trabalham) como pela transferência de informações da sociedade civil para embasar ações do MP e da DP. Outro importante padrão de interação entre as entidades da sociedade civil e o Ministério Público e Defensoria Pública são as diversas formas de atuação judicial conjunta e a divisão de trabalho para a proposição de uma ação ou durante o seu processamento (em geral, as entidades entrevistadas coletam informações e documentos com a comunidade ou grupo com quem trabalham para embasar as ações do MP e DP). A participação em audiências públicas ou eventos organizados pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública é outra for ma importante de interação entre tais instituições e as entidades da sociedade civil. Em alguns casos, ocorre o contrário, quando as entidades é que organizam eventos e contam com a participação de promotores, procuradores e defensores. O mesmo intercâmbio pode acontecer com cursos de formação organizados pelo MP e pela DP para as entidades e vice-versa. Ambas as instituições também realizam convênios de diversos tipos com as entidades de defesa de direitos. As entidades também buscam influenciar a agenda temática do MP e da DP, por meio de encaminhamento de casos ou por meio de participação em grupos temáticos, debates e articulações com a sociedade civil e com outros órgãos do Estado e a tentativa de sensibilização dos membros do MP e da DP. Finalmente, uma importante forma de interação é a mediação feita pelas entidades de defesa de direitos entre movimentos sociais, comunidades e grupos com os quais elas trabalham e o Ministério Público e a Defensoria Pública. Tais entidades, por sua capilaridade na sociedade conseguem identificar questões, problemas e violações de direitos que não são visíveis para o MP e a DP. Assim tais entidades fazem a conexão entre tais movimentos sociais, grupos e comunidades com as quais elas trabalham, levando suas questões para tais instituições. As entidades de defesa de direito também articulam a mobilização social em torno de demandas, atuando de forma mais ampla e politizada. Os pontos da relação entre as entidades e o MP e a DP que não coincidem, são no que diz respeito ao MP, o seu antagonismo em relação a algumas das entidades

entrevistadas, principalmente aquelas que atuam com a temática da terra e de questões criminais e, no caso da DP, toda a luta pela criação e fortalecimento das Defensorias Públicas, realizada pela sociedade civil. De maneira geral, os entrevistados acreditam que a Defensoria está mais próxima das entidades da sociedade civil, e é também mais acessível do que o Ministério Público. No que diz respeito ao desenho institucional das entidades, a pesquisa constatou por meio das entrevistas que a existência de núcleos ou câmaras especializadas no Ministério Público e Defensoria Pública facilita a interação das entidades da sociedade civil com estas instituições. Contudo, a relação entre a pessoa do promotor, procurador e defensor e a entidade é determinante para que a interação ocorra. Assim, afinidades políticas e ideológicas podem favorecer a interação, assim como oposições podem inviabilizá-la completamente. Os entrevistados também apontaram que um importante elemento no desenho institucional tanto da Defensoria Pública como do Ministério Público é a existência de ouvidorias externas independentes. As entidades criticaram também uma falta de formação em direitos humanos mais aprofundada dos promotores, procuradores e defensores. Além disso, as audiências públicas e demais eventos realizados pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública para o diálogo com a sociedade civil, assim como a apresentação do planejamento anual das instituições nestas datas, foi indicado nas entrevistas como um importante canal de diálogo com as entidades de defesa de direitos. Outro ponto bastante assinalado foi o de que a Defensoria Pública, em muitos estados, tem uma grande deficiência de pessoal e uma infraestrutura limitada. Este fator foi apontado pelos entrevistados como um importante limitador da relação entre a Defensoria e as entidades da sociedade civil. Dado o exposto, pode-se dizer que foram identificadas diversas e importantes formas de interação entre o Ministério Público, a Defensoria Pública e as entidades de defesa de direitos entrevistadas. A pesquisa também captou percepções e avaliações das entidades a respeito das instituições. E, finalmente, foram apontados elementos do desenho institucional do MP e da DP que facilitam ou bloqueiam a interação das entidades de defesa de direitos com eles. Tais informações poderão ser usadas para promover e aperfeiçoar as formas de interação aqui expostas.

Apêndice I: Lista de entidades entrevistadas

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