Moda e Processo

June 2, 2017 | Autor: C. Santarelli | Categoria: Fashion Theory, Consumer Behavior, Young People, Advertisement, Fashion
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Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes

Moda e Processo: O consumo da moda entre jovens residentes na periferia da cidade de São Paulo.

Christiane Paula Godinho Santarelli

Área de concentração: Relações Públicas, Propaganda e Turismo. Linha de pesquisa: Publicidade, Moda e Produção Simbólica. Orientador: Professor Doutor Victor Aquino

São Paulo, 2002

Universidade de São Paulo

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Escola de Comunicações e Artes

Moda e Processo: O consumo da moda entre um grupo de adolescentes residentes na periferia da cidade de São Paulo. Por:

Christiane Paula Godinho Santarelli Sob orientação do

Professor Doutor Victor Aquino

Dissertação de Mestrado apresentada como parte dos créditos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências da Comunicação do programa de PósGraduação em Ciências da Comunicação. Área de Relações Públicas, Propaganda e Turismo, Linha de Pesquisa, Publicidade, Moda e Produção Simbólica, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

São Paulo, 2002.

3 Dissertação de Mestrado defendida Em____de_______de______.

Perante banca examinadora Constituída pelos professores:

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Aos meus pais Euly e Duda

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Agradecimentos ________________________________________________________________________________________

Agredeço a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa doEstado de São Paulo) pela concessão de uma bolsa de estudos de mestrado de 2 anos e de recursos para a execução deste projeto. Agradeço à banca examinadora pela atenção dedicada à leitura do meu texto e por todo encorajamento dado na banca de qualificação. A minha mãe, que além de incentivadora incodicional, foi minha principal “informante” sobre os jovens da periferia em sua experiência de mais de 10 anos de aos mesmos e mais de 35 anos de trabalho e dedicação ao magistério. A Adonay, cuja ajuda foi fundamental e determinante para a estruturação do projeto inicial e a todos amigos da pós-graduação da ECA. Ao meu orientador Victor Aquino e aos professores Ivan Santo Barbosa, Elza Ajemberg e outros tantos que em suas aulas me estimularam à encontrar alguns caminhos. Aos funcionários da secretaria de pós-graduação e do CRP , especialmente à Rosa. Aos alunos e funcionários da escola Roberto Mange que sem seus depoimentos seria impossível atingir alguns dos objetivos do projeto. E finalmente, a Reynaldo mesmo estando tão longe, e tão perto, sempre me deu apoio, ouviu minhas incertezas e vibrou com minhas pequenas conquistas cotidianas.

6 “EU, ETIQUETA” Carlos Drummond de Andrade Em minha calça está grudado um nome Que não é meu de batismo ou de cartório Um nome... estranho Meu blusão traz lembrete de bebida Que jamais pus na boca, nessa vida, Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto Que nunca experimentei Mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido De alguma coisa não provada Por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Minha gravata e cinto e escova e pente, Meu copo, minha xícara, Minha toalha de banho e sabonete, Meu isso, meu aquilo, Desde a cabeça ao bico dos sapatos, São mensagens, Letras falantes, Gritos visuais, Ordens de uso, abuso, reincidências, Costume, hábito, premência, Indispensabilidade, E fazem de mim homem-anúncio itinerante, Escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda. É duro andar na moda, ainda que a moda Seja negar a minha identidade, Trocá-la por mil, açambando Todas as marcas registradas, Todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser Eu que antes era e me sabia Tão diverso de outros, tão mim mesmo, Ser pensante sentinte e solitário

Com outros seres diversos e conscientes De sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio Ora vulgar ora bizarro, Em língua nacional ou em qualquer língua (Qualquer principalmente). E nisto me comprazo, tiro glória De minha anulação. Não sou – vê lá – anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago Para anunciar, para vender Em bares festas praias pérgulas piscinas, E bem à vista exibo esta etiqueta Global no corpo que desiste De ser veste e sandália de uma essência Tão viva, independente, Que moda ou suborno algum a compromete. Onde terei jogado fora Meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais, Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar, Cada vinco da roupa Sou gravado de forma universal Saio da estamparia, não de casa, Da vitrine me tiram, recolocam, Objeto pulsante mas objeto Que se oferece como signo de outros Objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mas artigo industrial, Peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente.

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Sumário _______________________________________________________________________________________

Sumário_______________________________________________________________________7 Resumo_______________________________________________________________________9 Abstract______________________________________________________________________10 Capítulo I – Apresentação do estudo. 1.1 – Problema_________________________________________________________________11 1.2 – Justificativa_______________________________________________________________11 1.3 – Objetivos_________________________________________________________________12 1.4 – Metodologia______________________________________________________________13 1.5 – Estrutura_________________________________________________________________16 Capítulo II - Aspectos do entorno social e econômico relacionado à moda. 2.1 – A modernidade e as origens do contemporâneo_______________________________19 2.2 – Cultura de consumo e distinções____________________________________________21 2.3 – Grupos de afinidade ______________________________________________________27 2.4 – A estratificação social do consumo e a globalização____________________________32 2.5 – Dos contrastes nacionais ao mosaico paulistano_______________________________36 Capítulo III - A moda – história e mercado. 3.1 – Cruzamentos entre comunicação, sociologia e moda___________________________41 3.2 – A moda e seu desenvolvimento até o final do século XIX _______________________45 3.3 – A popularização e o surgimento da moda jovem_______________________________56 3.4 – Aspectos do mercado brasileiro de vestuário __________________________________71 3.5 – Aspectos históricos e econômicos da moda em São Paulo _______________________78 Capítulo IV - A publicidade e a moda. 4.1 – Relações entre a publicidade, a moda e os meios de comunicação de massa________85 4.2 – O imaginário e a publicidade de moda _______________________________________93 4.3 – Sedução, luxo e supérfluo___________________________________________________95 4.4 – O mercado da revistas femininas jovens e uma análise da publicidade da moda para adolescentes___________________________________________________________________98 4.5 – Uma análise dos editoriais de moda das revistas femininas adolescentes_________114 Capítulo V – O mercado juvenil e o consumo de moda. 5.1 – Comportamento de consumo dos jovens_____________________________________119 5.2 – Espaços públicos e locais de convergência ___________________________________126 5.3 – O consumo de marcas falsificadas _________________________________________129 5.4 – As tribos urbanas e seu vínculo com a moda dos jovens da periferia ____________136 5.5 – Os discursos da moda entre os adolescentes do grupo estudado ________________142

8 Capítulo VI - Apresentação da sondagem de campo: O consumo da moda por adolescentes residentes na região periférica da cidade de São Paulo. 6.1 – Apresentação da sondagem de campo_______________________________________ 6.2 – Descrição da metodologia utilizada_________________________________________ 6.3 – Sumário executivo________________________________________________________ 6.4 – Conclusões analíticas______________________________________________________ 6.5 – Qualificação da amostra____________________________________________________ Capítulo VII Considerações finais _____________________________________________________________ Suporte Bibliográfico. 8.1 – Livros consultados e utilizados como suporte bibliográfico_______________________ 8.2 – Reportagens e artigos selecionados de jornais e revistas__________________________ 8.3 – Dissertações e teses consultadas_______________________________________________ 8.4 – Webgrafia_________________________________________________________________ 8.5 – Bibliotecas visitadas________________________________________________________ Anexos. Modelo de formulário estruturado_________________________________________________

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Resumo ________________________________________________________________________________________

Moda e Processo. Esta dissertação busca conhecer alguns dos mecanismos que fazem funcionar as engrenagens da moda. O problema do estudo reside em analisar alguns dos aspectos sociais, mercadológicos e comunicacionais de um dos principais sistemas de manutenção da sociedade capitalista. Como objeto específico de pesquisa utilizou-se um grupo de adolescentes moradores de uma região periférica da cidade de São Paulo. Uma investigação do consumo da moda entre jovens de baixa renda engloba discussões de temas centrais da contemporaneidade como a cultura de consumo, os mecanismos de distinções entre diferentes grupos sociais e o fenômeno de estetização da vida cotidiana. O interesse pelo grupo se justifica pelo fato deste usar a moda como um meio de expressão cultural e pertencimento social mesmo possuindo uma disponibilidade financeira restrita. O caminho escolhido para a realização da proposta de trabalho, além do levantamento de dados secundários entre material hemerográfico e bibliográfico, foi uma sondagem de campo realizada com estudantes da faixa etária entre 15 e 17 anos das classes sociais C e D a fim de conhecer seus hábitos e preferências quando consomem artigos de vestuário.

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Abstract ________________________________________________________________________________________

Fashion and Process. This dissertation is regarding the knowledge of some mechanisms that make the fashion’s gears work. The scope of this study is to know and to analyze some social, mercadological and communicational aspects of one of the principal capitalist’s society systems of maintenance. Adolescents living in São Paulo’s periphery are the object of this research. An investigation about fashion’s consumption among teenagers with low income involves discussions of central themes of the contemporary life, like the culture of consumption, the distinctions mechanisms on different social groups and the phenomenon of daily life aesthetization. The interest for this specific group is justified for their use of fashion as a way of cultural expression and social belongness while possessing a restricted financial resource. The work proposal of this study was a field research with students aging between 15 and 17 years from C and D social segments in order to know their preferences and consumption habits. Secondary data was used from bibliographical and hemerographical sources.

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Capítulo I Apresentação do Estudo ________________________________________________________________________________________

1.1 - Assunto e problema da investigação científica A moda e a publicidade são duas forças catalisadoras da economia capitalista que provocam desejos e criam necessidades. Através do estudo do consumo da moda pode-se conhecer diversos aspectos da sociedade contemporânea como as relações entre diferentes grupos sociais, as distinções e a influência dos apelos comunicacionais exercidos através dos meios de comunicação de massa com o intuito de divulgar novidades. O principal interesse deste trabalho é analisar alguns dos aspectos mercadológicos, sociais e comunicacionais envolvidos no consumo da moda e verificar se os meios de comunicação de massa e os grupos de referência influenciam esse consumo entre os jovens moradores da periferia da cidade de São Paulo. A escolha desse grupo, em específico, se deve ao fato de seus membros estarem expostos a inúmeras pressões sociais e conflitos internos como o pertencimento, ou não, a determinados grupos socioculturais, o prestígio pessoal e ainda a falta de recursos econômicos.

1.2 – Justificativa Este trabalho nasceu do interesse na moda e do estudo das relações simbólicas surgidas no seu consumo. As distinções feitas através do uso de bens simbólicos, incluindo o vestuário, são imprescindíveis para a classificação e a sinalização de pertencimento nos diversos grupos sociais que circulam nas metrópoles contemporâneas. Esses grupos estão vinculados a diferentes estilos de vida e balizados pelo consumo de mercadorias materiais e culturais. A publicidade se encarrega da disseminação de novos produtos, agindo como força para a substituição do velho (fora de moda) pelas novidades (que portam a garantia da manutenção das distinções entre classes). Quando existe o desejo da inclusão em certas

12 categorias de consumo, estimulado principalmente pelos meios de comunicação e pela publicidade, mas os recursos são escassos há a geração de inúmeros conflitos. Assim, determinou-se como objeto de estudo o consumo da moda pelos jovens menos favorecidos, pois sobre eles incidem inúmeras forças sociais que permitem reflexões sobre o consumo na sociedade contemporânea e da moda, que permite variações dentro de categorias vinculadas ao gosto pessoal, ao pertencimento de grupos e até mesmo uma crítica à sociedade de consumo quando o estilo sugere roupas propositadamente velhas (“retrô”) ou fora do sistema da moda (hippie e punk). Outro aspecto importante a ser focado pela investigação proposta é da força dos meios de comunicação de massa na indução de comportamentos de compra e sua influência no consumo de novidades.

1.3 – Objetivos Geral •

Investigar alguns dos processos que influenciam os hábitos de consumo da moda entre jovens paulistanos moradores de periferia, pertencentes às classes sociais C e D, no período de 1998 a 2002.

Específicos •

Verfificar algumas influências culturais e sociais no consumo da moda do grupo escolhido.



Identificar alguns conflitos sociais gerados pela moda e da relação entre marcas e falsificações.



Estudar os argumentos utilizados nos anúncios para o convencimento no consumo da moda.

13 1.3 – Metodologia de trabalho

a) Levantamento bibliográfico: Estudo exploratório para levantamento de dados secundários.

b) Levantamento hemerográfico: Estudo exploratório para levantamento de dados secundários em publicações de interesse geral: Revista Veja, e jornais O Estado de S. Paulo e A Folha de S. Paulo. Realizou-se também uma pesquisa entre publicações da imprensa profissional de moda e do comércio varejista para a obtenção de dados sobre o mercado e a indústria nacional de vestuário. Dados coletados na Internet constituíram uma fonte adicional de informações.

c) Sondagem empírica I: Análise da publicidade e editoriais de moda de publicação voltadas para o público adolescente escolhidas pelas maiores tiragens e adequação à pesquisa. A mídia impressa foi utilizada pelo fato de possuir uma cobertura significativa dos indivíduos que correspondem ao recorte da pesquisa. Além disso, os anúncios podem ser manipulados com facilidade. Conforme levantamento preliminar realizado não foi constatada a existência de publicações de interesse geral destinados ao público adolescente masculino. As publicações que atingem parte deste público são muito segmentadas, possuindo um público específico constituído por “membros de tribos” ou simpatizantes como surfistas, rappers, skatistas etc. Assim, os anúncios publicados para cada “tribo” tem uma estética e uma linguagem peculiar dificultando a construção de um mapeamento geral dessas publicidades e a criação de modelos e categorias para uma análise específica. Optou-se então em trabalhar somente com as publicações femininas para o segmento jovem por atingirem um público geral e possuir um tipo de publicidade mais homogêneo. Os títulos de revistas que compõem o corpus deste trabalho se encontram no segmento das revistas femininas destinadas ao público adolescente. Para a análise da

14 publicidade de moda veiculada foram escolhidos três títulos conforme o critério das maiores tiragens médias por edição segundo o Índice de Veiculação e Circulação (IVC).

Título

Periodicidade

Capricho Atrevida TodaTeen

Quinzenal Mensal Mensal

Média por Edição (Mil) 1998 1999 2000 153 111 72

147 100 71

177 93 72

Fonte: Mídia dados 2001 – IVC.

Os anúncios impressos destas publicações formam o corpus de trabalho, composto pelos anúncios de artigos de moda (roupas, calçados e acessórios) publicados nos meses de dezembro de 2001, janeiro, fevereiro e março de 2002 nas revistas Capricho, Todateen e Atrevida. Uma das dificuldades do estudo está no volume de produção publicitária envolvida. Uma maneira encontrada para tornar a proposta de análise exeqüível foi “fotografar” um período pequeno dentro das publicações e refletir sobre este trecho temporal. Como metodologia de análise dos anúncios foi realizada uma coleta de todos os anúncios pertencentes ao corpus de trabalho no período determinado. A análise de todos os anúncios publicados seria uma tarefa que exigiria tempo e geraria um grande volume de informação que na maioria dos casos seria de conteúdo repetitivo, pois há uma saturação das fórmulas. Optou-se então em observar todos os anúncios envolvidos no período determinado e eleger modelos que se relacionem com os aspectos teóricos discutidos na dissertação. Após uma observação minuciosa foram eleitas categorias de anúncios. Em todos os anúncios selecionados os itens verificados foram: 1 - Produto anunciado. 2 – Segmento. 3 – Publicação em que foi veiculado o anúncio. 4 - Imagem. 5 - Texto. Para a análise dos editoriais de moda das publicações anteriormente citadas foi efetuada uma análise do mesmo período das publicidades. Buscou-se assim estabelecer

15 relações entre os editoriais, as publicidades veiculadas e as matérias publicadas nos títulos escolhidos.

d) Sondagem empírica II: Sondagem de campo realizada através de entrevistas pessoais com o uso de formulário estruturado. O objetivo geral da pesquisa é conhecer alguns dos hábitos de consumo da moda por adolescentes residentes na região periférica da cidade de São Paulo. Os objetivos específicos são: identificar o critério de principal na compra de uma roupa, descobrir alguns dos hábitos e os locais de compra de artigos de moda, averiguar a influência dos meios de comunicação de massa e da publicidade no consumo da moda, verificar a influência dos grupos de referência nas escolhas, identificar as marcas mais conhecidas entre o grupo estudado e examinar o consumo de marcas “falsificadas”. O público entrevistado foi composto por adolescentes do sexo feminino residentes na região periférica da cidade de São Paulo com faixa etária entre 15 e 17 anos, pertencentes às classes C e D, conforme critério da Associação Brasileira de Anunciante (ABA) e Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME), a classificação sócio econômica é feita através da somatória dos pontos referentes à posse de bens em cada domicílio e no grau de instrução do chefe da família. A faixa etária, estabelecida entre 15 e 17 anos, é justificada por ser um recorte utilizado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) em pesquisas referentes a hábitos, posses e consumo de bens. Determinou-se que o grupo em especial a ser estudado pertence aos estudantes do nível II e supletivo da Escola Municipal Professor Roberto Mange, localizada no Jardim Éster, Zona Oeste de São Paulo, área distrital do Rio Pequeno. A localidade foi escolhida devido à presença do grupo determinado como alvo da sondagem de campo e também pela facilidade de trânsito na escola, tanto no acesso à direção e coordenação escolar quanto aos alunos que foram entrevistados. Com isso ficou delimitado que a sondagem foi efetuada com uma amostra de conveniência justificada com a introdução do acaso através de sorteio das entrevistadas pelas listas de chamada das classes.

16 Foi utilizada uma amostra 40 indivíduos (assim estabelecida conforme critérios estatísticos que justificam esse número por tornar a sondagem viável tanto na questão do tempo de execução quanto com relação aos custos envolvidos). A validação do formulário estruturado foi realizada no dia 26/02/2002 com uma amostra de 5 formulários. O período da coleta de dados usando o formulário estruturado validado foi realizado entre os dias 04 e 22 de março de 2002. A apresentação dos resultados de pesquisa foi feita através de relatório com apresentação de resultados por pergunta com o uso de tabelas e de gráficos.

e) Estudo observacional: Para complementar o desenvolvimento da dissertação foi efetuado um acompanhamento das vitrines de lojas populares, dos produtos encontrados nesses estabelecimentos comerciais e das mercadorias comercializadas por vendedores ambulantes. Este procedimento forneceu informações importantes sobre os canais de distribuição da moda popular na cidade e da sua possível semelhança com a moda encontrada em lojas destinadas a outros segmentos econômicos. A observação dos jovens que circulam na cidade e de sua vestimenta serviu para a confirmação, ou não, das respostas dadas pelo grupo de entrevistados “humanizando” os dados colhidos na sondagem de campo. É importante destacar que este estudo obsevacional surgiu como uma decorrência da curiosidade da pesquisadora em verificar a realidade cotidiana na cidade de São Paulo e do seu comércio do setor de vestuário assim, uma metodologia precisa de análise não foi utilizada.

1.5 – Estrutura. O capítulo inicial da dissertação visa explicar o contexto em que a moda se impôs como uma das principais forças da economia contemporânea. O objetivo é mostrar a conjunção de fatores que a colocaram, juntamente com publicidade, no centro de uma sociedade voltada para o consumo. As mudanças sociais e econômicas se intensificam a partir do pós Segunda Guerra Mundial causadas principalmente pelo desenvolvimento de novas tecnologias e da

17 expansão dos meios de comunicação. Houve um aumento gradativo e constante do consumo de bens industriais e culturais. O fortalecimento da moda, e sua conseqüente “popularização”, encontra raízes no aparecimento da racionalidade industrial e na expansão dos mercados consumidores. Mas, é a partir de uma nova maneira de viver o cotidiano que ela passa com seus ciclos intermináveis a determinar novas relações simbólicas e sociais. Inicialmente não foi dado um enfoque exclusivista sobre a moda, mas sobre aspectos de uma cultura de consumo nascida na modernidade e desenvolvida na chamada pós-modernidade contemporânea. A contextualização de mudanças sociais ocorridas no capitalismo tardio permitirá uma melhor compreensão do fenômeno e da sua importância na sociedade atual. No capítulo seguinte, cujo título é “Moda: história e mercado”, buscou-se traçar um breve histórico da moda no Ocidente e no Brasil passando por considerações sobre as possíveis explicações do uso do vestuário, a teoria das necessidades e da formação dos ciclos da moda. O primeiro tópico abordado é de algumas relações entre a moda, a sociologia e a comunicação, já que esta dissertação tem o seu referencial teórico sobre a interseção dessas áreas do conhecimento humano. O tema desenvolvido na sequência é uma breve história da moda no ocidente. Na história da moda é possível encontrar o desenvolvimento das relações entre os diferentes grupos sociais e o vestuário. Assim, conceitos como a distinção social e o pertencimento a determinados grupos são sinalizados como o uso de certos tipos de roupa. O estudo da moda no século XX aponta sua trajetória de popularização que deixou de ser um privilégio da elite e se firmou como vetor da atividade econômica e veículo de manifestações de cunho ideológico. O desenvolvimento da moda jovem é calcado em profundas transformações sociais que passaram a ocorrer a partir do período seguinte à Segunda Grande Guerra, mudanças discutidas no capítulo anterior. A moda constitui parte do reflexo dessas mudanças, onde os jovens são os primeiros a assimilar as inovações. Os acontecimentos no exterior acabam influenciando a moda no Brasil e este passa de mero copista a criador de moda no final do século XX. O mercado brasileiro de vestuário é tratado em um tópico em separado buscando-se, na medida do possível, dados atualizados sobre o setor. Repetindo a estrutura usada no segundo capítulo, foram aproximados os assuntos abordados ao contexto paulistano.

18 Na seqüência está o capítulo IV tratando das relações entre a publicidade e a moda. Este capítulo teve como ponto de partida a discussão da publicidade como vetor da divulgação de novas modas e elemento validador do consumo simbólico. A moda é anterior à publicidade, entretanto ela depende de campanhas de divulgação para enfatizar suas renovações, estimular seu consumo e fazer parte do imaginário da humanidade. Nesta parte do trabalho discute-se questões relativas às influências dos meios de comunicação no consumo da moda e das relações entre a moda e a publicidade. Este capítulo também inclui a análise da publicidade de moda veiculada para o público feminino-juvenil em revistas destinadas a este segmento da sociedade e dos vínculos da publicidade com os editoriais de moda. A quinta divisão da dissertação trata especificamente do consumo de moda no mercado juvenil. Inicialmente buscou-se informações sobre alguns comportamentos de consumo do jovem em geral. Foram utilizados dados de pesquisas que incluem a relação do jovem com os meios de comunicação de massa, com o consumo e a publicidade. Este capítulo teve forte influência da sondagem de campo e por isso determinou-se como assuntos pertinentes a ele a relação do jovem com o espaço do shopping center, o consumo de artigos de marcas falsificadas, as tribos urbanas e o seu vínculo com a moda jovem. Para finalizar o capítulo busca-se estabelecer alguns dos possíveis discursos da moda usada pelos jovens pertencentes ao grupo estudado, isso foi possível usando-se como material de análise uma série de fotografias tiradas no locus da sondagem empírica. O trabalho encerra-se com a análise de dados da sondagem empírica realizada através de formulário estruturado com 40 adolescentes da faixa etária entre 15 e 17 anos residentes em uma área periférica de São Paulo. As constatações finais do estudo são apresentadas em um capítulo à parte.

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Capítulo II Aspectos do Entorno Social e Econômico Relacionado à Moda _______________________________________________________________ 2.1 – A modernidade e as origens do contemporâneo Antes de entrar mais a fundo na questão da pós-modernidade1, admitindo-se que ela exista, é preciso primeiro definir o que é a modernidade.2 A modernidade se inicia aproximadamente na metade do século XV3, talvez um pouco antes, com o Renascimento das artes e do comércio. As principais mudanças sociais foram: o constante fluxo de trabalhadores do meio rural para o urbano, o aparecimento dos Estados Nacionais, o colonialismo e as revoluções sociais. Em sua fase mais avançada, nos séculos XIX e XX, prevaleceu o grande progresso das sociedades capitalistas proporcionado

pela

industrialização

e

o

desenvolvimento

das

ciências

e

das

comunicações. Surgiram as metrópoles, acolhendo burgueses e operários, inseridas em uma sociedade voltada para a produção e o consumo de bens massificados. Em termos de ideologia, a modernidade pregou a crença em um progresso e a valorização da racionalidade humana como produtora do mesmo (o movimento Iluminista colocou o homem no centro decisório do seu destino em detrimento da autoridade Divina).

1

“Para evitar confusões, até mesmo alguns autores como Lyotard, após terem celebrado o advento da sociedade “pós-moderna”, tornam-se mais cautelosos. Revendo a sua posição anterior ele dirá: “nem a modernidade nem a chamada pós-modernidade podem ser identificadas e definidas como entidades históricas claramente circunscritas, a segunda vindo sempre depois da primeira. Pelo contrário, é preciso dizer que o pós-moderno já se encontra implicado no moderno...a modernidade está grávida de pós-modernidade”. Talvez fosse mais correto dizer que nos encontramos diante de uma “sobremodernidade”, uma configuração social que se projeta para “além” da anterior mas que se constrói a partir dela.” Ortiz, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 68. 2 “No século quinto, o termo latino modernus foi usado para distinguir o cristão oficial presente do romano pagão do passado. Mas o Iluminismo francês firmou o termo mais como o utilizamos até hoje. Os philosophes enunciaram que a disputa entre os anciens e os modernes estava sendo resolvida em favor dos últimos.” Lyon, David. Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998, p. 35. 3 “(...) a Europa moderna sai da crisálida medieval ao perder o mundo (queda de Bizâncio, 1453), ao descobrir o Novo Mundo (1492) e ao mudar o mundo (Copérnico, 1473-1543).” Morin, Edgar. Cabeça Bem Feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 70.

20 As

cidades,

lugar

onde

as

indústrias

se

desenvolveram,

cresceram

desordenadamente com o exército de camponeses atraídos pela promessa de uma condição melhor de vida, assim nasceram a multidão e a sociedade de massas4 (principalmente compostas por pessoas de baixa renda). Nas grandes metrópoles as relações interpessoais ficaram mais restritas em relação às pequenas cidades e ao mundo rural. Métodos administrativos e produtivos foram desenvolvidos para incrementarem a produção de mercadorias e lucros. O trabalho operário teve suas tarefas racionalizadas e divididas, para que houvesse total aproveitamento da mão-de-obra mal remunerada. O controle (da produção, dos trabalhadores, das pessoas que andam pelas ruas, dos dementes etc...) passou a ser uma obsessão moderna. O poder cotidiano escapou das mãos nobres e desde então é exercido por burocratas, “chefes” e proprietários industriais. O capitalismo de produção, nascido na modernidade, visava amealhar o maior número de consumidores para seus produtos massificados sem primar-se pela qualidade dos mesmos. O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e da publicidade ajudou a incrementar a demanda por produtos que antes não faziam parte do consumo de muitos estratos da sociedade. Esse “consumismo” nascente fez com que esse modelo econômico se perpetuasse até os dias atuais, salvo algumas diferenças, onde a compra de mercadorias traz consigo promessas de felicidade.5 Muitos autores falam na pós-modernidade6 como sendo um período de superação da modernidade dentro da esfera dos assuntos sociais7. Outros são mais cautelosos e 4

“(...) a violenta conversão dos resíduos da propriedade comunal medieval em propriedade privada dos senhores feudais. Na Inglaterra esta privatização se relaciona com o conceito de enclosures (cercados) que significa a cerca da pradaria, comunitárias até então, excluindo os camponeses de seu uso. Os cercados tinham sido considerados como uma revolução dos ricos contra os pobres... A estrutura social caiu desprezada, as aldeias desertas, e a ruína das casas davam o testemunho da crueldade com aquela que se desencadeava a revolução... A população caiu dizimada... atormentada, convertida de camponeses honestos em uma horda de mendigos e ladrões. Este processo, que tomou lugar sobre todo o século XVII, criou a propriedade capitalista da terra e a população excedente, o exército de mendigos do qual se recrutaria, no próximo grande impulso transformador, a primeira leva da moderna classe assalariada. Este passo seguinte, fomentado durante os séculos XVIII e XIX, provocou uma devastação sem precedentes nas condições de vida do povo simples...As pessoas do campo se tornaram habitantes descamisados de favelas, a família sofria um processo de desagregação, grandes superfícies de terreno desapareciam rapidamente sob os restos e os montes de lixo vomitados pelos “moinhos do diabo”, as fábricas”. Polanyi, Karl citado. In: Haug, Wolfgang Fritz. Publicidad y Consumo. México: Fondo de Cultura, 1993, pp 76 e 77 (Tradução da autora). 5 “(...) o miraculoso do consumo serve de todo um dispositivo de objetos simulacros e de sinais característicos da felicidade, esperando em seguida (no desespero, diria um moralista) que a felicidade venha ali pousar.” Baudrillard, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 21. 6 O termo pós-modernidade está ligado aos aspectos sociais e econômicos da sociedade enquanto que pósmodernismo tem o seu vínculo com o campo das artes em geral, em contraponto ao modernismo.

21 dizem que as duas conceituações coexistem8, e há ainda aqueles que não aceitam a idéia, como Jürgen Habermas, dizendo que a pós-modernidade não é nada mais senão uma nova dialética do Iluminismo, para ele a modernidade é um projeto inacabado.9 A pós-modernidade, também chamada de pós-industrialismo ou como Frédric Jameson preferiu definir capitalismo tardio10, recebe essas outras denominações devido às mudanças sofridas pela sociedade, que passou a ter seu direcionamento econômico e social não mais prioritariamente para a produção mas sobretudo para o consumo de bens simbólicos e de serviços. Outra mudança foi a intensificação dos fluxos de informações midiáticas e das novas tecnologias de comunicação que permitiram o encurtamento das distâncias e a redefinição de barreiras culturais e físicas.

2.2 - Cultura de consumo e distinções A ênfase dada à “cultura de consumo”11, fortalecida pela mídia, é uma das características da pós-modernidade que após a Segunda Grande Guerra12 tornou-se o fio condutor da sociedade, sustentando a economia e fazendo com que o consumo habitasse lugar de destaque na vida cotidiana. Houve um deslocamento da produção de bens materiais, cada vez mais segmentados para mercados específicos, ao invés da produção massificada do período anterior. O contínuo crescimento econômico do setor terciário, aliado ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação, contribuiu para que ocorressem mudanças significativas nos padrões de consumo e estilos de vida dos mais variados lugares. Para estimular a compra de mercadorias, a publicidade se mostrou uma ferramenta eficaz tornando-se cada vez mais ousada e sedutora (apesar de ter sua origem na modernidade ela encontrou seu pleno desenvolvimento na pós-modernidade). Outras ferramentas de marketing também se 7

Fredric Jameson e David Harvey. Zygmunt Bauman e Mike Featherstone. 9 Opinião compartilhada pelo sociólogo Antony Giddens. 10 Jameson, Fredric. Pós-Modernismo, a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Editora Ática, 1996. 11 “Usar a expressão “cultura de consumo” significa enfatizar que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação são centrais para a compreensão da sociedade contemporânea.” Featherstone, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p. 121. 12 Como Fredric Jameson coloca de maneira específica: “Esse novo momento do capitalismo pode ter a sua datação no surto de crescimento do pós-guerra nos Estados Unidos, no fim da década de 1940 e início dos anos cinqüenta (...)”. Jameson, Fredric. “O Pós-Modernismo e a Sociedade de Consumo”. In: VVAA, O Mal Estar no Pós-Modernismo. Organizado por Ann E. Kaplan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1993, p. 27. 8

22 especializaram em fornecer argumentos para que vida cotidiana fosse intensamente marcada e vivida em função do consumo. A obsolescência planejada dos produtos e a imposição da substituição prematura baseada no ciclo da moda e sobretudo pela publicidade veiculada nos mass media, atuaram de forma vigorosa para que a cultura do consumo se tornasse hegemônica na sociedade capitalista. “Vetor estratégico da redefinição do modo de vida centrado no consumo e nos lazeres, a publicidade contribuiu para desqualificar a ética da poupança em favor da do dispêndio e do gozo imediato”13. A publicidade mobiliza o consumidor para viver o momento sem pensar em conseqüências futuras. Baudrillard, desde a sua fase estruturalista, sempre denunciou esse caráter “malévolo” da publicidade e da moda baseadas na retórica obsolescência programada: “Sabe-se ainda que a ordem da produção não sobrevive a não ser ao preço de semelhante extermínio de perpétuo “suicídio” calculado do parque dos objetos, e que tal operação se baseia na “sabotagem” tecnológica ou no desuso organizado sob o signo da moda. A publicidade realiza um prodígio de um orçamento considerável gasto com um único fim, não de acrescentar, mas de tirar valor de uso dos objetos, de diminuir o seu valor/tempo, sujeitando-se ao valor/moda e à renovação acelerada.”14 Essa cultura do consumo desenvolvida na pós-modernidade tem origem conforme a análise de Jameson no pós-modernismo. No ensaio “O Pós-Modernismo e a Sociedade de Consumo”, Jameson para refletir sobre o fenômeno, parte de mudanças detectadas nas artes, principalmente na literatura e na arquitetura, que permitem identificar mudanças estruturais que passam a influenciar a sociedade como um todo. A onda pós-modernista15, em contraponto às vanguardas modernistas do início do século XX, contribuiu para o desaparecimento de várias fronteiras na arte e na maneira de pensar. O pós-modernismo tem, entre outras características, a apropriação do passado misturando elementos de várias épocas e estilos, provocando a quebra das barreiras entre cultura popular e cultura de elite. Essa adoção de múltiplos estilos influencia a estética e a percepção das artes quando é encorporada pela publicidade, pelo design, pela moda entre 13

Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 197. Baudrillard, Jean. A Sociedade de Consumo. Op. Cit.; p. 42. 15 “O pós-modernismo foi empregado pela primeira vez para assinalar um movimento que ia além do modernismo artístico centralizado em Nova York nos anos sessenta. Foi então adotado pelos filósofos e críticos literários que detectaram homologias entre as obras de arte e as práticas dos artistas pós-modernos e o pós-estrututralismo e o descontrucionismo.” Featherstone, Michael. O Desmanche da Cultura. São Paulo: Studio Nobel, 1997, p. 68. 14

23 outros, legitimando a fusão entre o popular e o erudito usando objetos cotidianos como meio. Os recursos utilizados têm como técnica o pastiche, a paródia, a apropriação de elementos e referências passados misturados com os do presente. Uma conseqüência, entre outras, está a derrocada dos “gênios” (artistas reconhecidos mundialmente) e dos estilos absolutos (como o Impressionismo, o Surrealismo etc...). A renovação constante da estética da arte, e conseqüentemente em outras instituições que a tomam como modelo para criarem a sua própria representação, gera mudanças ininterruptas nessas outras áreas que a usam como inspiração. Por sua vez a arte, reproduzida por outras instituições, para manter seu “status de vanguarda” precisa buscar inovações girando num eterno ciclo de reproduções entre setores. Dessa maneira, Jameson declara que há uma perda do referencial de tempo e identidade, gerando uma superficialidade geral na era pós-industrial e a sensação da vida como um “presente eterno” em várias esferas do cotidiano, uma vez que a arte acaba influenciando desde os programas veiculados pelos meios de comunicação de massa até as embalagens dos produtos de consumo geral. O pós-modernismo contribui para o consumismo, e cria a “cultura de consumo” pós-moderna, a medida em que a constante renovação dos estilos leva à moda (no sentido amplo da palavra) e a necessidade das pessoas em manterem as distinções via objetos de consumo. Esses objetos passam a ter além do valor de uso e o valor de troca, propostos por Marx, o valor-signo acrescentado por Baudrillard16. Assim, eles não agregam mais somente suas qualidades intrínsecas mas incorporam um conjunto de significações. Cabe ao consumidor saber reconhecer e “manipular” tais objetos-signos, sua habilidade será medida pelo seu entorno social, classificando essa pessoa dentro das esferas de consumo. Usando as palavras de Baudrillard: “O consumo, é ele a totalidade virtual de todos os objetos e mensagens constituídas de agora então em um discurso cada vez mais coerente. O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos.”17 Mike Featherstone sintetiza os conceitos da cultura de consumo em um breve parágrafo: “O termo sociedade de consumo introduz uma mudança: em vez de o consumo 16

A teoria do valor-signo encontra-se in: Baudrillard, Jean. Para uma Crítica da Economia Política do Signo. Lisboa: Edições 70, 1995. 17 Baudrillard, Jean. O Sistema dos Objetos. São Paulo: Perspectiva, 1997, p. 206.

24 ser considerado como mero reflexo da produção, passa-se a concebê-lo como fundamental para a reprodução social. O termo cultura do consumo não apenas assinala a produção e o relevo cada vez maiores dos bens culturais enquanto mercadoria, mas também o modo pelo qual a maioria das atividades culturais e das práticas significativas passam a ser mediadas através do consumo. Este último envolve progressivamente o consumo de signos e imagens. Assim, o termo cultura do consumo indica a maneira com que o consumo deixa de ser simples apropriação de um valor de uso para tornar-se consumo de signos e imagens, em que a ênfase na capacidade de remodelar incessantemente o aspecto simbólico ou cultural da mercadoria torna mais apropriado referir-se a signomercadorias.”18 As distinções na pós-modernidade ligam-se a esse conceito do correto uso e reconhecimento dos objetos-signo. Mas, tais objetos encontram seu verdadeiro valor quando podem ser consumidos corretamente em público. “O consumo surge como sistema que assegura a ordenação dos signos e a interação do grupo; constitui simultaneamente uma moral (sistema de valores ideológicos) e um sistema de comunicação ou estrutura de permuta.”19 O consumo de tais bens, portadores de prestígio, apresenta ainda a rivalidade simbólica entre as diferentes classes sociais provocando as distinções propostas por Pierre Bourdieu. Para Bourdieu, a distinção é um parâmetro classificador que posiciona uma pessoa, ou um grupo, em relação aos outros variando sobre dois eixos: o capital econômico e o capital cultural. As distinções via consumo passam a estar ligadas ao desejo de individualização mas também o de inclusão em certos grupos. É importante considerar que esta inclusão precisa ser aceita pelos outros membros e não somente depende da vontade do indivíduo que pretende pertencer a determinado grupo apenas consumindo determinados objetos: “Nunca se consome o objeto em si (no seu valor de uso) - os objetos (no sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tomado como referência ideal quer demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto superior.”20 18

Featherstone, Mike. O Desmanche da Cultura. Op. Cit.; p. 109. Baudrillard, Jean. A Sociedade de Consumo. Op. Cit.; p. 78. 20 Baudrillard, Jean. A Sociedade de Consumo. Op. Cit.; p. 60. 19

25 O consumo de determinados bens é somente parte das “regras”. A maneira como se manipula determinados artigos simbólicos é determinante para inclusão total em um grupo garantindo inclusive as distinções. O correto uso dos “objetos” reais ou culturais determina os níveis culturais e classificadores, qualquer deslize na manipulação de tais “objetos” pode significar uma “gafe” que denuncia e reclassifica o possuidor do objetosigno de onde se pretende obter a “distinção”. Esse é conceito de “habitus”, sendo descrito por Bourdieu como a desenvoltura com que cada membro da sociedade se comporta perante diferentes situações, ou seja: o “habitus” é uma matriz de comportamento social interiorizada, sendo que esta possui uma anterioridade em relação ao indivíduo, é um treinamento social para responder ao mundo em diferentes situações21. Desse modo, para que haja as distinções é preciso possuir o “habitus” correto. Tais conceitos (o de “habitus” e o de distinção) persistem mesmo quando a lógica da estratificação social perde parte do seu sentido. Pois eles permitem o reconhecimento de membros de um grupo de afinidade, numa luta simbólica entre iniciados e nãoiniciados. Assim, não basta o consumo, é preciso entender as situações e o “ambiente cultural” onde tal objeto será consumido. “As

lutas

para

a

apropriação

dos

bens

econômicos

ou

culturais

são

inseparavelmente lutas simbólicas para a apropriação desses signos distintivos que são os bens (ou as praticas) classificados e classificadores. Essas lutas simbólicas podem também ser para a conservação ou a subversão dos princípios de classificação dessas propriedades distintivas.”22 Em uma sociedade de consumo onde é preciso estimular a demanda permanente de produtos a moda e a publicidade atuam como catalisadores do ciclo de renovação permanente dos objetos (assunto já discutido). A publicidade oferece pistas constantes de como consumir tal produto para validar a inclusão em determinados grupos. “(...) no que se refere à publicidade, por um lado ela busca suas fontes em algumas figuras arquetípicas, e, por outro lado, em função disso, ela se dirige a públicos – alvo, que 21

O “habitus” inclui comportamentos sociais conscientes e inconscientes internalizados pela imersão em determinada cultura. “Do fato que as condições de existência produzem “habitus” diferentes, sistemas de esquemas geradores suscetíveis de serem aplicados, por simples transferência, aos mais diferentes domínios da prática. As práticas que engendram os diferentes “habitus” se apresentam como as configurações sistemáticas de propriedades exprimindo as diferenças objetivas inscritas nas condições de existência sob a forma de sistemas de afastamento diferenciais que percebidos pelos agentes dotados dos esquemas de percepção e de apreciação necessários para localizar, interpretar e avaliar os traços pertinentes, funcionando como estilos de vida.” Bourdieu, Pierre. La Distinction. Paris: Ed. Minuit, 1979, p. 190.(Tradução da autora).

26 chamo de tribos, as quais aparecem e se reconhecem em tal ou qual maneira de representar, os produtos, os bens, os serviços, as maneiras de ser, que os constituem enquanto grupos.”23 O consumo e as distinções fazem parte da mesma lógica social, enquanto um estratifica cada vez mais seus produtos, popularizando as mercadorias que agregam as distinções como qualidade subjetiva, os grupos para manterem seu prestígio buscam novos signos num ciclo interminável que sobrevive graças ao desejo de manutenção da “distância social”. Baudrillard tem a mesma opinião que Bourdieu dizendo que: “(...) para além da evidência prática dos objetos e através da evidente espontaneidade dos comportamentos, a obrigação social, o ethos do consumo “ostentatório” (direto ou por procuração) apreende, portanto, no consumo uma dimensão permanente da hierarquia social, e no standing dos nossos dias uma moral que continua a ter o mesmo caráter imperativo. Sob esta determinação paradoxal, os objetos são, pois, não o lugar da satisfação da necessidade, mas o de um trabalho simbólico, de uma “produção” no duplo sentido do termo: producere – são fabricados, mas são também produzidos como prova. São o lugar da consagração de um esforço, de uma realização ininterrompida, de um stress for achievement, que visa fornecer uma prova contínua e tangível do valor social.”24

2.3 - Grupos de afinidades Em uma sociedade, que vive sob as regras do capitalismo tardio, as múltiplas influências externas e o rompimento das barreiras entre a cultura de elite e a cultura popular, assim como bombardeamento de informações das mais diferentes mídias faz com que os limites das distinções entre classes se evaporem. Isso porque, teoricamente, qualquer pessoa tem acesso ao patrimônio cultural divulgado pelas mídias eletrônicas juntamente com informações de todos os tipos e procedências. Dessa forma, as distinções sociais via cultura se dissipam (para uma cultura burguesa que estava assentada sobre o conhecimento histórico, a contemporaneidade é vivida sobre outra referência de tempo: o presente eterno vinculado à mistura de referências temporais. As categorias de distinção 22

Bourdieu, Pierre. La Distinction. Op. Cit.; p. 278. (Tradução da autora). Maffesoli, Michel. O Tempo das Tribos. São Paulo: Ed. Forense Universitária, 1998, p. 192. 24 Baudrillard, Jean. Para Uma Crítica da Economia Política do Signo. Op. Cit.; p. 14. 23

27 de classes, baseadas no reconhecimento e no gosto “clássico” adquiridos pela educação e pelos meios de comunicação, não fazem mais sentido), mas as econômicas sobrevivem e nesse aspecto são determinantes25. Entretanto, apesar de toda esta conjunção de fatores que sugerem novas propostas para se pensar a sociedade, a dividindo em agrupamentos sociais unidos por afinidades e estilos de vida, a lógica das classes sociais proposta pela sociologia clássica ainda persiste.26 Se por um lado, pode existir a quebra das barreiras culturais entre classes, proporcionada pela chamada pós-modernidade. Por outro, o mundo globalizado redefine a delimitação das áreas economicamente “evoluídas” e das marginais. As diferenças sociais são reais e tornam-se cada vez mais profundas e excludentes em países periféricos como o Brasil. As causas das desigualdades estão mais evidentes, pois as interferências externas passaram a ser reconhecidas e não mais atuam invisivelmente. As exceções, saltam aos olhos passando a ser reconhecidas e provocando questionamentos, pois não existe mais maneira de encobri-las. A mídia expõe muitos aspectos contraditórios da realidade colocando-os em pauta, ou pelo menos mostrando que algumas coisas não estão conforme os modelos desejados ou que “aqui não é como lá”. “As mesmas forças produtivas engajadas no desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo produzem tanto a integração como a fragmentação. As desigualdades reproduzem-se em todos os níveis, em todos os lugares. As muitas diversidades de formas sociais de vida e trabalho, compreendendo grupos e classes, etnias e minorias, nações e nacionalidades, religiões e línguas, são freqüentemente recriadas como hierarquias, marcas, estigmas, alienações. As forças produtivas, personificadas em classes sociais e grupos sociais, compreendendo movimentos sociais, partidos políticos, 25

“(...) lembramos três frases retiradas de Channels of desire, de Stuart e Elizabeth Ewen, que os autores consideram sintomáticas das tendências recentes da cultura de consumo: “atualmente não há moda, apenas modas”; “nada de regras, apenas escolhas”; “todo mundo pode ser alguém”. (...) A implicação é que estamos rumando para uma sociedade sem grupos de status fixos, na qual a adoção de estilos de vida fixos por grupos específicos (manifestados na escolha das roupas, atividades de lazer, bens de consumo, disposições corporais) está sendo ultrapassada. Esse aparente movimento em direção a uma cultura pós-moderna baseada numa profusão de informações e proliferação de imagens, que não podem ser estabilizadas de maneira definitiva, nem hierarquizadas em um sistema correlacionado com divisões sociais fixas, estaria sugerindo também a irrelevância das divisões sociais e, em última análise, o fim do social enquanto ponto de referência importante. Com efeito, o fim da relação determinista entre sociedade e cultura anuncia o triunfo da cultura da representação.” Featherstone, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. Op. Cit.; pp 119 e 120. 26 Quando a publicidade define um público-alvo para determinada campanha a classificação social é essencial, mesmo que em uma primeira abordagem haja um apelo a um grupo determinado, em um segundo plano existe uma classificação social e etária , isto se deve principalmente pela estratégia de mídia utilizada (escolha dos meios e dos veículos onde se dará a veiculação das peças publicitárias).

28 correntes de opinião pública, tanto se expandem como se antagonizam através das nações e continentes. Nesse sentido é que o capitalismo tanto produz a interdependência mundial como produz e reproduz contradições localizadas e gerais, nacionais e globais.”27 As minorias e as periferias reconhecem a sua posição de desigualdade e buscam signos de distinção cultural, pois o mesmo movimento que mostra as diversidades e visa integrá-las em modelos pré-estabelecidos as tornam marginais. Em uma tendência contrária à globalização e à integração, a necessidade de auto-afirmação é essencial para a sobrevivência da identidade de grupos periféricos. “A reafirmação de “raízes” culturais e o retorno à ortodoxia têm sido, desde há muito, uma das mais poderosas fontes de contra-identificação em muitas sociedades e regiões pós-coloniais e do Terceiro Mundo (...)”28 Como meio de sobrevivência e perpetuação, as minorias estão exigindo cada vez mais o seu reconhecimento em um contexto onde a tendência é uma tentativa de pasteurização internacional das culturas e onde as interligações e sobreposições culturais são a regra, há essa tentativa de preservação “purista”, logicamente que as interferências externas são inevitáveis. “A tendência em direção à “homogeneização global”, pois, tem seu paralelo num poderoso revival da “etnia”, algumas vezes de variedades mais híbridas ou simbólicas, mas também freqüentemente das variedades exclusivas ou “essencialisatas” (...)”29 Isso inclui o consumo de bens que identifiquem o seu portador, sua identidade e sua etnia. Não é por acaso que as empresas estão buscando novos nichos de mercado visando atingir os consumidores pela sua “identidade local” ou étnica. Ao mesmo tempo em que produtos mundiais são oferecidos sob o argumento de que mesmo o consumidor de regiões remotas pode ter acesso a produtos idênticos aos consumidos dos grandes centros mundiais, esses produtos podem ter aspectos que o identifiquem com a cultura local. Essa estratégia mercadológica de mão dupla já está sendo adotada por várias empresas multinacionais. Um exemplo pertinente é o da diferenciação local do cardápio usada pela cadeia de lanchonetes McDonald’s, que apesar de possuir em seus produtos uma padronização mundial, leva em conta diferenças culturais e gostos locais (a exclusão

27

Ianni, Octavio. A Sociedade Global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 66 e 67. Hall, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 95. 29 Hall, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Ibid.; p. 95. 28

29 da carne bovina nos sanduíches vendidos na Índia, ou nacionalmente a cobertura de paçoca de um tipo de sorvete). A identificação com os produtos oferecidos é fundamental para o consumidor atual que os utiliza como forma de demonstrar sua identidade e pertencimento a determinados grupos. Essa nova maneira de identificação muito mais “cultural” que econômica entre pessoas está mudando a forma de organizar a sociedade. A estratificação social tradicional que dividia a sociedade em classes conforme a renda e o nível de consumo, está perdendo cada vez mais seu significado, mas ainda não deixou de existir. Outros modos de pensar a sociedade nascem, como os grupos de pertencimento afinitários que na realidade já fazem parte de uma abordagem diferenciada na condução de pesquisas mercadológicas dividindo as pessoas em grupos vinculados ao “estilo de vida”. Essa nova divisão tem maior validade em lugares onde o tráfego de informações e os entrecruzamentos de diferentes grupos são constantes. Esta é a realidade das metrópoles onde o neotribalismo proposto por Michel Maffesoli é formado a partir de grupos de pessoas que compartilham alguma afinidade, até mesmo o consumo de determinado bem material ou cultural. As ligações entre os membros de uma mesma neotribo podem ser muito superficiais, sendo que um indivíduo pode participar de vários grupos simultaneamente. Para entender melhor a formação e a dinâmica dos grupos de afinidade que se formam principalmente nas grandes regiões metropolitanas é preciso antes ver aspectos básicos da construção da identidade na pós-modernidade. Stuart Hall divide as concepções de identidade do sujeito em três etapas, sendo que as duas primeiras correspondem à modernidade e a terceira à pós-modernidade30: O sujeito do Iluminismo era aquele centrado em sua individualidade e em sua razão, o sujeito sociológico onde prevaleciam as relações com os diferentes grupos aos quais este sujeito pertencia, a identidade desse sujeito era a projeção do grupo que ele pensava pertencer. Na suposta pós-modernidade o sujeito pode assumir variadas identidades em diferentes momentos: “(...) a medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.”31

30 31

Hall, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Op. Cit.; pp. 10 a 13. Hall, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Ibid.; p. 13.

30 Essa concepção de identidade cambiável é determinante para o consumo, uma vez que as pessoas passam a adquirir produtos (principalmente artigos de vestuário), para assegurarem o seu pertencimento, ou um pretenso vínculo, com determinadas “tribos”. A inclusão é demonstrada pela posse de determinados artigos carregados de simbologias conjugados com as escolhas pessoais dentro de uma grande quantidade de produtos oferecidos. A apropriação dos objetos vinculados a determinado grupo “inclui” seu usuário em tal grupo, desde que este saiba como fazê-lo (“habitus”). A construção da identidade pessoal passa pela individualização na escolha dos objetos consumidos, mas tais escolhas remetem novamente a um grupo de referência.32 “Característica da socialidade – a pessoa (personna) representa papéis, tanto dentro de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa. Mudando o seu figurino, ela vai, de acordo com seus gostos (sexuais, culturais, religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do theatrum mundi.”33 O consumo, dessa maneira, se vincula ao estilo de vida desejável. Tal estilo de vida é altamente estilizado por um conjunto de mercadorias que o balizam. A inspiração em “consumir” determinados padrões vem por modelos “ideais” divulgados pelos mass media, pela publicidade e por grupos de referência (distantes ou próximos, locais ou globais). “De fato, ao contrário da estabilidade induzida pelo tribalismo clássico, o neotribalismo é caracterizado pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão. E é assim que podemos descrever o espetáculo da rua nas megalópoles modernas. O adepto do jogging, o punk, o look rétro, os “gente bem”, os animadores públicos, nos convidam a um incessante travelling. Através de sucessivas sedimentações constitui-se a ambiência estética da qual falamos. E é no seio de uma tal ambiência que, pontualmente, podem ocorrer essas “condensações instantâneas” (Hocquenghem-Scherer), tão frágeis, mas que, no seu momento, são objeto de forte envolvimento emocional. É este aspecto seqüencial que permite falar de ultrapassagem do princípio de individuação.”34 A moda (pensando nos diversos grupos que circulam indistintamente nas metrópoles) e o vestuário são pura comunicação sendo sinalizadores de identidades mas

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“O que nos parece ser uma opinião individual é, de fato, a opinião de tal ou qual grupo ao qual pertencemos. Daí a criação dessas “doxa” que são a marca do conformismo e que encontramos em todos os grupos particulares, inclusive naquele que se considera o mais isento disto, o dos intelectuais.” Maffesoli, Michel. O Tempo das Tribos. Op. Cit.; p. 106. 33 Maffesoli, Michel. O Tempo das Tribos. Op. Cit.; p. 108. 34 Maffesoli, Michel. O Tempo das Tribos. Op. Cit.; p. 107.

31 também de pertencimento a diferentes classes sociais. Em seu contexto, pode-se encontrar os dois aspectos: os grupos de afinidades possuem signos próprios de pertencimento ao grupo, demonstrado pela posse de determinados artigos e que , em alguns casos, talvez sejam mais importantes para seus membros que os signos de distinção entre classes. Entretanto, se não houvesse rivalidades entre classes o consumo da moda pouco se justificaria: “ (...) o culto do efêmero conota ideologicamente o privilégio da vanguarda: conforme a lógica eterna da distinção cultural, uma fração privilegiada saboreia a instantaneidade e a mobilidade das estruturas (...). Só as classes privilegiadas têm direito à atualidade dos modelos. Os outros têm direito a ela quando os modelos já mudaram.35 As roupas, como será detalhado no capítulo seguinte, sempre constituíram um conjunto de marcas simbólicas que balizam a origem, profissão, sexo, estado civil e social do seu portador. É um esquema classificatório relativamente seguro e delimitador social portador de significados. A moda, rompe ciclicamente as distinções, impondo que novos objetos sejam portadores de prestígio social, fazendo assim com que haja uma corrida interminável para a manutenção do status quo. Contudo, não importa somente usar a última moda, mas é preciso saber usá-la. A postura de uma pessoa, sua desenvoltura, seus gestos e porte físico ajudam a compor o estilo adequado, desse modo o “habitus” é tão importante para o vestuário quanto o material e o feitio, as marcas e os aspectos simbólicos das roupas. “Veste-se” também a cultura como o correto uso da toga pelos cidadãos romanos.

2.4 - A Estratificação social do consumo e a globalização Retomando as distinções. Em sociedades marcadas pela desigualdade social, onde a população excluída tende a ficar cada vez mais distante dos modelos organizados pela elite, o consumo de determinados bens somente é possível quando estes não permitem mais a distinção para os grupos dominantes. A venda de mercadorias portadoras de prestígio social obedecem uma “estratificação social”.36

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Baudrillard, Jean. Para Uma Crítica da Economia Política do Signo. Op. Cit.; p. 37. O consumismo e aspirações a distinção social via consumo, de forma nenhuma é um fenômeno recente, a “revolução do consumidor” se inicia no século XVIII na Europa conforme Mike Featherstone. In: Featherstone, Mike. O Desmanche da Cultura. Op. Cit.; pp. 44 a 49. 36

32 “(...) afora o desejo de ascensão social do proletariado (mas também da classe média e de estratos intermediários) via consumo (algo artificial) existe, é claro, o natural desejo da expansão e da rentabilidade do capital industrial. Isto faz parte da própria lógica interna do Capitalismo que, aparentemente, apresenta uma contradição. Isto porque, se por um lado, a produção de bens tecnologicamente modernos se dirige inicialmente à burguesia, é inevitável, por outro lado, no decorrer do tempo, que esses produtos tenham seu custo de produção sensivelmente declinado, justamente em face do próprio avanço tecnológico e também do interesse de aumentar o mercado consumidor. Assim, nesse momento, não há outra alternativa senão ampliar este consumo até às classes social e economicamente mais modestas.”37 Enquanto que na esfera do consumo de bens tangíveis tal barreira é uma verdadeira muralha de exclusão (os produtos ofertados a camada popular nunca possuem o mesmo “status” daqueles presentes nas altas esferas do consumo, se possuíssem não haveria distinções significativas no consumo nem as falsificações de marcas). Na produção de bens simbólicos a periferia é também criadora de estilos culturais. Entre alguns, podese citar o rap e a cultura hip hop, sendo que esses atingem estratos “superiores” do consumo entrando como elementos contestadores de uma cultura massificada e sem expressão de críticas ao sistema. Essa seria, conforme Waldenyr Caldas define, a “força centrípeta do consumo”38 que parte da periferia sobretudo na forma de bens culturais, ao mesmo tempo existe a recepção dos produtos de consumo tangíveis do “centro” com a “força centrífuga” do consumo. Entretanto, a lógica da pós-modernidade pode dar a esta contestação dos excluídos um significado de paródia e “estilização”. Onde o rap, por exemplo, uma vez “no sistema”, perde sua significação pois é mais um estilo dentro da vasta gama oferecida aos consumidores. Ele pode ser um estilo nascido nas periferias, mas encontra apreciadores que seguramente compram “cds” do gênero em shoppings centers, e que adquirem roupas para “compor o visual” nos Estados Unidos, influenciados sobretudo pelos vídeo-clips divulgados pela MTV nacional. Para fechar o círculo do consumo: jovens da periferia podem imitam estes “rappers de butique” que inicialmente se inspiraram nas periferias americanas, comprando suas 37

Caldas, Waldenyr. “O Lixo do Luxo: O Consumo da Elite e da Periferia”. In: VVAA,“Comunicação, Marketing, Cultura: Sentidos da Administração, do Trabalho e do Consumo”. Organizado por Tupã Gomes Corrêa e Sidinéia Gomes Freitas. São Paulo: CLC, 1999, p. 21.

33 roupas em camelôs falsificadores de roupas de marcas transnacionais. Sendo que, os vendedores ambulantes de tais mercadorias também estão globalizados, inclusive em relação às modas, pois seus produtos são falsificações feitas no Oriente (China, Tawain, Vietnã entre outros países) pelas mesmas fabriquetas de fundo de quintal que produzem roupas para as grifes internacionais.39 O consumo, por mais simples que possa ser, independente da classe social que o realiza atualmente acontece sobre influências globais40. Não que a “globalização” seja um fenômeno recente. O Império Romano já fazia uso de algumas premissas da globalização. Um exemplo dado por Marshall McLuhan41 é da intensificação do fluxo de informações quando Roma adotou o uso do papiro egípcio para o transporte de informações, com isso podia manter uma organização burocrática sempre bem informada. Mas no sentido de manter uma interdependência entre diferentes nações e economias. A globalização, conforme Armand Mattelart, inicia o seu movimento de integração mundial no final do século XIX com as diversas tentativas construir sistemas de comunicações transnacionais (funcionado conforme regras pretensamente padronizadas) que asseguram o monopólio comercial e informacionais de algumas nações, contribuindo para o seu crescimento em detrimento do subdesenvolvimento de outras.42 Os meios de comunicação de massa (principalmente o rádio e a televisão, que são populares principalmente em países como o Brasil onde o acesso à leitura é ainda restrito) trouxeram com o seu desenvolvimento a aceleração da mundialização da cultura, uma vez definitivamente popularizados na década de 1970 trouxeram novos hábitos, inclusive de consumo, para as mais diferentes regiões. “Desde a sua origem, a discussão sobre cultura de “massa” debate-se com o dilema da uniformização das consciências. Na verdade, a própria concepção do que seria “massa” associa-se aos fenômenos de multidão, em que as individualidades se dissolveriam em detrimento do todo. O tema se repõe no contexto da difusão tecnológica. Para muitos, a “aldeia global” consagraria uma homogeneização dos hábitos e do pensamento. As

38

Caldas, Waldenyr. “O Lixo do Luxo: O Consumo da Elite e da Periferia”. Op. Cit.; p. 24. Carranca, Adriana. “Camelôs fashion”. Veja São Paulo, 29/11/2000, pp. 29 e 30. 40 Renato Ortiz emprega o termo “globalização” para se referir a processos econômicos e tecnológicos e “mundialização” ao domínio cultural. Ortiz, Renato. Mundialização e Cultura. Op. Cit.; p. 29. 41 McLuhan, Marshall. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. São Paulo: Cultrix, 1974. 42 Mattelart, Armand. A Globalização da Comunicação. Bauru, SP: Edusc, 2000. 39

34 tecnologias de comunicação, ao aproximarem as pessoas, tornaria o mundo cada vez mais pequeno e idêntico.”43 É inegável que houve uma “contaminação” dos hábitos locais pela cultura de massa. A moda (no sentido do vestuário) é um dos sinais mais evidentes disso, jovens dos mais diferentes pontos do mundo queriam (e ainda querem) se vestir como seus ídolos, quebrando assim muitas vezes com as tradições e os hábitos locais. Ao mesmo tempo certos localismos não caem, mesmo com a constante interferência mundializadora, fazendo com que haja uma “hibridação” dos produtos. “Espaço e tempo deixam de se relacionar diretamente com os grupos tradicionais ou as nacionalidades. Eles retiram os indivíduos de suas localidades, inserindo-os num circuito no qual os “sementos” espaciais constituem um “outro território”. O universo do consumo possibilita justamente esta mobilidade e sincronia. Enquanto manifestações do vetor da mundialização, ele desloca as escolhas, constituindo uma espacialidade que furta às determinações geográficas.”44 A moda, assunto central deste trabalho, é uma espécie de “aculturação” pois são adotados elementos que nem sempre são comuns às culturas locais. Essa consideração não é nem um pouco recente pois a imitação de elementos de outras culturas no vestuário remonta à Antiguidade. Mas pode-se aqui mencionar a idéia da formação das culturas populares internacionais influenciando hábitos locais. “O processo de globalização das sociedades e de desterritorialização da cultura rompe o vínculo entre a memória nacional e os objetos. Com a sua proliferação em escala mundial, eles serão desenraizados de seus espaços geográficos. Por isso podemos falar do automóvel como um mito do homem moderno. Como as catedrais góticas, ele seria o símbolo de uma época. (...) Afirmar a existência de uma memória internacional-popular é reconhecer que no interior da sociedade de consumo são forjadas referências culturais mundializadas. Os personagens, imagens, situações, veiculadas pela publicidade, histórias em quadrinhos, televisão, cinema constituem-se em substratos dessa memória.”45 As grandes cidades contemporâneas, desde a modernidade, são o palco do consumismo (seja ele simbólico ou real). Entretanto, elas já não são mais os lugares exclusivos das mudanças culturais proporcionadas pelo consumo. Com a globalização da 43

Ortiz, Renato. Mundialização e Cultura. Op. Cit.; p. 31. Ortiz, Renato. O Próximo e o Distante. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2000, p. 118. 45 Ortiz, Renato. Mundialização e Cultura. Op. Cit.; p. 125. 44

35 economia e o desenvolvimento dos meios de comunicação, até moradores das áreas mais remotas passaram a ter acesso à informação das mais variadas partes do mundo, fazendo com que exista uma cultura “global” permeada por elementos de uma “cultura regional.”46 Nessa cultura popular internacional os jovens são o grupo que mais compartilham códigos mundiais, baseados em uma cultura “pop” divulgada por ideais comuns transmitidos pelo cinema, televisão e música. Mas, os elementos dessa cultura popular internacional mesclam-se com elementos locais, são reinterpretados ou sofrem influências. As tendências são internacionais mas o estilo que nasce da apropriação desses elementos “globais” é uma produção local. Dessa maneira, pode-se dizer que na linguagem internacional da cultura globalizada comum há “dialetos”, e estes não podem ser desprezados, pois conseqüentemente criam identificações e participam da construção de identidades grupais constituídas baseadas em influências próximas e distantes, criando culturas “mestiças”. “Vários antropólogos têm retomado a crítica do discurso consagrado da relação entre os fluxos culturais internacionais e as culturas locais. Para eles, a intensificação da circulação dos fluxos culturais, a existência inegável de uma tendência à globalização da cultura não resulta na homogeneização do planeta, mas num mundo cada vez mais mestiço.”47

2.5 - Dos contrastes nacionais ao mosaico paulistano Ao aproximar a questão da pós-modernidade com o contexto brasileiro pode-se buscar as reflexões de Nestor Garcia Canclini para o caso da América Latina48, que explica bem a realidade nacional. Canclini acredita que os elementos da pós-modernidade coexistam com os da modernidade, e até da pré-modernidade. Em alguns setores não há uma infra-estrutura que sustente necessidades mais básicas. Enquanto a elite pensa em artes de vanguarda a maioria da população é analfabeta ou quase.

46

“O consumismo é global, não no sentido de que todos podem consumir, mas no de que todos são afetados por ele.” Lyon, David. Pós-modernidade. Op. Cit.; p. 104. 47 Mattelart, Armand. A Globalização da Comunicação. Op. Cit.; p.161. 48 Garcia Canclini, Nestor. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2000.

36 Com isso as cidades da América Latina formam um mosaico de elementos de diferentes épocas. Vive-se aqui do pastiche pós-moderno desde a colonização49, quando a modernidade ainda estava se estabelecendo. Entretanto, contemporaneamente uma população vaga mendigando pelas ruas encaixando-se somente no sistema da exclusão social enquanto que uma elite pensa em compras on-line e em férias

em “resorts”

temáticos. Os avanços da modernidade são uma preocupação constante para os setores ligados à economia. Pretende-se a modernização constante das indústrias e a globalização. Na política prevalecem acordos informais e a “tradicional” corrupção pré-moderna. “Hoje concebemos a América Latina como uma articulação mais complexa de tradições e modernidades (diversas, desiguais), um continente heterogêneo formado por países onde, em cada um, coexistem múltiplas lógicas de desenvolvimento.”50 No Brasil, juntamente com uma herança escravocrata e de tropeços econômicos que provocaram diversas de crises sociais, os projetos “modernizantes” desenvolvidos principalmente pelo Estado contribuíram para acentuar as desigualdades sociais. Com crescimento de regiões específicas, em surtos de euforia econômica, as migrações se tornaram uma constante fazendo com as regiões pobres ficassem miseráveis e os centros urbanos apinhados de uma população migrante vivendo em suas periferias em pobreza maior que em sua terra natal. Conforme o geógrafo Milton Santos, tais migrações, foram provocadas justamente por uma busca pelo consumo exaltados com um sonho possível na tentativa de manter uma economia estável, as pessoas trocaram a cidadania pelo consumo. Entretanto, esta busca só acentuou os desníveis.51 A desigualdade social brasileira tem dados recentes. Conforme o ranking do relatório desenvolvimento humano, divulgado pela ONU52, o país ficou colocado em 69º,

49

“(...) por ser a pátria do pastiche e do bricolage, onde se encontram muitas épocas e estéticas, teríamos o orgulho de ser pós-modernos há séculos e de um modo singular. Nem o “paradigma”da imitação, nem da originalidade, nem a “teoria” que atribui tudo à dependência, nem a que preguiçosamente nos que explicar pelo “real maravilhosos” ou pelo surrealismo latino-americano, conseguem dar conta de nossas culturas híbridas.” Garcia Canclini, Nestor. Culturas Híbridas. Op. Cit.; pp. 23 e 24. 50 Garcia Canclini, Nestor. Culturas Híbridas. Op. Cit.; p. 28. 51 “No Brasil o milagre econômico, com sua enorme força ideológica, muito maior que seus resultados concretos e materiais, agiu como um dissolvente eficaz. A sensação do bem-estar rapidamente obtido – e quantas vezes sem mérito! – pelas novas classes médias dava-lhes a impressão de realização pessoal. A ideologia da prosperidade contaminava a sociedade de alto a baixo, enriquecendo sonhos injustificados a quem jamais deixaria de ser pobre.” Santos, Milton. O Espaço Cidadão. São Paulo: Nobel, 1987, p. 38. 52 Pesquisa divulgada oficialmente em 10 de julho de 2001. O índice de desenvolvimento humano é um indicador elaborado pela ONU que mede a qualidade de vida em 162 países.

37 número obtido através do cruzamento de dados como o PIB per capita e indicadores da área da saúde e educação. Posição modesta que coloca o Brasil em pé de igualdade com a Colômbia, que no momento enfrentando grave crise interna praticamente em estado de guerra entre o narcotráfico e o exército. Contudo, a situação do país apresentou uma leve melhora em alguns índices como o da taxa de analfabetismo e mortalidade infantil que caíram em média 20%.53 Outros indicadores revelam o tamanho real do abismo social brasileiro como uma diferença de 33 vezes na renda da população mais abastada da mais miserável, com 10% dos mais ricos consumindo 46,7% e os 10% mais pobre apenas 1% do total. Aproximadamente metade da população brasileira ganha até dois salários mínimos. A fatia intermediária da pirâmide social é preenchida pelas classes C e D. A classe C tem uma renda média familiar entre 4 e 10 salários mínimos, representando 28% do consumo nacional e 30% das residências do Brasil. Por causa do achatamento dos salários foi a classe social que mais cresceu entre 1992 e 2000 passando para 12,6 milhões de domicílios, com a queda do padrão de vida da classe B54. Na base da pirâmide encontram-se os menos favorecidos, que não são poucos, o índice de pobreza humana no Brasil em 1999 foi de 12,9%, com uma estimativa de cerca de 15,1 milhões de pessoas vivendo com até US$ 1 por dia. O PIB per capita brasileiro é de US$ 7.037, enquanto que o argentino é de US$12.277 e o americano de US$ 31.872. O número de miseráveis brasileiros, conforme estimativa sugerida por uma outra pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, é de aproximadamente 50 milhões de pessoas vivendo em estado e pobreza extrema, ou o equivalente a 29,3% da população do país55. Os estados brasileiros em pior situação de pobreza são o Maranhão e o Piauí com mais de 60% da população vivendo com renda mensal inferior a R$ 80 per capita. Já, São Paulo é o estado em melhor situação com 10,41% da população vivendo abaixo dessa renda.

53

Machado, Ralph. “O Brasil melhorou?”. Folha de S. Paulo, 10/07/2001, pp. A9 a A11. Estes dados fazem parte de um levantamento do Boston Consulting Group. Disponível em http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2002/02/04/eco020204.html, acesso em 03/09/2002. 55 Góis, Antônio e Da Escóssia, Fernanda. “País tem 50 milhões de indigentes, diz FGV”. Folha de S. Paulo, 10/07/2001, p. A12. 54

38 Uma outra pesquisa da FGV56 mostra que 45% dessa população de miseráveis brasileiros são constituídos pela população com idade abaixo de 16 anos. A explicação é simples pois as famílias mais pobres, infelizmente, costumam ter mais filhos. Mudando o foco da discussão para o contexto específico da cidade de São Paulo. Como em toda metrópole pode-se encontrar por um lado, toda a vida centrada no consumo de bens culturais, simbólicos e materiais conforme a lógica do capitalismo tardio e por outro a desolação e a falta de infra-estrutura básicas que fazem com que os choques entre estes dois mundos distintos sejam repletos de signos de exclusão social e conflitos de classe. “A crença na posse do objeto e a necessidade de sua ostentação criam uma linguagem que permite compreender as pessoas e a cidade: a posse dos objetos é uma nova consciência de classe e a cidade é o seu altar; a posse do objeto, transformado em quantidade, codifica o lugar de cada um e digitaliza, torna visível, tangível, aquela demonstração de classe; essa representação, essa linguagem, é mais funcional do que o próprio objeto e varre todas as classes, pois é possível encontrar o mesmo fetiche das mercadorias exibindo-se das mansões de elite às habitações populares, agora, a classe é possuir ou não o objeto em grande quantidade e modelos diferentes e atuais.”57 Essa mestiçagem faz parte do cotidiano paulistano, demonstrada pelos mundos paralelos e sobrepostos que compõem a realidade da cidade. Não só culturalmente falando, mas também na arquitetura, na distribuição geográfica e nas cenas sociais que diariamente são representadas nesses palcos. As diferenças sociais na cidade, uma vez que São Paulo é constituída de maneira fragmentária e desigual, a periferia convive com o “centro”. As realidades encontram-se sobrepostas na coexistência nos mesmos espaços urbanos, dividir geograficamente a cidade em setores concêntricos de renda ou ainda localizados não basta pois, num mesmo bairro as diferentes há entrecruzamento de classes sociais.58 56

Góis, Antônio e Da Escóssia, Fernanda. “País tem 50 milhões de indigentes, diz FGV”. Op. Cit.; p. A12. Ferrara, Lucrécia D’Alessio. Olhar Periférico: Informação, Linguagem, Percepção Ambiental. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 224. 58 “Parece ser impossível setorizar a cidade em classes sociais, ao contrário, pela característica dos índices flagrados, seria preferível falar em uma ampliação da classe média. Essa adesão, mais imaginária do que real, porque são inalienáveis as desigualdades sociais e econômicas, não subverte o trabalhador na sua dimensão de classe, apenas salienta que a sociedade de consumo, ampliada pela produtividade, a publicidade, criadora de necessidades, no auge da atividade e eficiência pelo acesso à informação através dos meios de comunicação de massa, e o próprio desenvolvimento tecnológico, que invade a habitação, promovem uma adesão entre as classes; embora não se queira dizer com isto que tenham desaparecido as classes e suas diferenças. 57

39 Exemplificando: se por um lado existe o chamado “quadrilátero de ouro” dos Jardins, localizado entre as avenidas Paulista, Faria Lima, Nove de Julho e Rebouças, onde em uma pequena região pode-se encontrar lojas de grifes internacionalmente reconhecidas 59

e a existência na cidade de nada menos que 27 shopping centers60 (número expressivo que

ajudou o Brasil ser o décimo país em quantidade de centros de compras do gênero no mundo61). Por outro,

existe no centro e arredores o comércio informal exercido por

vendedores ambulantes, que possuem em suas bancas artigos falsificados das mesmas grifes vendidas nos shoppings, sendo este comércio informal tão forte que a prefeitura da cidade não consegue regulamentar a presença de tais ambulantes que invadem calçadas deixando os pedestres quase sem espaço para circular em ruas dedicadas ao comércio popular como as da região central da cidade ou até mesmo na Paulista e arredores. Mas isso não é tudo, mesmo dentro das ruas dedicadas ao comércio de luxo, como é o caso da Oscar Freire nos Jardins, é possível ver barracas de camelôs que driblam a fiscalização da prefeitura ou ambulantes oferecendo seus produtos nos faróis. Entretanto, em ruas tipicamente voltadas para o comércio popular, como na rua 25 de Março ou arredores do Bom Retiro, são freqüentadas por membros das classes mais altas em busca de elementos originais para serem misturados com artigos de grifes (usados para personalizar seu estilo de se vestir e não ficar parecido com outros membros do seu convívio).62 Tais contrastes, ou a convivência de mundos dispares tão próximos, não são exclusivos de São Paulo, nem tão pouco é um fenômeno localizável na América Latina ou em países periféricos, eles são uma presença constante nas metrópoles mundiais. Fazem parte da lógica do capitalismo tardio, onde as barreiras divisórias da sociedade se evaporam frente às novas formas de organização social e espacial. Cidades onde não existe mais a separação ou fragmentação dos espaços-sociais, mas sim uma grande mistura social Certamente essa adesão limitou ou fez com que se transformasse o embate entre as classes. Ou, por outro lado, a periferia não é mais o espaço dos mais pobres, mas se certa camada da classe média, que, poupando vinténs, partiu em busca da casa própria. Aos mais pobres cabe, hoje, o espaço das favelas ou dos cortiços das áreas urbanas mais centrais”. Ferrara, Lucrécia D’Alessio. Olhar Periférico: Informação, Linguagem, Percepção Ambiental. Op. Cit.; p. 118. 59 “É a maior concentração de comércio de luxo da América Latina”. Alonso, Maria Rita. “Os Jardins de Ouro”. Veja, 22 /11/2000, pp 106 a 109. 60 Fonte: Associação Brasileira de Shopping Centers. Disponível em www.abrasce.com.br, acesso em 06/08/2001. 61 Fonte: Associação Brasileira de Shopping Centers. Disponível em www.abrasce.com.br, acesso em 06/08/2001. 62 Haddad, Zuleica. “Rua 25 de Março também tem lado fashion”. O Estado de S. Paulo, 16/07/2000, p. C8.

40 sem continuidade e homogeneidade, prevalecendo o dinamismo, a perda da identidade e da memória dos habitantes e dos lugares, num fenômeno que já está sendo conhecido como “paulistanização”63 das cidades. “As hierarquias sociais e funcionais das megacidades são indistintas e misturadas em termos de espaço, organizadas em acampamentos reduzidos e improvisadas de forma irregular por focos inesperados de usos indesejáveis. As megacidades são constelações descontínuas de fragmentos espaciais, peças funcionais e segmentos sociais.”64

63

Termo usado pelo antropólogo Massimo Canevacci.

41

Capítulo III Moda – História e Mercado _______________________________________________________________ 3.1 - Cruzamentos entre moda, comunicação e sociologia A comunicação, conforme a colocação de Armand Mattelart65, encontra-se numa encruzilhada entre diversas ciências onde se pode destacar: a filosofia, a psicologia, a sociologia, a economia, as ciências políticas, a geografia, a história, a etnologia e a cibernética. Nesse aspecto a moda tem muito em comum com a comunicação. Trata-se de um assunto que tange inúmeras questões de fundo psicológico, antropológico, sociológico66, histórico67, econômico68, cultural69, comunicacional entre outros. O foco desta dissertação

64

Castells, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 429. Mattelart, Armand, Mattelart, Michèle. História das Teorias da Comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 9. 66 “(...) a moda não é de nenhuma maneira só uma manifestação marginal e superficial do mundo social, mas possui raízes em fundamentos antropológicos, psicológicos e sociológicos, ela tem verdadeiramente a possibilidade de converter-se em uma potência elementar do acontecimento social.” König, René. Sociologia de la Moda. Buenos Aires: Editiones Carlos Lohlé, 1968, pp. 53 e 54. (Tradução da autora). 67 “(...) É muito surpreendente ver em que medida estes períodos da evolução da moda coincidem com determinadas evoluções históricas e, por conseguinte, seu lugar de destaque por outros impulsos históricos de transformação. (...) O fato decisivo é que as revoluções, as guerras e a instabilidade sociocultural como tais não produzem determinadas modas (vestidos mais compridos ou curtos). Mas podem por em discussão o estilo existente. Desenvolvem-se tendências divergentes e movimentos subversivos e centrífugos.” König, René. Sociologia de la Moda . Op. Cit.; pp. 25 e 26. (Tradução da autora). 68 “A sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquela que faz passar o econômico para a órbita da forma moda. (...) por toda parte impõe-se a lógica da renovação precipitada, da diversificação e da estilização dos modelos. (...) A ordem burocrático-estética comanda a economia do consumo agora reorganizada pela sedução e pelo desuso acelerado. A indústria leve é uma indústria estruturada com a moda.” Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; p. 159. 69 “Na verdade, a moda é um princípio universal de configuração cultural, que pode abranger não somente o corpo do homem em sua totalidade, mas também todos os seus modos de manifestação. Por esta razão não se deve subestimar seu poder de criadora cultural, embora não por isso seja idêntica à cultura em geral ou de uma manifestação particular do chamado ‘estilo’”. König, René. Sociologia de la Moda. Op. Cit.; p. 21. (Tradução da autora). 65

42 está sobre os aspectos sociológicos e culturais da moda com entrelaces econômicos, e comunicacionais (dentro dos campos da comunicação de massa e da publicidade). É quase impossível abordar a moda sem tratar dos assuntos sociais, acontecimentos históricos e ideologias que estão vinculadas com o momento descrito (atual ou passado), pois estes podem influenciar drasticamente a visão de mundo humana que se reflete também na maneira de vestir (detalhamento encontrado no breve histórico da moda ocidental apresentado mais adiante). Mas a ligação entre a moda e a sociologia é mais bem explicada pelo caráter distintivo das roupas e o seu valor simbólico nos diversos grupos sociais onde o vestuário deixa de ter meramente valor de uso para adquirir também valor significativo, criando-se o entrelaçamento da sociologia com a comunicação. A moda está inserida na comunicação no seu sentido semiológico70, uma vez que pode ser encarada como uma linguagem incorporando inúmeros numerosos signos e significados. “O vestuário é comunicação – A semiologia veio aperfeiçoar esta tomada de consciência e agora permite-nos inserir a nossa noção da comunicabilidade do vestuário num quadro mais amplo, no quadro de uma vida em sociedade onde tudo é comunicação.”71 A moda encarada dessa maneira possui um vocabulário e uma gramática. Ainda usando as palavras de Umberto Eco: “se a comunicação se estende a todos estes níveis, não admira que possa existir uma ciência da moda como comunicação e do vestuário como linguagem articulada.”72 Comunica-se por meio das roupas, dos estilos e das marcas utilizadas. A escolha de determinadas roupas transmite mensagens impregnadas de menções ideológicas, sociais, emocionais e culturais. Logicamente existem variáveis como a disponibilidade de determinadas peças de vestuário, considerações sobre o conforto, preço, tradições, cultura, sexo e viabilidade. Mas, mesmo depois de feitas tais considerações, a mensagem prevalece. Portanto, a vestimenta não tem somente uma utilidade prática e de proteção, ela é muito mais que isso, incorpora uma gama de significados no seu uso.

70

Estudo realizado por Roland Barthes. In: Barthes, Roland. Sistema da Moda. São Paulo: Editora Nacional, 1979, p. 249. 71 Eco, Umberto. “O Hábito Fala pelo Monge”. In: VVAA, Psicologia do Vestir. Organizado por Umberto Eco. Lisboa: Assirio e Alvim,1989, pp. 7 e 8. 72 Eco, Umberto. “O Hábito Fala pelo Monge”. Op. Cit.; p. 12.

43 Apesar de não ser possível vestir determinadas roupas ou modas, assim como não é viável utilizar todas as palavras disponíveis de um vocabulário simultaneamente, podese reconhecê-las. O mesmo acontece com as roupas, definir determinados estilos e fazer a tradução do vestuário usado por uma pessoa é relativamente fácil, assim a leitura do discurso que está por trás dela é uma conseqüência.73 Como Veblen observou:“(...) o dispêndio com o vestuário leva vantagem sobre a maioria, pois o nosso traje está sempre em evidência e proporciona logo à primeira vista uma indicação da nossa situação pecuniária a todos quantos nos observam. É também verdade que o dispêndio confesso para fins de ostentação está mais visivelmente presente, e é talvez mais universalmente praticado, em assuntos de vestuário do que em qualquer outro setor do consumo. (...) a maior parte do dispêndio em que incorrem todas as classes em questão de vestuário é principalmente devida ao interesse pela aparência respeitável, não pela proteção da própria pessoa.”74 Mas, como em toda linguagem, códigos desconhecidos são comuns e algumas mensagens podem não ser totalmente decifradas pelos receptores. Prever que a roupa e o comportamento de um rapper quer atentar a sociedade para a situação social da periferia que ele descreve em suas músicas é lugar comum. Entretanto, poucas pessoas sabem distinguir a que tipo de subgrupo este rapper pode pertencer, somente outros membros do grupo ou alguém que tenha algum tipo de contato com a cultura da periferia. Como em qualquer outro processo comunicativo, o receptor e o seu ethos são fundamentais para a interpretação correta da mensagem. Uma outra relação entre a moda e a comunicação pode ser prevista pelo fato de que a moda renova e induz o desejo por bens (sejam eles materiais ou culturais) utilizando-se de dos meios de comunicação de massa. Ao abordar esse segundo ponto de vista dentro da comunicação considera-se que a moda se inscreve como uma força complexa dentro da sociedade capitalista, sendo uma das grandes incitações ao consumo juntamente com a publicidade. Nesse ponto é feito mais um alinhamento entre ciências (comunicação e economia), onde a moda atua como legitimadora do desgaste acelerado dos produtos retroalimentando o sistema econômico, 73

A comunicação feita pela vestimenta é tão forte que durante séculos existiram leis que regulamentavam o uso de determinadas roupas (as leis suntuárias). A Inquisição fazia o uso de trajes penitenciais (batas brancas com uma cruz vermelha nas costas) que marcavam os condenados na rua, o uso obrigatório era um castigo de execração pública. Ginzburg, Carlo. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 74 Veblen, Thorstein. A Teoria da Classe Ociosa. São Paulo: Pioneira, 1965, pp. 159 e 160.

44 utilizando-se dos meios de comunicação de massa para espalhar as novidades entre as mais diferentes camadas sociais incitando a substituição do “velho” (ainda útil) pelo que é novo. Jean Baudrillard, calcado no pensamento de Vance Packard sobre as estratégias do desperdício comenta esse papel da moda dentro da sociedade de consumo, conforme foi apresentado no capítulo anterior. A lógica da distinção entre classes, estimulada pelo sistema econômico, onde uma moda deixa de ser de elite rapidamente para ser popularizada, fim de expandir o lucro, faz com que mais pessoas tenham acesso à moda. Esse “populismo” do consumo não é nem um pouco democrático, a recompra de produtos é forçada pela regulamentação da oferta conforme as necessidades do mercado industrial onde as opções são previamente estabelecidas. “(...) a diferença das opções de sociedade para sociedade e a respectiva semelhança no interior da mesma sociedade é que nos leva a considerar o comportamento do consumidor como fenômeno social. Diverge-se dos economistas num ponto sensível: a sua escolha “racional” tornou-se a escolha conforme, a escolha da conformidade. As necessidades visam mais os valores que os objetos e a sua satisfação possui em primeiro lugar o sentido de uma adesão a tais valores. A escolha fundamental, inconsciente e automática do consumidor é aceitar o estilo de vida de determinada sociedade particular (portanto, deixa de ser escolha! – acabando por ser desmentida a teoria da autonomia e da soberania do consumidor).”75 Além do sentido econômico a moda abriga em sua dinâmica as lutas de classes. Este aspecto, que também é simbólico e comunicacional, encontra-se na raiz das relações humanas conforme coloca Eco: “Há casos em que o objeto perde a tal ponto a sua funcionalidade física e adquire um valor comunicativo a tal ponto que se torna acima de tudo um sinal, e permanece objeto apenas em segunda instância. A moda é um destes casos. Basta o exemplo da pele envergada pelo nosso homem primitivo por razões especialmente funcionais. Tinha frio e cobria-se, não há dúvida. Mas também não há dúvida que no espaço de poucos dias depois da invenção do primeiro trajo de peles, se terá criado a distinção entre os bons caçadores, munidos das suas peles, conquistadas pelo preço de uma dura luta, e outros, inaptos, os sem-peles. E não é preciso muita imaginação

75

Baudrillard, Jean. A Sociedade de Consumo. Op. Cit.; pp. 69 e 70.

45 para imaginar a circunstância social em que os caçadores terão envergado as peles, já não para proteger-se do frio, mas para afirmar que pertenciam à classe dominante.”76

3.2 - A moda e seu desenvolvimento até o final do século XIX Antes de iniciar um breve histórico da moda é preciso fazer duas ressalvas importantes dentro da história do vestuário e uma apresentação de uma provável origem das roupas. A primeira ressalva diz respeito aos documentos que permitem fazer uma reconstituição histórica da moda. Como eles são na sua maior parte documentos que pertencem à história da arte (incluindo pinturas, esculturas, artefatos, arte tumular e urnas funerárias, isso porque os materiais dos quais são geralmente feitas roupas, sapatos e acessórios dificilmente se conservam ao longo dos séculos) é preciso os analisar com cuidado. Documentos de arte, em geral, são imprecisos para o desenvolvimento de uma verdadeira história do vestuário, uma vez que o artista pode inspirar-se não no que lhe é atual mas em modelos ultrapassados para evocar um passado histórico ou mitológico. Além deste fator, existem dificuldades técnicas como no caso da escultura onde a representação da vestimenta pode ter o aspecto de “tecido molhado” sendo este um recurso eficaz, e esteticamente belo, mas que compromete a representação real do corte e do tecido da roupa.77 Em segundo lugar, é necessário destacar que a reconstituição histórica do vestuário das classes populares sempre foi uma tarefa das mais ingratas. As fontes históricas principalmente artefatos, arte tumular, pinturas e esculturas que poderiam oferecer pistas, geralmente retratam somente as classes que detém o poder econômico e social nas épocas descritas, pois eram os financiadores da sua produção. Assim poucos são os documentos que mostram membros das classes subalternas, contudo por meio desses pode-se perceber que sempre a roupa foi um fator de distinção entre classes, e que em todos os tempos a vestimenta do trabalhador foi mais prática e se manteve por um período maior fora das transformações da moda. Finalmente, resta expor as razões que possivelmente levaram o homem primitivo a se vestir. Para isso, não basta apenas reconhecer que ele passava frio e portanto procurou 76

Eco, Umberto. “O Hábito Fala pelo Monge”. Op. Cit.; p. 15.

46 um abrigo. Existiram outros fatores, já que algumas tribos habitavam lugares inóspitos e se trajavam de maneira sumária e outras, no entanto, viviam em desertos e se cobriam da cabeça aos pés. Algumas teorias tentam explicar de maneira simplista essa necessidade, mas essas somente fazem sentido na perspectiva de que uma complementa a outra. Os motivos encontrados para a explicação do fato por estas diferentes teorias, são: a proteção, o pudor e a ornamentação.78 Em uma abordagem sucinta a teoria da proteção se resume ao fato do ser humano ser desprotegido naturalmente e precisa de abrigo para sobreviver, assim como para melhorar suas condições de vida. A teoria do pudor enfatiza o aspecto do ser humano precisar se comportar de acordo com regras sociais impostas por um grupo, onde a vergonha de não estar de acordo com esse o faz se vestir de maneira adequada. A teoria do pudor também prediz que as pessoas podem estar em desagrado com o seu próprio corpo e por isso o esconde, esse mecanismo seria interno e não social. A teoria do adorno (a mais elucidativa, pois assume que a vestimenta serve para ressaltar a auto-imagem) se refere à capacidade da roupa em suprir a carência de ornamentos do corpo humano, chamando a atenção para seu portador. Com o poder de atração aumentado, o ser humano satisfaz necessidades conscientes e inconscientes (como por exemplo, aumentando seu poder de atração sexual, demonstrando “status” social e fortalecendo sua auto-estima). Claramente pode-se notar que os impulsos que fizeram o ser humano se vestir são mais complexos do que o proposto por cada das teorias separadamente. É muito provável que exista uma conjunção de fatores que incluem o clima, razões psicológicas como o pudor, a sedução, demonstração de poder e distinção social. Assim como também os aspectos estéticos e de diferenciação de seus semelhantes, as crenças associadas às influências mágicas de alguns tipos de ornamentos em certas culturas (como peles de animais que quando usadas transmitem características desses animais para seu proprietário). O uso simbólico da roupa não desapareceu no tempo, muito pelo contrário, encontram-se presentes como nunca na sociedade contemporânea, como as crianças que

77 78

Boucher, François. A History of Costume in the West. London: Thames and Hudson, 1997, pp. 5 a 7. Flügel, John Carl. A Psicologia das Roupas. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1966, pp. 11 a 75.

47 até hoje brincam de vestir as roupas dos pais, e assim ensaiam para uma futura vida adulta, além das distinções no uso de “marcas” e de trajes cerimoniais. O psicólogo A. H. Maslow79 propôs uma teoria da hierarquia das necessidades humanas, a qual pode ser adaptada especificamente para o vestuário. De acordo com esta teoria as pessoas são dirigidas por suas necessidades específicas, organizadas dentro de patamares, a partir das necessidades mais urgentes até as menos urgentes. A hierarquia é apresentada na forma de uma pirâmide onde os degraus são, respectivamente representados do patamar mais baixo até o mais elevado, pelas necessidades fisiológicas (fome, sede...), segurança (abrigo, proteção), necessidades sociais (relacionamentos, amor), estima (auto-estima, reconhecimento, distinção social) e finalmente no topo pela auto-realização (desenvolvimento pessoal e conquista). Somente quando as necessidades de um estágio inferior são satisfeitas, a pessoa parte para o estágio seguinte, em um processo acumulativo. Transferindo os conceitos da hierarquia das necessidades para o vestuário encontramos os seguintes níveis:80 Os aspectos práticos e protetores da roupa serão evidenciados se as condições climáticas forem hostis, ressaltando a necessidade de abrigo e segurança, estágios um e dois. Considerando que o sexo seja também uma necessidade primária, a roupa também pode incorporar aspectos ornamentais. O estágio seguinte será representado pelo aspecto social, ou ao fato de pertencer a um grupo e assim estar vestido de acordo com o seu papel social dentro do mesmo. A necessidade desse estágio pode ser comparada à necessidade de pudor. O quarto nível é caracterizado pela personalização da aparência. Fazendo isso a pessoa está aumentando sua auto-estima e ganhando prestígio. Nesse caso, a distinção social e o prazer de ser admirado que estão associados à teoria da ornamentação. A autorealização prevista pelo último estágio é necessidade difícil de se adaptar para o vestuário, o sugerido é um aspecto de criatividade no vestir-se. Supondo que todas as necessidades sejam satisfeitas a vestimenta causa ainda uma dissonância psicológica entre o pudor e o instinto sexual, esta é a proposta do psicólogo J. C. Flügel, bem interpretada por König, onde: “a oposição central se estabelece entre o querer distinguir-se por meio de adornos, por um lado, e o decoro e a decência, por outro. 79

In: Kotler, Philip. Administração de Marketing: Análise, Planejamento, Implementação e Controle. São Paulo: Atlas, 1993, p. 220.

48 De fato na roupa existe a intenção equilibrar dois aspectos contraditórios: fazer ressaltar nossos atrativos e ao mesmo tempo tranqüilizar nosso sentimento de pudor. Os dois têm, sem dúvida uma raiz comum: o instinto sexual, que no primeiro caso é afirmado e no segundo é negado.”81 Após a apresentação das possíveis origens do vestuário, a história que se segue é que durante séculos o vestuário respeitou limites de classes sociais, hierarquias, profissões e sexo. Inicialmente, nas primeiras culturas não existiu o que se convencionou chamar de moda. A vida quotidiana se desenvolveu sem que maiores novidades se instalassem, as sociedades primitivas e posteriormente as civilizações que se seguiram eram tradicionalistas e se apegavam a valores antigos, o novo era visto com desconfiança

82.

Assim como num sistema de castas, onde cada um somente se vestia conforme o seu papel social, as leis suntuárias83 descreviam o que era permitido vestir, a distinção de classes era apresentada de uma maneira ostensiva. Mas sempre houve brechas nesse sistema rígido, onde a necessidade de distinção era suprida. Um exemplo pode ser dado dentro da civilização romana, que apesar dos trajes não apresentarem mudanças ao longo dos séculos, as distinções nas classes mais elevadas se davam pelos penteados (principalmente das mulheres). De acordo com Boucher84 o desenvolvimento do vestuário ao longo da história é devido à necessidade humana de se adaptar ao seu ambiente e ao progresso que se instala ao seu redor. O autor encontra três fases na história da moda na Europa: O primeiro período vai do início da idade Antiga até o século XIV. Em linhas gerais as mais diferentes civilizações, dentro de sua diversidade, não apresentaram mudanças em suas vestimentas, não existiam características nacionais definidas e somente as classes

80

Mueller, Carol Steawart. Smiley, Eleanor Lewit. Marketing Today’s Fashion. New Jersey: Prentice-Hall, 1995, pp. 40 e 41. 81 König, René. Sociologia de la Moda. Op. Cit.; p. 15. (tradução da autora). 82 Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; p. 23. 83 “Várias sociedades elaboraram decretos, conhecidos como leis suntuárias, para prescrever ou proibir o uso de estilos específicos por classes específicas. No antigo Egito, somente aqueles da classe social alta podiam usar sandálias; os gregos e os romanos controlavam o tipo, a cor e o número das peças do vestuário e o tipo de bordado com que podiam ser enfeitadas. Durante a Idade Média, quase todo aspecto do vestuário era controlado em certo lugar ou momento – embora, nem sempre com muito sucesso. (...) Leis sobre o que podia ser vestido e por quem continuaram a vigorar na Europa até 1700, aproximadamente. Porém, à medida que as barreiras entre as classes se enfraqueciam e a riqueza passava a ser convertida em nobreza mais rápida e facilmente, o sistema pelo qual a cor e o feitio designavam classe social alta começou a cair.” Lurie, Alison. A Linguagem das Roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 129. 84 Boucher, François. A History of Costume in the West. Op. Cit.; pp. 13 e 14.

49 sociais permaneceram uniformemente separadas, as roupas apresentavam, de modo geral, forma longas, soltas e drapeadas. A segunda fase identificada é do final do século XIV até a expansão industrial do século XIX. Essa separação é devida a uma valorização das características nacionais e o aspecto personalizante da roupa. Nesse período surge a moda, no sentido atual, caracterizada por variações freqüentes dentro de um ciclo. A última fase começa na metade do século XIX e se estende até o presente. Compreende a descaracterização dos aspectos nacionais da roupa e criação de estilo internacional de vestir-se (dentro da cultura ocidental européia que influencia grande parte do mundo por meio do seu expansionismo), a produção em massa e a criação da alta-costura, combinando a preservação de uma roupa com estilo pessoal. Nessa fase o tempo de mudanças da moda torna-se mais rápido baseado principalmente na acumulação de riqueza por parte dos industriais e a passa a reger as leis do mercado de substituição. O estudo minucioso da história permitiu descobrir que existe uma dupla referência de tempo na moda: aquele das rápidas flutuações, onde se acostumou a tomar a palavra moda como seu sinônimo, e o tempo que segue o sentido histórico, onde são notadas as grandes transformações das formas. “As mudanças de Moda aparecem regulares, se considerarmos uma duração histórica relativamente longa, e irregulares se reduzirmos essa duração aos poucos anos que precedem o momento em que nos colocamos. Regular de longe e anárquica de perto, a Moda parece dispor, assim, de duas durações: uma propriamente histórica, outra que se poderia chamar de memorável (...)”85 O primeiro sentido de tempo é rápido, se concentra nos detalhes, é o tempo das distinções e pode retomar fragmentos de modas passadas num processo cíclico e vertiginoso. O segundo possui maior estabilidade e dificilmente retroage, quando o faz é de maneira lenta ao longo de vários anos, (é o tempo das formas e das estruturas). É como se o tempo da moda fosse uma grande espiral86, movendo-se de forma lenta, e por cima 85

Barthes, Roland. Sistema da Moda. Op. Cit.; p. 279. “A moda não incide sobre a estrutura e, se a estrutura permanece a mesma, a moda retrocede para dar o lugar a uma outra moda, num jogo em que retorna o antigo, num processo cíclico. Quando muda uma moda e o processo, em vez de ser cíclico (embora tendo fatores cíclicos no seu seio) procede ao longo de uma direção (estrutura espiralóide) então é sinal que a estrutura se alterou”. Alberoni, Francisco. “Observações Sociológicas sobre o Vestuário Masculino”. In: VVAA, Psicologia do Vestir. Organizado por Umberto Eco. Lisboa: Assirio e Alvim,1989, p. 55. 86

50 dessa estrutura desloca-se uma espiral menor, de movimento acelerado. Na moda não existe uma trajetória específica, ela passa na mesma direção do passado, mas não percorre exatamente os mesmos caminhos. A moda pode se inspirar no passado87, todavia, sempre que este o revisita é de uma maneira diferente. A espiral da moda nunca pára, mesmo porque a economia não pode parar dentro do contexto capitalista. O tempo das estruturas pode sofrer rupturas rápidas em seu desenvolvimento se o contexto social e econômico sofrerem grandes e rápidas transformações88. É também importante ressaltar que o tempo das estruturas, de acordo com König, sempre termina quando se chega a um grau máximo dentro de um estilo. “(...) nenhum tipo de roupa é totalmente rígido, mas permite toda uma série de desvios em consonância com a moda, que são de curta duração e de pouco alcance. Até mesmo se poderia dizer, categoricamente, que um tipo roupa, e um estilo, encontram em seu final quando não permitem mais variantes e se sujeitam a um cânone rígido. A moda começa a dar suas investidas em terreno novo, cada vez mais intensamente, até que um dia destrói o velho sistema, a maioria das vezes de maneira inadvertida.”89 O ciclo das rápidas transformações é determinado pela necessidade do estabelecimento de novos produtos para serem consumidos. Esse ciclo é o tempo preciso determinado pelas indústrias que produzem a moda estabelecendo quando surgirão as inovações. As tendências de como serão tais inovações é também ditada pela indústria que “sugere” aos criadores de alta-costura o que seria mais adequado para as estações seguintes, dentro de uma disponibilidade de cores, de tecidos e estamparias. Com base na descrição de Mueller90 o ciclo da moda segue o seguinte roteiro: Estágio introdutório: as mercadorias são distribuídas para lojas selecionadas, com um perfil inovador. Nessa etapa consumir a última moda pode ser caro, acima da média dos outros estágios porque o consumidor pode rejeitar a nova moda além do alto preço de produção (pouca quantidade). A divulgação na mídia e em revistas especializadas com o

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“No decorrer da história a moda se comporta, através das roupas, como um código “recheado” de operações metalingüísticas, ou seja, a moda opera com o código. E este, se renova através dos tempos exatamente por esse processo de metalinguagem, que busca na roupa a renovação do seu circulo histórico, sempre buscando elementos em si mesma para a renovação”. Machado Jr, Carlos Eduardo. “O Mercado do Simbólico”. In: Comunicação para o Mercado. São Paulo: Edicom, 1995, p. 172. 88 Mueller, Carol Steawart. Smiley, Eleanor Lewit. Marketing Today’s Fashion. Op. Cit.; p. 44. 89 König, René. Sociologia de la Moda. Op. Cit.; pp. 22 e 23. 90 Mueller, Carol Steawart. Smiley, Eleanor Lewit. Marketing Today’s Fashion. Op. Cit.; p. 48.

51 aval de celebridades dá o impulso para que a moda seja rapidamente consumida, atingindo o estágio seguinte. A segunda etapa é caracterizada pela popularização da moda, o consumidor médio começa a procurar pela moda da estação e as confecções apressam-se para copiar as lojas com o perfil inovador para suprir os novos pedidos de outras lojas. O preço das mercadorias cai fortalecendo as vendas, o estilo dessa moda é popularizado rapidamente sendo copiado em versões mais baratas, até ter uma cobertura total de lojas para todos os públicos. A mídia de massa nesse estágio atua como divulgadora da moda para todas as classes. O estágio de maturidade de uma moda é quando se atinge o volume máximo de vendas, se os revendedores fizerem novos pedidos, por um período breve a moda se mantém em níveis estáveis de venda, se acontece o contrário há um declínio no consumo desta moda. A duração deste período pode variar muito, dependendo dos níveis de comercialização. Se esses não atingirem o esperado entra-se no estágio de declínio da moda caracterizado por liquidações e descontos para acabar com o estoque restante. As fábricas também fazem barganhas pois precisa acabar com todo o tecido da estação. A moda sobrevive nos lojistas que querem aproveitar estas últimas ofertas das fábricas. Nesse momento as lojas mais populares e simples acabam comprando a mercadoria e divulgando a moda nas periferias. O final do estágio de declínio é determinado quando a mídia está começando a divulgar a nova tendência em estágio introdutório. Retomando a história da moda. A primeira fase do desenvolvimento do vestuário, anteriormente descrita, é um período onde não há o ciclo das mudanças da moda. Somente nos séculos XIII e XIV se configuraram as condições sociais e econômicas fundamentais que forneceram o suporte necessário para o surgimento da moda na metade do século XIV. Um rápido panorama da época, mostra que com o processo de enriquecimento da Europa, houve o fortalecimento do comércio e as atividades mercantis entre os países começaram a se desenvolver. Surge um novo estrato social, a burguesia. Esse burguês, novo-rico, queria se parecer ao máximo com a nobreza e investiu em aparência, usando tecidos caros e jóias. Nesse momento na França, Espanha e Itália vem a represaria da nobreza com a multiplicação das leis suntuárias, alegando o “esbanjamento” de metais preciosos e gastos indevidos com produtos importados, mas que na realidade era uma tentativa de “colocar cada um no seu devido lugar” novamente. Porém, a

52 imitação do vestuário nobre continuou à medida que a classe média foi surgindo juntamente com a burguesia.91 A moda surge definitivamente quando homens e mulheres passam a se vestir de maneira diferente, as roupas adquirem novas formas. Nessa revolução os trajes masculinos passam a ser curtos e justos e os femininos longos e ajustados. A partir do estabelecimento das formas “femininas” e “masculinas”, as roupas passaram a se modificar em períodos de tempos cada vez mais curtos, antes se passavam séculos e as vestimentas não se alteravam. Os saltos da moda eram dados para manter a distinção da nobreza pois, seus trajes eram copiados por burgueses e pequenos burgueses em um efeito cascata. O vestuário não era mais originário de uma memória coletiva mas era o reflexo do gosto e das preferências de reis e poderosos. A roupa se torna uma forma individual de expressão, pois era preciso manter o afastamento social e a fórmula encontrada era a constante renovação. Como as análises de Veblen92 concluem: o consumo das classes superiores obedece ao princípio do esbanjamento ostentatório, o que atrai a estima e a inveja, o que não deixa e ser a rivalidade entre os seres humanos e uma eterna luta de classes. Considerando a nobreza e a burguesia emergente pode-se notar o nascimento pelo gosto das novidades. Por outro lado, nas classes menos favorecidas houve uma tendência a não aceitação do novo. Historicamente, essas classes extremamente tradicionais não adotaram mudanças facilmente, uma vez que suas condições também impediram constantes renovações no vestuário além de serem atingidas pelas leis suntuárias. Outro fato importante era que essas classes também eram compostas por membros pertencentes as guildas, corporações de ofícios compostas por mestres e aprendizes que se vestiam de acordo com tradicionais códigos hierárquicos. Portanto, abandonar o traje que os distinguiam dos demais para adotar modismos era fora de questão, até porque esses poderiam ser expulsos de suas corporações.93

91

“A moda não é um fenômeno universal, mas próprio de certas sociedades e certas épocas. (...) É a partir do Renascimento, quando as cidades se expandem e a vida das cortes se organiza, que acentua no ocidente o interesse pelo traje e começa a acelerar-se o ritmo das mudanças. A aproximação em que vivem as pessoas na área urbana desenvolve, efetivamente, a excitabilidade nervosa, estimulando o desejo de competir e o hábito de imitar.” Souza, Gilda de Mello. O Espírito das Roupas. São Paulo: Companhia da Letras, 1987, pp. 20 e 21. 92 Veblen, Thorstein. A Teoria da Classe Ociosa. Op. Cit.; pp. 74 a 102. 93 Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; p. 40.

53 Ao mesmo tempo em que se cristaliza esse espírito de pertencimento a uma corporação, cresceu também um sentimento de nacionalidade e individualismo, cada vez mais forte desde o final da Idade Média94. Não se pode deixar de notar que a moda nascente deixou bem clara a distinção cada vez maior dos trajes adotados por diferentes nações, começa surgir a roupa nacional, reforçando a identidade e contribuindo para o aparecimento da consciência cultural de cada país. Cada Estado passou a se distinguir dos seus vizinhos com o uso de elementos singulares, mas quando a política e a economia diziam qual seria a nação dominante a maneira de se vestir da nobreza e da burguesia tendia a absorver elementos dessa nação que estava em voga, fenômeno se pode sentir até hoje na moda. Nesse ponto nasceu um paradoxo criado pela moda, por um lado existia a nobreza e a burguesia procurando a individualização pela constante renovação do vestuário, e contraditoriamente, a maior parte da população buscava a adoção de um padrão comum e experimentava um novo senso de identidade pelo uso de determinados trajes típicos. Durante o Renascimento e nos séculos seguintes, o exagero foi uma característica cada vez mais promovida pela nobreza na tentativa de manter o seu status quo. Com o desenvolvimento das grandes navegações, houve um enriquecimento rápido na Europa, o comércio com o Oriente e a exploração colonial permitiu o acesso à riqueza e novos materiais de luxo. O padrão de vida em algumas cidades européias aumentou e a nobreza se tornou cada vez mais sofisticada, assim como toda a corte que aumentou em número de pessoal e de despesas, já que era necessário acompanhar o luxo dos governantes. Além da produção de roupas os acessórios tornaram-se indispensáveis (como as perucas), e assim surgiram novos profissionais especializados na criação e manutenção desses acessórios. O caráter transitório da moda foi crescendo e o ritmo de mudanças era cada vez mais intenso. No século XIX, quando as metrópoles industriais se consolidam, a sociedade não estava mais claramente dividida entre burguesia e nobreza. A Revolução Francesa derrubou os poderes de classes, os privilégios materiais foram substituídos pelas

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“A emergência de noções de individualidade, no sentido moderno, pode ser relacionada ao colapso da ordem social, econômica e religiosa medieval. No movimento geral contra o feudalismo houve uma nova ênfase na existência pessoal do homem, acima e além de seu lugar e sua função numa rígida sociedade hierárquica.” Williams, Raimond. In: Hall, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Op. Cit.; p. 28.

54 qualidades pessoais. Começava a existir uma certa mobilidade social e a classe média passou a ter seu valor na sociedade. Um reflexo dessa nova postura se reflete na moda masculina que tendeu à uniformização e à sobriedade, as cores foram sumindo até restarem somente o preto e cinza, predominantes nas paisagens urbanas. O que distinguia as classes eram os códigos de etiqueta e refinamento cultural. Por outro lado, a invenção da máquina e costura em 184395 possibilitou a produção em massa barateando o custo da vestimenta permitindo o acesso da moda para grupos da sociedade que com muito custo a seguia, conseqüentemente o ciclo da moda acelerou-se. Com o surgimento da imprensa e da propaganda o desejo de consumo das massas foi estimulado como nunca, os jornais e revistas provocam um impulso pela busca da moda, os figurinos podiam ser copiados dos moldes das revistas e as modas da Europa atingiam vários países em um espaço de tempo mais curto. Aos poucos, trajes folclóricos e regionais desapareceram do cotidiano das classes populares, pois estas passaram a ter acesso às novidades e se sentiam motivadas pelos apelos publicitários. Assim, seguir as modas “da cidade” e das classes mais abastadas tornou-se uma necessidade. Buscando uma diferenciar-se a elite criou a altacostura, iniciada no século XIX sobretudo por Worth96, que teve seu apogeu e sede na França. “Com a era da Alta Costura, ao contrário, pela primeira vez, há uma institucionalização ou orquestração da renovação: no essencial, a moda torna-se bianual, as meias-estações não fazendo mais do que anunciar os sinais precursores da moda seguinte. Ao invés de uma lógica fortuita da inovação, instalou-se uma normalização da mudança de moda, uma renovação imperativa operada com data fixa por um grupo

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Não há um consenso entre os autores do ano exato da invenção, Gilda de Melo e Souza considera que:“A máquina de costura havia sido inventada em 1830 mas só se tornou praticável em 1843 com os aperfeiçoamentos de Howe: mais ou menos simultaneamente são feitas inovações por Wilson, Crover, Singer e Gibbs. Primeiramente usada na fabricação de sapatos, em 1850 já produzia roupa masculina barata, a ser vendida pronta. Em 1858 os grandes costureiros de Paris usavam-na. E em 1860 quase todas roupas eram feitas à máquina e estavam a caminho da padronização”. Souza, Gilda de Mello. O Espírito das Roupas. Op. Cit.; p. 220. 96 Charles-Frédéric Worth (1826-1895), fundador da primeira maison de alta-costura em 1858, Paris. Worth foi quem inventou o sistema da alta-costura com o uso de manequins, de apresentação de coleções, das criações exclusivas e da roupa assinada. Sua maison existiu até 1956. Gilbert, Vera Lígia Pieruccini. O Entorno Acadêmico e Industrial Têxtil do Vestir e Morar Brasileiros. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo,1993, p. 49.

55 especializado. A Alta Costura disciplinou a moda no momento em que ela engatava um processo de inovação e de fantasia criadora sem precedente.”97 A alta-costura é caracterizada pela produção do luxo sob medida opondo-se à produção em massa das confecções. Seu papel num primeiro momento foi substituir a nobreza e a alta burguesia no lançamento de

tendências que posteriormente seriam

copiadas com maior ou menor atraso. Hoje em dia, a moda continua obedecendo a essa lei, mas nas últimas décadas ela é um modelo muito distante (atualmente somente um grupo de aproximadamente mil pessoas consome este tipo de moda no mundo)98. A alta-costura tornou-se praticamente a continuidade de uma marca, suas criações são quase obras de arte que servem para divulgar uma imagem à qual se vinculam outros produtos de camisetas a perfumes. O século XIX traz uma outra inovação que foi essencial no processo de popularização da moda: as lojas de departamentos. Surgidas inicialmente na França em 1824 com a primeira loja “La Belle Jardinière”99. Nesses lugares as roupas podiam ser compradas prontas, inicialmente eram comercializadas em um tamanho único somente a partir de 1850 vários tamanhos passam a ser oferecidos. Entretanto, a qualidade dos seus artigos deixava a desejar. No início da sua industrialização os produtos das confecções eram considerados grosseiros demais para a classe média que continuava freqüentando as “costureiras” em busca de um acabamento personalizado e perfeito. Esse hábito ainda vai se perpetuar até a década de 1960. Sobre a popularização da moda, iniciada no século XIX, Gilda de Mello e Souza faz o seguinte comentário sobre as classes populares e o surgimento da alta-costura: “Um pouco afastado desse núcleo central, um público sôfrego, até o qual chegam pelas luxuosas revistas mundanas os ecos da vida elegante, aspira, na penumbra em que se encontra, à mesma existência de beleza. Seu orçamento é limitado e para satisfazê-lo surgem os ersatz da moda, a cópia fiel do modelo ou a mistificação bom marché. Quanto mais rapidamente se exibe a cópia, tanto mais depressa o estilo muda. Pois o espetáculo da submissão feminina logo levará os costureiros a forçar o ritmo da moda, a acelerar a rapidez das mudanças lançando, em espaços cada vez mais breves, novos estilos de vestimenta que seus nomes prestigiam. Não é vestido que importa, mas a etiqueta do 97

Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; p. 73. Mueller, Carol Steawart. Smiley, Eleanor Lewit. Marketing Today’s Fashion. Op. Cit.; p. 100. 99 Braga, João. “A Industrialização da Moda”. Costura Perfeita, 03/2001, pp. 63 e 64. 98

56 criado (...). Assim a sociedade democrática, que teoricamente oferece a todos as mesmas oportunidades e na qual, segundo Spencer, iria desenvolver-se, pela libertação da moda, o gosto individual, acaba massacrando as elites nos tentáculos da indústria costureira, reforçando o desejo de igualdade da burguesia através da propaganda e atirando fora da competição todo o proletariado. Essa mesma democracia que não estabelece barreiras nítidas entre as classes inventa um novo suplício de Tântalo: permite que as elites usufruam uma moda que a classe média persegue sem jamais alcançar e que os pequenos funcionários e todos os párias sociais espiam nas vitrinas com o olhar sequioso.”100

3.3 – A popularização da moda e o surgimento da moda jovem no século XX A primeira metade do século XX foi um período de reinado da alta-costura na divulgação das modas. A produção em série que existia desde o século passado se encarregava de transmitir a moda para as classes menos abastadas com uma grande diferença de qualidade e prestígio. O tempo de estratificação social de uma moda era calculado apropriadamente para criar a distinção necessária entre as diferentes classes na adoção de um modelo. “Nos meios camponeses e operários, nesse mundo subterrâneo que os burgueses continuam chamando de “o povo”, a moda, até a Segunda Guerra Mundial, somente é conhecida de ouvido. No começo do século XX, veste-se ainda quase a roupa que caracteriza um certo tipo de trabalho. Ao longo de uma vida nem aquela nem este variam muito. Dessa forma, o hábito faz o monge e a maioria das vezes permite saber com quem se está lidando. Será preciso esperar pelos anos 60 para que, das confusões geradas pela guerra, nasça, infinitamente mais complexa, a segunda parte desta história

vestuário

contemporâneo.”101 Ainda com relação à alta-costura, o século foi o palco dos grandes estilistas. O primeiro deles que iniciou suas atividades ainda do século XIX foi Worth que revolucionou a maneira de criar moda, não pelos seus modelos mas pela maneira de conduzir sua maison. A moda, desde então, passou a estar na mão de criadores “caprichosos” (tanto pelo perfeccionismo quanto pelas atitudes de excêntricas) que faziam

100 101

Souza, Gilda de Mello. O Espírito das Roupas. Op. Cit.; pp. 140 e 141. Baudot, François. Moda do Século. São Paulo, Cosac & Naify Edições, 2000, p. 12.

57 questão de manter um estilo próprio pelo o qual eram reconhecidos, seus modelos eram, e ainda são, tratados como “obras de arte”. No começo do século XX surgiram outros criadores que se tornaram igualmente famosos. Paris era isoladamente a grande capital da moda mundial. A cidade oferecia os cenários ideais para o “desfile” de modelos assinados por Paul Poiret, Jacques Doucet entre outros. A moda brasileira, do início do século XX, era quase que exclusivamente de origem francesa. As principais referências eram os figurinos, importados, que se transformavam em roupas confeccionadas aqui no Brasil. Para se estar na moda era preciso suportar uma inadequação dos modelos seguidos à risca, e que portanto para tal, requeriam tecidos quentes para o clima brasileiro. A Primeira Guerra Mundial fez com que as roupas se tornassem mais simples e práticas principalmente para as mulheres, os babados foram suprimidos, as saias encurtadas e as formas simplificadas. O período entre guerras surpreendeu pela vontade da mulher se libertar de sua imagem tradicional. Um novo estilo de vida associado a pratica de esportes e aos clubes noturnos, assim como a invenção dos eletrodomésticos somente contribuiu para que a mulher deixasse de ser “escrava da casa”. Grandes mudanças aconteceram: o uso de espartilhos foi abolido, os cabelos foram cortados, peças exclusivamente masculinas, como as calças, foram introduzidas no guarda-roupa feminino e aparecem as roupas esportivas que favoreceram a popularização da moda. Coco Chanel foi quem mais contribuiu para a nova e prática elegância da mulher utilizando tecidos pouco nobres, bijuterias em um estilo simples e chique. “O fenômeno mais notável aqui é que a alta-costura, indústria do luxo por excelência, contribuiu igualmente para ordenar essa democratização da moda. A partir dos anos 1920, com a simplificação do vestuário feminino de que Chanel é de alguma maneira o símbolo, a moda se torna, com efeito, menos inacessível porque é mais facilmente imitável: a distância entre as toaletes diminui inelutavelmente. A partir do momento em que a exibição de luxo tornou-se signo de mau gosto, que a verdadeira elegância exigiu discrição e ausência de aparato, a moda feminina entrou na era da aparência democrática. (...) Evidentemente, distâncias muito nítidas continuaram a distinguir as toaletes das diferentes classes, mas o fato mais importante reside em que o luxo do vestuário deixou de ser um imperativo ostentatório, só legítimo uma vez

58 esfumado e invisível; uma certa simplicidade “impessoal”, aparentemente estandartizável, conseguiu impor-se na cena da elegância feminina.”102 O vestuário masculino também se descontraiu, ao contrário do século XIX e do início do XX onde um homem para ser elegante precisava de vários trajes para diferentes ocasiões, os rapazes passaram a usar somente um tipo de roupa para o dia todo. Os trajes esportivos masculinos tiveram seu uso difundido inclusive em ocasiões menos formais. No contexto brasileiro, o período ficou marcado pela queda das importações devida à Guerra, isso permitiu que a indústria têxtil nacional se aprimorasse para atender parte das necessidades do consumo interno. Na década de 1920 as revoluções estéticas proposta pelos modernistas reflete-se em outros aspectos da vida social da elite brasileira. Os padrões morais tornaram-se um pouco mais maleáveis e passou existir uma busca por maior liberdade de expressão. Disseminou-se o gosto pelos esportes e o culto ao corpo nas elites, reflexo de costumes europeus. Apesar dos movimentos artísticos que evocavam a brasilidade a moda continuou seguindo à risca figurinos estrangeiros. Na década de 1930, seguindo a “moda da recessão” mundial, as roupas tornaram-se mais austeras. O corte passou a ser fator fundamental de uma boa roupa, ter acesso às boas costureiras era o sinal de distinção assim como aos tecidos mais finos e caros. Nesse período, começou a existir uma certa preocupação em adaptar a moda para o clima tropical, até porque a produção nacional de tecidos trazia opções mais adequadas ao país.103 A popularização da moda é um processo que sofre um impulso maior por volta da metade do século XX com a criação do “prêt-à-porter”104 nos magazines. Esse tipo de roupa se caracterizava por ser “pronta” mas seguindo as últimas tendências, com qualidade e razoavelmente acessível à classe média-alta, diferente das roupas de confecção que pelo 102

Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; p. 74. “A industrialização têxtil no Brasil deu os primeiros passos em meados do século XIX, com a instalação de fábricas nos estados da Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Ao final da I Grande Guerra Mundial, três quartas partes do consumo nacional já eram produzidas no país. Imediatamente, a expansão dos investimentos do setor se fez sentir de maneira acentuada. Em conseqüência, foi alcançada uma capacidade de produção bem superior à demanda. Logo ocorreu uma crise de grandes proporções, que motivou, inclusive, restrições às importações de equipamentos, entre 1930 e 1940. A II Grande Guerra Mundial abriu caminho para as exportações de produtos têxteis, que aliviaram as pressões sentidas pelo mercado nacional. Os lucros auferidos no período ensejaram nova e grande expansão, bem como uma farta disponibilidade de financiamentos. Retomou-se o ânimo para investir. Pouco mais tarde, medidas governamentais puseram praticamente um fim às exportações têxteis.” Arp, Edgard. “A Produção da malha através dos tempos”. In: VVAA, A História da Camiseta. Organizado por Ruth Joffily. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 26 a 28. 103

59 mau acabamento e corte imperfeito eram tidas como de “segunda categoria” desde a sua criação no século XIX. O prêt-à-porter passou a incorporar o valor de marca105 quando começou a utilizar os meios de comunicação para divulgar suas roupas. Tais marcas eram vinculadas a determinados estilos e estilistas que agregavam em seus modelos “status”, uma vez que não eram produtos destinados às camadas mais populares. Quase todos os estilistas adotaram o prêt-à-porter como uma maneira de obterem maiores lucros de suas maisons (exceto Chanel e Balenciaga). As peças, ainda que com a marca da maison, eram (e ainda são) confeccionadas em indústrias ao contrário da alta-costura feita de maneira artesanal. Produtos secundários, como perfumes106 e acessórios (óculos, bijuterias, sapatos, bolsas e outros), também formaram uma linha complementar com grande margem de lucro. A legitimação do prêt-à-porter como divulgador de novas modas vem com as revistas de moda (Vogue, Elle e Jardin des Modes) mostrando criações parisienses e estrangeiras em meio a páginas dedicadas à alta-costura. A outra grande mudança que aconteceu no período pós Segunda Guerra Mundial foi o aperfeiçoamento técnico aliado a uma cultura juvenil emergente que fizeram com que se operassem rearranjos no cenário da moda. Aqui se faz necessário uma explicação de como no decorrer da história crianças e adolescentes se vestiram, para então associar essa história com mudanças culturais do pós-guerra que culminaram na moda jovem. Para inúmeras civilizações (povos primitivos e aborígines, da Antiguidade e até mesmo para culturas ocidentais do século XX), a passagem simbólica da idade infantil

104

“Em 1949 que J. C. Weill lança na França a expressão “prêt-à-porter” tirada da fórmula americana ready to wear, e isso a fim de liberar a confecção de sua má imagem de marca.” Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; pp. 109 e 110. 105 “No século XX as novas tecnologias de tecelagem conseguiram falsificar os tecido naturais anteriormente caros, a industrialização da confecção que cada vez tornou-se mais aprimorada e desta maneira os modelos podiam ser copiados rapidamente, com isto o consumo de roupas de luxo entrou em crise pois as pessoas não conseguiam mais distinguir os modelos originais das imitações populares. Percebeu-se que um traje indicando uma classe alta não precisava exibir uma qualidade melhor ou ser mais difícil de ser confeccionado que outros; precisava apenas ser reconhecido como mais caro. O que era preciso, de certa forma, era incorporar o preço de cada peça ao desenho. Isso foi realizado de maneira muito simples: deslocando o nome do fabricante, antes relegado a uma posição modesta no interior da roupa, para um local de proeminência (...). Os nomes ou marcas eram, portanto, exaustivamente divulgados – foi usada uma espécie de técnica bombástica de saturação - , de modo que se tornassem termos domésticos e servissem como guia instantâneo do preço das roupas que adornavam. Esses preços eram muito altos, não porque as roupas fossem confeccionadas com um material superior ou com mais cuidado, mas porque o orçamento da publicidade era extremamente alto”. Lurie, Alison. A Linguagem das Roupas. Op. Cit.; pp. 145 e 146. 106 O primeiro costureiro a lançar um perfume assinado foi Paul Poiret em 1911. Baudot, François. Moda do Século. Op. Cit.; p. 42.

60 para a adulta era feita com a introdução do uso de certos tipos acessórios e roupas que marcavam a diferenciação entre idades. Um exemplo relativamente recente: na América do século passado, há aproximadamente 70 anos, um menino trocava as calças curtas pelas compridas, em ritual parecido quando um adolescente romano trocava toga curta pela túnica usada por seu pai. Nem sempre no decorrer da história foi assim. Durante a Idade Média e Renascença as crianças se vestiam como adultos em miniaturas portando todos os inconvenientes de suas roupas. Somente no século XVIII a infância passou a ser um estágio diferenciado, as crianças passaram a se vestir de maneira mais livre e natural, aos poucos a idade de mudança de “status” do infantil para o adulto foi aumentando. Os adolescentes até aproximadamente os dezesseis anos de idade, por volta de 1780, ainda usavam roupas menos elaboradas. O século XIX reforça essa idéia de diferenciação entre adultos e adolescentes e no seu final é criado o traje marinheiro, adotado tanto pelos meninos quanto pelas meninas, até aproximadamente a metade do século XX. Esse traje também era usado pelos préadolescentes. No decorrer das décadas, do século XX, gradativamente a idade de trocar a calça curta pela comprida entre os meninos vai decaindo, até que em meados de 1940 ela praticamente desaparece. Atualmente não existe mais diferenciação entre infância, adolescência e idade adulta. As crianças voltaram a ser “jovens adultos” vestidos em miniatura. Os adultos por sua vez, cada vez mais tendem a se vestir como adolescentes adotando roupas esportivas principalmente em momentos de lazer. As barreiras de idade enfraqueceram, como outras barreiras da moda que ruíram no desenrolar do século. A moda jovem surge em meio à procura de maneiras particulares dos adolescentes em expressar sua diferença em relação aos seus pais e também por uma grande descoberta mercadológica que esses possuíam poder de compra. O momento era da emergência de uma cultura “juvenil”, que até então era inexistente, contestadora da tradição imposta. Essa cultura era baseada no rock e em seus ídolos (Elvis Presley principalmente), astros do cinema (Marlon Brando e James Dean) e contraculturas que pregavam novos valores culturais e artísticos (movimentos como o “beatnik”).

61 Um dos fatores para o fortalecimento dessa cultura jovem foi, conforme Alberoni107, o progresso técnico que aumentou o número de tecnologias disponíveis adiando assim a entrada dos jovens no mercado de trabalho (que antes começavam a trabalhar a partir dos dez anos) dessa maneira eles conseguiram desenvolver um gosto próprio sem ter que cair no “sistema de trabalho” rígido sem espaço para a criatividade individual desenvolvida no tempo livre. O primeiro estágio de desenvolvimento dessa cultura juvenil foi na moda, o segundo nos costumes e no estilo de vida e finalmente no plano político. A música negra dos Estados Unidos forneceu a base para o surgimento do rock na década de 1950. Entre outros fatores, colaborou para o seu desenvolvimento, a busca de uma identidade jovem em um contesto americano do pós-guerra. Com o novo poder de compra jovem (filhos do baby-boom) e a descoberta de mercados altamente interessados e ávidos por novidades, a indústria cultural americana logo tratou de difundir o gênero musical para todo o Ocidente na busca de novos mercados. Os ídolos do rock tornaram-se uma matriz de comportamento jovem divulgando além da sua música, novas atitudes e novas modas. Nessa época o “uniforme jovem” (jeans108, camiseta e o blusão de couro) copiado das grandes celebridades foi popularizado. “(...) o rock é um gênero musical que se desenvolve e se estabelece a partir da ruptura com os padrões existentes, não só na música mas em todas as formas paralelas de expressão. Além da música, por exemplo, a principal delas é a roupa. É a mesma roupa que, codificada pela mídia, passa a ser difundida como um suporte necessário da música. Depois, decodificada pelos agentes do mercado cultural, passa a ser vista e entendida a

107

Alberoni, Francisco. “Observações Sociológicas sobre o Vestuário Masculino”. In: VVAA, Psicologia do Vestir. Op. Cit.; p. 58. 108 “Em 1853, Levi Strauss teve a idéia de criar uma calça para mineiros e cowboys que “procuravam ouro”. Durante a corrida para o Oeste, é adotada uma roupa muito resistente, que toma a forma do próprio corpo: o jeans. (...) Só depois do término da guerra foi descoberto na Europa o jeans que 50 milhões de jovens americanos já usavam. Foi trazido pelos primeiros que partiram para explorar o Novo Mundo; depois, o star system difundiu a imagem de James Dean em Juventude transviada, despertando entusiasmo geral – primeiro entre os jovens, depois entre as pessoas de todas as gerações. (...)Em sua simplicidade e sua integridade, o jeans é talvez a roupa que menos se insere nos códigos sociais, pois consegue atender a todo tipo de função. Por isso mesmo, presta-se a todas as fantasias e reflete todos os códigos possíveis”. Vincent-Ricard, Françoise. As Espirais da Moda. Op. Cit.; pp. 164 a 166.

62 partir do significado que lhe imputam. Nesse sentido, acaba transformada em modelo de consumo padronizado, necessariamente vinculada ao estilo musical que a determinou.”109 O surgimento da moda jovem que contaminou todas as idades iniciou-se nos anos de 1950, foi definitivamente popularizado na década de 1960. Jovens estilistas apresentaram propostas inovadoras para a alta-costura, modificando a maneira de pensar a moda das elites que passou a ter influências da “rua” (minisaias usadas com botas de cano alto, shorts, blusões etc...). A década de 1960 no Brasil foi marcada pela popularização da televisão, colocando em evidência o movimento da Jovem Guarda, cujos expoentes máximos foram Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Vanderléia e outros, como expressão da cultura juvenil brasileira. O movimento possuía uma certa ingenuidade frente aos problemas políticos da época mas em certos momentos abordava problemas sociais. As roupas do grupo passaram a ditar a moda, foram usadas na criação das primeiras grifes jovens nacionais, conhecidas como Calhambeque, Tremendão e Ternurinha, e provocaram uma explosão de consumo e conseqüente aprimoramento do marketing de moda no Brasil. Os jovens mais “policamente engajados” da época preferiam vestir-se como guerrilheiros cubanos ou usavam um estilo “moderno” com referências à pop-art e ao kitsch. Nessa década também foram revelados novos talentos para a alta-costura brasileira, entre os mais conhecidos estão Denner, Clodovil, Gérson e Guilherme Guimarães. Pode-se fazer um paralelo entre a indústria cultural e a indústria de moda no Brasil. Renato Ortiz no livro “A moderna tradição brasileira” descreve e critica a trajetória da indústria cultural nacional no século XX, caracterizada conforme seus estudos por uma forte presença estrangeira, que fornece modelos a serem seguidos. No Brasil, somente a partir da década de 1960, é que passou a haver um profissionalismo nos meios de comunicação de massa e tentativa de criar-se uma produção nacional com marcas da identidade brasileira. A moda é resultado da destilação de acontecimentos políticos, sociais e das ideologias de uma época. A influência norte americana em detrimento da influência francesa na década de 1960 é facilmente localizável dentro do contexto da moda. A substituição dos figurinos copiados do prêt-à-porter francês pelo jeans e camiseta dos jovens americanos (popularizados pelo cinema) e da moda esportiva é a prova da 109

Corrêa, Tupã Gomes. Rock, nos Passos da Moda: Mídia, Consumo x Mercado. Campinas, SP: Papirus, 1989, p. 100.

63 influência da indústria cultural americana na sociedade brasileira e da sua supremacia Ocidental. Na década de 1960, a produção nacional de moda era ainda calcada em modelos estrangeiros e sobretudo americanos. As primeiras tentativas de uma expressão nacional estão vinculadas ao nascimento das primeiras grifes e a intensificação da produção local buscando por modelos que se adaptassem ao clima e ao gosto brasileiro. Isso foi, entre outras coisas, um reflexo de uma política nacionalista do regime militar que pretendia um fortalecimento da indústria nacional, conjuntamente com a ideologia do tropicalismo na música popular brasileira, e uma valorização da identidade nacional dentro dos estudos acadêmicos. No mesmo período, está em transito outra revolução na moda, o prêt-à-porter tornase um pouco mais democrático, revolucionando a moda pela a imposição de um ritmo industrial de produção em massa. Exigindo dos criadores de moda a antecipação de seu planejamento sobre o quê seria produzido para uma estação em aproximadamente um ano. “Uma parte da subcultura da juventude forneceu a base estética sobre a qual a indústria de confecções se apoiou para superar a crise com uma nova geração de mercadorias. Desse modo, ela propagou, ao mesmo tempo, a jovialidade como acessório da nova linguagem padronizada. As características naturais de muitas gerações masculinas tornaram-se antiquadas junto com a geração de mercadorias já superada. A fetichização da juventude e a obrigatoriedade de ser jovem têm uma de suas causas na inovação estética, e são apenas uma expressão e uma técnica de desvio numa situação na qual as relações de produção se tornaram amarras incisivas para as forças produtivas. As técnicas de desvio fazem que o irracionalismo domine nossa sociedade até mesmo nas menores coisas de uso diário (...) as constantes inovações estéticas transformam de tal maneira o valor de uso que o consumidor fica atordoado. Nessas circunstâncias quase não adianta insistir na perspectiva do valor de uso.”110 Se os anos de 1960 trouxeram a popularização da moda em um processo contínuo, sendo oferecida como um

produto de massas e atingindo definitivamente as mais

variadas nações e classes sociais. A década de 1970 assiste ao gradativo processo de quebra do regime “rígido da moda”. Para isso contribuíram a popularização das roupas esportivas para quase todas as ocasiões, um maior espaço dado para a expressão das

64 subculturas e a quebra da hegemonia da alta-costura, em detrimento da “moda da rua”, na criação da moda e a valorização da individualidade na escolha dos modelos. Na década aparece também uma maneira nova de comercializar moda: butiques que lançam produtos com o seu nome, oferecendo mercadorias originais com preço acessível, e que passaram a ser procuradas principalmente pelos jovens mais endinheirados. O mesmo fenômeno aconteceu no Brasil na época, as confecções nacionais definitivamente se estabeleceram com uma linha própria de criações que eram distribuídas em butiques, destaca-se em São Paulo a “Parafernália”, a “Mondo Cane” e a “Elle, Toi e Moi”111. Em tais lojas era possível encontrar elementos de diferenciação, ao contrário dos produtos oferecidos pelos magazines que de certa forma eram “padronizados”. Os acontecimentos políticos e sociais do final da década de 1960 e início de 1970 foram imprescindíveis para a ruptura definitiva com o sistema da moda anterior. A insatisfação política e a recusa dos valores tradicionais da sociedade capitalista demonstrados pelo o movimento hippie, desencadeou uma grande onda de recusa da moda e de produtos de “massa”. A influência hippie chegou ao Brasil tardiamente, pois no momento da sua explosão o país encontrava-se sob uns dos períodos mais rígidos da ditadura militar. A contestação era demonstrada, no plano das roupas, pela procura de peças usadas em brechós, uso de técnicas artesanais das mais diferentes origens na confecção dos detalhes e desleixo proposital como forma de agressão. Tendências que curiosamente foram reinterpretadas no final dos anos 1990 pela alta-costura e pela indústria de massa, mas que mesmo na época já haviam sido incorporada pelo “mainstream”. Pode-se fazer um paralelo com a arte de vanguarda que tentou romper com a sacralização da arte mas que acabou sendo incorpora ao sistema, passando a integrar coleções particulares e de museus, tendo o mesmo fim que as obras tradicionais que pretendiam romper.112 No final dos anos de 1970, início da década de 1980, o movimento punk, nascido nas periferias de Londres, propôs uma ruptura com os padrões sociais. A falta de esperança em um futuro melhor, proporcionado pelo desemprego em massa, o agravamento das crises sociais e econômicas que passaram a ter uma escala mundial em 110

Haug, Wolfgang Fritz. Crítica da Estética da Mercadoria. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997, pp. 56 e 57. 111 Gilbert, Vera Lígia Pieruccini. O Entorno Acadêmico e Industrial Têxtil do Vestir e Morar Brasileiros. Op. Cit.; p. 94. 112 Garcia Canclini, Nestor. Culturas Híbridas. Op. Cit.; p. 45.

65 um processo de globalização já em fase de desenvolvimento. Fatores que contribuíram para que esse movimento de contestação nascesse em meio à descrença em novas alternativas para a juventude e da constatação de que o movimento hippie havia sido corrompido pela mídia e pelo consumo. Entretanto, apesar de toda a agressividade punk, sua estética e atitude, o movimento também caiu nas graças da indústria da moda que o adaptou em versões amenizadas, ou mesmo puristas, para as massas e até para a altacostura.113 Os anos de 1980 também trazem inovações na maneira de comercializar moda. O principal

deles

foi

o

desenvolvimento

das

“marcas-conceito”

derivadas

do

aperfeiçoamento do marketing de moda nos Estados Unidos. Essas “marcas-conceito” se prendem na venda de um estilo de vida vinculado com a moda. Esses estilos de vida, pesquisados profundamente por departamentos de marketing, refletem a imagem que o consumidor de tais marcas pretende mostrar de si mesmo para o mundo. Exemplificando, a marca Ralph Lauren se apóia em “conceitos” da aristocracia inglesa, apesar de ser uma marca americana, para produzir roupas esportivas vinculadas a pratica de esportes requintados como polo, hipismo, golf, iatismo e tênis. A marca possui duas características importantes, o cuidado de adotar linhas de produtos que variem apenas em detalhes (não necessariamente seguindo padrões de cores, estampas e tecidos da moda da estação) e a ambientação das lojas (ponto fundamental dentro das “marcas-conceito”, onde é criada uma atmosfera própria, vinculada com a marca e com os temas sugeridos nas roupas). Não economizando nas verbas publicitárias essas marcas obtiveram grande volume de vendas, e no final da década de 1980 partiram para a conquista de novo mercados, chegando inclusive aqui no Brasil onde na década de 1990 conquistaram consumidores freqüentadores de shoppings centers, apesar dos preços praticados. Contudo, a chegada de tais grifes impulsionaram o consumo de suas concorrentes nacionais. Nos anos de 1990 as grifes brasileiras, algumas nascidas na década anterior como a M. Officer, ou na década de 1970 como a Ellus, se consolidam no mercado nacional 113

“(...) tanto a mídia se ocupou deles, que em determinado momento uma joalheria como a H Stern lançou uma coleção inteira, denominada New Wave, representando sem estetizações, as formas e os desenhos mais fiéis de tudo quanto os punks tinham inventado de adorno. (...) Enquanto isso, à margem de um processo de consumo mais dispendioso, naturalmente, surgiam os adornos e os enfeites pessoais mais baratos, alguns deles até vendidos em supermercados, porém, sem qualquer distinção. E um exército infindável de admiradores do novo estilo, sem que jamais se tenham preocupado como os reais motivos de sua manifestação, lançaram-se a imitar os ídolos daquela que, sem dúvida nenhuma, foi a mais controvertida

66 fazendo grande concorrência com algumas marcas estrangeiras que estavam abrindo lojas no país e outras já estabelecidas. Essas grifes (representadas principalmente pela M. Officer, Fórum, Zoomp e Ellus) passaram a ser distribuídas nacionalmente, por lojas próprias, franquias ou por meio de representantes.

Quadro comparativo entre as principais grifes nacionais Marcas

Fundação

Proprietário

Lojas*

Exterior

Ellus

1972

Nelson Alvarenga

58 (p + f)

-

76 (p + f) 500(pv)

Showroom em Nova York. 80 pontos de venda nos E.U.A.

Coleções inspiradas no Brasil (Cinema Novo, Arquitetura Neo-Concretista, cangaço etc...)

Forum

1981

Tufi Duek

Diferencial Usa modelos internacionais em propagandas e desfiles.

M. Officer

1986

Carlos Miéle

80 (p + f) 500(pv)

Showroom em Londres

Investe em novas tecnologias em tecidos. Desfiles performáticos.

Zoomp

1974

Renato Kherlakian

21(p) 67 (f) 500(pv)

Showroom em Paris

Modelagem do jeans.

* (p) lojas próprias, (f) franqueados e (pv) pontos de venda. ** Fontes 114

Outra característica da década de 1980 é a divisão dos jovens em tribos agrupadas segundo os gostos culturais que se refletem na moda (novos hippies, rappers, cyberpunks, metaleiros, etc115) tais grupos na verdade já existiam desde a década de 1950 com o surgimento dos zooties, beatniks, teddy boys 116 entre outros que os foram sucedendo.117

corrente do rock.” Corrêa, Tupã Gomes. Rock, nos Passos da Moda: Mídia, Consumo x Mercado. Op. Cit.; pp. 86 e 87. 114 “Morumbi Fashion, a moda faz história”. Textília Press, ano VI – número 30 bimestral, São Paulo, jan/fev 2001, pp. 6 a 51. Reportagens de: Ana Kátia Costa, Cíntia Ribeiro, Cris Gutierre, Emerson Zanette e Joni Anderson. Mirrone, Henriete. “São Paulo Fashion Week, o peso do mercado diferenciado de moda”. Textília Press, ano VI, número 32, mai/jun 2001, pp. 61 a 88. 115 Polhemus, Ted. Streetstyle from Sidewalk to Catwalk. London: Thames and Hudson, 1994. 116 Zooties, ou Zazous em sua versão francesa, jovens apreciadores de jazz da década de 1940 vestidos de maneira extravagante. Beatinks, universitários da década de 1950, vestidos quase sempre de preto e com um ar desleixado. Teddy-boys, estudantes da classe média londrina que se vestiam de maneira requintada e até com certo anacronismo eduardiano. Polhemus, Ted. Streetstyle from Sidewalk to Catwalk. Op. Cit.; pp. 17 a 37. 117 “Cada nova geração de jovens inventou um termo preciso para falar de si mesma e expressar-se. Hoje, porém, assiste-se à eclosão simultânea e misturada de grupos diferentes – símbolos da confusão de gêneros e

67 Finalmente nos anos de 1990, com a quebra de todas as barreiras ao longo do século e com a hegemonia das escolhas individuais, a moda em uma tendência mundial torna-se mais minimalista do já foi nos anos de 1980. O corpo torna-se mais importante que a roupa, a preocupação é moldá-lo para que seja o suporte ideal para determinada peça de vestuário e não o contrário. As marcas de luxo deixam de ter lojas somente nos países de origem e globalizam sua presença onde quer que haja consumidores interessados

e

com

dinheiro

suficiente

para

comprar

produtos

reconhecidos

internacionalmente. A mídia ocupou-se em tornar a alta-costura assunto constante, glorificando modelos internacionais mais que as atrizes de cinema, elas foram as grandes celebridades dos anos de 1990. A moda e as suas marcas européias e americanas118 em um conluio internacional dividem mercados e impõem tendências, que dentro das escolhas pessoais e pelo que é oferecido pelo mercado acabam uniformizando multidões, desde o Primeiro até o Terceiro Mundo. Consome quem pode, quem não pode inventa seu estilo ou compra falsificações baratas da moda. No final da década de 1990 e virada do século XXI a moda brasileira é lançada no exterior onde eventos como o Morumbi Fashion, com sua primeira edição em 1996 e transformado posteriormente em 2001 para São Paulo Fashion Week119, colocaram o Brasil no mercado internacional da moda. Outros eventos menos difundidos, mas igualmente valorizados, lançam novos talentos e servem de vitrine de criação para o mercado. O mais conhecido estes eventos alternativos é A Semana de Moda – Casa dos Criadores120, que agrega novos estilistas com propostas menos comerciais e conseqüentemente mais inovadoras daquelas dos participantes São Paulo Fashion Week. Além destes eventos, as tradicionais FENIT (Feira Internacional da Indústria Têxtil) e a FENATEC (Feira Internacional da Tecelagem) trazem para o Brasil as novidades do

testemunhos de um mundo cujos referenciais básicos explodem e pulverizam-se.” Vincent-Ricard, Françoise. As Espirais da Moda. Op. Cit.; p.153. 118 Grifes de maior prestígio mundial: Chanel, Dior, Raph Lauren, Gucci, Escada, Armani, Hugo Boss, Versage, YSL, C. Klein, Valentino e S. Ferragamo. In: Barbosa, Joaquim Carlos da Silva. Marketing de Moda na Internet: Estudo de Casos no Segmento de Roupas de Marcas. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 1999, p. 31. 119 A edição do São Paulo Fashion Week de junho de 2001 (coleção verão 2002) foi orçada em 4,5 milhões de reais (500.000 a mais da temporada passada) e patrocinado pelo Grupo Vicunha Têxtil, Grupo Guararapes (Riachuelo), Rhodia Poliamida, Fibra DuPont, DuPont América do Sul e Tencel. Estima-se que 84.000 pessoas e 1.200 jornalistas acompanharam 30 desfiles em 8 dias de evento. Alonso, Maria Rita. “São Paulo só fala nisso”. Veja São Paulo, 11/07/2001, pp. 12 a 18 e Mirrone, Henriete. “São Paulo Fashion Week, o peso do mercado diferenciado de moda”. Op. Cit.; pp. 61 a 88. 120 Na temporada de junho de 2001 estava em sua décima edição.

68 setor têxtil incorporadas quase que simultaneamente às coleções das marcas nacionais mais famosas. Nos últimos anos, a moda brasileira também se tornou mais conhecida no exterior pelo mérito de alguns estilistas brasileiros que obtiveram destaque mundial. Um deles é Ocimar Versolato que cria alta-costura para a marca francesa Lavin e produz para sua própria grife. Outros estilistas, como Alexandre Herchcovitch e Tufi Duek, conseguem comercializar suas roupas em centros do circuito mundial da moda como Nova York e Paris. Mais uma mudança sentida é a preocupação de se criar uma moda cem por cento nacional, com tendências e cartelas de cores próprias, distanciando-se da mera cópia. Carlos Miéle e Tufi Duek, respectivamente das grifes M. Officer e Forum, foram os pioneiros fazendo uso em seus desfiles de referências estritamente brasileiras (como roupas inspiradas nos cangaceiros, nos índios da Amazônia, no sincretismo baiano, no uso de rendas nordestinas e de tecidos artesanais). As breves conclusões tiradas do século XX são que desde do final da década de 1960 houve um processo contínuo da desconstrução da moda como signo de distinção. Alguns autores121 acreditam que houve um processo de “democratização” da moda com a quebra de padrões rígidos, principalmente estimulado pela moda jovem e pelo seu processo de imitação, que passou de vertical (as mudanças ditadas pelas elites) para horizontal (imitação de modelos próximos, líderes de grupo). Gilles Lipovetsky faz o seguinte comentário a esse respeito: “(...) a rua está emancipada do fascínio exercido pelos líderes de moda, já não assimila mais as novidades senão em seu próprio ritmo, “à escolha”. No público apareceu um poder fortemente ampliado de filtragem e de distanciamento em matérias de aparência, significativo da escalada individualista das vontades de autonomia privada.”122 Apesar de existir uma maior possibilidades de escolhas as opções oferecidas e o gosto pessoal influindo como nunca naquilo que se usa, não se deve esquecer que existe uma elite de criadores da moda (os estilistas) dependentes de uma indústria com firmes alicerces econômicos, pregando a lógica da renovação e limitando o oferecimento de mercadorias a aquilo que lhe é conveniente.

121 122

Gilles Lipovetsky, Mike Featherstone, Elizabeth e Stuart Ewen. Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; p. 141.

69 “(...) é indiscutível que ainda hoje são os estilistas os verdadeiros criadores e iniciadores de uma determinada corrente “da moda”. E, todavia, também eles acabam por adaptar-se àquilo que poderemos definir como Zeitgeist – o espírito do tempo – que domina uma determinada época ou um pequeno período da mesma época; é assim que os próprios

“criadores”, projetistas

da

moda, se

transformam

em

intermediários,

“manobrados do alto” pelas indústrias, obrigados a suportar as imposições alheias, por razões econômicas e sociais.”123 Com isso, conclui-se que cada um é livre para criar a sua própria moda, desde que se limite dentro das opções de produtos oferecidos no mercado, claramente existem alternativas para quem se dispõe a confeccionar as próprias roupas, mas quando se cai num mercado de massa essas sutis diferenças apagam-se na totalidade do conjunto. A existência desse imperialismo industrial da moda, que não deixa e ser o mesmo do consumo de bens diversos que existem desde a colonização, onde a dependência da metrópole assegura o controle do consumo nos países periféricos. A moda no Brasil ainda é um reflexo do colonialismo tardio europeu e norte-americano, as novas tecnologias e transnacionalização de produtos, seguindo tendências internacionais pré-estabelecidas não permitem a verdadeira democratização da moda, continuamos a imitar líderes de opinião importados. A vinda para o Brasil de grifes estrangeiras de prestígio internacional124 é só mais uma apropriação de novos mercados, mais uma onda de consumo. A demanda de tais produtos no Terceiro Mundo é justificada pela existência de uma pequena elite sedenta para ostentar signos de distinção e que a partir de agora são mais significativos pois existem as vitrines para mostrar a origem de tais produtos e seus preços. Antes sua significação ficava restrita a um grupo muito pequeno de “apreciadores”, agora a classe média freqüentadora dos shoppings centers de São Paulo já pode legitimar a distinção desses poucos afortunados. A moda no final do século XX e início do século XXI vive esta confluência entre dois movimentos antagônicos. Um legitimador das distinções (consumo de massa 123

Dorfles, Gillo. A Moda da Moda. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1984, p. 16. Nos próximos meses, três nomes importantes devem inaugurar lojas próprias no Brasil – a joalheria americana Tiffany e as grifes italianas de roupas masculinas Ermenegildo Zegna e Giorgio Armani, e a Hermès francesa especializada em bolsas e acessórios. Numa lista de trinta marcas consideradas reconhecidas mundialmente encontram-se estas apresentadas anteriormente e as seguintes marcas de roupas e acessórios já instaladas em nosso mercado: Cartier, Fendi, La Perla, Louis Vuitton, Montblanc, Ralph Lauren, Christian Dior, Versace e Kenzo. In: “As grifes estão chegando”. Veja, 04/04/2001, Sem autor. 124

70 regulamentado pela economia no ciclo nas pequenas distinções, onde os signos “marcas” são mais e mais glorificados pela publicidade). O outro da fragmentação da moda, onde a coexistência de várias tendências das mais diferentes origens, o estilo pessoal e o processo de horizontalização da imitação são suas características principais. “Sem dúvida há sempre uma última moda, mas sua percepção social é mais vaga, perdida que está na confusão pletórica dos criadores e dos diversos looks. Já não é o tempo em que uma tendência dominante se impunha a todos sob a autoridade da alta-costura, das revistas e das estrelas; hoje, o must quase só é conhecido por um público circunscrito de profissionais ou de iniciados, a maioria não sabe mais exatamente o que está na ponta do novo, a moda se assemelha cada vez mais a um conjunto vago, cujo conhecimento é distante e incerto. Simultaneamente, o fora de moda perde sua radicalidade; ainda que não desapareça, é mais impreciso, menos rápido, menos ridículo. Quando todos os comprimentos e amplidões são possíveis, quando uma multidão de estilos fica lado a lado, quando o retrô está em voga, quando parecer “imprestável” é o fino do fino new wave, torna-se difícil, com efeito, estar absolutamente fora de moda. Na nova configuração da moda, o novo não desqualifica mais subitamente o antigo (...). Este momento está terminado, acabada a “ditadura” da moda e o descrédito social do fora de moda; o novo dispositivo é aberto, sem barreiras, não-diretivo. (...) os indivíduos adquiriram uma liberdade de vestuário muito grande; a pressão conformista do social é cada vez menos pesada, homogênea, permanente.”125 Baudrillard segue um caminho inverso de Lipovetsky deixando transparecer em suas idéias o caráter falsamente democrático da moda: “Pensa-se que o caráter efêmero da moda elimina a hereditariedade dos signos distintivos e que ela dá a todos, em cada momento do ciclo, igualdade de possibilidades. Todos os objetos são revogáveis perante a instância da moda: isso bastaria para criar a igualdade de todos perante os objetos. Ora, isto é evidentemente falso: a moda, tal como a cultura de massas, fala a todos para melhor colocar cada um no seu lugar. É uma das instituições que melhor restitui e funda, sob a aparência de as abolir, a desigualdade cultural e a discriminação social. Pretende ser uma espécie de segunda natureza, para

125

Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; pp. 142 e 143.

71 além da lógica social: na realidade, ela é inteiramente registrada pela estratégia social de classe.”126 Outra consideração importante, já anteriormente discutida, é que no contexto brasileiro se for levada em conta a coexistência de elementos da modernidade e da pósmodernidade impregnando a sociedade no mesmo momento conforme defende Nestor Garcia Canclini127, existe então a confirmação de que é possível encontrar em São Paulo, em termos de moda (localizando o universo desta investigação), é a lógica da modernidade (produção e consumo de massa, estimulados pela publicidade) e da pósmodernidade (escolhas pessoais, fragmentação do consumo, modelos transnacionais, revisitação do passado, pastiche, etc...).

3.4 – Aspectos do mercado brasileiro de vestuário O mercado nacional de vestuário atualmente é um dos maiores setores da economia brasileira, em 2000 atingiu um faturamento de 20,3 bilhões de dólares, garantindo 1.204.100 empregos, onde 93% dos trabalhadores são mulheres. A produção é de aproximadamente 5.100 bilhões de peças por ano. Investidores estrangeiros dizem que o mercado ainda é mal explorado, com isso cadeias de lojas internacionais vêm procurando o país para expandirem suas vendas.128 As roupas de lazer, e nessa categoria encontram-se a moda jovem, lideram a produção nacional com mais da metade da produção, (58,1% do total) seguida depois pelas roupas formais (15,5%), roupas esporte (8%), trajes de noite (4,8%), roupas íntimas (4,0 %), roupas de trabalho (3,8%), roupas de praia (1,5%) e outros tipos com (4,3%). Outro dado relevante sobre indústria brasileira do vestuário é que 97% da produção da provem de pequenas e micro empresas.129 Contrariando as expectativas, o Brasil é caracterizado como um exportador de vestuário. No ano de 2000 a balança comercial do setor apontou números favoráveis com 273,9 milhões de dólares em exportações contra 140,8 milhões em importações. Os

126

Baudrillard, Jean. O Sistema dos Objetos. Op. Cit.; p. 35. Garcia Canclini, Nestor. Culturas Híbridas. Op. Cit.; pp. 17 a 30. 128 Fonte: Associação Brasileira do Vestuário. Disponível em www.abravest.org.br , acesso em 18/07/2001. 129 Fonte: Associação Brasileira do Vestuário. Disponível em www.abravest.org.br , acesso em 18/07/2001. 127

72 principais parceiros comerciais são os Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Chile e França.130

Dados do setor de vestuário no Brasil

Números do Setor do Vestuário Setor do vestuário em 29/03/2001 Nº de empresas Nº de empregos Faturamento Produção

15.579 1.204.100 (93% mulheres/7% homens) US$ 20,3 bilhões 5.100 bilhões de peças

Composição de Matérias-primas utilizadas

60% tecidos de malha 40% tecidos planos

Composição de Matérias-primas em tipos de fibras

75% roupas de algodão 15% roupas tecidos artif. e sintéticos 7% roupas seda, linho e outros

Fonte: Associação Brasileira do Vestuário.131

Distribuição na comercialização Lojas independentes Lojas informais e outras

45% 23%

Lojas especializadas

17%

Lojas de departamentos Lojas de desconto

13% 2%

Fonte: Associação Brasileira do Vestuário.132

Quadro comparativo das exportações e importações do setor do vestuário Exportações (US$ mil) Importações (US$ mil) 2000 273.868 140.801 1999

166.835

160.178

1998

178.199

301.813

1997

199.595

366.935

1996

232.050

301.050

1995

281.555

309.869

Fonte: Associação Brasileira do Vestuário.133

130

Mariano, Marcia. “O impacto da ALCA na indústria brasileira”. Textília Press, ano VI, número 32, mai/jun 2001, pp. 32 e 33. 131 Disponível em www.abravest.org.br , acesso em 18/07/2001. 132 Disponível em www.abravest.org.br , acesso em 18/07/2001. 133 Disponível em www.abravest.org.br , acesso em 18/07/2001.

73 A comercialização da produção nacional de roupas tem como seus principais canais as lojas independentes e as famosas “sacoleiras”134, que atuam como os antigos mascates. As lojas especializadas e as lojas de departamentos ficam respectivamente em terceiro e quarto lugares em volume de vendas. Os magazines e as lojas de departamentos no final da década de 1990 e início do atual século tornaram-se os responsáveis por um movimento de “popularização” da moda (entre elas a C&A, a Riachuelo e a Renner). Isso se deve à iniciativa de tais lojas em se afinarem com as últimas tendências mundiais, popularizando estilos a preços baixos. Seu público é composto principalmente pelas classes C e D, eventualmente agregando a classe B em algumas linhas de produtos diferenciados. Na realidade, tais lojas apenas oferecem produtos adequados à demanda. O grande destaque da moda na mídia faz com que a procura por produtos com apelo “fashion” seja maior. A publicidade de tais redes conta muito na divulgação das coleções conseqüentemente os catálogos, as malas diretas e as campanhas publicitárias destas estão recebendo cuidados e verbas que não recebiam anteriormente. A contratação da modelo internacional Gisele Bündchen, em uma campanha de grande veiculação, teve impacto expressivo nas vendas da C&A

135

no Brasil,

conquistando, principalmente junto ao público adolescente. No ano de 2001, as vendas da loja aumentaram 20% em 3 meses, (28.100 peças iguais do anúncio vendidas em 5 semanas). A rede, de origem holandesa, chegou ao Brasil em 1976 quando foi inaugurada a primeira loja no Shopping Ibirapuera, em São Paulo. Atualmente, a C&A está presente em grande parte do território nacional, contando com 74 lojas e inaugurando, em média, de 4 delas por ano. Possui 11 unidades no município de São Paulo presentes em shoppings centers da cidade (somente um estabelecimento se encontra no centro da capital paulistana). Além do Brasil, a empresa mantém lojas em mais de 25 países e apesar do grande sucesso junto aos consumidores brasileiros no ano de 1999 a empresa fechou 109 lojas só na Inglaterra.136 134

Geralmente mulheres que trabalham autonomamente ou comissionadas por confecções e atravessadores. Vendem roupas de porta em porta ou para grupo de conhecidos. Na maioria das vezes não possuem vínculos empregatícios constando apenas como parte da economia informal. 135

O nome C&A são as iniciais de C&A são as iniciais de Clemmens & August, dois irmãos que em 1843 inauguraram na cidade de Sneek, Holanda, a primeira loja C&A. Desde então a empresa se manteve nas mãos da família, com uma política de discrição da qual faz parte a não divulgação de dados de faturamento e lucros. 136 Ramiro, Denise. “Prazer em conhecer”. Veja, 09/082000, pp. 132 e 133.

74 Seguindo a trilha da C&A, outras redes de lojas também estão investindo no público jovem que procura moda barata. As Lojas Riachuelo (empresa de capital exclusivamente nacional), começou atuar no mercado de comercialização de tecidos em 1947. Em 1979 a rede foi adquirida pelo Grupo Guararapes, um dos maiores fabricantes de artigos de vestuário do Brasil, a partir de então diversificou suas atividades e passou a comercializar roupas, investindo principalmente na marca própria conhecida por Pool. Nos anos de 1990 a empresa buscou uma mudança de posicionamento mercadológico procurando oferecer produtos adaptados à moda do momento para não perder clientes para outras redes. Atualmente possui com 71 lojas em 22 Estados (em 80 mil metros quadrados de área de vendas) com o faturamento anual de aproximadamente R$ 1 bilhão. Em 2001 foi destinada uma verba de R$ 45 milhões para ser investida em propaganda e marketing. Destacou-se nesse ano as ações de merchandising na novela “Um anjo que caiu do céu” cujo objetivo era divulgar as inovações que ocorreram na rede e novas coleções137. Como a C&A a estratégia para a abertura de novas lojas privilegia os shoppings centers, onde conforme a própria empresa coloca, oferecem mais conforto, segurança e tranqüilidade. As suas coleções oferecem 3.600 novas peças todos os meses (1.800 exemplares distribuídos por 70 lojas). Cada peça fica no máximo exposta por dois meses. Com a introdução de coleções mais ousadas seguindo tendências internacionais, adaptadas ao baixo custo, as lojas Riachuelo nos últimos cinco anos se beneficiaram de um aumento de 40% nas vendas.138 Outra rede de destaque é a Renner que foi comprada em 1998 pelo grupo americano J.C. Penney da família Renner. São atualmente 46 lojas, com um total de 4.300 colaboradores, que receberam mais de 80 milhões de reais em investimentos. A meta é em 5 anos atingir 80 estabelecimentos no Brasil, atualmente a empresa não faz parte dos planos a instalação de lojas em outros países. O crescimento da Renner começou em 1992 quando se tornou uma loja de departamentos especializada, mas concentrando suas atividades em 65% no setor do vestuário.

137 138

Disponível em www.lojasriachuelo.com.br, acesso em 09/08/2001. Moherdaui, Bel. “Viva a revolução popular”. Veja, 13/06/2001, pp. 68 a 71.

75

Quadro comparativo das maiores redes de lojas (somente setor de vestuário) Empresas

lojas

Funcionários 9.000

Clientes com cartão de compras 6 milhões

Faturamento (aproximado) Não divulga

Novas Lojas Até 2001 14

C&A Riachuelo

74 71

8.000

3,5 milhões

R$ 1 bilhão

16

Renner

46

4.300

3 milhões

R$ 408 milhões

8

139

Fonte: Revista Veja.

Redes de lojas de departamentos também têm tradicionalmente atuado no setor do vestuário popular, como é o caso das Casas Pernambucanas e rede de lojas Zogbi. As Casas Pernambucanas é a maior de todas as redes de lojas de departamentos que possui também um setor de vestuário. Com 237 lojas espalhadas pelo Brasil e aproximadamente 10 mil funcionários a empresa tem uma previsão de faturamento para 2001 de R$ 1,268 bilhões. No ano de 1999 o lucro gerado foi de aproximadamente R$ 30 milhões, em todas as linhas de produtos que incluem 8 mil itens.140 As Lojas Zogbi fazem parte de um conglomerado de empresas que se denomina Grupo Zogbi. Seu início foi no ano de 1936, com a fundação da CIAESA, Comércio e Indústria Antonio Elias S/A, empresa do segmento têxtil. Posteriormente em 1952, com a denominação de Zogbi S/A Comércio e Indústria, e passou a ser chamada de Lojas Zogbi, tendo se tornado, na ocasião, uma rede especializada e tradicional em tecidos. Hoje a rede conta com 30 lojas, sendo 11 destas na cidade de São Paulo em pontos de grande circulação de pessoas como o centro da cidade, onde existem 4 lojas mais uma exclusivamente de saldos, e em locais “populares” como a rua Teodoro Sampaio.141 É importante salientar que estas lojas de departamentos e os grandes magazines costumam trabalhar com um sistema de crédito próprio (com poucas exigências mas com juros altos) que acaba funcionando como um grande chamariz para clientes menos favorecidos.

139

Ramiro, Denise. “Prazer em conhecer”. Op. Cit.; pp. 132 e 133. Disponível em www.lojaspernambucanas.com.br, acesso em 09/08/2001. 141 Disponível em www.lojaszogbi.com.br, acesso em 09/08/2001. 140

76 Mercado varejista brasileiro - maiores empresas142 Lojas de Departamento e de Eletrodomésticos Nome da Empresa Casas Bahia

Estado (SEDE) SP

Receita Líquida Lucro Bruto (R$ mil) (R$ mil) 2.104.316 462.625

Lucro Líquido (R$ mil) 59.746

Ponto Frio

RJ

1.702.266

405.214

43.594

Lojas Americanas

RJ

1.235.189

311.610

50.044

C. Pernambucanas

SP

763.816

278.828

30.578

Lojas Colombo

RS

453.078

148.688

10.793

Luiza

SP

357.494

114.576

1.357

Lojas Cem

SP

336.252

115.291

22.213

Lojas Renner

RS

323.688

136.044

13.025

Y. Yamada

PA

318.191

54.630

704

Brasimac

SP

297.654

61.647

39.892

Lojas Insinuante

BA

233.894

56.079

1.803

5239

RJ

221.347

36.938

5.795

Hermes Soc. Coml.

RJ

170.509

58.039

1.442

Claudino

PI

166.738

63.887

24.229

Baú da Felicidade

SP

135.463

67.896

10.680

9.176.171

2.491.942

221.254

Valores Acumulados Setor

Fonte: Gazeta Mercantil.143

Tecidos, Confecções, Armarinhos e Calçados Nome da Empresa Lojas Riachuelo

Estado (SEDE) SP

Receita Líquida (R$ mil) 401.389

Lucro Bruto (R$ mil) 187.347

Lucro Líquido (R$ mil) 540

Elmo

MG

90.479

36.823

1.036

F Pio

PA

50.180

14.195

786

Marcas

RJ

39.200

21.667

(28)

Arezzo

MG

28.444

13.595

73

Garbo

SP

24.633

16.201

61

Casa Rolla

MG

17.216

10.034

(2.065)

Zogbi

SP

17.069

7.497

2.866

Casas Chamma

RJ

16.691

8.849

(228)

Elle et Lui

RJ

12.884

8.707

664

Prelude Modas

SP

8.398

4.105

(4)

Lealtex

RJ

8.364

2.820

(222)

748.838

345.023

67

Valores Acumulados Setor

Fonte: Gazeta Mercantil.144 142

Só constam empresas que concordam em divulgar o seu faturamento. Fonte: Gazeta Mercantil, Balanço Anual, julho/2000 nº 24 – Publicação Anual, p. 246. 144 Fonte: Gazeta Mercantil, Balanço Anual, julho/2000 nº 24 – Publicação Anual, p. 248. 143

77

Outro destaque do varejo brasileiro é um tipo de comércio que tem se mostrado lucrativo e em contínuo crescimento. O setor brasileiro da indústria de shopping centers apresenta números notáveis, desde a inauguração do primeiro, em 1966, o número de unidades tem dobrado a cada cinco anos, nos 236 shoppings espalhados pelo país são gerados 398.421 empregos em 36.107 lojas (35.467 lojas-satélite e 640 lojas-âncora145). Os empreendimentos deixaram de estar presentes apenas nas capitais e hoje em dia 41% deles se encontram em cidades do interior do país. No ano de 2000 o volume de vendas foi de cerca de R$ 23.0 bilhões (9,84% de crescimento em relação a 1999), segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto A. C. Nielsen financiada pela ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers). Conforme dados da associação as vendas dos shoppings em 2000 representaram 15% do faturamento de todo o varejo nacional (excluídos o setor automotivo e o de derivados de petróleo). O Estado de São Paulo é o líder nacional em relação ao número de unidades, são 89 (só a capital tem 27146) mais que o dobro do Rio de Janeiro, o segundo colocado com 37 shoppings.147 É preciso ainda acrescentar que o comércio popular de roupas também tem como canais de distribuição redes de hipermercados. Presentes em capitais e nas grandes cidades do país, seus departamentos de magazine nos últimos anos passaram a investir em moda popular. Primeiramente distribuídas por araras mal-organizadas, prateleiras e gôndolas, o setor de magazine principalmente dos hipermercados Carrefour, Extra, WalMart e Paes Mendonça estão passando por remodelações. A metragem da área tem aumentado e o aspecto geral é de maior organização, onde é possível encontram roupas tidas como “básicas”, desde peças íntimas até artigos esportivos. Essas roupas, anunciadas em catálogos de ofertas, juntamente com outros itens de consumo, incluindo de tudo um pouco dos vários setores de um hipermercado. Geralmente produtos de grandes malharias 145

Os grandes magazines e hipermercados estão nesta categoria. Continental Shopping Center, D & D Shopping, Diretão São Miguel Paulista, Frei Caneca Shopping e Convention Center, Lar Center, Market Place Shopping Center, Morumbishopping, Raposo Shopping, Shopping Butantã, Shopping Center Iguatemi São Paulo, Shopping Center Lapa – SP, Shopping Center Norte, Shopping Center Penha, Shopping Center Sul, Shopping D, Shopping Eldorado, Shopping Ibirapuera, Shopping Interlagos, Shopping Jardim Sul, Shopping Leste Avenida Aricanduva, Shopping Light, Shopping Metro Santa Cruz, Shopping Metro Tatuapé, Shopping Pátio Higienópolis, Shopping Plaza Sul, Shopping Villa-Lobos e Silvio Romero Shopping. Fonte: Associação Brasileira de Shopping Centers. Disponível em www.abrasce.com.br, acesso em 06/08/2001. 146

78 e indústrias de confecções, os artigos encontrados são simples e por vezes ultrapassados, mas que sempre acabam encontrando compradores em busca de bons preços.

3.5 - Aspectos históricos e econômicos do comércio de vestuário em São Paulo Como metrópole São Paulo agrega os mais variados tipos de comércio ligado ao vestuário, desde os mais populares às grifes internacionais. Uma conhecida e incomparável amostra do luxo paulistano, fora do já mencionado quadrilátero dourado da cidade, é a loja Daslu de Eliana Tranquesi. Uma única loja, localizada no bairro da Vila Nova Conceição, movimenta cerca de 130 milhões de reais por ano vendendo 80 das mais caras grifes internacionais. O perfil médio dos clientes inclui renda familiar superior a R$ 40 mil, 3 viagens por ano para o exterior e 4 empregadas domésticas. As vendedoras, filhas de sobrenomes presentes nas colunas sociais, chegam a faturar até R$ 8 mil mensais.148 Esta é uma das facetas do comércio da cidade, outra é representada pelas ruas populares e especializadas, que na maioria das vezes comercializam grande parte da produção de 7.090 indústrias do setor têxtil e de vestuário localizadas em São Paulo149. As ruas especializadas, que têm como característica principal um grande número de lojas vendendo produtos similares150, é possível encontrar uma grande variedade de artigos e preços. Além de ruas especializadas a capital também possui bairros inteiros dedicados a um tipo de mercadoria em específico. O melhor exemplo é o bairro do Bom Retiro com suas lojas e confecções de roupas, que além de ser conhecidos pelas mercadorias de apelo popular possuir confecções renomadas que suprem lojas de shoppings. Outros pontos de venda são encontrados no centro da cidade, que abriga as mais variadas lojas, desde butiques tradicionais com décadas de vida mas sobretudo magazines e lojas populares. 147

Fonte: Associação Brasileira de Shopping Centers. Disponível em www.abrasce.com.br, acesso em 06/08/2001. 148 Pinheiro, Daniela. “Como eles gastam”. Veja, 12/07/2000, pp. 108 a 113. 149 Fonte: Ministério do Trabalho - Relação Anual de Informações Sociais / RAIS 1998. DATAMEC Sistema de Processamento de Dados Secretaria Municipal do Planejamento / SEMPLA - Departamento de Informações / DEINFO - Equipe de Atividades Econômicas. Disponível em www.prodam.sp.gov.br, acesso em 20/08/2001. 150 Na cidade de São Paulo existem microregiões, em sua maioria na área central, que agrupam o comércio especializado em determinado tipo de mercadoria. Como exemplos: rua São Caetano e arredores, vestidos e acessórios para noivas. Rua 25 de Março e ruas próximas: é uma área com centenas de lojas atacadistas e varejistas de armarinhos, papelaria, brinquedos, roupa de cama e mesa, bijuterias, etc. Rua Conselheiro Crispiniano, próximo ao viaduto do Chá, possui alta concentração de lojas de materiais e equipamento para fotografia para profissionais e amadores.

79 Finalmente a cidade também concentra um número elevado de centros de compras (shopping centers que deixaram nos últimos anos de estarem apenas vinculados aos bairros elegantes e marcam presença em regiões “menos nobres” e lugares com grande circulação de pessoas como estações do metrô e áreas centrais). Historicamente o comércio de roupas em São Paulo esteve ligado aos imigrantes das mais diversas origens que a partir do século XIX passaram a chegar em grande número. Dentro daqueles que permaneceram na cidade, houve uma tendência pela sua fixação em bairros industriais em busca de proximidade ao mercado de trabalho. Os bairros Bom Retiro, Brás e as imediações da rua 25 de Março têm suas histórias marcadas pela presença imigrante, tanto no comércio como na indústria ligada ao vestuário. O Bom Retiro e o Brás, bairros proletários por natureza, mas que até a década de 1880 eram mais conhecidos pelas chácaras que abrigavam. Estes trechos da cidade cresceram em torno das estações de trem que traziam a produção de algodão para indústrias de tecidos e pela Hospedaria dos Imigrantes (primeiramente localizada no Bom Retiro e depois transferida para o Brás). Os dois bairros tiveram histórias paralelas, embora com diferenças consideráveis em seu desenvolvimento, os dois grandes pontos referenciais (as estações de trens e a Hospedaria) fizeram com que indústrias que necessitavam de mão de obra operária se estabelecessem em suas imediações, e assim formaram-se os bairros. Muitas indústrias têxteis se localizavam ali além disso para os imigrantes que não se adaptavam à vida no campo, São Paulo era o centro industrial mais promissor do país na época. No lugar das chácaras surgiram casas térreas geminadas de origem proletária e casas assobradadas, com o pavimento térreo destinado ao comércio e a parte superior à residência. O Bom Retiro abrigou, ao longo de sua história, inicialmente os italianos no século XIX e meados do século XX, depois do início do século XX até os anos de 1940 os judeus começaram a se fixar na região abrindo estabelecimentos comerciais ligados ao comércio de tecidos e roupas. Em uma terceira onda chegaram os coreanos, a partir da década de 1960, estes se tornaram os responsáveis pela atual modernização do bairro, que nos anos de 1980 esteve em decadência. Os italianos, em sua maioria, foram operários das fábricas da região. Os judeus iniciaram o comércio do bairro abrindo lojas ou atuando como mascates. Já os coreanos, desde a sua chegada, preferem trabalhar com confecções.

80 Nos anos de 1950 o comércio de roupas começou a expandir na região por meio de lojas de atacado e varejo que nos fundos abrigavam micro-indústrias de confeção. Na década seguinte os coreanos começaram a se estabelecer no local, primeiramente produzindo roupas muito baratas. Aos poucos foram dominando o comércio do bairro. Na década de 1990 se beneficiaram das importações com taxas favoráveis, com isso a indústria têxtil nacional foi quase à bancarrota pois os tecidos importados eram de melhor qualidade e mais baratos. Hoje em dia, graças ao susto tomado na época, a indústria nacional oferece alta tecnologia em tecidos ao contrário do período anterior em que o protecionismo a deixou sem concorrentes e estagnada. As roupas comercializadas no bairro pelas confecções mais populares são cópias de estilos internacionais onde os modelos são tirados de revistas importadas ou chegam por meio de viagens feitas ao exterior pelos fabricantes em busca de novidades para renovar a cada mês as coleções, obviamente muito do que é produzido não prima pela qualidade. Os artigos podem ser vendidos no atacado ou no varejo. No caso do varejo, algumas lojas escolhem dias para atender o consumidor (somente aos sábados ou dias específicos da semana), outras oferecem seus produtos diariamente para compradores de atacado. Hoje o bairro conta com 1500 lojas instaladas dedicadas ao comércio de roupas, sendo que 80% das confecções do bairro produzem para o segmento feminino, destas empresas 70% de proprietários são de origem coreana. Estima-se que 8 mil pessoas estão empregadas nas confecções da região e que outros 100 mil postos de trabalho são gerados indiretamente pelo pólo, sendo este responsável por 8% do faturamento nacional do segmento.151 O comércio do Bom Retiro é principalmente voltado para a pronta entrega. Isso faz com que 70% das vendas da região sejam feitas para lojistas e sacoleiras de outras cidades e até mesmo de outros países. Estas vendas no atacado, de no mínimo 12 peças, são o grande negócio da região. Ganha-se na quantidade e isso muitas vezes explica a modelagem pequena das peças que visa aproveitar ao máximo a metragem do tecido para um maior lucro. As lojas, principalmente de moda jovem feminina da rua José Paulino, sofreram nos últimos quatro anos remodelações para ficarem parecidas com as butiques da rua 151

“Das 7 mil confecções cadastradas pelo Sindivest (Sindicato da Indústria do Vestuário do Estado), 3,5 mil ficam na Grande São Paulo e só no Bom Retiro estão 1.500 empresas do setor”. Bresser, Deborah. “Bom Retiro quer virar bulevar de moda”. Disponível em www.jt.estadao.com.br/editorias/2001/03/26/ eco010326.html, acesso em 08/08/2001. E Maia, Viviane. “Bom Retiro de Cara Nova”. Pequenas Empresas Grandes Negócios, 12/2001, pp. 32 a 34.

81 Oscar Freire. O trabalho da Câmara dos Dirigentes Lojistas do bairro além de estimular a revitalização do lugar organiza um evento semelhante à semana de moda paulistana para expor as coleções das confecções locais, contando inclusive com Paulo Borges, organizador do São Paulo Fashion Week. O Bom Retiro depois da revitalização sofrida no final da década de 1990 vem atraindo

consumidores

de

shopping

centers

em

busca

de

preços

melhores.

Conseqüentemente as oscilações na economia não afetam o comércio de roupas populares e até lojas que iniciaram suas atividades em centros de compras estão migrando para o bairro.152 A história do Brás possui momentos distintos, o primeiro marcado pela forte presença de imigrantes italianos, até aproximadamente os anos de 1930, onde o crescimento da função fabril e comercial do bairro realiza-se em prejuízo de sua função residencial, assim se inicia a descaracterização do Brás como “bairro italiano” e tipicamente operário, e suas conseqüentes transformação e deteriorização. Os primeiros imigrantes italianos, após muito trabalho procuram lugares mais tranqüilos, longe das fábricas para prosseguir a vida. A especulação imobiliária comercial da área aumentou os preços dos imóveis na época e o bairro perdeu suas características iniciais tornando-se comercial. Por outro lado, migrantes nordestinos a procura de uma vida melhor em São Paulo buscaram na localização central do Brás moradia temporária nos antigos sobrados transformados em cortiços.153 Hoje na região há uma multiplicidade de estabelecimentos comerciais. O comércio popular de roupas se destaca entre os outros mas diferentemente do praticado no Bom Retiro não é tão localizado e determinante. Pode-se encontrar de tudo um pouco em produções modestas e baratas. O comércio popular de roupas encontra outros pólos mais dispersos na capital. Entre elas ruas em específico ou pelo menos parte delas. A rua Teodoro Sampaio, muito vinculada com o comércio de móveis e decorações, tem nas proximidades da avenida Faria Lima uma forte presença de magazines extremamente populares vendendo roupas a partir de R$ 1,99 em bancas debruçadas sobre as calçadas.

152

Moraes, Maurício. “Os grandes alvos do consumo popular”. Disponível em www.estado.estadao.com.br/ editorias/2001/06/24/eco010624.html, acesso em 08/08/2001. 153 Disponível em www.bras24horas.com.br, acesso em 17/08/2001.

82 Já a rua 25 de março tem a característica atual de ser uma grande miscelânea comercial. Seu desenvolvimento comercial começou a partir de 1890 e esteve ligado primeiramente ao comércio de tecidos, vestuário e armarinhos praticado por imigrantes de origens síria e libanesa. Em um segundo momento histórico da localidade povos de origem asiática, chineses e coreanos, se estabeleceram no comércio da região e mudaram em parte seu perfil introduzindo a venda de ouros tipos de artigos importados (eletroeletrônicos, brinquedos, utilidades domésticas e artigos de vestuário “falsificados” etc). Atualmente, na rua e adjacências estão instaladas cerca de 3 mil lojas, e um número de camelôs que varia conforme as batidas policiais e constantes atritos com fiscais da prefeitura, chegando por vezes a atingir também os 3 mil. No total é estimado que 40 mil pessoas trabalhem ligadas ao comércio da região, onde o faturamento em 2000 foi de aproximadamente R$ 10 bilhões, segundo pesquisa da associação dos lojistas local.154 Durante o Natal, em média 1 milhão de pessoas procuram a rua para fazer suas compras onde são encontrados artigos diversos a partir R$ 1,00. As falsificações de produtos de marca (tênis, camisetas, calças jeans, óculos, bonés entre outros) encontram nos ambulantes da região um canal de distribuição importante na capital paulista. Outro ponto de grande concentração do comércio de importados, (incluindo roupas e acessórios) é a Galeria Pagé localizada na rua Comendador Affonso Kherlakian próxima ao mercado municipal. A galeria foi inaugurada em 1963 em um prédio de 7 andares. Hoje em dia conta com 170 lojas comercializando mais de 500 mil itens diferentes. Conforme estimativa dos dirigentes mensalmente mais de 1 milhão e 400 mil pessoas circulam em suas instalações.155 Menos popular, mas importante ponto de venda da moda jovem, o bairro do Itaim Bibi possui também grande concentração de lojas de vestuário. Uma das ruas mais movimentadas é a João Cachoeira que 1963 começou a ficar freqüentada devido à inauguração da loja Franita. A partir de então a rua passou a ser referência na cidade e procurada por jovens da classe média procurando por roupas parecidas com aquelas usadas pelos ídolos da Jovem Guarda. No final da década de 1960 a João Cachoeira era

154

Medeiros, Lydia. “Babel à moda paulistana”. Disponível em www.epoca.globo.com/edic/ed26022001, acesso em 15/08/2001. 155 Disponível em www.galeriaspage.com.br, acesso em 20/08/2001.

83 comparável à rua Augusta em movimento comercial, na década seguinte inúmeras confecções lá surgiram e se encontram no bairro até hoje. Para encerrar, resta ainda falar sobre a rua Augusta. Rua que a partir de 1955 começou a ser reconhecida como centro da moda feminina paulistana, até então o largo do Arouche era o principal centro de moda feita sob medida e virou passarela de pessoas que aos finais de semana circulavam na rua para comprar e saber das últimas tendências de moda. A Augusta foi o shopping center dos anos de 1960, durante o período da Jovem Guarda, a rua virou ponto de encontro jovem. No final da década de 1970 a loja Jeans Stores inovou o conceito de comercialização da moda jovem brasileira promovendo shows e vendendo seus artigos em um ambiente descontraído, na década as butiques se transformaram em lojas de grifes.156 No fim dos anos 1990, após um período de esquecimento devido à valorização dos shoppings centers e da rua Oscar Freire, a Augusta ressurge como ponto de encontro jovem concentrando filhos e netos da geração Jovem Guarda. Dessa vez o ponto de encontro é a Galeria Ouro Fino, entre a rua Oscar Freire e a alameda Lorena. Desde que a antiga galeria, que existe há décadas, concentrou lojas que oferecem uma infinidade de artigos ligados à “tribo” clubber, inclusive a do renomado estilista Alexandre Herchcovitch, a Ouro Fino começou atrair admiradores de música eletrônica. A mudança no cenário comercial da Galeria se iniciou após a abertura em seu subsolo de uma loja do empresário Phil Marques com o mesmo nome do seu clube noturno, Hell's Club. A partir de então outros estabelecimentos ligados ao movimento clubber migraram para o local.

84

Capítulo IV A Publicidade e a Moda _______________________________________________________________ 4.1 - Relações entre a publicidade, a moda e os meios de comunicação de massa O papel tradicionalmente sugerido à publicidade é o de ser uma das ferramentas de marketing, cuja função é estimular a demanda de bens e serviços. Entretanto, essa noção simplista, deixa de lado a sua capacidade de pulverizar, em inúmeros meios de comunicação de massa, as estéticas apropriadas das artes (conforme foi anteriormente discutido no capítulo II) e levar o conhecimento de mercadorias e modas para a sociedade em geral. Ela pode ser considerada um espelho da cultura de consumo reafirmando a necessidade de substituição permanente dos objetos, elegendo signos portadores de referências de distinção social e espalhando no imaginário das pessoas valores ligados a variados estilos de vida. Everardo Rocha, autor de um estudo antropológico sobre a publicidade,

acredita

que:

“A

publicidade,

enquanto

um

sistema

de

idéias

permanentemente posto para circular no interior da ordem social, é um caminho para o entendimento de modelos de relações, comportamentos e da expressão ideológica dessa sociedade”157. Desse modo, a publicidade é um dos canais de divulgação cultural da sociedade contemporânea que tem como veículo os meios de comunicação de massa. Os mass media funcionam filtros culturais, disseminadores de informações de grande impacto social, responsáveis por espalhar inovações técnicas e culturais com uma rapidez jamais prevista em séculos anteriores. Sem dúvidas é uma das faces mais conhecidas, e bastante apreciada, da cultura de massa. Ela, além de divulgar produtos, contribui para as mudanças culturais, influindo não só no consumo mas nos estilos de vida, visões de mundo, relações humanas, hierarquia, valores sociais, sentimentos e aspectos culturais.

156

Disponível em www2.uol.com.br/mpessoa/comércios/cronologia , acesso em 21/08/2001. Rocha, Everardo P. Guimarães. Magia e Capitalismo. Um Estudo Antropológico da Publicidade. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 29. 157

85 Jean Baudrillard coloca que: “Em uma sociedade em tudo se acha rigorosamente submetido às leis de venda e do lucro, a publicidade é o produto mais democrático, o único que é “ofertado” a todos”158. E ainda que: “A publicidade desempenha o papel do cartaz permanente do poder de compra”159. Desse modo, a publicidade atua como um dos mecanismos da distinção social popularizando o valor/signo e o valor econômico de determinados objetos. Assim estrutura-se o conhecimento das marcas e aquelas que estão associadas ao consumo conspícuo ou não. Pode-se dizer que a publicidade semeia pelos mais variados setores da sociedade a cultura do consumo. Para o autor, o consumo é um sistema de valores imposto moralmente que agrega e controla socialmente os indivíduos. A produção e o consumo formam um conjunto interligado onde a renovação constante dos objetos funciona como mecanismo simbólico de classificação social. A publicidade atua como criadora de desejos e necessidades. Ela é um mecanismo de validação e supervalorização do consumo de determinados objetos sempre desqualificando o “ultrapassado”. Mas, além disso, atua como mecanismo de integração social pelo consumo numa oferta gratuita do desejo nem sempre realizável.160 Antes de tratar especificamente da relação da publicidade com os meios de comunicação de massa é importante verificar como que estes atuam como filtros ou catalisadores de mudanças culturais. Bernard Cathelat apresenta as diferentes maneiras que os mass media manipulam as informações colhidas e as transmitem para a audiência interferindo no fluxo comunicativo e na percepção das mudanças culturais. Essas mudanças interferem nos modos de vida e na maneira como são aceitas, ou não, as inovações oferecidas pela sociedade de consumo, incluindo a aceitação de novas modas. Em primeiro lugar Cathelat considera que: “Uma “cultura aberta” é bombardeada permanentemente por informações provenientes de outras culturas longínquas e diferentes no tempo ou no espaço (exo-stimuli), de culturas vizinhas (ecto-stimuli) e ainda provenientes de subgrupos, de líderes, ou de inovadores internos da sociedade (endo-stimuli). É o sistema local dos meios de comunicação de massa que dão mais ou menos importância a essas informações as filtrando, as colocando em

158

Baudrillard, Jean. O Sistema dos Objetos. Op. Cit.; p. 180. Baudrillard, Jean. O Sistema dos Objetos. Op. Cit.; p. 181. 160 Baudrillard, Jean. “Significação da Publicidade”. In: VVAA, Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Editora Saga, 1969, p. 271 a 278. 159

86 cena e as repetindo. Os órgãos de informação são uma janela para o mundo exterior e para outros setores da sociedade e seus “estímulos”.”161 Assim os tipos de funções que a os meios de comunicação podem exercer são162: •

Antena: divulgar para a sociedade inovações filtradas de outras fontes e outras culturas fornecendo estímulos para contestar modelos estabelecidos e assim inovar.



Amplificadora: aumentar a contestação dos modelos através da repetição e “dramatização”

das

informações,

provocando

um

desequilíbrio

social

e

contestação em massa. •

Foco: canalizar e sintetizar as mudanças que devem ocorrer na sociedade para buscar uma melhora e aquietar o desequilíbrio causado pelas mudanças nos estilos de vida.



Prisma: estabelecer uma nova ordem que deve ser divulgada para públicos específicos. Uma vez ocorridas mudanças, as inovações atingem um equilíbrio, cada meio de comunicação transmite as tendências para a sua audiência de forma didática, definindo um novo fluxo cultural.



Eco: reiterar os valores estabelecidos, fortalecendo uma tradição. A função eco é uma barreira contra as inovações. A publicidade, veiculada nos meios de comunicação de massa, adquire o mesmo

papel perpetuando ou modificando determinados aspectos culturais. Cathelat sugere que diferentes tipos de publicidade podem ter as funções de antena, amplificador, foco, prisma e eco. Exemplificando: A publicidade antena é aquela que lança um novo modo de consumir como os restaurantes fast-food ou o uso de uma determinada moda inovadora vinda de outro país. A publicidade amplificadora é aquela que dramatiza as mudanças e os contrastes como a publicidade da marca Benetton. A publicidade foco propõe uma nova concepção de vida como a divulgação de moda jovem (no Brasil bem representada pela campanha das calças U.S Top na década de 1970). A publicidade prisma diversifica seu público-alvo anunciando uma padronização através do consumo de determinado produto para um grupo específico, como a propagação de um consenso do que seja a moda naquele momento (anúncios de artigos comercializados em redes de lojas como a C&A). A publicidade eco sustenta um modo de pensar conservador através de uma publicidade de

161 162

Cathelat, Bernard. Publicité et Société. Paris: Éditions Payot, 1992, p. 68. (Tradução da autora). Cathelat, Bernard. Publicité et Société. Op. Cit.; pp. 68 a 78.

87 “sustentação de marca” (divulgação de marcas de artigos tradicionais como a Ralph Lauren, onde a moda vigente com suas inovações cíclicas possui pouco valor). As mensagens comerciais transmitidas pelos mass media se transformam assim em mensagens culturais afetando costumes e comportamentos, inclusive aqueles ligados ao uso de determinadas modas ou não. Os principais meios de comunicação responsáveis pela divulgação da moda são os meios audiovisuais como a televisão e os meios de comunicação impressos, especialmente revistas. A televisão pela sua abrangência atinge um público indiscutivelmente maior que as publicações de moda. A telenovela, um dos programas televisivos mais populares no Brasil, tem influencia direta na divulgação e no consumo de uma moda. Um figurino de novela se tornará moda, sendo tendência da estação ou não, com mais facilidade que aquilo que os estilistas elegeram. Obviamente que há uma influência especial dos estilos do momento na criação de um figurino, algumas de suas peças, principalmente se a novela é contemporânea, são escolhidas dentro de tendências atuais. É preciso se levar em conta que o que as pessoas usam nas “ruas” influencia de uma maneira geral os caminhos da moda. Um figurinista quando faz uma pesquisa “externa” procura por aquilo que realmente as pessoas usam em seu quotidiano e inclui o “estilo” no figurino juntamente com as novas tendências vindas de formadores de opinião e de referências do exterior, adequando assim o figurino ao personagem, ao seu estereótipo e sua representação social na trama. Dessa maneira, a televisão não só influencia a moda mas também é influenciada, ao contrário do que acontecia em décadas passadas quando as novelas efetivamente lançavam a moda e o público simplesmente a seguia163. Não que o telespectador hoje em dia não seja mais influenciado pelo figurino das novelas, a procura por peças de roupa e acessórios semelhantes aos personagens e celebridades televisivas é um fenômeno que nunca deixou de existir. O efeito da “moda da TV” na “moda da rua” é evidente, bastando para confirmar este aspecto apenas circular freqüentemente entre os camelôs e lojas populares e notar como as roupas, bijuterias e acessórios mudam conforme as novelas vão passando. Especificamente com relação ao vestuário, a procura por peças similares as aquelas que fazem parte de figurinos de novela é significativo a ponto de existirem publicações dedicadas exclusivamente na transformação tais figurinos em moldes ou em matérias especiais mostrando detalhes de cada roupa.

88 Alexandre Bergamo Idargo164 em sua dissertação de mestrado relata que usar personagens da televisão como referência de “estilo” não caracteriza uma vontade de distinção social. Uma vez que o estilo veiculado está mais do que popularizado. Existe uma busca de distinção pessoal, procurada nos traços de personalidade dos personagens que mais agradam ao público sejam eles vilões ou heróis e heroínas. Com relação aos personagens das novelas a influência não vem diretamente da moda mas sim do tipo de estereótipo que é construído sobre este personagem. O figurinista trabalha em cima de informações do roteiro e do autor para construir um figurino (que inclui acessórios, o cabelo e a maquiagem do personagem) como em cada novela existem vários núcleos de personagens representando “tipos” e classes sociais diferentes, resta ao espectador eleger aqueles que são mais populares e representativos, e assim o “estilo” desse personagem pode virar uma moda.165 O vínculo entre publicidade e as novelas televisivas vem do fato da publicidade se aproveitar da notoriedade de certos atores para vincular a imagem não somente do próprio ator/atriz como personalidade famosa mas também as características dos seus personagens para determinados produtos. Assim estabelece-se uma relação de dupla identificação, do produto com o personagem e do produto com o comprador, que ao adquirir o produto está tomado para si o valor/signo do produto e do personagem. O elo de identificação do comprador é reforçado pela vontade de possuir ou evidenciar determinadas características do personagem. Mas, os personagens das novelas possuem um tempo limitado de exposição, reforçando o sistema da moda, onde novos produtos são lançados baseados na identificação de outros personagens em eterno ciclo. Isso é possível pois as novelas trabalham com estereótipos e sempre haverá um ator em evidência, representando o estereótipo adequado, para que sua imagem seja aliada a um produto/personagem. É importante salientar que este fenômeno de apropriação das características dos personagens aliado a determinados produtos não está restrito a artigos de vestuário mas produtos em geral, incluindo bens de consumo de luxo. Esse é um mecanismo de identificação que passa por todas as esferas sociais.

163

Zanette, Emerson. “O consumidor ajuda a definir o que vira moda”. Textília Press, ano V – número 29 bimestral, São Paulo, nov/dez 200, pp. 22 e 23. 164 Idargo, Alexandre Bergamo. A Experiência do Status. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais, Universidade de São Paulo, 2000, p. 89. 165 Joffily, Ruth. O Brasil tem Estilo? Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 1999, p. 54.

89 Resta ainda dizer que os estereótipos dos personagens estão ligados a determinados estilos de vida. A divulgação de tais estilos populariza grupos sociais que nem sempre estão próximos. A publicidade sugere que aquele que tiver vontade pode se vincular também a um “grupo” consumindo os produtos devidos. Aí reside o seu papel de mecanismo de manutenção e controle da ordem social pela ilusão da realização pelo consumo. Efetivamente a publicidade reforça o valor/signo dos produtos ligados aos estilos de vida divulgados na novela. Se eles são “demonstrados” pelos personagens então o consumidor pode ser alguém que vive uma realidade semelhante bastando comprar aquilo que lhe é indicado pela publicidade. Outras estratégias publicitárias utilizam recursos persuasivos como a identificação do consumidor com modelos distantes (ídolos e celebridades), aos quais estão associados simultaneamente um caráter de autoridade e uma fonte de identificação. Esses ídolos estão presentes nos meios de comunicação de massa não como personagens que emprestam a sua imagem e sua “personalidade” para os produtos (evidentemente que os dois casos podem ocorrer) e sim como exemplos de reconhecimento pelo fato de serem famosos e idolatrados. As mercadorias associadas a ídolos têm o seu valor simbólico reforçado. John Thompson considera que: “Os indivíduos envolvidos na produção e recepção de formas simbólicas estão, geralmente, conscientes do fato de que elas podem ser submetidas a processos de valorização, e eles podem empregar estratégias voltadas para o aumento ou a diminuição do valor simbólico ou do econômico. (...) valorização cruzada – isto é, o uso do valor simbólico como um meio para aumentar ou diminuir o valor econômico, e viceversa. A valoração cruzada é parte essencial da estratégia empregada pelos anunciantes quando usam estrelas de cinema famosas, astros populares ou figuras públicas como formas de promover produtos específicos: o objetivo é aumentar as vendas por associação, aumentar o valor simbólico, mesmo que não haja uma conexão necessária entre os dois.”166 O uso de ídolos pela publicidade é um assunto que divide opiniões. Giorgio Lomazzi diz que: “Os grandes astros e estrelas são tomados como modelos na medida em que não suscitam sentimentos competitivos nos espectadores. E é por isso também que os

166

Thompson, John B. Ideologia e Cultura Moderna. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p. 206.

90 conselhos dos amigos têm escassa “influência” sobre as decisões a respeito de seguir uma moda: muitas vezes as pessoas mais próximas aparecem como rivais.”167 Discordando com ele aparecem Lipovetsky e Maffesoli. O primeiro se refere ao processo de horizontalização da moda onde os referenciais distantes não importam mais e o segundo diz que celebridades locais possuem mais influência que modelos distantes na nova organização das cidades.168 É importante destacar que alguns ídolos adolescentes, com constantes aparições na mídia, asseguram a impregnação no imaginário juvenil fazendo a simulação de um modelo real. Estes ídolos estão muito mais próximos em termos de aparência e comportamento dos jovens (mesmo se tratando de celebridades internacionais) do que de outros modelos como seus pais, por exemplo. Mas as novelas e os ídolos não são as únicas referências de moda nos meios de comunicação de massa, o marketing de moda reserva outras estratégias para a divulgação e a consagração de determinadas marcas, a chamada “publicidade indireta”. Este é um recurso utilizado para cobrir um público, muitas vezes seleto, com ações de assessoria de imprensa, entre eles os conhecidos editoriais de moda, ou outras ações como o uso de celebridades vestindo roupas assinadas em eventos concorridos, sendo este tipo de ação mais comum com relação à alta-costura. A divulgação de desfiles na grande imprensa com a opinião de “iniciados” e formadores de opinião como jornalistas (matérias sobre os lançamentos da próxima estação ocupam espaços significativos na imprensa geral) é uma outra estratégia utilizada. Esta é uma maneira de jogar com a opinião pública e interferir diretamente no consumo, mesmo que as confecções populares apenas aproveitem parte daquelas tendências digerindo-as e tornando-as o mais comercial possível. Dos criadores de moda para a moda popular restam os detalhes menores, as cores e as estruturas que são lançadas a cada estação onde a ditadura da moda oferece variações mínimas sobre o mesmo tema.

167

Lomazzi, Giorgio.“Um consumo ideológico”. In: “Psicologia do Vestir”. Lisboa: Assirio e Alvim,1989, p. 84. 168 “As grandes cidades transformam-se em campos onde os bairros, os guetos, as paróquias, os territórios e as diversas tribos, que os habitam, substituíram as aldeias, lugarejos, comunas e cantões de antigamente. Mas, como sempre, é necessário reunir-se em torno de uma imagem tutelar. O santo patrono venerado e celebrado, será substituído pelo guru, pela celebridade local, pela equipe de futebol ou pela seita de modestas dimensões.” Maffesoli, Michel. O Tempo das Tribos. Op. Cit.; p. 61.

91 Obviamente que cada um livre para escolher e usar aquilo que lhe convier mas na realidade do mercado, principalmente no comércio popular, as opções são limitadas. Se os meios de comunicação impressos, através de suas reportagens e editoriais de moda, têm um papel de divulgar as novas tendências, eles possuem um vínculo indissociável com a publicidade veiculada nesses mesmos veículos. Os editoriais reafirmam o valor das roupas anunciadas pois os modelos ali representados estão na “moda”, conforme a opinião de autoridades do “campo”, e mais o nome das marcas conhecidas são divulgados pelas revistas. Assim a informação de cunho editorial reforça a publicidade uma vez que a informação dos jornalistas é “mais isenta” que a informação publicitária. Uma lógica semelhante acontece na televisão, onde matérias daquilo que está entrando na moda fazem parte de programas femininos ou até mesmo de matérias especiais em jornais televisivos. Os programas “de moda” veiculados em alguns canais a cabo ficam obviamente restritos a um público seleto que acabam atuando como líderes de grupo quando repassam a informação de maneira informal para outras pessoas, ou mesmo seguindo as tendências propostas pelos programas. Assim, o processo de adoção de novas modas divulgadas nos meios de comunicação de massa possui uma dupla articulação. A primeira baseada na lógica das distinções sociais, onde o princípio de adoção é baseado na admiração de “celebridades” e modelos sociais pertencentes a outros estratos sociais juntamente com os produtos e marcas que supostamente têm o seu público-alvo tais categorias sociais. A segunda é aquela feita através de líderes de grupo e modelos próximos. Os líderes de grupo são “autoridades” que funcionam como modelo para outros membros. Nesse caso, essas autoridades são propriamente pessoas próximas, pois a moda é um elemento indicador de pertencimento a determinados grupos e toda a vida social é regulamentada sob regras de aceitação e de expectativas sociais em relação ao comportamento aceitável dentro desse grupo.169 Lipovetsky afirma que o sistema da moda consumada deixa de estar atrelado ao sistema de afastamento e distinções sociais e caracteriza-se mais pelo seu caráter individualista nas escolhas170. Entretanto, as pressões sociais e os modelos divulgados pela

169

De Fleur, Melvin L e Ball-Rokeach, Sandra. Teorias da Comunicação de Massa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993, p. 301. 170 Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; p. 75.

92 mídia e pela publicidade ainda interferem no consumo da moda, sobretudo pela necessidade de aceitação nos diversos grupos sociais, seja ele de yuppies ou de punks.171

4.2 – O imaginário e a publicidade de moda Bernard Cathelat considera que a publicidade possui três dimensões. A primeira é utilitária e funcional, cuja função é apresentar objetivamente as qualidades do produto e seu funcionamento usando de explicações e argumentos que visam convencer o consumidor. A segunda dimensão é simbólica e incorpora ao produto valores agregados de distinção social, conotações de tradição ou modernidade e estilos de vida usando uma linguagem dos estereótipos sociais e figuras de destaque. A terceira dimensão é chamada pelo autor de imaginária e consiste em aliar ao produto qualidades que o consumidor pretende possuir. Essa última dimensão utiliza uma linguagem simbólica que apela para as motivações e os desejos mais profundos do público-alvo.172 A publicidade de moda é caracterizada por ser uma das categorias publicitárias mais impregnadas de valores simbólicos, atuando sobre o imaginário de maneira intensa. O destaque dado à fotografia e ao cuidado visual nessa categoria publicitária, onde em particular do anúncio impresso representa a grande parte dele173, é essencial para o convencimento dos prováveis consumidores. Outro fato relevante é que especificamente em meios impressos variáveis fundamentais como tempo de avaliação da publicidade e sua apreensão são reforçados.

171

“Poder-se-ia provar que muito mais de nosso comportamento é controlado por expectativas sociais existentes dentro de sistemas sociais nos quais interagimos com outros do que por nossas predisposições íntimas. Todo o grupo a que pertencemos – família, escola, grupo de trabalho, um clube, ou apenas uma patota informal de amigos – exerce um conjunto vigoroso de controles sobre nós. Em alguns grupos, podemos desgostar cada minuto da experiência, mas se quisermos permanecer participando, teremos que aderir às normas do grupo, desempenhar o papel a nós atribuído, submeter-nos ao sistema hierárquico, e concordar com o sistema de controle social. São esses fatores externos que modelam nosso comportamento – as expectativas e exigências sociais dos outros – e não apenas sentimentos, preferências ou atitudes íntimas. Há escassa dúvida, portanto, de que tanto fatores sociais quanto culturais proporcionem orientações que modelam o comportamento humano. São as compreensões e aceitações do indivíduo com relação a formas culturalmente aprovadas de conduta e as expectativas de procedimento dos outros que determinam como agirá em um contexto social. Por tal razão, esses fatores externos podem favorecer uma base para a persuasão, admitindo-se que as definições deles para o indivíduo possam ser modeladas ou controladas”. De Fleur, Melvin L e Ball-Rokeach, Sandra. Teorias da Comunicação de Massa. Op. Cit.; p. 301. 172 Cathelat, Bernard. Publicité et Société. Op. Cit.; p. 38. 173 O investimento em mídia do setor têxtil e de vestuário em 2000 privilegiou respectivamente os seguintes meios: Televisão (47,12%), Revista (37,63%), TV a cabo (6,70%), Out-door (4,70%), Jornal (3,33%) e Rádio (0,47%). Fonte: Meio & Mensagem Especial, 20/11/2000.

93 Muitas vezes os elementos de convencimento da publicidade de moda residem mais na significação subjetiva das imagens do que no discurso persuasivo. Esse tipo de publicidade atinge o lado emocional de seu público-alvo e sugere que comprar uma determinada roupa está além de ser um processo racional. O discurso falado através das imagens impregnadas de valores simbólicos e emocionais e dos eventuais textos, muitas vezes limitados a slogans, é carregado de símbolos com referências psicológicas. Conforme coloca Guenevière Cornu escrevendo sobre a semiologia da imagem na publicidade: “(...) a imagem publicitária evoca numerosos valores e esses valores convergem sobre a marca do produto. Assim, a imagem publicitária funciona como uma alegoria: a partir de elementos icônicos, ela estabelece um catálogo de valores que constituem um verdadeiro léxico simbólico aliado ao logotipo da marca.”174 Em anúncios de marca essas imagens são provavelmente aquelas que vinculam o produto a arquétipos ligados ao imaginário mitológico da marca, onde o consumidor estabelece uma ligação puramente emocional. Sal Randazzo em seu estudo sobre as mitologias e os arquétipos publicitários diz que: “As mitologias publicitárias que evocam sentimentos são particularmente eficazes porque os sentimentos ajudam a confirmar os benefícios emocionais e psicológicos que os anunciantes querem associar com os seus produtos. Elas funcionam como apelo emocional, e não como proposta racional de venda. Os sentimentos evocados pela publicidade servem para desarmar o consumidor e criar um interesse pelo produto baseado mais em sentimentos e emoções do que na lógica e na razão. Quando as mitologias publicitárias são apropriadas e críveis, os sentimentos servem para confirmar os benefícios emocionais e psicológicos que elas prometem.”175 Nos anúncios de artigos de marcas menos conhecidas, ou em fase de lançamento, onde para um maior aproveitamento da mídia a mensagem para o consumidor é mais explícita, é comum fazer uma ligação direta do produto com uma celebridade, a sandália da Sandy por exemplo, ou emprestar de um personagem conhecido sua “personalidade” para que se estabeleça uma ligação do produto com o estereótipo. Na moda não é uma prática freqüente anunciar produtos específicos, a não ser que estes sejam facilmente identificáveis e populares, e sim marcas ou lojas. No caso de lojas o apelo busca por

174

Cornu, Genevière. Sémiologie de l’Image dans la Publicité. Paris: Les Éditions d’Organization, 1992, p. 45. (Tradução da autora). 175 Randazzo, Sal. A Criação de Mitos na Publicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 233.

94 argumentos racionais como os anúncios produzidos pelos grandes magazines destacando o preço das mercadorias. Uma outra característica associada à imagem na publicidade de moda é que ela pode ser uma “obra aberta”176. Conceito apropriado de Umberto Eco, falando das linguagens poéticas e obras de arte, onde o “fruidor” participa da obra a partir do momento em que correlaciona suas emoções e experiências com aquela obra que lhe oferece “sugestões” que ele interpreta conforme motivações internas e conveniência. Quanto menos texto maior é o valor dado às imagens. Nessa perspectiva, o uso de um contexto livre oferece para cada leitor a possibilidade de interpretar a mensagem como bem lhe convier, abarcando desse modo inúmeras percepções. Assim: a “Obra que “sugere” realiza-se de cada vez integrada pelas contribuições emotivas e imaginativas do intérprete. Se cada leitura poética temos um mundo pessoal que tenta adaptar-se fielmente ao mundo do texto, nas obras poéticas deliberadamente baseadas na sugestão, o texto se propõe estimular justamente o mundo pessoal do interprete, para que este extraia de sua interioridade uma resposta profunda, elaborada através de misteriosas consonâncias.”177 Mas, é preciso fazer uma observação importante ao se tratar um anúncio publicitário como obra aberta. A publicidade por mais “aberta” que seja, sempre conta com um trabalho anterior de direcionamento da mensagem para um público específico, por essa razão ela pode ser considerada uma obra aberta até certo ponto.

4.3 - Sedução, luxo e supérfluo A roupa inclui em sua linguagem simbólica os aspectos sedutores que enfatizam ou escondem regiões específicas do corpo, mas também atua como meio de comunicação eficiente e funciona como uma “embalagem” que agrega valores simbólicos aos seus diferentes usuários. A moda oferece a oportunidade de “trocar de pele” constantemente, ela promete em uma simples troca de roupa uma mudança da personalidade e da condição de existência e inclusive favorece a capacidade de sedução de uma pessoa.

176

“Obra aberta como proposição de um “campo” de possibilidades interpretativas, como configuração de estímulos dotados de uma substancial indeterminação, de maneira a induzir o fruidor a uma série de “leituras” sempre variáveis; estrutura, enfim, como “constelação” de elementos que se prestam a diversas relações recíprocas.” Eco, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Editora Perspectiva, p. 150. 177 Eco, Umberto. Obra Aberta. Op. Cit.; p. 46.

95 “Todos os adornos e roupas, perfumes e maquiagens, são usados como meios de apresentação da beleza e do encanto. Assim, as mercadorias tomam emprestada sua linguagem estética da conquista amorosa humana. Aí a relação se inverte e os homens emprestam das mercadorias sua expressão estética. Isto é, aqui ocorre uma primeira reação, das formas provocantes de uso das mercadorias derivadas do desejo de lucro sobre a sensualidade humana. Não somente se altera a possibilidade de expressão de sua estrutura pulsiva, mas também se transfere o enfoque: o estímulo estético forte, o valor de troca e a libido ligam-se entre si como as pessoas na história do ganso de ouro; os meio de expressão tornam-se valiosos, e vão também custar uma fortuna.”178 Com essa citação de Haug pode-se dizer que a partir do momento que uma mercadoria é cara ela se tornará um objeto de desejo e inclui em si qualidades sensuais, trazendo para seu portador além de “status” e distinção dos demais uma sensualidade intrínseca. A roupa é tratada como uma embalagem, e o corpo o suporte dessa embalagem supervalorizada pela publicidade e pela moda. Esse corpo que usa uma embalagem tão apreciada tem o seu poder de sedução aumentado, pois produtos caros são muitas vezes considerados objetos de desejos e com conotações sensuais. O autor continua o seu raciocínio afirmando que a moda é uma maneira encontrada de substituir eternamente as mercadorias, retirando continuamente o seu valor simbólico e o substituindo por outros artigos em evidência. Para ele, a moda é tida como consumo supérfluo e um desperdício, uma maneira encontrada pelo sistema de iludir e obter lucro desconsiderando o valor de uso das mercadorias. Mas, discordando com Haug, Veblen afirma que: “(...) os gastos honorários, conspícuamente supérfluos, que proporcionam bem-estar espiritual, poderão se tornar mais indispensáveis do que muitos dos gastos que provêm apenas às necessidades

“inferiores”

do

bem-estar

físico

ou

do

sustento”179.

A

moda

reconhecidamente agrega esse poder de proporcionar bem estar a medida em que oferece conforto psicológico e prestígio social. Baudrillard completa com ironia: “(...) é no consumo do excedente e do supérfluo que, tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não só existir, mas viver.”180 A publicidade é um caminho eficiente para acrescentar valor às mercadorias. Um dos recursos persuasivos mais utilizado por ela é aquele que apela irracionalmente para a 178

Haug, Wolfgang Fritz. In: Marcondes Filho, Ciro. (org) A Linguagem da Sedução. A Conquista das Consciências pelas Fantasias. São Paulo: Ed. Com-Arte, 1985, p. 138. 179 Veblen, Thorstein. A Teoria da Classe Ociosa. Op. Cit.; p. 104.

96 sedução. A imagem publicitária, principalmente aquela que anuncia moda, é sobrecarregada de argumentos simbólicos puramente sexuais onde o produto anunciado tem a qualidade de aumentar o sex-appell do seu futuro comprador. Stephen Baker, em Visual Persuasion181, lista as razões que fazem do sexo e da sensualidade recursos eficientes na persuasão publicitária. Uma das razões do autor é que uma imagem com apelo à sexualidade tranqüiliza o homem a respeito da sua masculinidade e a mulher da sua feminilidade, em uma sociedade em que as relações entre os sexos estão cada vez mais confusas esse tipo de conforto é considerável. Outra razão é que o sexo representa um dos mais básicos instintos humano, sua representação significa um “escapismo” da realidade. Mas, acima de tudo, o sexo é símbolo de “status” representando uma conquista por si próprio, uma boa aparência garante o direito de superioridade sobre os demais. A maneira mais simples de um anunciante acrescentar valor aos seus produtos é outorgar-lhes um apelo sexual. Para Baudrillard, a estratégia da sedução é a do engano: “(...) ela espreita todas as coisas que tendem a se confundir com sua própria realidade. Existem aí recursos de um fabuloso poder. Pois, se a produção sabe apenas produzir objetos, signos reais, deles obtendo algum poder, a sedução produz apenas engano e dele obtém todos os poderes, dentre os quais o de remeter a produção e a realidade ao seu engano fundamental182”. Para o autor, a publicidade é um mecanismo de integração social pelo consumo e a sedução que exerce sobre o consumidor é um deslocamento do sentido do discurso e da verdade. A publicidade de moda por lançar mão da promessa de sedução como argumentação e da maneira como “seduz” seu público pode ser classificada como uma das categorias publicitárias mais enganadoras existentes, operando no subconsciente de seu público-alvo e validando o consumo da moda e das grifes, ou como Haug diz: “A aparência que seduz, é como um espelho, no qual o desejo se olha e se reconhece como objetivo.”183

180

Baudrillard, Jean. A Sociedade de Consumo. Op. Cit.; p. 38. Baker, Stephen. Visual Persuasion. The Effects of Pictures on the Subconscious. New York: McGraw-Hill Company, 1961. s/p. 182 Baudrillard, Jean. Da Sedução. Campinas: Papirus, 1991, p. 80. 183 Haug, Wolfgang Fritz. in: Marcondes Filho, Ciro. (org) A Linguagem da Sedução. Op. Cit.; p. 138. 181

97 4.4 – O mercado da revistas femininas jovens e uma análise da publicidade da moda para adolescentes Antes de entrar especificamente na análise da publicidade de moda veiculada nas revistas femininas jovens acredita-se ser interessante mostrar um pequeno panorama do mercado de revistas no Brasil e em seguida do mercado específico das publicações escolhidas para o estudo. O mercado brasileiro de revistas teve nos anos de 1990 a multiplicação de títulos seguindo uma tendência americana. Em geral prosperaram as publicações com temas de saúde pessoal, esportes, planejamento financeiro, computadores. Especificamente no ano de 2000 a consolidação da Internet ocasionou um boom de títulos na área, cada editora buscou um posicionamento específico. Outro mercado que expandiu foi o das revistas femininas populares, com preço abaixo de R$ 2,00, que tiveram um crescimento de 85% no ano. Com isso anunciantes que antes preferiam rádio e TV se voltaram para este tipo de publicação184. No ano de 2000, onde o faturamento bruto do setor publicitário foi de US$ 5,360.6 milhões, ou R$ 9.846,6 milhões, o meio revista ficou com 11% deste valor, ou US$ 589.66 milhões.185 O perfil do consumidor do meio revista, com mais de 10 anos, é composto por 55% de mulheres e 45% homens. Com 13% do seu público pertencente à classe A, 36% à classe B, 35% à classe C, 15% à classe D e 1% à classe E186. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a renda média brasileira conforme o censo do ano 2000 se divide de acordo com o gráfico seguinte:

Classificação sócio-econômica familiar Brasil – 2000 (IBGE) Classe A B C D E

Classificação 8% 26% 38% 25% 3%

Renda média R$ 5.668,82 R$ 2.506,25 R$ 1.186,10 R$ 628,65 R$ 382,18

Fonte: Mídia Dados 2001.

184

Meio & Mensagem especial, 20/11/2000. Fonte: Mídia dados 2001 – XLII Estudos Marplan Consolidado 2000, p. 204. 186 Fonte: Mídia dados 2001 – XLII Estudos Marplan Consolidado 2000, p. 204. 185

98

Share dos meios – ano 2000 Investimento publicitário no Brasil e participação de cada meio.

Fonte: Mídia Dados 2001 – Projeto Inter-Meios (faturamento bruto direto e agências).

A faixa etária dos consumidores do meio, com 10 anos ou mais, é dividida conforme a tabela a seguir: IDADE 10-14 15-19 20-29 30-39 40-49 50-64 65 +

Porcentagem 15% 14% 26% 21% 12% 9% 3%

Fonte: Mídia Dados 2001.187

Os cinco setores que mais investiram no meio foram, respectivamente: comércio varejista, serviços em geral, veículos/peças/acessórios, mercado financeiro e mídia. O setor de vestuário e têxtil ficou no ano de 2000 com o nonagésimo lugar, recuando três posições em relação ao ano de 1999. É importante lembrar que no caso da moda, as grandes redes de lojas são importantes anunciantes. Mas, entre os vinte maiores anunciantes do ano de 2000 não se encontra nenhuma rede de lojas de varejo ou anunciante que tenha ligação com o setor de vestuário, apesar do setor aplicar 37,63% da sua verba publicitária com o meio.

99

Meio revista – investimento por setor econômico Ranking 1999 2000 1 1 2 2 4 3 3 4 5 5 12 6 7 7 8 8 6 9 9 10

Setores R$ MIL 205.463 159.674 140.983 141.667 124.248 46.388 91.739 90.051 94.934 67.908

Comércio (varejo) Serviços Veículos/Peças Mercado Financeiro Mídia Internet Cultura/Lazer/Esportes Higiene Pessoal/Limpeza Vestuário/Têxtil Eletro-Eletrônico

1999 US$ MIL 111,948 86,441 76,754 77,259 67,273 25,159 49,693 48,834 51,770 36,891

R$ MIL 261.850 200.737 171.967 171.121 147.031 146.141 137.034 120.111 101.939 83.868

2000 US$ MIL 142,219 109,120 93,668 92,628 80,218 79,644 74,323 65,138 55,061 45,179

Fonte: Mídia Dados 2001 – IBOPE Monitor.

Investimento em mídia 2000 – US$ mil Setor vestuário e têxtil Meio TV Revista TV a cabo Outdoor

US$ Mil 68.942 55.061 9.812 6.889

Jornal 4.886 Rádio 702 Total 146.293 Fonte: Meio & Mensagem.

4.4.1 - Revistas do segmento feminina jovem Os títulos de revistas que compõem o corpus deste trabalho se encontram no segmento das revistas femininas destinadas ao público adolescente. Para a análise da publicidade de moda veiculada foram escolhidos três títulos conforme o critério das maiores tiragens médias por edição segundo o IVC (Índice de Veiculação e Circulação).

Título Capricho Atrevida TodaTeen

Periodicidade Quinzenal Mensal Mensal

Distribuição Nacional Nacional Nacional

Média por Edição (Mil) 1998 1999 2000 153 111 72

147 100 71

Fonte: Mídia dados 2001 – IVC.

187

Fonte: Mídia dados 2001 – XLII Estudos Marplan Consolidado 2000, p. 204.

177 93 72

100 Dados socioeconômicos dos consumidores Título

Faixa etária

Capricho 46% entre 10 e 17 anos Atrevida 64% entre 10 e 19anos TodaTeen 87% entre 12 e 18anos

Sexo (leitores) M F 13% 6% 1%

87% 94% 99%

A

B

Classe Social C D/E

13% 43% 30% 14 % (188) 13% 37% 36% 14 % (189) 51% pertencem às classes A e B (190)

Perfil das publicações no segmento feminina/jovem Capricho191: A Revista da Adolescente. Líder absoluta no seu segmento, Capricho é sua linha direta com a garota que está definindo sua personalidade e também construindo seu perfil de comportamento e consumo. A revista informa, diverte, orienta, desperta a garota tanto para as mudanças que estão ocorrendo em sua vida quanto para as possibilidades de consumo que o mercado abre à sua frente. Capricho fala de meninos, amigos, família, escola, ídolos. A revista oferece serviços, compras, programas, dicas do que ouvir, ler, lugares para ir, enfim, tudo que ela procura para fazer suas primeiras escolhas, inclusive produtos e serviços que possam ajudá-la nessa fase da sua vida. A leitora de Capricho está vivenciando uma série de mudanças que vão definir o seu jeito de ser. Adora ir ao cinema, ouvir música, viajar, ir ao shopping, dançar, encontrar os amigos na lanchonete, entre muitas outras coisas. Para ela, Capricho é a amiga que está sempre ao lado, pronta para orientar e informar o que ela quer saber. Tem consciência que está vivendo um processo de formação de caráter e está descobrindo o que é. Gosta de cinema, música, viajar, ir a shopping, danceterias e lanchonetes. Ama comprar roupa e andar em turma. Atrevida192: Atrevida é uma revista com a cara e o jeito das adolescentes, que traz todos os assuntos que interessam a elas, como: amor, beleza, moda, musica, cinema, relacionamento, sexualidade e atualidades. Por tudo isso é a revista mais vendida em bancas no segmento feminino adolescente.

188

Fonte: Estudos Marplan - 1° semestre 2001 (9 mercados). Fonte: Marplan 13 mercados – consolidado 2000. 190 Fonte: Departamento de publicidade da publicação. 191 Fonte: Departamento de publicidade da publicação. 192 Fonte: Departamento de publicidade da publicação. 189

101 Todateen193: É uma publicação dinâmica, gostosa de ler e com as principais tendências do mercado, mantendo sempre um canal aberto com sua leitora. Seu conteúdo traz matérias de comportamento, amor, sexo, moda, beleza, gatos e novidades, num visual leve e descontraído. Suas leitoras são ativas, gostam de estar presentes nos últimos acontecimentos, e “plugadas” nos lançamentos do mercado e tudo que acontece a sua volta. Freqüentam shoppings pelo menos uma vez na semana, na busca das novidades. Todateen é formadora de opinião, se posicionando como a melhor amiga da leitora, sendo hoje uma das revistas mais lidas pelos jovens, e figurando entre as revistas femininas mais vendidas em bancas do país.

4.4.2 - Uma análise da publicidade da moda para adolescentes O corpus de análise publicitário é composto por anúncios de artigos vinculados à moda, veiculados na mídia impressa e direcionados ao público jovem feminino atingindo a faixa etária delimitada pelo estudo, entre 15 e 17 anos. A mídia impressa foi escolhida pelo fato de possuir uma cobertura significativa dos indivíduos que correspondem ao recorte da pesquisa. Além disso, os anúncios podem ser manipulados com facilidade. Conforme levantamento preliminar realizado não foi constatada a existência de publicações de interesse geral destinados ao público adolescente masculino. As publicações que atingem parte deste público são muito segmentadas, possuindo um público específico constituído por membros ou simpatizantes de “tribos” urbanas como surfistas, rappers, skatistas etc. Os anúncios publicados para cada “tribo” têm uma estética e uma linguagem peculiar, dificultando a construção de um mapeamento geral dessas publicidades e a criação de modelos e categorias para uma análise específica. Optou-se então em trabalhar somente com as publicações femininas para o segmento jovem por atingirem um público geral e possuir um tipo de publicidade mais homogêneo. Uma das dificuldades do estudo está no volume de produção publicitária envolvida. Uma maneira encontrada para tornar a proposta de análise exeqüível foi “fotografar” um período específico dentro das publicações e refletir sobre este pequeno trecho temporal. Assim estabeleceu-se que os anúncios de artigos de moda (roupas,

193

Fonte: Departamento de publicidade da publicação.

102 calçados e acessórios) analisados foram aqueles publicados nos meses de dezembro de 2001, janeiro, fevereiro e março de 2002 nas revistas Capricho, Todateen e Atrevida. Como metodologia de análise foi realizada uma coleta de todos os anúncios pertencentes ao corpus de trabalho no período determinado. Após uma observação minuciosa foram eleitas categorias de anúncios. Dentre as categorias encontradas um anúncio de cada categoria foi escolhido para ser analisado em detalhe, pois análise de todos os anúncios publicados no período (53 anúncios de marcas de roupas) seria uma tarefa que exigiria tempo e geraria um grande volume de informação que na maioria dos casos seria de conteúdo repetitivo, pois há uma saturação das fórmulas. Em todos os anúncios coletados foram verificados os seguintes itens para a categorização: produto anunciado, segmento, imagem e texto. Entre os anúncios de artigos ligados à moda estabeleceu-se a seguinte divisão por produtos anunciados: roupas, calçados, relógios e lingeries. Optou-se por trabalhar com os anúncios de roupas por ser a categoria com o maior número de anúncios, 48% do total de anúncios de artigos vinculados à moda.

Anúncios publicados (período dezembro de 2001 a março de 2002) Revistas Capricho Atrevida Todateen TOTAL

Total de Anúncios 111 88 32 231

Artigos vinculados com a moda 41 42 17 100

Roupas 19 23 11 53

Calçados 14 5 4 23

Lingerie 5 2 0 7

Porcentagens dos anúncios vinculados à moda (período dezembro de 2001 a março de 2002)

Relógios 1 3 0 4

103

A análise das imagens e dos textos dos anúncios de roupas resultou em uma categorização dos argumentos utilizados nos anúncios para o convencimento no consumo da moda. Estes argumentos são: 1 – Destaque para a sensualidade das modelos vestindo as roupas da marca anunciada, utilizado em 55% dos anúncios de roupas analisados. 2 – Apelo ao star system. Uso de celebridades adolescentes ou de personagens conhecidos, usado em 17% dos anúncios. 3 – Vínculo das marcas com tribos urbanas, presente em 17% dos anúncios. 4 – Destaque sobre o produto anunciado, empregado em 11% dos anúncios. Decidiu-se analisar um anúncio de cada categoria, observando os seguintes itens: categoria de apelo, anunciante, suporte, texto e imagem. O critério de escolha dos anúncios analisados foi pela melhor caracterização da categoria de apelo.

Anúncios de roupas Categoria de apelo publicitário Tipo de Apelo Sensualidade Star System Tribos Urbanas Produto TOTAL

Total de Anúncios 29 9 9 6 53

Porcentagem 55% 17% 17% 11% 100%

104

Análise dos anúncios selecionados

105

106 ANÚNCIO 1 – Print Rip Categoria de apelo: Sensualidade. Anunciante: Print Rip. Suporte: Revista Todateen, janeiro de 2002. Anúncio em 4 cores em página simples no interior da revista. Texto: Não possui texto somente a assinatura da marca e endereços, telefones e site da marca. Imagem: A figura central do anúncio é uma garota como um vestido vermelho decotado. Atrás pode ser visto o interior de um automóvel, o fundo é escuro e sugere que é noite. À esquerda encontra-se o logotipo da marca, no rodapé da página sobre uma tarja laranja estão os telefones de contato da empresa e o site da marca. Interpretação global da imagem: Um dos diferenciais desse anúncio é que se trata de uma foto noturna, fato significativo, pois é durante a noite que as pessoas mais se “produzem” para reforçar sua sensualidade e encantar seus parceiros nos eventuais encontros amorosos. Para o público-alvo do anúncio, adolescentes do gênero feminino, a mensagem é bastante pertinente uma vez que é comum nas saídas noturnas acontecerem as paqueras. Então, para ser mais atraente é preciso estar com uma roupa bonita que evidencie o corpo. O vestido vermelho justo e decotado traz para a garota, elemento principal da imagem, uma conotação de sensualidade, ela parece estar chegando para uma festa ou em uma danceteria. Ela chega sozinha de carro, uma representação de liberdade, independência e controle da situação. A modelo simboliza um ideal para toda garota adolescente: sensual, bonita e independente. O seu olhar não encara a leitora ele está focado em um ponto além, a sugestão na sua expressão é de surpresa ou satisfação, ela provavelmente está dirigindo seu olhar para outra pessoa, não representada na foto, talvez um rapaz. Esta é uma imagem em terceira pessoa, a imagem representada pelo anúncio é da modelo que usa um vestido vermelho, nesse contexto a leitora é convidada a participar da sua história, que bem que poderia ser a fábula de uma “gata borralheira”, que assim que veste seu vestido Print Rip, se transforma na “Cinderela” em um toque de mágica. Uma princesa, nos moldes da juventude atual, que chega ao baile em sua carruagem e encontra seu príncipe.

107

108 ANÚNCIO 2 – Planet Girls Categoria de apelo: Star system. Anunciante: Planet Girls. Suporte: Revista Capricho, edição 876 de dezembro de 2001. Anúncio em 4 cores em página simples no interior da revista. Texto: Planet Girls. A grife das estrelas. Coleção verão 2002. Imagem: A atriz Thais Fersoza, muito conhecida por atuar em novelas da Rede Globo de televisão (no período em que foi publicado o anúncio ela interpretava o papel de uma adolescente de classe média alta na novela “O Clone”), é a garota propaganda da Planet Girls. Ela aparece em destaque no anúncio e ao seu lado o logotipo da marca em rosa e o slogan “a grife das estrelas”. Logo abaixo centralizado está o texto “Coleção verão 2002”. No rodapé da página estão os endereços e o site da marca. Interpretação global da imagem: Na foto colorida o destaque é para a atriz, ela ocupa todo o anúncio e olha diretamente para o leitor. Ela está em uma posição descontraída e levemente sensual. Porém, a sua sensualidade não está na sua postura mas nas roupas que usa: uma camiseta branca decotada que na altura dos seios está estampada em rosa “delicious” e uma calça jeans com uma abertura lateral com uma tira de couro trançada por baixo pode-se ver sua perna. O colar da atriz cujo pingente vai até quase o final do decote reforça a sensualidade das roupas. O apelo do anúncio, apoiado no star system, é simples: compre Planet Girls e seja bonita e sensual como a atriz. Esta mensagem é reforçada pelo texto do anúncio. O olhar de Thais encarando a leitora da revista a coloca em posição de superioridade194. Não há espaço para questionamentos e interpretações da mensagem por parte da leitora, resta a ela aceitar ou não o proposto como uma verdade.

194

“A forma mais característica da imagem implicativa está ligada à situação frontal dos personagens, olhos fixos num espectador ausente a que encaram; esta situação sempre põe o personagem dos anúncios em posição de superioridade em relação ao leitor a que se dirige. Ele tem a iniciativa da proposição e não está quase nunca em situação de resposta”. Péninou, Georges. “Física e Metafísica da Imagem Publicitária”. In: A Análise das Imagens. Tradução de Luís da Costa Lima e Priscila Viana Siqueira. Petrópolis: Vozes, 1974, pp. 69 e 70.

109

110 ANÚNCIO 3 - Vide Bula Categoria de apelo: Tribos urbanas. Anunciante: Vide Bula. Suporte: Revista Capricho, edição 876 de dezembro de 2001. Anúncio em preto e branco na contracapa da revista. Texto: Não possui texto somente a assinatura da marca e o site da marca. Imagem: Foto preto e branco que tem como elemento principal uma garota sentada na soleira de uma porta antiga. O segundo elemento de maior destaque do anúncio é uma prancha de surf que sugere o vínculo do anúncio com a tribo dos surfistas. Ao centro alinhado a direta o nome da marca Vide Bula em destaque impressa em branco. Interpretação global da imagem: A escolha da fotografia em preto e branco sugere um ar nostálgico e romântico para a foto. Este aspecto do anúncio é reforçado pela pose da modelo, sentada com o olhar distante aludindo um ar sonhador, ela está descalça com os cabelos desalinhados e com a alça da blusa caindo displicentemente. Provavelmente ela está pensando no proprietário da prancha, que se encontra ao seu lado, pois o surf é um esporte onde grande parte dos praticantes são rapazes. A foto sugere também uma referência de uma época passada mas não determinada, a porta antiga ao fundo, o adesivo na prancha em um estilo dos anos 50. O próprio estilo da sua roupa, a calça corsário em xadrez, foi muito usado nos anos 60 em uma moda difundida por Brigite Bardot. A imagem destaca uma feminilidade reforçada pelas bijuterias, a modelo está relaxada mas não deixa de ser feminina com seu colar e seus anéis. A tribo do surf está ligada a um estilo de vida saudável ao ar-livre, à liberdade, à descontração e viagens para lugares distantes e paradisíacos. As meninas seguem o estilo principalmente porque se sentem atraídas pelos praticantes do esporte e usam o surfwear como um meio de identificação com esses rapazes. O apelo velado do anúncio é para essas meninas que querem se vincular ao surf mas não querem deixar de ser femininas.

111

112 ANÚNCIO 4 – Side Play Categoria de apelo: Produto. Anunciante: Side Play. Suporte: Revista Capricho, edição 878, janeiro de 2002. Anúncio em 4 cores em página dupla no interior da revista. Texto: Boas compras Side Play. Abaixo da foto de cada categoria de produto a descrição dos artigos e a indicação do preço. Imagem: No canto superior esquerdo uma tarja azul traz o logotipo da marca Side Play e o título do anúncio “Boas Compras”. Sobre um fundo branco com a sombra do logotipo da marca encontram-se agrupados produtos da marca por categoria, calças, camisetas, cadernos etc. Uma linha pontilhada em azul parece sugere um roteiro de leitura do anúncio. Cada categoria tem a sua descrição e o preço localizados bem próximos para que não haja dúvidas. Na página esquerda encontram-se agrupados por categorias de produtos de decoração e de usos escolar. No canto inferior esquerdo um cupom de desconto em destaque caracteriza o anúncio como de natureza promocional. Na página direita estão os artigos de vestuários, entre eles estão inclusos artigos que têm estampado personagens de desenhos animados ou de cinema (Piu-Piu, Frajola, Tazmania e Harry Potter). Interpretação global da imagem: Este é um anúncio estritamente promocional caracterizado pelo destaque dado aos produtos e em seus preços, o próprio título da peça publicitária não deixa dúvida a este respeito “Boas Compras Side Play”. A imagem global do anúncio é ambígua pois a sua diagramação é muito semelhante com algumas das seções da revista em que foi publicado, principalmente aquelas baseadas em notas de press-relases que trazem o preço das mercadorias. A formatação geral do anúncio pode enganar uma leitora menos atenta e até mesmo contribuir para que uma publicidade seja tomada como um fruto de trabalho editorial. Não é feita nenhuma referência à moda, os artigos anunciados são “básicos”. A linha tracejada em azul fornece um roteiro de leitura do anúncio onde é quase impossível virar a página sem lançar um olhar para cada grupo de produtos.

113 4.5 – Uma análise dos editoriais de moda das revistas femininas adolescentes Os editoriais de moda das revistas femininas são o principal canal de divulgação das novas tendências de moda, antes de tudo eles possuem uma função informativa (mostrando as tendências da moda e prestando um serviço informativo com as referências das roupas fotografadas) e educativa (como que a leitora poderia interpretar essas tendências para o uso em seu cotidiano). Os editoriais também possuem uma função de “antena” indicando quais são as mudanças que estão ocorrendo na sociedade e nos hábitos de consumo.195 Um editorial de moda possui maior credibilidade para as leitoras do que uma publicidade, por isso para algumas marcas e grifes um trabalho de assessoria de imprensa196 bem feito pode ser mais representativo do que uma publicidade. Uma vez que as leitoras identificam facilmente a publicidade e em um editorial os produtos estão expostos sob o reconhecimento dos profissionais de moda que são responsáveis pela seção na revista. O valor da imprensa na credibilidade das informações dadas é comprovadamente maior que dos anúncios publicitários.197 A análise comparativa dos editoriais de moda das três publicações selecionadas como objeto de estudo demonstrou que: Os editoriais de moda seguem uma fórmula tradicional mencionada por Roland Barthes em Sistema da Moda que é a do teatro da moda. Os editoriais elegem um tema e desenvolvem uma idéia que é variada em uma série de exemplos ou analogias198. O editorial da revista Capricho apresenta temas menos “estereotipados”, ele varia de 6 a 10 páginas dependendo da edição e mostra as modelos em posições mais naturais atuando como se estivessem em uma cena da vida cotidiana. Em muitas fotos as modelos nem 195

Um exemplo que pode ser dado: no Brasil, até alguns anos atrás, usar roupas de brechó era uma opção rejeitada pela classe média, hoje em dia é uma alternativa usada por aqueles que buscam peças com um estilo diferente do comercializado usualmente. 196 Esse trabalho consiste sucintamente em enviar constantemente press-releases para as revistas com notas e sugestões de matérias com os produtos das empresas contratantes. Mas, acima de tudo consiste em manter um relacionamento com os editores das publicações para poder “encaixar” peças dos clientes nas produções dos editoriais. É importante ressaltar que um assessor de imprensa não interfere na edição da matéria, a palavra final é sempre dos produtores. 197 Casaqui, Vander. Polifonia Publicitária: das Construções da Realidade Jornalística à da Retórica em Publicidade – Uma Análise Dialógica. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2000. Orientador: Ivan Santos Barbosa. 198 “(...) o elemento propulsor desses conjuntos significantes é um processo rudimentaríssimo: a associação de idéias.” Barthes, Roland. Sistema da Moda. Op. Cit.; p. 285.

114 mesmo elas estão olhando para a câmera e parecem “atuar” no papel designado para elas na cena. A revista Atrevida publica 6 páginas de editorial de moda em cada edição, menos espontâneas as modelos aparecem em cenários variados combinando com o tema sugerido, mas são “mais artificiais” em sua atuação. A revista Todateen é a possui a produção mais modesta de todas, não usa locações e cenários especiais na publicação dos seus editoriais, as modelos “posam” com as roupas sugeridas como tema do editorial contra um fundo “neutro”. Os temas também são óbvios e pouco ligados às tendências mais recentes da moda. A edição de dezembro tem como tema Moda Reveillon, a de janeiro Moda passeio, a de fevereiro Moda para a folia (sugestões para “pular” carnaval) e a de março Moda jeans (período de volta às aulas). Existem diferenças no destaque dado para a moda dentro das três publicações. A revista Capricho é a que dá maior espaço para a moda, suas seções com ligação com o tema da moda, no total de 6 além do editorial de moda, encontram-se “espalhadas” ao longo da revista. Seus editoriais são mais bem produzidos usando uma linguagem mais “profissional” com uso do jargão usado por profissionais da moda. Além disso, seus editoriais estão mais afinados com as últimas tendências. A revista procura “educar” seu público explicando o significado das expressões usadas (como hype ou customização) e contribui assim para cultivar um público com o poder de formar opinião. Outro diferencial é que a Capricho sempre coloca em alguma de suas matérias a opinião de estilistas, produtores de moda, modelos reconhecidas falando sobre tendências e o “mundo da moda” isso acrescenta a informação valorativa sobre o assunto dentro da publicação. A revista Atrevida dedica um espaço delimitado para a moda em todas as edições selecionadas foram 6 páginas de editorial e mais 4 páginas de trabalho de assessoria de imprensa. Das três publicações, a revista que enfoca com menor destaque o assunto é a Todateen, com 4 páginas para o editorial de moda e mais 1 página de notas resultantes do trabalho de assessorias de imprensa. Nas três publicações foram encontrados nos editoriais de moda e nas seções vinculadas de alguma maneira com a moda e o seu consumo, artigos de marcas anunciadas em publicidades, seja na mesma edição ou em edições posteriores. Mas a quantidade de produtos que se encontram nessa situação diante da quantidade de artigos

115 mostrados nas revista não chega a ser um número expressivo em uma média de um a três artigos por edição. Existem diferenças nas faixas das peças usadas nos editoriais de moda. A revista Capricho costuma misturar artigos de marcas mais baratas e de locais alternativos como brechós, feiras alternativas (mercado mundo mix) e magazines com outros de faixa de preço média e alta (entre R$ 30,00 e R$ 80,00). A revista Atrevida trabalha em geral com artigos com uma faixa de preço mais alta (em geral entre R$ 50,00 e R$ 100,00, mas alguns itens chegam a custar mais de R$ 300,00). Os produtos mostrados na Todateen são de uma faixa de preço modesta (o preço médio fica entre R$ 20,00 e R$ 40,00 os artigos mais caros não custam mais que R$ 50,00), e apresenta peças compradas em camelôs, na 25 de março, em locais alternativos como o mercado mundo mix e de magazines como a C&A, Riachuelo e Renner. Em todas as publicações as roupas, acessórios e calçados mostrados nos editoriais aparecem com preço e nas três revistas constam os endereços das grifes fotografadas e citadas nos editorais de moda, seja na mesma página do editorial ou em uma seção específica. A única revista que faz o vínculo direto do star system com a moda é a Capricho que publica uma seção chamada “Por Aí” onde são dadas notas de celebridades com fotos que eventualmente são de corpo inteiro mostrando o que estão vestindo. A seção também apresenta uma página de estilo com fotos de celebridades posando em festas e eventos. Nessas fotos, estão indicadas a procedência das roupas usadas pelas celebridades. Ex: Mariana Ximenes – Saia Reinaldo Lourenço e sandália Triton. O texto nos editoriais de moda tem a função de explicar a imagem e trazer informações de detalhes das roupas, dos materiais empregados, detalhes imprecisos na fotografia e outras informações como a procedência e o preço. “A fotografia comunica um vestuário do qual nenhuma parte é privilegiada e que se consome como um conjunto imediato. Mas desse conjunto o comentário pode destacar certos elementos para afirmar o seu valor; é o note-se que vem explícito.”199 Os textos dos editoriais da revista Todateen são puramente informativos, eles não fornecem nenhum tipo de informação adicional além do que pode ser visto nas fotos ou no máximo explica detalhes das peças fotografadas. Ex: “A Suellen escolheu um biquíni de margaridas (pouco visíveis na foto) Kitanga (R$ 46,00), a bolsa plástica transparente 199

Barthes, Roland. Sistema da Moda. Op. Cit.; p. 14.

116 Bumbum (R$ 35,00), o short Paninaro (R$ 28,00), a sandália Grendha Astral (R$ 9,90) e os brincos Fizspan (R$ 12,00).”200 A Atrevida preocupa-se mais em adequar o texto com o “clima” do editorial, o texto contém referências que ajudam a leitora a interpretar melhor a proposta de “cena”. “Olha que coisa mais linda... Com ares de garota de Ipanema, Julia usa camiseta Sterna Fuscata (R$ 82) e saia da Iódice (R$ 335,50).”201 Na revista Capricho, em algumas edições, prevalece o texto tradicional indicativo e em outras, ele é recheado de informações adicionais como o editorial cujo tema era “Quanto mais velho melhor” da edição 878. O editorial é aberto com um texto explicativo sobre o “tema”: “Dá para encontrar roupas cheias de personalidade e superbaratas nos brechós. Veja as idéias de seis produtores de moda da Capricho”. Em cada página do editorial, cada “look” é explicado com três caixas de texto: “Misturar peças novas com vintages – roupas de marca antigas, de segunda mão – é uma das grandes tendências da moda mundial.” (texto educativo) ‘A grande sacada do brechó é o preço’, diz Regiane Martins, 20. ‘uma peça única, que dá para usar de um jeito moderno e original custa o mesmo que um lanche’. O vestido plissado encontrado por ela é um desses achados.” (texto explicativo) “Vestido Brechó Bresser (R$ 4), meia-calça transformada em bermuda Brechó Da Vila (R$ 5), cinto Courama (R$ 8), pulseira Brechó Minha Avó Tinha (R$ 10), brinco Victória Régia Bijoux (R$ 1,99), fivelas Perfumaria Yoi Yoi (R$ 0,25 cada uma) e tênis Conga (R$ 25).”202 Percebe-se que o editorial da revista Capricho busca levar para as leitoras além da informação a educação em moda. As informações são lançadas com o suporte de fontes especializadas e autorizadas. Um outro exemplo é o texto de abertura do editorial da edição 882, sobre customização. “Os bastidores da Fashion Week são uma passarela de estilos e tendências. Este ano, o que mais se viu foi a customização: cada um recortando e costurando sua roupa para que ela se transforme numa peça exclusiva”. “Você já viu a palavra customização aqui. Ela vem do inglês customize, que significa mudar alguma coisa de acordo com o gosto do cliente. Apesar de ser horrorosa, significa algo muito democrático na moda. 200

“Moda passeio”. Todateen, ano 7, nº 74, 01/2002. “No balanço da maré”. Atrevida, ano IX, nº 90, 02/2002. 202 “Quanto mais velho melhor”. Capricho, Edição 878, 30/12/2001. 201

117 Customizar uma roupa é interferir nela, modifica-la para que ela tenha a sua cara, de ninguém mais. Como todo modismo, este também já ganhou à escala industrial: muitas grifes vendem roupas que parecem ser customizadas, outras usam artifícios para que o cliente modifique

a roupa dentro da loja. ‘Atualmente usam-se lixas e trapos para

modificar a peça’, diz a historiadora da moda Rita Andrade. ‘Mas acho que, ainda assim, é um jeito de individualizar a roupa. Pelo menos, ninguém sai da loja com a mesma calça’.“203 Para concluir a análise: a função informativa dos editoriais de moda está presente nas três publicações, mas é a revista Capricho que reforça a sua função educativa, ensinando às leitoras como interpretar as novas tendências e “ler” na vida cotidiana a influência da moda nos estilos de vida. O destaque dado para a moda na revista é um reflexo de uma sociedade que dá cada vez mais valor para o fenômeno. Presente cotidianamente na vida, a moda contribui, juntamente com

as escolhas pessoais, na

construção de uma imagem pessoal para o mundo. Saber fazer a leitura e a correta interpretação dos códigos da moda passou a ser fundamental na convivência social. A importância dada ao assunto em uma revista para adolescentes também evidencia um trabalho de preparação da futura geração de consumidoras que chegaram a vida adulta acostumadas com os ciclos sazonais de transformações e manterão a moda como necessidade preservando a cadeia de consumo. Resta dizer que o consumo adolescente representa uma fatia representativa na economia, o mercado cada vez mais se posiciona para atender suas necessidades e “carências” de um público extremamente preocupado com a imagem pessoal. Conforme pesquisa publicada em uma edição especial da revista Veja dedicada somente aos jovens, o primeiro lugar na lista de consumo dos adolescentes é representado por roupas e acessórios.204

203

“Corta essa”. Revista Capricho, Edição 882, 24/02/2002. Valentini, Danilo. “Eeeeu teeeeeenhoooo as cooooommpraaas!!!”. Veja Edição Especial Jovens, 09/2001. Fonte da pesquisa : “O adolescente e a sociedade de consumo na cidade de São Paulo”, realizado pelo ProconSP e pela UniFMU. 203

118

Capítulo V

O Mercado Juvenil e o Consumo de Moda _______________________________________________________________ 5.1 - Comportamentos de consumo dos jovens Com a valorização simbólica da juventude na atual sociedade de consumo todos querem ser jovens. A condição de juventude é tida como um estilo de vida e não mais remete somente à uma das fases da vida. A juventude foi uma construção da modernidade, uma fase de preparação para vida adulta, um período de escolhas e incertezas que cada vez mais teve o seu tempo aumentado e atualmente se caracteriza como um tipo de adiamento dos compromissos sociais e da participação efetiva do jovem na sociedade, seja por uma imaturidade real ou atribuída. Desse modo, muitos jovens permanecem margeando a sociedade em um sentido econômico e reprodutivo. A vida do adolescente permite a legitimação do tempo para o estudo e para o lazer, mas isso é permitido somente à aqueles dos estratos sócio econômicos altos, aos setores populares da sociedade os jovens vivem numa moratória cada vez mais angustiante e restrita da falta de oportunidades para o estudo e também para o trabalho. Os jovens moradores de periferia, assunto dessa dissertação, são os que mais sofrem com a crise de empregos gerada pela globalização da economia e de processos administrativos como a reengenharia. A sua falta de especialização e a baixa escolaridade faz com que grande parte de seu contigente somente encontre colocação em trabalhos temporários esporádicos ou como autônomos. A taxa de desemprego no Brasil revelado pelo censo demográfico de 2002 foi de 15,04%, ou seja aproximadamente 3,8 milhões de desempregados205. “Segundo Pochmann as taxas de desemprego juvenil passaram de 5%, em 1989, para próximo de 14% da

205

Disponível em www.ibge.gov.br, acesso em 20/08/2002.

119 população economicamente ativa juvenil (PEA) em 1987, além de alcançar uma superioridade em relação à taxa de desemprego total. Nesse período a taxa de desemprego juvenil, no Brasil; aumentou 188,9%”206. Apesar das dificuldades econômicas os jovens mais carentes, assim como seus semelhantes de segmentos sociais superiores, como não poderia deixar de ser têm seus desejos e necessidades de consumidores. Para Dayrell: “Os jovens pobres se inserem, mesmo de forma restrita e desigual, num circuito de informações que se amplia cada vez mais no Brasil. Por meio dos diferentes veículos da mídia, têm acesso a um conjunto de informações, aos apelos da cultura de consumo, estimulando sonhos e fantasias, além dos mais diferentes modelos e valores de humanidade, a cenários que nunca poderiam contatar pessoalmente, transpondo fronteiras, num processo de alteração da geografia situacional.”207 O consumo e as promessas de felicidade da propaganda assim como nutrem a sociedade de consumo também acentuam os desníveis sociais. A publicidade ao mesmo tempo em que define um estilo de vida que propõe a satisfação de todas as necessidades, pode transformar-se em germe da violência para grande parcela da juventude, ao estimular seu desejo sem possibilitar condições de acesso ao consumo. O desejo frustrado tornar-se um incentivo para a criminalidade. Uma pesquisa pertinente ao assunto do vínculo do consumo com a criminalidade foi publicada no Correio Braziliense208 e delineia o perfil do adolescente infrator. A média de idade desses jovens é de 13 anos, 10% deles pertencem à classe A ou B e 12% à classe C, ou seja 22% têm condições de vida razoáveis e não precisariam cometer delitos. Da amostra 38% confirmaram assaltar para comprar drogas e 42% assaltaram para comprar bens de consumo como roupas e Cds. A fase da juventude também tem o estigma de ser uma época problemática da vida de um indivíduo, e desloca o simbolismo da juventude desejada para aquela indesejada causadora de problemas sociais, principalmente se for ligada às camadas mais subalternas da população. Um exemplo disto é que ao se fazer uma pesquisa na Internet relacionando as palavras consumo e jovens o número de páginas tratam do consumo de drogas é maior que aquelas que envolvem outros assuntos.

206

In: Dayrell, Juarez. A Música Entra em Cena: O Rap e o Funk na Socialização da Juventude em Belo Horizonte. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2001, p. 7. 207 Dayrell, Juarez. A Música Entra em Cena: O Rap e o Funk na Socialização da Juventude em Belo Horizonte. Op. Cit.; p. 9. 208 Góes, Dalila. “Na fome de consumo, a perdição”. Correio Braziliense, 30/04/2000.

120 Por outro lado, o jovem que tem constantemente sua imagem fetichizada pela sociedade de consumo e pela indústria cultural, se mantém alienado em seu próprio estigma de um ser narcisista e consumista. A todo momento os jovens são lembrados de seu “status” social de vantagem e assim se tornaram um dos mais vorazes segmentos de consumo. A crença que a juventude está sempre aberta às novidades influenciando outros públicos faz com sejam assediado com mais intensidade pela publicidade, reiterando sua condição da “juventude ser altamente desejável”. Classicamente roupas, calçados, acessórios de marcas globalizadas fazem parte desse nicho de mercado mas os investimentos publicitários estão também em outros setores como automóveis e eletroeletrônicos que povoam os sonhos deste futuros adultos. Segundo dados estatísticos estima-se que a população de jovens no Brasil da faixa etária entre 15 e 24 anos seja de 32 milhões. Estimativas estatísticas prevêem que em 2020 esta população seja de 28 milhões, somente no período entre 1991 e 1996 houve um crescimento de 11% contra 7% do restante da população. 209 Com relação a alguns hábitos de consumo, o grupo dos jovens pode ser dividido em duas gerações a “X” e a “Y”. Esta é uma divisão proposta por institutos de pesquisa como o Ipsos-Marplan para melhor segmentar o mercado, já que diferenças de idade produzem diferenças comportamentais e de consumo. A geração “X” é uma continuidade da geração baby-boomer, ela é composta de pessoas nascidas entre 1960 e 1980, muitos dessa geração hoje em dia já são adultos de “meia idade” mas que continuam consumido produtos considerados jovens. Foram os primeiro usuários de micro-computadores e produzem atualmente a maior parte das informações divulgadas para a geração “Y”. A geração “Y” é constituída por jovens com uma faixa etária aproximada de 20 anos ou menos. Para eles a sociedade sempre foi informatizada e por isso os eletrônicos e a Internet são parte de sua vida. A geração “Y” é composta por 49% de homens e 51% de mulheres, destes estima-se que apenas 15% trabalhem. Conforme os estudos Ipsos-Marplan do 1º semestre de 1999, no Brasil os “X” representam 44%, ou 13.762.000, da população pesquisada, com idade entre 20 e 39 anos, em nove grandes mercados brasileiros210. Os “Y” representam 23% desse universo 209

Mezzarobba, Glenda. “Geração Perigo”. Veja, 09/091998, p. 89. Os mercados Ipsos-Marplan são: Grande São Paulo, Grande Rio de Janeiro, Grande Belo Horizonte, Grande Salvador, Recife, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre e Curitiba. 210

121 (7.303.000). A maior incidência dos “X” no universo por mercado está em Brasília (47%) e na Grande Salvador e Fortaleza (46%). E entre os “Y”, a maior incidência por mercado é verificada em Brasília e Grande Salvador (29%) e na Grande Recife (26%), considerando apenas os de 10/19 anos.211 Quanto ao consumo de informação e entretenimento os jovens da geração “Y” preferem filmes na TV, com 89% das respostas dadas, esta preferência vem seguida por programas de auditório e telenovelas, 84% e 81% respectivamente. Assim os meio TV é um dos mais eficientes para atingir este público. Em um patamar intermediário na faixa de 30 a 50% da preferência estão os meios impressos (as revista femininas ficaram com 46%, as seções de divertimento dos jornais com 45%, as revistas masculinas com 34% e quadrinhos 31%). Em um nível abaixo com uma porcentagem inferior a 10% estão as seções de informática dos jornais com 8%, programas de variedades em rádio AM com 6% e as notícias policiais em rádio com 5%.

Exposição aos meios – Geração “Y”212

Quanto aos hábitos de lazer 60% da geração “Y” diz praticar esportes, passear em shoppings também é uma prática comum com 59% das respostas. Ir a lanchonetes faz parte 211

Disponível em www.maplan.com.br, acesso em 22/07/2002. Pesquisados adolescentes a partir dos 15 anos. Disponível em www.maplan.com.br, acesso em 22/07/2002. 212

122 do lazer do lazer de 45% enquanto que ouvir música ficou com 42%. Ir a shows empatou com a ida a jogos de futebol com 22% cada. Correr e andar é um lazer para 16% dos entrevistados e ler para 14%.

Hábitos de Lazer – Geração “Y”213

Outros dados da juventude brasileira vem de uma pesquisa realizada pela MTV nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife e divulgada pela revista Veja Jovem214. Essa pesquisa busca definir o perfil do jovem de 12 a 30 anos (apesar de ser uma faixa etária ampla o estudo tentou delimitar alguns comportamentos juvenis). A convivência entre as gerações foi o primeiro ponto abordado pela pesquisa e demonstrou que 63% dos entrevistados têm um ótimo relacionamento com a mãe, 43% com o pai e 54% disseram não ter nenhuma vontade de sair de casa. Isso demonstra que a rebeldia jovem e o choque de gerações foram abrandados nessa geração que provavelmente por sofrer mais dificuldades econômicas, principalmente relacionadas a uma colocação profissional tendem a ficar mais tempo em casa uma vez que 27% declaram que seu maior problema é o desenvolvimento profissional e 23% a situação financeira.

213

Pesquisados adolescentes a partir dos 15 anos. Disponível em www.maplan.com.br, acesso em 22/07/2002. 214 Disponível em www.vejajovem.com.br, acesso em 21/08/2002.

123 A pesquisa descobriu que 70% dos entrevistados pretendem se casar e 22% dessa amostra já estão casados. Com relação a outros valores morais 53% disseram que o principal problema do jovem brasileiro é a droga, 16% a educação, 10% o desemprego e 8% a violência. Da amostra 73% dos entrevistados reconhecem que o individualismo é uma característica da sua geração e 83% disseram estarem satisfeitos com sua aparência física. Finalmente a pesquisa “Os Jovens e o Consumo Sustentável” realizada pelo Instituto Akatu215 e pelo Indicator Opinião Pública constatou que os jovens brasileiros se interessam mais por compras do que os americanos. Cerca de 70% dos jovens brasileiros entrevistados disseram que se interessam pelo tema compras, entre os norte-americanos, um país de elevado consumo, o percentual é de 33%. Outras constatações da pesquisa foram: os jovens brasileiros são também os que mais gostam de televisão e os que menos se interessam por política e sociedade. Mais um dado interessante é o que mostra a baixa noção de interdependência das ações do jovem com o mundo em que vive. Quase 60% dos entrevistados disseram que suas ações não têm impacto no mundo; cerca de 50% opinaram que suas atitudes não influem nem na cidade onde moram; e 24% afirmaram que suas ações não causam nenhum impacto nem em suas próprias vidas. A grande maioria dos jovens brasileiros, 59%, acredita que o seu trabalho não tem impacto na sociedade. Uma das conclusões da pesquisa foi que o consumo é o principal elo de ligação do jovem com a sociedade. A própria juventude acha que compra demais. Cerca de 50% disseram que pessoas da sua idade consomem em excesso, inclusive o próprio entrevistado. Com relação ao consumo de roupas dados revelam que no Brasil, 44% dos jovens entrevistados declararam que as roupas que compram afetam a economia. A compra de roupas é, dentre todas as ações propostas, a mais diretamente associada ao consumo216. 215

A pesquisa que tinha como tema “Os Jovens e O Consumo Sustentável” foi inspirada em um levantamento, aplicado no ano 2000 em 24 países, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Os resultados da pesquisa foram publicados em 14 de março de 2002. Para a pesquisa brasileira foram realizadas 259 entrevistas domiciliares, no período de 13 a 18 de novembro de 2001. Os questionários, estruturados, foram aplicados com jovens entre 18 e 25 anos, residentes em 9 regiões metropolitanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Belém, Recife, Salvador e Fortaleza, além de Brasília e Goiânia. Disponível em www.akatu.net, acesso em 19/08/2002. 216 As outras ações propostas eram: a forma de viajar, a forma de descartar o lixo, o uso da energia, o uso do tempo livre, o trabalho realizado pelo jovem, a compra de alimentos e o modo de utilização da água.

124 Em épocas de crise, um indicador importante para a população é o quanto "as lojas estão vazias". É natural, portanto, que os participantes da pesquisa associem essa ação à economia. Mesmo assim, 37% declara que sua compra de roupas não afetam nenhum setor. Em todos os países analisados, o número de jovens respondentes que consideram que as roupas que compram causam impacto no meio ambiente é muito pequeno. No Brasil, somente 10% admitem esse impacto. Os que admitem impacto sobre a economia é muito maior: 44% dos brasileiros consideram que as roupas que compram causam impacto sobre esse setor. Uma dado importante é que o mercado de moda jovem no Brasil movimenta cerca de US$ 1 bilhão por ano, sendo o terceiro mercado consumidor de surfwear do mundo com mais de 600 empresas ligadas na produção desse estilo.217 Para a maioria dos jovens brasileiros participantes dessa pesquisa, sua decisão de compra está sempre baseada, em primeiro lugar, pela qualidade (78%), e em segundo, pelo preço (74%). Com relação ao consumo de roupas dos 259 entrevistados 48 disseram que sempre o principal critério na escolha é a qualidade, 45 o preço, 28 a moda e 18 o impacto no meio ambiente.218 A pesquisa ainda revela dados como o jovem interpreta a propaganda. Do grupo entrevistado, 27% declaram sentir-se manipulados ou muito manipulados, 66% acredita ser livre para escolher os produtos e 61% acham que propaganda serve como fonte de informação. Do total 39% se sentem maravilhados com a publicidade. Concluindo: no geral o jovem brasileiro não se incomoda com a publicidade, a vê como fonte de informação e acredita fazer suas escolhas por vontade própria. A comparação das respostas dadas pelos brasileiros com jovens de outros países revela diferenças. Os jovens entrevistados argentinos, australianos e italianos são os que mais se incomodam com a propaganda suas respostas demonstram uma maior sensação manipulação, com 47%, 46% e 62% respectivamente. França (67%) e Índia (61%) acompanham o Brasil, considerando-se livres ou muito livres para escolher.

217

Kishimoto, Camila. “Feira de surfwear e streetwear movimenta R$ 300 milhões”. Disponível em www.erakapalomino.uol.com.br, acesso em 19/08/2002. 218 Nesta pesquisa foram consideradas respostas múltiplas.

125

5.2 - Espaços públicos e locais de convergência Um aspecto de grande relevância no estudo desenvolvido envolve a sondagem de campo que foi realizada entre alunas de uma escola de periferia da cidade de São Paulo. A escola é um lugar das relações entre grupos e um dos principais pontos de encontro jovem. Ela cria em sua rotina um grupo social que muitas vezes é um dos poucos freqüentados por esses adolescentes. A escola também oferece uma opção de lazer aos finais de semana mesmo quando suas quadras são usadas de maneira irregular por moradores locais que pulam o muro ou nas ocasiões festivas em que a comunidade é convidada a participar. As festas promovidas é um dos melhores momentos para o uso das roupas que são símbolos de pertencimento de grupos culturais ou simples aglutinações entorno da figura de um líder. Enfim, a escola é um centro de relações sociais. Outro aspecto importante é que muito próximo da escola “Roberto Mange”, que se localiza no Jardim Ester, se encontra o shopping center Raposo. O shopping constitui um ponto de encontro e um lugar de referência de moda (tanto é que a sondagem empírica de mostra que as marcas de roupas lembradas e conseqüentemente tidas como símbolo de distinção ou de preferência em sua grande maioria podem ser encontradas nesse shopping). E mais, ele é um dos locais onde outras pessoas fora do restrito círculo em que circulam o grupo estudado têm a oportunidade de encontrar com pessoas de outros círculos sociais. O Raposo Shopping é um lugar de fácil acesso e constitui um ponto de encontro agradável e seguro para estes adolescentes que se quiserem ir para outros shoppings deverão pegar um ônibus o que já caracteriza uma dificuldade até mesmo pelo custo que gera. O centro da cidade constitui “um outro território”, para muitos é uma opção na busca de mercadorias mais em conta mas é um lugar em que o deslocamento o torna pouco atraente, principalmente quando se necessita de uma condução, é um local de freqüência esporádica. Às vezes o bairro de Pinheiros um “centro” mais próximo e pode oferecer boas compras para quem procura um comércio popular de roupa.

126 O shopping center constitui um território conhecido e uma continuidade do “pedaço”219, um espaço público onde pode-se encontrar com conhecidos quase uma extensão da casa. “É porque está-se falando não da rua em si, mas de experiência da rua, então é possível também descobrir onde, em meio ao caos urbano, ela se refugiou – já não como espaço de circulação mas enquanto lugar e suporte de sociabilidade. Talvez se descubra, por exemplo, que para determinados grupos e faixas etárias e em determinados horários seja o espaço do shopping center que ofereça a experiência da rua; para outros, recantos do centro como galerias e imediações de certas lojas é que constituem o local de encontro, troca e reconhecimento; na periferia, um salão de baile nos fins de semana, ou a padaria no final do dia são os pontos de aglutinação; às vezes, um espaço é hostil ou indiferente durante o dia, mas acolhedor à noite.”220 Para Canevacci: “Muitas considerações podem ser tecidas sobre os shopping centers. Foram julgados como as novas praças da contemporaneidade, herdeiras das funções das antigas praças, onde as pessoas se encontram e onde existe um intercâmbio social, com gente sentado no bar da esquina ou entrando nas lojas. Parece-me, porém, que as coisas podem ser vistas de maneira inteiramente diversa. O shopping center, o hipermercado, é a somatória máxima do estilo pós-moderno, espaço metropolitano “liberado” e “protegido”, no qual todos os modelos se somam, se justapõem sincronicamente, onde se experimenta e se entra em contato com a hierarquia do olhares, entre a fantasmagoria das mercadorias e dos narcisismos. Espaço no qual o tempo é como que suspenso, ou, por assim dizer, adiado.”221 O shopping center Raposo fica localizado no quilômetro 15 da Rodovia Raposo Tavares e foi inaugurado em 1996. Atualmente conta com 150 lojas dos mais variados ramos de atividades, uma ampla praça de alimentação e de lazer que inclui 8 cinemas. O shopping tem 42 lojas trabalhando exclusivamente com vestuário. Na categoria de moda em geral conta com seis lojas (Eco Fashion Store, Enzo, Hering, L.K.R, Luigi BertollI e 219

"O termo na realidade designa aquele espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e individualizadas impostas pela sociedade". Magnani, J.G. Cantor. Festa no Pedaço: Cultura Popular e Lazer na Cidade. São Paulo: Hucitec, 1998, p. 116. 220 Magnani, José Guilherme Cantor. “Rua, Símbolo e Suporte da Experiência Urbana”. Versão revista e atualizada do artigo “A Rua e a Evolução da Sociabilidade”, originalmente publicado em Cadernos de História de São Paulo 2, jan/dez 1993, Museu Paulista, USP. Disponível em www.aguaforte.com/ antropologia/magnani, acesso em 12/08/2002.

127 TNG) a moda é representada por nove lojas (775, BR 111, Bunny’s, Canal X, DKF, Glus Company, Set-U, Side Play e Vetorial), a moda feminina possui onze lojas (Àgua & Vinho, Barred’s, Breton, Cori, Fazy, Genial Modas, Iton’s, Lojas Marisa, Red Store, Silk City e Stasy’s). A moda country conta com uma loja (Radade Store) e a moda surf com três (Bleat Surf Shop, Star Surf e Wape). Através de relatos da sondagem de campo descobriu-se que informação de moda para as meninas entrevistadas vem com mais freqüência do shopping center local. Muitas das jovens disseram buscar conhecimento daquilo que está na moda observando as vitrines de suas lojas. Para Baudrillard: “A vitrina, todas as vitrinas, que constituem, com a publicidade, o foco de convecção das nossas práticas urbanas consumidoras, são por excelência o lugar da “operação-consenso”, da comunicação e da permuta de valores através da qual toda uma sociedade se torna homogênea por meio de incessante aculturação quotidiana à lógica silenciosa e espetacular da moda”222. O autor ainda critica os shoppings dizendo que: “O shopping center não somente herda os aspectos óbvios legados pelo réclame e pelo giro vertiginoso das nouveautés dos primeiros grandes magazines, como também, mais do que isso (...) a espetacularização das mercadorias – a sua montagem – suscita um sex-appel irresistível para o trabalho assalariado: o fetichismo.”223

É inegável que apelo ao consumo torna-se insuportável para estes jovens com pouca disponibilidade financeira, alguns não resistem fazendo dos furtos cometidos nas lojas uma constante nesse shopping conforme relato de uma professora da escola Roberto Mange: “De vez em quando algum aluno vem contando sobre os roubos que eles praticam no shopping ou nos supermercados da redondeza. Os que roubam são os mais pobres que moram nas favelas, mais os meninos que as meninas. Muitos já foram pegos pelos seguranças e ficam marcados, não conseguem nem mais entrar nesses lugares. Uma vez uma aluna me contou que era fácil roubar na Marisa era só ir lá no provador e vestir a peça que ela queria por baixo da sua roupa, as vendedoras não tinham controle de tudo que entrava no provador. Também teve o caso de um aluno que roubou um relógio ele disse que conseguiu tirar o alarme e passar pela porta. No supermercado eles costumam

221

Canevacci, Massimo. A Cidade Polifônica. São Paulo: Studio Nobel, 1997, p. 152. Baudrillard, Jean. A Sociedade de Consumo. Op. Cit.; p. 176. 223 Baudrillard, Jean. A Sociedade de Consumo. Op. Cit.; p. 153. 222

128 colocar calcinhas e cuecas dentro de outras embalagens como de algumas bolachas que vem em caixinha.” Poderia se dizer que o shopping e a escola onde a sondagem de campo encontrou seu objeto de estudo é o que se poderia dizer uma mancha conforme coloca Magnani: “(...) Emprego o termo mancha para designar uma área contígua do espaço urbano dotada de equipamentos que marcam seus limites e viabilizam – cada qual com sua especificidade, competindo ou complementando – uma atividade ou prática predominante. (...) A mancha, ao contrário, sempre aglutinada em torno de um ou mais estabelecimentos, apresenta uma implantação mais estável, tanto na paisagem como no imaginário. As atividades que oferece e as práticas que propicia são o resultado de uma multiplicidade de relações entre seus equipamentos, edificações e vias de acesso, o que garante uma maior continuidade, transformando-a, assim, em ponto de referência físico, visível e público para um número mais amplo de usuários.”224 A escola e o shopping interagem em um universo comunicativo onde dois espaços físicos e simbólicos se encontram. Um por ser um ponto de referência de moda e outro por ser o lugar onde esta moda é usada com todos os seus significados de pertencimentos de grupos, de distinção entre os demais e de estilo pessoal.

5.3 – O consumo de marcas falsificadas Uma prática bastante comum dos jovens com menor poder aquisitivo, mas acredita-se que de outros segmentos sociais também, é a compra de artigos de vestuário de marcas falsificadas. Esta prática revelada pela sondagem de campo pode ser mais comum que se imagina, uma vez que alguns não admitem esse consumo. Um dos motivos que provoca esse tipo de consumo é o valor simbólico agregado às marcas. O consumo simbólico de mercadorias, fortalecido pela cultura de consumo que se instalou na sociedade contemporânea a partir do pós Segunda Guerra Mundial, deixou que o valor real de uso dos bens ficasse em segundo plano. Assim, os produtos funcionam como sinalizadores de distinção social, estilo de vida e pertencimento a determinados grupos de afinidade. As marcas, que inicialmente foram criadas para diferenciar artigos semelhantes de produtores distintos, passaram em um segundo momento a evidenciar 224

Magnani, José Guilherme Cantor. “Rua, Símbolo e Suporte da Experiência Urbana”. Op. Cit.; disponível em www.aguaforte.com/antropologia/magnani, acesso em 12/08/2002.

129 valores cada vez menos tangíveis. Desse modo, cada marca buscou criar para si uma identidade própria agregando conotações diversas. Os produtos foram “humanizados” ganhando características psicológicas e emanações valorativas onde a posse de tal objeto, assim como o uso de amuletos, traz para seu portador iguais características. Ou seja emprestam a sua “aura” ao portador do objeto, “aura” essa construída através de um longo processo de desenvolvimento de uma marca e pela saturação publicitária que age por duas vias simultâneas, uma personalizando e inserindo as pessoas através do consumo em determinados grupos sócio-culturais e outra trazendo distinção conforme a valorização simbólica do produto. Para o sociólogo Jean Baudrillard as mercadorias além de seu valor de uso e valor de troca também possuem o valor/signo, cuja função é multiplicar o valor econômico dos produtos, criando assim as distinções sociais via consumo. O autor explica seu conceito dizendo: “O ato de consumo nunca é apenas uma compra (reconversão do valor de troca em valor de uso), é também – aspecto radicalmente neglicenciado tanto pela economia política como por Marx – um DISPÊNDIO, ou seja, uma riqueza manifestada, e uma destruição manifesta da riqueza. É este valor ostentado para além do valor de troca, e fundado na destruição deste, que investe o objeto comprado, adquirido, apropriado, do seu valor diferencial de signo. Não é a quantidade de dinheiro que ganha valor, como na lógica econômica da equivalência, mas o dinheiro dispendido, sacrificado, consumido, segundo uma lógica da diferença e do desafio. Todo ato de compra é, assim, simultaneamente um ato econômico e um ato transeconômico de produção de valor/signo diferencial.”225 O consumo de bens, que têm uma grande parcela de valor simbólico de marca embutido no seu valor final, segue a mesma regra da cerimônia potlach226 na qual prevalece o desperdício para fins de ostentação. Esse tipo de consumo reforça a lógica das distinções entre classes, estudada por Pierre Bourdieu, e o consumo conspícuo teorizado por Veblen. No caso do consumo de marcas, não se pode deixar de lado artigos de vestuário onde o valor simbólico agregado às mercadorias de grifes não decaíram nem mesmo depois que as barreiras mais rígidas da moda enfraqueceram a partir da década de 1960. O fenômeno da democratização da moda na sociedade contemporânea ocidental, onde as tendências são sugestões cada vez menos impostas, não conseguiu romper com os signos 225

Baudrillard, Jean. Para uma Crítica da Economia Política do Signo. Op. Cit.; p. 108.

130 de distinções especialmente encontrados nas mercadorias de grife, apesar de toda a liberdade e do individualismo nas escolhas.227 Outra consideração pertinente é a questão do vínculo do valor simbólico atribuído a determinadas marcas com opinião de “autoridades” que sustentam e legitimam este valor. Bourdieu explica esse vínculo com o seu conceito de campo. Segundo o autor, campo pode ser interpretado como um espaço simbólico existente entre instituições ou agentes individuais onde as relações estabelecidas funcionam segundo um conjunto de regras próprias respeitadas por dominantes e dominados. Dentro desse espaço, há um jogo simbólico cujo objetivo é produzir, consumir ou possuir bens culturais ou materiais raros. O jogo se constitui nessa “disputa”, pela apropriação ou detenção desses bens, onde seus limites e suas regras são questionados na medida em que o consenso entre os participantes muda. Cada vez que os dominados “ganham um ponto” os dominantes elegem novos objetivos para manterem as distinções. Assim, aquele que possui poder aquisitivo para consumir o bem que lhe convier pode eleger, dentro de um elenco inúmero, as mercadorias que melhor traduzem suas vontades228. Geralmente, tais mercadorias adquirem valor simbólico pois são reconhecidamente bem quistas de acordo com a opinião de “autoridades do campo”. No caso da moda quem valida os objetos do desejo são produtores de editoriais de moda de revistas consagradas, estilistas, jornalistas e celebridades em geral, estas são os agentes produtores da moda. O produto simbólico possuído, ligado a uma marca, adquire valor de distinção social assim que os produtores validam o valor do produto que serão disputados por aqueles que visam obter distinção pelo seu uso. Obviamente que a publicidade e as assessorias de relações públicas das empresas contribuem em muito a eleição do que é tido como “chique”, ou seja quais mercadorias são válidas no jogo das distinções. “As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo 226

Cerimônia praticada pela tribo dos Kwakiuti na qual bens úteis para a tribo são destruídos em uma demonstração de prestígio e poder. A retribuição do ritual por outros membros da tribo é uma questão de honra, isso torna a celebração uma competição. Marcel Mauss estudou a fundo o fenômeno. 227 Lipovetsky, Gilles. O Império do Efêmero. Op. Cit.; p. 76. 228 “O jogo das distinções simbólicas se realiza, portanto, no interior dos limites estreitos definidos pelas coerções econômicas e, por este motivo, permanece um jogo de privilegiados das sociedades privilegiadas, que podem se dar ao luxo de dissimular as oposições de fato, isto é, de força, sob as oposições de sentido.”

131 em forma transfigurada o campo das posições sociais. Elas podem conduzir esta luta quer diretamente, nos conflitos simbólicos da vida cotidiana, quer por procuração, por meio da luta travada pelos especialistas da produção simbólica (produtores a tempo inteiro) e na qual está em jogo o monopólio da violência simbólica legítima, quer dizer, do poder de impor

- e mesmo de inculcar – instrumentos de conhecimento e de expressão

(taxionomias) arbitrários – embora ignorados como tais – da realidade social. O campo de produção simbólica é um microcosmo da luta simbólica entre as classes: é ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produção (e só nesta medida) que os produtores servem os interesses dos grupos exteriores ao campo de produção.”229 A adoção de modas e a imposição de ciclos acelerados são usos do poder simbólico. E é este mesmo poder simbólico conferido através da noção de campo que define as regras do jogo, ou seja do que é moda e o que deixou de ser. As falsificações e as cópias atuam como formas de subversão desse jogo das distinções. Juridicamente, o limite entre falsificação e imitação é claro. Se a cópia trouxer uma etiqueta com o nome da empresa que criou o produto, trata-se de falsificação, e isso é crime. Se o modelo for igual ao de uma grife conhecida, mas a marca que o assinar for outra, ele é uma imitação. Lucrar com o nome de uma marca conhecida não é um fenômeno recente a Louis Vuitton, marca francesa de bolsas e acessórios, enfrenta o problema desde 1870 quando, por causa de falsários, reformulou pela primeira vez suas mercadorias. Uma mercadoria falsificada é, em média, 80% mais barata que a original. A indústria da falsificação movimenta anualmente um montante aproximado de R$ 10 bilhões e impede que o país crie mais de 1,5 milhão de empregos, pois os objetos negociados são contrabandeados de fábricas do exterior. Estes são dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).230 Na indústria do vestuário, aqui no Brasil, as marcas esportivas são umas das mais atingidas pela pirataria. No ano de 1999, o Sindicato das Associações de Futebol de São Paulo avaliou que os clubes de futebol Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos

Bourdieu, Pierre. “Condição de Classe e Posição de Classe”. In: A Economia das Trocas Simbólicas. Organização e seleção de Sergio Miceli. São Paulo: Ed Perspectiva, 1999, pp. 24 e 25. 229 Bourdieu, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 11 e 12. 230 “Pirataria faz Brasil perder 10 bilhões de reais por ano”. Disponível em www.vejaonline.com.br 01/08/2002, acesso em 20/08/2002.

132 perderam R$ 30 milhões com a pirataria de suas camisas "oficiais" e vendidas principalmente por camelôs.231 Estima-se por exemplo que para cada par de tênis Nike ou Mizuno vendido nas lojas brasileiras, outro par falsificado é vendido de forma ilegal. A Nike já apreendeu mais de 140 mil pares de tênis, 965 mil peças peças de vestuário e cerca de 5.375 demais produtos (bonés, relógios, óculos, bolsas e meias) de janeiro de 2001 a maio de 2002. A empresa ainda estima que cerca de R$ 10 milhões por ano em confecções e acessórios com a marca falsificada são comercializados no Brasil. Para combater a pirataria, a Nike investe R$ 400 mil por ano.232 Grifes nacionais também perdem muito com as falsificações, um exemplo é da marca Zoomp que somente no ano de 1999 conseguiu apreender mais de 500 mil peças “piratas”.233 Olhando essa questão das falsificações por um outro viés, pode fazer algumas reflexões. Mario Perniola, Usando a lenda romana de Mamúrio Vetúrio234, indica o seu conceito de simulacro, que nesse caso vai de encontro à produção simbólica da marca. Para ele o simulacro é visto como uma dissolução do falso e do verdadeiro até não ser possível distinguir um de outro. A reprodução tem o mesmo valor de um original para o autor. Um sentido que no caso pode ser utilizado para o uso de falsificações de marcas, algumas peças são tão “verdadeiras” que enganam o olhar, servindo não como uma ostentação do consumo conspícuo mas como a estética propiciada em um conjunto pela peça. Entretanto, sob outro ponto de vista, podem ser encaradas como formas que reiteram o valor simbólico da grife, pois se estas não possuíssem um espaço dentro do imaginário querendo aliar qualidades intrínsecas ao seu portador para que serviriam as 231

“Os camelôs e a pirataria”. Disponível em www.estado.estadao.com.br/ editorias/2002/04/17/ editorias0204.html, acesso em 20/08/2002. 232 Brasil, Ubiratan. “Marcas disputam liderança. De olho na pirataria”. Disponível em www.estado.estadao.com.br/editorias/2002/06/16esp020616.html, acesso em 20/08/2002. 233 Coelho, Edílson. “A indústria da cópia”. Veja, 31/05/2000. 234 “No oitavo ano do reinado de Numa, escreve Plutarco, a peste que difundia pela Itália atingiu também a Roma. Diz a história que, enquanto a população era vítima do sofrimento, um escudo de bronze caiu do céu e foi parar nas mãos de Numa. A respeito dele, o rei divulgou uma história sensacional, que afirmou ter ouvido de Egéria e das Musas: o escudo tinha sido mandado pelos deuses para a salvação da cidade, e era necessário guardá-lo fazendo outros onze do mesmo tipo, tamanho e forma, para tornar impossível quem quisesse roubalo adivinhar qual era o que caíra do céu, sendo todos iguais (...). Assim anunciou Numa, e dizem que as suas palavras foram confirmadas pelo cessar imediato da peste. Mas, quando apresentou aos ferreiros o escudo, todos se recusaram, com exceção de Mamúrio Vetúrio. Esse autêntico mestre da sua arte conseguiu uma tal precisão e os fez todos tão iguais que nem mesmo o próprio Numa podia mais distinguir o original.” Perniola, Mario. Pensando o Ritual. São Paulo: Studio Nobel, 2000, pp. 221 e 222.

133 “falsificações”? A questão do consumo pela simples estética de tais mercadorias esvai sob o argumento de que realmente existem logotipos falsificados espalhados pelas peças, a estética da roupa recai sobre a modelagem, as cores utilizadas e a distribuição de elementos múltiplos como costuras, bolsos, estampas etc. Abraham Moles em seu estudo sobre o kitsch mostra este como uma forma educadora do gosto das massas, mas a simulação de mercadorias se por um lado populariza formas de consumo e a estética de produtos “inacessíveis” a determinadas classes novamente reitera o poder criador da moda, no momento que uma mercadoria for efetivamente “popularizada” mesmo que pela via da “contravenção” essa perde seu valor simbólico imediatamente235, além de poder desprestigiar seu portador quando a farsa for descoberta. A cópia sempre estará direcionada ao consumo do distante, a promoção social que simboliza é uma ilusão, no caso da moda, mas não de produtos culturais como Cds piratas que de uma maneira subversiva popularizam o consumo para classes menos abastadas e decerto entre outras interessadas em pagar menos por um produto. Fazendo uma analogia com a tese de Walter Benjamin sobre obras de arte e suas cópias, em “A Obra de Arte na Época da sua Reprodutibilidade Técnica”236, é possível traçar um paralelo entre bens de consumo “autênticos” e “falsificados”. Para Benjamin a obra de arte tem uma “aura” por ser única, e esta unicidade lhe confere valor cultural. A partir do momento em que ela é “popularizada” ela perde sua “aura”. O bem autêntico, cujo valor econômico é incrementado do valor simbólico adquire sua “aura” justamente por incorporar esses dois valores, daí sua legitimidade e reconhecimento que no caso são marcas de distinção. Além disso, o artigo de marca é escasso a medida em que um número limitado de pessoas está disposto e tem condições de comprá-lo. A falsificação, justamente por ser uma cópia na maioria dos casos imperfeita, tem o seu valor econômico reduzido. É efetivamente mais barata por uma série de razões e por isso mais pessoas podem ter acesso a ela. Quando acontece a abertura da possibilidade de consumo o valor simbólico da mercadoria se esvai juntamente com sua

235

“As obras difundem-se através de neo, nos termos de um descenso progressivo, uma vez que a camada social imediatamente abaixo obtém através da cópia artesanal ou industrial os objetos possuídos pelas camadas superiores, havendo, em todos os degraus desta pirâmide, um apetite inversamente proporcional à distância social entre a camada de origem e a camada de ingresso.” Moles, Abraham. O Kitsch. A Arte da Felicidade. São Paulo: Ed Perspectiva, 1986, p. 81. 236 Benjamin, Walter. “A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica”, In: VVAA, Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Editora Saga, 1969, pp. 207 a 238.

134 “aura”. Dessa maneira as falsificações por não reterem seu valor simbólico não conferem prestígio, somente são importantes pelo seu valor de uso. Sob outro ponto de vista, o valor simbólico de um objeto nunca é o mesmo para duas pessoas, e dificilmente o é para estratos sociais diversos. Assim o objeto “falsificado” pode verdadeiramente possuir valor simbólico para pessoas ou grupos diferentes. “Bens simbólicos podem ser economicamente valorizados em diferentes graus por diferentes indivíduos, no sentido de que alguns indivíduos podem entendê-los como de maior ou menor valor do que outros lhe atribuem. Pode-se descrever este conflito como um conflito de valoração econômica. Tais conflitos sempre têm lugar em contextos sociais estruturados nos quais alguns indivíduos podem ser capazes de e desejar pagar mais do que outros para adquirir ou controlar bens simbólicos.”237 A regra da distinção pode surgir mais uma vez onde o desdém para com os objetos “falsificados” revela a farsa da tentativa de rompimento com o “jogo” da distinção, que representa o predomínio de valores das classes dominantes. Uma possível ruptura com a ideologia da valorização de bens simbólicos, que no caso da moda são representados pelos artigos de grifes, seria dada não pela via do consumo do simulacro (falsificações) mas sim por uma valorização de outras formas simbólicas encontradas em produtos que privilegiem estéticas próprias de grupos específicos como é caso do movimento hip hop. A criação de bens simbólicos próprios das modas nascidas nas periferias permite que sejam rompidas algumas das regras do jogo das distinções sociais, restando categorias de consumo vinculadas aos estilos de vida e grupos de afinidade.

5.4 - As tribos urbanas e seu vínculo com a moda dos jovens de periferia Os grupos de afinidades passam pelo fenômeno da neo-tribalização urbana. Conforme foi visto no capítulo inicial da dissertação as sociedades pós-modernas e suas cidades vive um processo de estilhaçamento das relações sociais, muito mais pautadas em torno de questões culturais do que na lógica social-econômica, obviamente que há restrições quanto essa afirmação, ao contrário do individualismo vivido em épocas

237

Thompson, John B. Ideologia e Cultura Moderna. Op. Cit.; p. 204.

135 anteriores, ou da sociedade de massa indistinta os agrupamentos sociais urbanos sejam mais caracterizados por afinidades grupais, mas que são fluídos e temporários. “(...) Os flâneurs urbanos contemporâneos celebram e jogam com a artificialidade, a aleatoriedade e a superficialidade da fantástica mélange de ficções e valores estranhos que podem ser descobertos nas modas e nas urbanas. Argumenta-se ainda que isso representa um movimento para além do individualismo, com uma ênfase mais vigorosa na afetividade e empatia, um novo “paradigma estético”, no qual massas de pessoas se agregariam temporariamente em “tribos pós-modernas” fluidas.”238 Assim o entendimento dos diversos grupos que circulam pela cidade é indispensável para a compreensão de fenômenos urbanos e no consumo de mercadorias que demandam, principalmente o vestuário. É muito comum o classificar os diferentes grupos que se identificam pela apreciação de um mesmo hobby, de um estilo musical ou que possuem um estilo de vida semelhante e usam símbolos para identificar-se entre si como a maneira de vestir-se como tribos urbanas. Esse é um fenômeno que ocorre nas grandes metrópoles e que costuma agregar principalmente jovens em busca de uma identidade de grupo. Uma de suas características é ser um grupo bem delimitado com regras e costumes particulares. Mas convém dar uma noção do significa de tribo pois ela não possui aqui o mesmo significado que na antropologia clássica, a tribo urbana é uma metáfora. Na antropologia o termo tribo – usado para sociedades indígenas – indica um grupo em geral, enquanto que nas sociedades urbanas tem o significado de um grupo em particular. Para Magnani: “Um primeiro significado, mais geral, de tribo urbana, tem como referente determinada escala que serve para designar uma tendência oposta ao gigantismo das instituições e do Estado nas sociedades modernas: diante da impessoalidade e anonimato destas últimas, tribo permitiria agrupar os iguais, possibilitando-lhes intensas vivências comuns, o estabelecimento de laços pessoais e lealdades, a criação de códigos de comunicação e comportamento particulares. (...) Em outro contexto, tribo evoca o "primitivo" e designa pequenos grupos concretos com ênfase não já em seu tamanho, mas nos elementos que seus integrantes usam para estabelecer diferenças com o comportamento "normal": os cortes de cabelo e tatuagens de punks, carecas, a cor da roupa dos darks e assim por diante. Por último é preciso ainda levar em 238

Featherstone, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. Op. Cit.; pp. 44 e 45.

136 conta que até mesmo a particular idéia que vê na tribo indígena uma comunidade homogênea de trabalho, consumo, reprodução e vivências através de mitos e ritos coletivos, não se aplica às chamadas "tribos urbanas": sob esta denominação costuma-se designar grupos cujos integrantes vivem simultânea ou alternadamente muitas realidades e papéis, assumindo sua tribo apenas em determinados períodos ou lugares.”239 Michel Maffesoli considera que um dos motivos que favorece o surgimento do fenômeno do neotribalismo é a desumanização da vida urbana. As pessoas buscam o recolhimento em grupo para uma vida social que não podem mais encontrar em suas relações cotidianas normais, procuram por pessoas que compartilhem gostos específicos e assim com estes membros semelhantes pode-se dividir momentos, sentimentos e opiniões parecidas. Com relação à moda é evidente que quando se circula pelas metrópoles contemporâneas existe uma clara divisão, em uma multidão indiferenciada, de membros de tribos urbanas, principalmente constituídas por jovens. Os indícios são dados pelas evidentes mensagens de rebeldia, inconformismo ou irreverência cujo veículo utilizado são as roupas e acessórios. A roupa desde as sociedades antigas serve como meio de demarcação de identidade e de classe social, muito antes do surgimento da moda. Hoje em dia ela ainda indica pertencimento social muito mais ligada em termos de pertencimento cultural do que pertencimento social, ou seja o vestuário indica em um primeiro momento o grupo ao qual se pertence ou ao qual se pretende pertencer. Nas chamadas tribos urbanas a adoção de um determinado código de vestimenta serve para demonstrar em um primeiro momento participação ou uma simpatia por um determinado grupo. Mas se observa que conforme Maffesoli o envolvimento com as tribos são passageiros. “O coeficiente de pertença não é absoluto, cada um pode participar de uma infinidade de grupos, investindo em cada um deles uma parte importante de si. Esse borboleteamento é, certamente, uma das características essenciais da organização social que se está esboçando.”240

239

Magnani, José Gulherme C. Tribos Urbanas: Metáfora ou Categoria? Disponível em http://www.aguaforte.com/ antropologia/magnani1.html, acesso em 23/07/2002. Artigo originalmente publicado em “Cadernos de Campo - Revista dos alunos de pós-graduação em Antropologia”. Departamento de Antropologia, FFLCH/USP, São Paulo, ano 2, nº 2, 1992. . 240 Maffesoli, Michel. O Tempo das Tribos. Op. Cit.; p. 202.

137 Para Stuart Hall o sujeito no período definido como pós-modernidade, ao contrário do sujeito moderno não possui mais uma identidade única e estável para o autor as identidades estão se fragmentando em várias identidades temporárias, este conceito complementa a noção de neotribalismo urbano apresentada por Maffesoli. Assim estes jovens são atores representados em diversos momentos papéis onde basta variar o figurino. O estilo de suas roupas significa elementos de pertencimento e sua associação com esportes (como o surf e o skate), filosofias (como a rastafari e o movimento hippie) e movimentos artísticos (como o hip-hop e o rock) são produtos de uma cultura cada vez mais globalizada que difunde aos mais variados setores da sociedade informações sobre variados estilos de vida. Acredita-se que o significado tribal atualmente, ao contrário do que significou em décadas passadas, é

mais o estilo de vestir que um real “engajamento” cultural. É

evidente que há exceções principalmente quando se trata de movimentos culturais estruturados como o hip hop. Entretanto, os jovens costumam ser dispersivos permanecendo nessas tribos enquanto seu grupo mais próximo de amigos também o faz. A indústria do vestuário já percebeu o grande filão representado por esse estilo tribal e dentro da moda jovem criou as subdivisões por tribos: “moda surf”, “moda skate”, “moda country”, as camisetas “heavy metal” e assim por diante. É interessante notar que os estilos tribais não são estáveis, eles também sofrem tendências e produzem seu ciclo da moda inovando nos materiais, nos modelos e cores e variando conforme as estações como a “moda convencional” e que no processo de transformação de um “estilo cultural” em uma moda conduz a uma simplificação das características desse estilo e de suas formas para tornar possível uma maior massificação. Pelo viés da rua influenciando a moda, nota-se o trabalho de estilistas consagrados adaptando streetwear e das diferentes tribos para suas criações exclusivas. Além de uma atenção do mercado de vestuário o estilo das tribos é um assunto freqüente em revistas e jornais de interesse geral e não somente as publicações especializadas que surgem e desaparecem com a mesma intensidade a cada temporada. Os jovens mais uma vez servem de inspiração para a renovação da moda, e não só na moda jovem mas em geral já que na atual sociedade de consumo todos têm a liberdade de ser eternamente jovem.

138 Entre os adolescentes de periferia a admiração pelo movimento hip hop se faz presente de maneira mais freqüente. É comum encontrar jovens, que através de sua roupa, querem demonstrar um maior vínculo com este movimento cultural. Como foi discutido no capítulo III, é inegável a ligação da música com a moda. A música “(...) constitui um agente de socialização para os jovens, à medida que produz e veicula molduras de representação da realidade, de arquétipos culturais, de modelos de interação entre indivíduo e sociedade, e entre indivíduo e indivíduo.”241 A cultura hip hop surge no Brasil como um estilo importado das periferias americanas que sofreu adaptações para o ambiente social das periferias das grandes metrópoles brasileiras. É uma cultura de rua, legitimada pelas práticas sociais que a fortalecem como o rap (rhythm and poetry), o break e o grafite. As suas redes de divulgação vão desde Cd’s até bailes promovidos nas periferias. “(...) a adoção de um estilo produzido em outro país, como é o caso do rap e do funk, pode ser visto como fruto do reconhecimento de experiências similares, que resultam na adoção das mesmas referências. Ao mesmo tempo, esse estilo, ao ser adotado, tem seus elementos recodificados, desenvolvendo uma constelação própria de signos, atividades, temas e valores de forma a expressar o contexto social e as questões próprias do grupo. São os processos de reterritorialização no mundo contemporâneo, apontados por Herschmann. Assim, um estilo expressa tanto o processo de globalização, com questões universais, quanto as relações locais e a própria leitura do contexto no qual se inserem.”242 O rap tem sua raiz no soul que foi a trilha sonora do movimento de contestação negro nos E.U.A na década de 1960. A cultura hip hop e o rap chegaram no Brasil na década de 1970 através dos chamados bailes black promovidos nas periferias dos grandes centros urbanos, neles o movimento black power ganhou força trazendo consigo os cabelos afro e sua moda espalhafatosa . O ritmo musical mais executado nesses bailes era o soul e funk americanos. Foi nos anos de 1980 que houve uma cristalização do rap e do hip hop, que no final da década virou um movimento de expressão étnico-social da juventude periférica. Os rappers desenvolveram o papel de cronistas urbanos relatando nas letras das músicas extensas narrativas com formato de histórias que tratam sobretudo do lado 241

Dayrell, Juarez. A Música Entra em Cena: O Rap e o Funk na Socialização da Juventude em Belo Horizonte. Op. Cit.; p. 1.

139 trágico da vida nas favelas abordando assuntos como o tráfico de drogas, os conflitos policiais, a vida de exclusão e as dificuldades cotidianas da periferia urbana. O movimento hip hop em São Paulo sempre teve uma ligação forte com a moda. Na década de 1980 a Galeria 24 de maio, localizada no centro da capital, era o ponto principal de encontro do empresariado de DJ’s e de organizadores de bailes. A galeria também possuía lojas de discos especializadas e da moda black e até hoje é um ponto de encontro de rappers. Magnani tem um relato do lugar: “(...) e a rua 24 de Maio é a via de acesso. Chama a atenção a calma reinante na rua, em contraste com a costumeira agitação de um dia útil; é até possível perceber um grupo de "punks" e mais adiante outro, de "funções", possivelmente dirigindo-se à loja Piter, bem a seu gosto, com grifes acessíveis ao orçamento de office-boys. Nessa rua, porém, destaca-se uma das tantas galerias da região: Centro Comercial Presidente, ocupada por lojas de discos "funk", "disco" e outros ritmos dançantes (Disco Mania Blacks, Truck's Discos), além de outros serviços como cabeleireiros "black" (Gê Curl Wave, Almir Black Power, Gueto Black Power) que reforçam a particular "gramática" de sua ocupação característica: é um "pedaço" negro que aglutina rapazes e moças em torno de algumas marcas de negritude como determinada estética, música, ritmo, freqüência a shows e danceterias como Chic Show, Zimbabwe, Skina Club etc.”243 Apesar da cultura hip hop ter suas raízes negras, os adolescentes que participam de sua expressão encontram sua identificação de grupo muito mais pela sua condição social de menor poder aquisitivo do que pelo fato de serem negros ou descendentes. A periferia de São Paulo não é um lugar de homogeneidade nela estão inseridas pessoas das mais diferentes origens que migraram de outros estados em busca de melhores oportunidades ou daqueles que já fazem parte dela há uma ou mais gerações. A admiração pelo movimento e a participação em suas práticas não configura um engajamento integral dos jovens moradores de periferia. Percebe-se que muitos participam e admiram a cultura hip hop e até mesmo esteticamente apropriam-se do “visual” divulgado pelos freqüentadores de bailes como as calças largas ou oversize, as bandanas e na maneira de usar seus bonés. Porém isso não significa que esta seja uma estética usada “full time”, e nem mesmo que o “estilo hip hop” seja o único estilo tribal 242

Dayrell, Juarez. A Música Entra em Cena: O Rap e o Funk na Socialização da Juventude em Belo Horizonte. Op. Cit.; p. 28.

140 adotado por esses jovens. Através da sondagem de campo se pode perceber que há a adoção do estilo de mais de uma tribo, dependendo da situação, ou até mesmo do grupo de amigos freqüentado no momento. É o “borboleteamento” entre tribos falado por Maffesoli. Mas, sem dúvida há uma grande importância do movimento hip hop e do rap para esta juventude carentes pois eles representam

elementos da construção da sua

identidade. A força dessa cultura de rua reside na contestação da sociedade de uma maneira geral criando uma consciência crítica e uma rede de relações sociais que nasce nas suas práticas como nos bailes de final de semana, nos grupos de dança organizados e na sua maneira de vestir. “(...) rejeitando as formas simbólicas produzidas por seus superiores, os indivíduos situados em posições subordinadas podem encontrar uma maneira de afirmar o valor de seus próprios produtos e atividades sem romper fundamentalmente com a distribuição desigual de recursos.”244

243

Magnani, J.G.Cantor & Torres, Lilian de Lucca (org.). Na Metrópole: Textos de Antropologia Urbana. São Paulo: Edusp, 2.000, p. 40. 244 Thompson, John B. Ideologia e Cultura Moderna. Op. Cit.; p. 210.

141

Capítulo VI Apresentação da Sondagem de Campo: o consumo da moda por adolescentes residentes na região periférica da cidade de São Paulo _______________________________________________________________ 6.1 - Apresentação da sondagem de campo Problema O problema da sondagem consiste em investigar alguns dos hábitos de consumo da moda por jovens da periferia e em verificar se este consumo sofre influencias dos meios de comunicação de massa, da publicidade e de grupos de referência próximos (amigos e familiares) e distantes (ídolos, celebridades e membros de outras classes sociais). Objetivo geral Conhecer alguns dos hábitos de consumo da moda por adolescentes residentes na região periférica da cidade de São Paulo. Objetivos específicos •

Identificar qual é o motivo principal para esses jovens no uso de uma roupa.



Averiguar a influência dos meios de comunicação de massa e da publicidade no consumo da moda.



Verificar a influência dos grupos de referência e das tribos urbanas nas escolhas.



Identificar as marcas mais conhecidas entre o grupo estudado.



Examinar o consumo de marcas “falsificadas”.

142 6.2 – Descrição da metodologia utilizada Abordagem metodológica: Quantitativa. Tipo de pesquisa: Descritiva. Forma de amostragem: De conveniência justificada quanto à área da pesquisa, com introdução do acaso através de sorteio das entrevistadas pelas listas de chamada das classes. Instrumento: Formulário estruturado com respostas fechadas, abertas e respostas múltiplas. Procedimento para a coleta de dados: Entrevista pessoal com uso de formulário estruturado. Tamanho da amostra: 40 casos válidos (assim estabelecido conforme critérios estatísticos onde a amostra se justifica por tornar a sondagem viável tanto em questão do tempo de execução da pesquisa e com relação aos custos envolvidos). Universo: Adolescentes do gênero feminino, residentes na periferia de São Paulo com faixa etária entre 15 e 17 anos, pertencentes às classes C e D, conforme critério da Associação Brasileira de Anunciante (ABA) e Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME). A classificação sócio-econômica é feita através da somatória dos pontos referentes à posse de bens em cada domicílio e no grau de instrução do chefe da família. A restrição da sondagem às adolescentes do sexo feminino se justifica pelo fato de se trabalhar em uma outra etapa do estudo com publicações do segmento jovem feminino para a análise de publicidade e de editoriais de moda, busca-se assim estabelecer uma complementaridade entre as diferentes partes da dissertação. Área: São Paulo capital, especificamente a Escola Municipal Professor Roberto Mange, localizada no Jardim Éster, Zona Oeste de São Paulo, área distrital do Rio Pequeno. A

143 localidade foi escolhida devido à presença do grupo determinado como alvo da sondagem de campo (adolescentes de 15 a 17 anos moradoras de periferia membros dos segmentos sociais C e D) e também pela facilidade de trânsito na escola, tanto no acesso à direção e coordenação escolar quanto aos alunos que eventualmente serão entrevistados. Data de validação do formulário estruturado: 26 de fevereiro de 2002 – amostra de 5 formulários. Período de realização das entrevistas: Entre os dias 05 e 25 de março de 2002.

6.3 – Sumário executivo Do total de 40 entrevistas realizadas, uma maioria expressiva de 82% das jovens entrevistadas respondeu que tem o hábito de seguir a moda. Uma porcentagem igual afirmou comprar mais de 3 peças de roupa por semestre. A principal maneira de conhecer a moda vigente para essas adolescentes é a observação das vitrines, alternativa citada por 28% das entrevistadas, a televisão e observação de pessoas próximas ficaram em segundo lugar com 20% das respostas, em uma porcentagem próxima às anteriores, menos significativa para o grupo são os jornais e revistas e a publicidade, respectivamente com 9% e 5%. Entretanto em uma outra pergunta, descobriu-se que a influência da publicidade e dos meios de comunicação de massa no consumo da moda foi comprovada de maneira significativa: 45% das entrevistadas disseram que já sentiram ser influenciadas a adquirir uma roupa de uma determinada marca porque viram um anúncio e novamente 45% confirmaram a compra de algum artigo relacionado à moda porque alguma celebridade usava uma peça parecida em algum momento. Quase metade da amostra apontou que o que mais conta na hora da decisão de compra de uma roupa é o conforto, alternativa escolhida por 42% das jovens. A seguir vem a necessidade de seguir um estilo pessoal, ou conforme consta no formulário estruturado “ter a sua cara” com 29% das respostas. O fato de um estilo de roupa estar na moda é importante para 18% e somente 3% aludiram o valor dessa roupa ser de marca.

144 Outra comprovação significativa da sondagem foi o vínculo do consumo da moda com as estéticas das tribos urbanas. Nada menos que 70% das entrevistadas afirmaram ter simpatia por alguma tribo urbana, algumas citaram mais de uma. Outro dado importante é que 62% dos integrantes da amostra confirmaram já ter comprado alguma peça de roupa para se “incluir” em uma tribo. No desenvolvimento do trabalho de campo foram feitas algumas observações não formais ao formulário estruturado, mas que trazem informações complementares para a sondagem. Uma destas observações diz respeito ao consumo de roupas de marcas falsificadas. Algumas das jovens no momento da entrevista usavam artigos claramente falsificados mas mesmo assim negavam ter comprado um artigo desse tipo. A aplicação do formulário foi conduzida de maneira que a identidade das entrevistadas fosse preservada assim como se tomou o cuidado em manter uma certa distância de outras pessoas para que não houvesse nenhum tipo de constrangimento, mas admitir o consumo de falsificações parece trazer um certo embaraço para algumas adolescentes. Também se comprovou uma negação na compra de roupas em locais menos nobres como supermercados, camelôs, feiras e sacoleiras. Entretanto, ocorrem contradições no momento em que algumas adolescentes admitiram que adquirem falsificações em camelôs. De uma maneira geral, desconfia-se que haja pouco contato dos membros do grupo estudado com outros grupos sociais. Os locais onde costumam circular são restritos, poucas são aquelas jovens que eventualmente freqüentam festas e danceterias, também pelo fato de serem menores de idade. O shopping center Raposo, próximo à escola, é um lugar muito citado e as lojas lá existentes e apontadas pelas entrevistadas como preferidas são pouco conhecidas em outros lugares, contudo são eleitas marcas de distinção entre as meninas integrantes da amostra que inclusive têm o hábito de circular pela escola com as sacolas das lojas para o transporte de outros objetos. Percebeu-se também grande dificuldade na menção de marcas conhecidas. Muitas das entrevistadas, principalmente as de origem mais modesta, nem sequer elegeram marcas preferidas possivelmente porque têm pouca oportunidade de realizar compras e de circularem por locais movimentados como o centro da cidade e até mesmo no shoppingcenter local.

145 6.4 – Conclusões analíticas A primeira pergunta do formulário estruturado buscou identificar qual é o motivo de maior importância na compra de uma roupa. Das 40 jovens entrevistadas, uma parcela significativa de 42% afirmou que o conforto é o principal motivo, 29% destacaram a importância em evidenciar um estilo pessoal, 18% valorizam o fato de uma roupa estar na moda, 8% procuram por uma roupa que as deixe mais atraentes e apenas 3% disseram que a grife de uma roupa é o que mais lhe interessam. Curiosamente nenhuma entrevistada escolheu a alternativa onde a importância do grupo de amigos era colocada como a principal motivação, entretanto as respostas dadas em outras perguntas revelam a importância do grupo social na escolha das roupas.

Tabela 01 Motivo de maior importância no uso de uma roupa Motivo

Nº de respostas

Ser confortável Ter a sua “cara” Estar na moda Deixar atraente Ser de marca Ser parecida com que os amigos usam TOTAL

17 12 07 03 01 00 40

Fonte: amostra.

Porcentagem

42% 29% 18% 08% 03% 00% 100%

146 A importância das escolhas pessoais para as jovens é uma característica marcante, todas as entrevistadas disseram escolher pessoalmente as roupas que compram.

Tabela 02 Decisão de compra das roupas Nº de respostas

  Escolhe pessoalmente Usa o que ganha de outras pessoas Pais, parentes e outros Outros TOTAL

40 03 01 00 44 (*)

Porcentagem

91% 07% 02% 00% 100%

Fonte: amostra. (*) Foram consideradas respostas múltiplas.

O consumo de roupas entre as jovens entrevistadas ocupa um lugar de destaque em suas despesas, 82% das entrevistadas afirmaram consumir mais de 3 peças por semestre, algumas fugindo da resposta padrão estabelecida afirmaram comprar até 7 peças. As respostas mais modestas foram dadas por adolescentes pertencentes à classe D e garotas que apesar da pouca idade já eram casadas.

147 Tabela 03 Quantidade de peças compradas por semestre Nº de  

Porcentagem

respostas

Três ou mais Uma Duas Menos de uma TOTAL

33 04 03 00 40

82% 10% 08% 00% 100%

Fonte: amostra.

Uma maioria de 82% da amostra se diz seguidora da moda. Das entrevistadas que não têm o hábito de seguir a moda, 18% do total, 8 delas, ou 10% da amostra, pertencem à classe D, no cruzamento das respostas a maioria daquelas que não seguem a moda dizem priorizar o conforto na compra de uma roupa.

Tabela 04 Possui o hábito de “seguir” a moda  

Nº de respostas

Porcentagem

Sim Não TOTAL

33 07 40

82% 18% 100%

Fonte: amostra.

148

A análise dos dados demonstra que o conhecimento da moda vigente é obtido através de variadas fontes. As vitrines funcionam como principal meio de comunicação com 28% das respostas dadas, seguida pela televisão e observação de amigos que empataram com 20% das respostas. A observação de desconhecidos ficou com 18%, jornais e revistas ficaram com 9% das respostas e a publicidade com 5%. A baixa porcentagem associada aos jornais e revistas é devido ao fato que poucas adolescentes da classe C costumam ter hábito de ler revistas e jornais. Informalmente perguntadas a maioria respondeu que muito esporadicamente lêem publicações como a Capricho.

Tabela 05 Meios por onde toma conhecimento da moda (*) Nº de respostas

Vitrines Televisão Observando amigos Observando desconhecidos Jornais e revistas Publicidade TOTAL

12 09 09 08 04 02 44 (**)

Fonte: amostra. (*) Esta pergunta só foi realizada para as entrevistadas que afirmaram seguir a moda. (**) Foram consideradas respostas múltiplas.

Porcentage m

28% 20% 20% 18% 09% 05% 100%

149

A sexta pergunta do formulário tinha como objetivo identificar como era priorizado o uso de uma roupa da moda recém adquirida, 52% das entrevistadas preferem aguardar uma ocasião especial para o uso dessa peça. Perguntadas informalmente, estas jovens responderam que a compra de uma roupa nova está vinculada a um momento especial como uma determinada festa. Uma parcela de 27% respondeu que prefere deixar para sair no final de semana, parte desse percentual é composto por meninas que têm o hábito de freqüentar matinês. O uso imediato é praticado por 12% da amostra e 9% preferem usar sua nova aquisição na escola ou no trabalho. Tabela 06 Em que ocasião usa uma roupa nova “da moda” (*) Nº de Porcentagem   respostas

Ocasião especial Sair no final de semana Imediatamente Ir para a escola ou trabalho TOTAL

17 09 04 03 33

52% 27% 12% 09% 100%

Fonte: amostra. (*) Esta pergunta só foi realizada para as entrevistadas que afirmaram seguir a moda.

150

Os shopping centers, com 51% das respostas, foi o local mais mencionado pelas entrevistadas para a realização de compra de roupas. A região da escola é marcada pela presença do shopping center Raposo, que atua como um centro de referência para os jovens que moram na região. Muitas das marcas citadas como preferidas pelas entrevistadas, apesar de serem desconhecidas por outros grupos de pessoas, atuam como símbolos de distinção e reconhecimento dentro do grupo estudado. Em segundo lugar foram mais citadas as lojas do “centro”, escolhidas por 37% da amostra, que entre elas incluem para as entrevistadas aquelas localizadas na região de Pinheiros, Brás e Lapa, considerados centros de compras com alta concentração lojas com preços populares. Locais “menos nobres” como feiras e alternativas como sacoleiras e camelôs foram pouco citados ou não foram escolhidos. Apesar disso, algumas dessas respostas aparecem como alternativa de consumo no momento da realização da pergunta que procurou localizar os pontos de aquisição de roupas de marcas falsificadas.

151 Tabela 07 Locais de compra Nº de respostas

Shopping centers Lojas do centro (*) Lojas do bairro Magazines Catálogos Camelôs Lojas de fábrica Feiras Supermercados Brechós Sacoleiras TOTAL

23 17 02 01 01 01 01 00 00 00 00 46 (**)

Porcentage m

51% 37% 04% 02% 02% 02% 02% 00% 00% 00% 00% 100%

Fonte: amostra. (*) Locais citados – Pinheiros (5 vezes), Brás (2 vezes), Lapa e Osasco (1 vez). (**) Foram consideradas respostas múltiplas.

A demonstração de preferência de marca é bastante expressiva, 55% das entrevistadas possuem ao menos uma marca de preferência. Entre aquelas que afirmaram não possuir nenhuma preferência houve muita dificuldade no momento em que se pediu para citar três marcas conhecidas, muitas simplesmente não sabiam citar nenhuma, diziam

152 não lembrar no momento. Percebeu-se que entre as meninas da classe D essa dificuldade era ainda maior. Tabela 08 Possui preferência de marca  

Nº de respostas

Porcentagem

Sim Não TOTAL

22 18 40

55% 45% 100%

Fonte: amostra.

Dentre as marcas citadas como de preferência 8 delas, destacadas em negrito, são encontradas no shopping center Raposo. É curioso notar também que magazines, como a C&A e as lojas Marisa não são consideradas “lojas” e sim “marcas” pelas entrevistadas. Marcas citadas Nº de respostas

DKF Canal X ECO Nicobuco Zapping C&A Side Play Bizarre Bunnies Dijean Forum

Iton’s Marisa Triton Sawari

08 03 02 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 01

153 Scala Sentido Obrigatório TOTAL

01 01 30

Fonte: amostra

Quando questionada a respeito da compra de uma determinada peça de roupa de marca uma maioria de 76% opta por um artigo mais durável como uma calça ao invés de uma camiseta, por exemplo. Tabela 9 Peças de preferência (*)  

Nº de respostas

Porcentagem

Calça Sapato Blusinha Saia Camiseta Boné TOTAL

20 02 01 01 01 01 26

76% 08% 04% 04% 04% 04% 100%

Fonte: amostra. (*) Esta pergunta só foi realizada para as entrevistadas que afirmaram ter preferência de marca.

Entre as 36 marcas citadas aquelas que estão apresentadas em negrito na tabela 11 podem ter seus artigos adquiridos no shopping center Raposo. Foram encontradas poucas marcas de associadas ao consumo das classes A e B. No período em que foi realizada a sondagem de campo as revistas femininas jovens, estudadas não apresentaram nenhum anúncio dessas marcas citadas, somente a Side Play citada como marca de preferência. Os magazines C&A e as lojas Marisa estavam presentes na mídia em campanhas de divulgação de massa.

Tabela 10 Marcas citadas (livre escolha) Nº de respostas

DKF C&A ECO

17 06 05

154 Zapping Canal X 775 Iton’s Marisa Nicobuco Bunnies Set-U Nike Stanley Malwee US Top LKR Forum Polo Sentido Obrigatório Bizarre Baby Baby Rusty Hering Escala Besni Luigi Bertoli Xway Pernambucanas Cavalera Rip Curl Off Siren Triton Laica Leb Reebok Starsurf TOTAL

05 04 04 03 03 03 03 03 03 02 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 87

Fonte: amostra

Um percentual expressivo de 87% da amostra afirmou possuir ao menos uma peça das marcas citadas, contudo percebeu-se que as marcas mais caras como Fórum, Triton, Nike, Reebok e Cavalera foram citadas mas as entrevistadas disseram não possuir nenhum artigo.

155 Posse de algum artigo das marcas citadas  

Nº de respostas

Porcentagem

Sim Não Não Respondeu TOTAL

32 04 04 40

80% 10% 10% 100%

Fonte: amostra

O consumo de artigos de marcas falsificadas foi admitido por 57% das entrevistadas, percentual que pode ser ainda maior na realidade devido a uma certa resistência percebida pela entrevistadora na admissão desse tipo de consumo. Em uma etapa posterior do formulário quando a amostra foi questionada quais exatamente seriam as marcas por elas adquiridas poucas formam aquelas que lembraram, um grande percentual de 76% das garotas se mostraram reticentes e declaram não lembrar qual era a marca do produto que adquiriram. Um outro fato comprovado foi que entre as marcas falsificadas adquiridas pela totalidade da amostra, só se encontram marcas de origem nacional sendo que muitas delas podem ter o seu original adquirido no shopping center Raposo.

156 Tabela 11 Compra de artigos de marcas falsificadas  

Nº de respostas

Porcentagem

Sim Não TOTAL

23 17 40

57% 43% 100%

Fonte: amostra.

Tabela 12 Marca do artigo falsificado (*)   Não lembra Forum Malwee Rusty Stanley Zoomp Set-U TOTAL

Nº de respostas

Porcentagem

18 01 01 01 01 01 01 23

76% 04% 04% 04% 04% 04% 04% 100%

Fonte: amostra. (*) Esta pergunta só foi realizada para as entrevistadas que afirmaram ter adquirido produtos de marcas falsificadas.

157

Comprovadamente os camelôs constituem o ponto de venda principal dos artigos falsificados, com 87% das respostas. Os locais onde se encontram são os mais variados, geralmente são encontrados em regiões onde há grande concentração de comércio popular buscando entre seu público consumidor aquelas pessoas que procuram por mercadorias com um preço mais modesto. Os camelôs mais procurados pela amostra são aqueles que se encontram na região de Pinheiros. Existem também algumas lojas que vendem artigos falsificados. Tabela 13 Local da compra (*)  

Nº de respostas

Porcentagem

Pinheiros - camelô Camelô – não citou o lugar Brás - camelô Brás - loja Centro - camelô Pinheiros – loja Loja – não citou o lugar Lapa - camelô Feira do São Domingos - camelô TOTAL

11 04 02 01 01 01 01 01 01 23 (*)

49% 18% 09% 04% 04% 04% 04% 04% 04% 100%

Fonte: amostra. (*) Esta pergunta só foi realizada para as entrevistadas que afirmaram ter adquirido produtos de marcas falsificadas.

158

Em um desdobramento da sondagem foi perguntado qual foi o motivo principal na compra de um artigo falsificado, 34% das entrevistadas disseram que foi o estilo da roupa que as agradou, 26% afirmaram ter comprado justamente porque parecia verdadeira e o preço era bem mais em conta, 22% alegaram que adquiriram tal peça por impulso, 9% porque seus amigos também tinham e 9% declaram que ganharam de presente tal artigo em uma resposta fora do questionário proposto.

Tabela 14 Motivo de compra   Estilo Parecia verdadeira e era mais barata Ocasião Os amigos também têm Ganhou a peça TOTAL

Nº de respostas

Porcentagem

08 06 05 02 02 23 (*)

34% 26% 22% 09% 09% 100%

Fonte: amostra. (*) Esta pergunta só foi realizada para as entrevistadas que afirmaram ter adquirido produtos de marcas falsificadas.

159

A influência da publicidade nas decisões de compra é sentida por 45% das garotas entrevistadas. Também foi comprovada a importância dos meios de comunicação de massa no consumo da moda. Entre o grupo estudado, novamente 45% da amostra já adquiriu algum artigo que uma celebridade aparecia usando um semelhante. A pulseira da Jade, bijuteria usada pelo personagem de Giovanna Antonelli na novela “O Clone” transmitida pela Rede Globo de televisão em horário nobre, foi comprada por 12 das 40 garotas entrevistadas, uma menina inclusive no momento da aplicação do formulário se apresentava vestida “ao estilo Jade”. Outras adolescentes afirmaram também terem adquirido outros produtos associados a outras celebridades e personagens em um total de 18 respostas. Tabela 15 Sente influência da publicidade nas decisões de compra?  

Nº de respostas

Porcentagem

Sim Não TOTAL

18 22 40

45% 55% 100%

Fonte: amostra.

160

Tabela 16 Compra de artigos de moda sob influência do star system ?  

Nº de respostas

Porcentagem

Sim Não TOTAL

18 22 40

45% 55% 100%

Fonte: Amostra

A importância das tribos urbanas para a moda dos jovens também foi confirmada, 70% das entrevistadas afirmaram participar ou ter simpatia por uma ou mais tribos urbanas. A tribo mais citada foi aquela ligada ao movimento hip hop com 50% das respostas, seguida pela tribo do surf com 38% das preferências e citadas por 6% das entrevistadas, cada uma, o movimento Cluber e a tribo dos freqüentadores de forrós.

161 Tabela 17 Tem simpatia ou participa de alguma tribo urbana  

Nº de respostas

Porcentagem

Sim Não TOTAL

28 12 40

70% 30% 100%

Fonte: amostra.

Tribos citadas (*)  

Nº de respostas

Porcentagem

Hip hop Surfista Clubber Forró TOTAL

16 12 02 02 32 (**)

50% 38% 06% 06% 100%

Fonte: amostra. (*) Foram consideradas respostas múltiplas. (**) Esta pergunta só foi realizada para as entrevistadas que afirmaram participar ou ter simpatia por alguma tribo urbana.

162

Na seqüência do formulário estruturado foi perguntado para a amostra se alguma vez já haviam consumido um artigo de vestuário para estabelecer um vínculo estético com uma tribo urbana. 62% das respostas foram positivas em relação à pergunta comprovando a importância das tribos urbanas na divulgação dos estilos e no consumo da moda como um todo. Tabela 18 Compra de artigos para pertencer a uma tribo Nº de  

Porcentagem

respostas

Sim Não TOTAL

25 15 40

62% 38% 100%

Fonte: amostra.

Para o encerramento da sondagem buscou-se saber quais seriam as fontes de renda dessas jovens pertencentes às classes C e D. Quando perguntadas de onde provinha o dinheiro de seus gastos, 62% das garotas afirmaram pedir aos pais conforme a sua

163 necessidade, nessa maioria estão incluídas as entrevistadas com 15 anos de idade. Descobriu-se informalmente ao questionário que os pais, principalmente a mãe (que em muitos casos é o chefe da família), participa do momento em que são realizadas as compras de roupas, interferindo ao contrário da resposta dada na pergunta 2 nas escolhas, principalmente à respeito do valor da mercadoria, restringindo assim as escolhas. Das entrevistadas que administram seu próprio dinheiro, seja ele proveniente de mesada (15% dos casos), trabalhos autônomos (15%) ou de um emprego fixo (8%), há uma preferência em efetuar o pagamento de suas compras à vista.

Tabela 19 Fonte de renda   Pede aos pais conforme a necessidade Mesada Trabalhos autônomos Emprego fixo TOTAL Fonte: amostra.

Nº de respostas

Porcentagem

25 06 06 03 40

62% 15% 15% 08% 100%

164 Tabela 20 Como efetua os pagamentos das compras realizadas  

Nº de respostas

Porcentagem

Pais A vista Crediário Cheque pré-datado Cartão de crédito TOTAL

26 14 00 00 00 40

65% 35% 00% 00% 00% 100%

Fonte: amostra.

6.5 – Qualificação da amostra O público entrevistado foi composto por 100% de adolescentes do sexo feminino residentes na região periférica da cidade de São Paulo com faixa etária entre 15 e 17 anos, pertencentes às classes C e D, conforme critério da Associação Brasileira de Anunciante (ABA) e Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME), a classificação sócio-econômica é feita através da somatória dos pontos referentes à posse de bens em cada domicílio e no grau de instrução do chefe da família. O recorte da faixa etária, estabelecido entre 15 e 17 anos, é justificado por ser uma faixa etária utilizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) em pesquisas referentes a hábitos, posses e consumo de bens. Para a sondagem não foram estabelecidas cotas de idade e de classe social. O acaso estabeleceu uma amostra com 75% dos indivíduos com 15 anos, 15% com 16 anos e 10%

165 com 17 anos. A divisão entre as classes sociais foi de 80% da amostra pertencente à classe C e 20% pertencente à classe D. Desse total, levando em conta o total geral, entre as entrevistadas com 15 anos, 62,5% pertencem à classe C e 12,5% à classe D. Das jovens de 16 anos, 10% do total geral da amostra pertencem à classe C e 5% à classe D. Na idade de 17 anos 7,5% pertencem à classe C e 2,5% à classe D.

Amostra Sexo

Porcentagem

F M

100% 0%

Fonte: amostra.

Idade das entrevistadas  

Nº de respostas

Porcentagem

15 anos 16 anos 17 anos TOTAL

30 06 04 40

75% 15% 10% 100%

Fonte: amostra.

Classe social Nº  

Porcentagem

Classe C Classe D TOTAL

80% 20% 100%

de respostas

32 08 40

Fonte: amostra.

166

Idade x classe social Classe C   15 anos 25 – 62,5% 16 anos 04 – 10% 17 anos 03 – 7,5% TOTAL 32 – 80% Fonte: amostra.

Classe D

Porcentagem total

05 – 12,5% 02 – 5% 01 – 2,5% 08 – 20%

75% 15% 10% 100%

167

Capítulo VIII Considerações Finais ________________________________________________________________________________________

“Primeiro saiba que é; Depois, enfeite-se de acordo.” Epicteto, Discursos; circa 50 AD. Da citação de Epicteto à aproximação com o grupo estudado neste trabalho. O grande problema do jovem é realmente não saber qual é a sua identidade, entretanto devese considerar que na chamada época pós-moderna toda a sociedade passa por uma crise de identidade. Mas como vestir de acordo sem saber quem se realmente é? O jovem, este por estar em processo de construção da sua personalidade e da sua identidade procura caminhos através da experimentação que consiste em citações e identificações momentâneas com uma pessoa do seu convívio cotidiano, com um ídolo, com uma marca que a publicidade trata de associá-la a um estilo de vida desejável ou mesmo com aquela pessoa com quem ele cruzou no shopping e tinha um estilo “legal”. Nota-se no consumo da moda juvenil esse emaranhado de referências que independente da classe social a qual pertence. Esta dissertação aborda algumas das questões envolvidas nesse consumo mas é evidente que vários assuntos que também fazem parte da questão foram deixados de lado como a importância do gosto no consumo da moda, assuntos que pela complexidade que envolvem poderiam constituem por si só temas para outros trabalhos. Usou-se uma metodologia semelhante a de Walter Benjamin no seu célebre estudo sobre Paris a capital do século XIX, uma metodologia que estuda diversos fragmentos de um assunto mais complexo, mesmo porque o consumo da moda é um assunto de extrema abrangência. Apesar de tratar de fragmentos buscou-se primeiramente uma abordagem macroscópica da moda e da sociedade que a permeia, passando por questões fundamentais como sua história, seu mercado, a influência da comunicação de massa e da publicidade até entrar no aspecto micrológico de um grupo de adolescentes da periferia de São Paulo. Das entrevistas realizadas com estes jovens retira-

168 se as conclusões do estudo que confirmam alguns dos aspectos da análise macrológica sobre as questões ligadas à moda. A sondagem de campo foi um momento extremamente rico da pesquisa. Uma proposta simples que revelou aspectos complexos por onde passa tal consumo revelando até mesmo a ligação da moda com o crime. Muito mais importante que responder um questionário previamente estruturado foi estar naquele momento e sentir nas posturas e nos gestos como que o grupo faz da sua moda um meio de comunicação. O jovem sempre inova precisa colocar em sua roupa elementos de distinção, por esse motivos a sondagem de campo inicialmente rígida e essencialmente descritiva abriu espaço para uma outra fase do trabalho não prevista no projeto inicial, o uso da fotografia para revelar a forma de vestir desses jovens, e assim com uma representação visual se pode fazer uma comparação com a publicidade analisada no capítulo IV. A sondagem de campo não só confirmou o vínculo da moda jovem com as tribos urbanas como a teoria de Maffesoli que há um deslocamento entre tribos, o jovem, possui uma fidelidade flutuável com as tribos que pertence ou pretende pertencer o vínculo efêmero é muito mais por uma questão estética que um comprometimento cultural e de estilo de vida, fica mais no sentido da citação do que na vivência real. Outra constatação é que a citação não fica somente nesse aspecto tribal que conduz à citação de posturas diversas e ao consumo interligado à estilos de vida desejáveis. Os meios de comunicação de massa oferecem a todo momento uma fonte de inspiração continuamente renovada de um repertório de citações de celebridades e de personagens que podem ser “vividos” no cotidiano desses jovens pelo simples consumo de um elemento, de uma peça de roupa , um acessório, ou bijuteria que os identifique com o personagem e celebridade. O consumo é usado como referência, citação e elemento mágico, fetiche ou amuleto, que carrega consigo a identificação e porque não as qualidades daquele que é representado daí concluí-se que usar um artigo de marca falsificada significa muito mais que simples conveniência, é um consumo legitimado pelo fato de apesar de poucos recursos o jovem quer estabelecer um vínculo com um “totem”. O consumo de falsificações é real e assumir esse ato pode trazer constrangimento, é como assumir uma traição ou mesmo é tentar ludibriar os outros com uma farsa. As fontes de referência não se esgotam aí o grupo é muito importante para o jovem, estar de acordo com o seu grupo é quase uma questão de sobrevivência. As fotos não

169 deixam de confirmar isso e não foram poucas vezes que a pesquisadora em seu locus encontrou jovens vestidos de maneira absolutamente idêntica. Uma constatação específica do grupo estudado é que a proximidade do shopping center da escola o faz ser um ponto de referência fortíssimo para estes jovens. Lugar de referência de moda e de distinção, daquele jovem que compra nas lojas do shopping e usa a escola como um lugar para mostrar para seus colegas que ele usa as roupas de lá. Fluxo de informações e de consumo que na sondagem de campo aparece nos nomes das marcas e das lojas citadas. Ele significa também a oportunidade com a convivência com pessoas de outros grupos sociais que na sua simples presença deixa traços de sua maneira de viver. Enfim.....

170

Suporte Bibliográfico _______________________________________________________ 8.1 - Livros e artigos Adorno, Theodore W. “A Indústria Cultural”. In: VVAA, Comunicação e Indústria Cultural. Organizado por Gabriel Cohn. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1986. Alberoni, Francisco. “Observações Sociológicas sobre o Vestuário Masculino”. In: VVAA, Psicologia do Vestir. Organizado por Umberto Eco. Tradução de José Colaço. 3a ed. Lisboa: Assirio e Alvim,1989. Arp, Edgard. “A Produção da Malha Através dos Tempos”. In: VVAA, A História da Camiseta. Organizado por Ruth Joffily. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988. Barthes, Roland. Sistema da Moda. Tradução de Lineide do Lago Salvador Mosca. São Paulo: Editora Nacional, 1979. Barnard, Malcolm. Fashion as Communication. London: Routledge, 2001. Baudrillard, Jean. O Sistema dos Objetos. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. 3a ed. São Paulo: Perspectiva, 1997. _______________. A Sociedade de Consumo. Tradução de Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 1995. _______________. Para uma Crítica da Economia Política do Signo. Tradução de Aníbal Alves. Lisboa: Edições 70, 1995. _______________. À Sombra das Maiorias Silenciosas. O Fim do Social e o Surgimento das Massas. Tradução de Suely Bastos. 4a Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. ______________. Da Sedução. Tradução de Tania Pellegrini. Campinas: Papirus, 1991. ______________. “Significação da Publicidade”. In: VVAA, Teoria da Cultura de Massa. Seleção de Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Editora Saga, 1969. Baudot, François. Moda do Século. Tradução de Maria Thereza de Rezende Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000. Benjamin, Walter. “A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica”, (“Os pensadores”). São Paulo: Editora Abril, vol. XLVIII, 1975. _______________. Obras Escolhidas. (“Coleção Grandes Cientistas Sociais”). São Paulo: Editora Ática, 1985. Boucher, François. A History of Costume in the West. Translated from French by John Ross. London: Thames and Hudson,1997. Bourdieu, Pierre. O Poder Simbólico. 3a ed. Tradução de Fernando Thomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. ______________. “Condição de Classe e Posição de Classe”. In: A Economia das Trocas Simbólicas. Organização e seleção de Sergio Miceli, vários tradutores. 5a ed. São Paulo: Ed Perspectiva, 1999. ______________. “O Mercado de Bens Simbólicos”. In: A Economia das Trocas Simbólicas. Organização e seleção de Sergio Miceli, vários tradutores. 5a ed. São Paulo: Ed Perspectiva, 1999. ______________. “Estrutura, Habitus e Prática”. In: A Economia das Tocas Simbólicas. Organização e seleção de Sergio Miceli, vários tradutores. 5a ed. São Paulo: Ed Perspectiva, 1999. ______________. A Miséria do Mundo. Petrópolis: Vozes, 1997. ______________. La Distinction. Critique Sociale du Jugement. Paris: Ed Minuit, 1979.

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8.2 - Reportagens e artigos selecionados de jornais e revistas O material aqui apresentado foi coletado em revistas de interesse geral e em jornais circulantes na cidade de São Paulo. Realizou-se um recorte temporal selecionando reportagens veiculadas a partir de janeiro de 1998 onde foram privilegiadas as informações mais atualizadas. Alguns dos artigos e reportagens foram obtidos através de consulta à Internet. Alonso, Maria Rita. “São Paulo só fala nisso”. Veja São Paulo, 11 de julho de 2001, pp. 12 a 18. _________________. “Os jardins de ouro”. Veja, 22 de novembro de 2000, pp 106 a 108. _________________. “A moda da pechincha”. Veja São Paulo, 31 de maio de 2000, pp. 13 a 18. _________________. “Os cabides de ouro”. Veja São Paulo, 19 de abril de 2000, pp 12 a 17. Braga, João. “A industrialização da moda”. Costura Perfeita, março de 2001, pp. 63 e 64.

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Outras publicações: Balanço Anual, Gazeta Mercantil, julho/2000 nº 24 (Publicação Anual), p. 246 e 248. (s.a). Mídia dados 2000. São Paulo: Ed Grupo de Mídia, 2000. Mídia dados 2001. São Paulo: Ed Grupo de Mídia, 2001.

8.3 - Dissertações e teses consultadas Azevedo Jr, Aryovaldo de Castro. Tribos Virtuais: Comportamento, Consumo e Publicidade com a Segmentação de mercados em Escala Global e a Utilização de Novas Tecnologias em Comunicação. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 1999. (orientador Tupã Gomes Corrêa) Barbosa, Joaquim Carlos da Silva. Marketing de Moda na Internet: Estudo de Casos no Segmento de Roupas de Marcas. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 1999. Caldas, Dario Giordano. O Velho e o Novo na Moda Masculina: o Processo de Difusão da Inovação do Segmento Clássico. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo,1999. (orientador Waldir Ferreira) Garavelo, Maria Elisa de Paula Eduardo. A Costura Social do Vestuário: da Teoria à Prática. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais, Universidade de São Paulo, 1991. Dayrell, Juarez. A Música Entra em Cena: O Rap e o Funk na Socialização da Juventude em Belo Horizonte. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2001. Geargeoura, Lucien Jacques. Marketing para Bens de Luxo: Um Estudo Exploratório no Setor de Objetos de Viagem, Couro e Acessórios de Moda. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Economia e Admistração, Universidade de São Paulo, 1997.

177 Gilbert, Vera Lígia Pieruccini. O Entorno Acadêmico e Industrial Têxtil do Vestir e Morar Brasileiros. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo,1993. Idargo, Alexandre Bergamo. A Experiência do Status. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais, Universidade de São Paulo, 2000. Kontic, Branislaw. Aprendizado e Metrópole: A Reestruturação Produtiva da Indústria do Vestuário em São Paulo. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais, Universidade de São Paulo, 2001. Machado Junior, Carlos Eduardo. Composição Indumentária: Forma Expressiva de Comunicação. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 1979. Mendonça, Miriam da Costa Manso Moreira de. O Reflexo no Espelho: o Vestuário e a Moda como Linguagem Artística e Simbólica. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo em convênio com a Universidade Federal de Goiás, 1998. Pinho, José Benedito. O Composto de Comunicação e Marca. Um Estudo da Contribuição da Propaganda e da Publicidade ao Processo de Construção da Imagem de Marca. Tese de Doutorado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo São Paulo, 1994. Romero, Maria Carmen. A Sublime Arte de Toscani. Um Estudo de Caso da Arte Publicitária Benethon. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo,1998. Vasconcelos, Paulo Alexandre Cordeiro de. Jean Baudrillard. Comunicação e Psicanálise: Uma Contribuição aos Estudos da Comunicação. Tese de Doutorado apresentada à Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 1999.

8.4 - Webgrafia www.abrasce.com.br www.abravest.org.br www.alshop.com.br www.cea.com.br www.ellus.com.br www.epoca.globo.com www.estado.estadao.com.br www.ibge.gov.br www.ibope.com.br www.ikatu.net www.jt.estadao.com.br www.lojaspernambucanas.com.br www.lojasrenner.com.br www.lojasriachuelo.com.br www.lojaszogbi.com.br www.marplan.com.br www.textilia.net www.uol.com.br/moda/ www.uol.com.br/modabrasil/ www.vejaonline.com.br

www.vejajovem.com.br www.zoop.com.br

178 8.5 - Bibliotecas visitadas • • • • • •

Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo. Instituto de Psicologia - Universidade de São Paulo. Faculdade de Administração e Economia - Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais - Universidade de São Paulo. Faculdade Anhembi-Morumbi. SENAC – Centro de Educação em Moda – São Paulo.

179

Anexos

180

Modelo de formulário estruturado utilizado na sondagem de campo Data __/__/__

Formulário estruturado – Sondagem empírica II O consumo da moda por adolescentes

Formulário No. 00

Idade: _____anos 1. O que é mais importante para você em uma roupa? (marcar somente uma resposta) ( ) Deixar você atraente. ( ) Ser confortável. ( ) Ser parecida com o que seus amigos usam. ( ) Ser de “marca”. ( ) Ter a “sua cara”. ( ) Estar na moda. 2. Você: ( ) escolhe pessoalmente as roupas que compra. ( ) seus pais/parentes escolhem e compram para você. ( ) usa o que ganha de outras pessoas. ( ) Outro(s). Qual (is)? __________________________ 3. Quantas peças de roupa você compra em média por semestre? ( ) Menos de 1 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ou mais 4.Você costuma “seguir” a moda? (se não pular para a questão 7) ( ) Sim ( ) Não 5. Onde você toma conhecimento do que está na moda: ( ) Televisão (programas, novelas etc). ( ) Jornais e revistas (reportagens e editoriais de moda). ( ) Anúncios, propagandas e outdoors. ( ) Vitrines. ( ) Observando o que os amigos vestem. ( ) Observando o que outras pessoas na rua/shopping centers vestem. 6. Quando você compra uma roupa nova, “da moda”: ( ) Você imediatamente a usa. ( ) Você a usa para ir à escola ou ao trabalho. ( ) Você deixa para sair no final de semana. ( ) Você deixa para usar em uma ocasião especial. 7. Em quais lugares você costuma comprar suas roupas? ( ) Lojas de bairro ( ) Brechós ( ) Shopping centers ( ) Magazines ( ) Camelôs ( ) Lojas do centro ( ) Catálogos ( ) Feiras ( ) Sacoleiras ( ) Lojas de fábrica ( ) Supermercados

181 ( ) Outro(s). Qual (is)?______________________________ 8. Você tem preferência por alguma marca ou loja em especial? ( ) Sim ( ) Não Qual (is)?_________________________________________________________________ 9. Quando você vai comprar roupa “de marca” ou outro artigo sua opção é por: ( ) camiseta ( ) calça ( ) boné ( ) roupa íntima ( ) camisa ( )vestido ( ) shorts ( ) blusa ( ) agasalho ( ) tops ( ) tênis ( ) meia ( ) jaqueta ( ) malha de lã ( ) saia ( ) bermuda ( ) outro(s). Qual (is)? ______________________________ 10. Cite 3 marcas de roupas: a)________________________________________________________________________ b) Você tem alguma roupa destas marcas? ( ) Sim ( ) Não 11. Você já comprou roupas ou algum outro artigo de marcas “piratas” ? (se não, pular para a questão 15) ( ) Sim ( ) Não Se sim: 12. Qual (is) marca(s) _________________________________________________________________________ 13.Onde você comprou?______________________________________________________ 14. Você comprou essa peça porque: ( ) Tinha um estilo legal. ( ) Parecia verdadeira e era bem mais barata. ( ) Estava precisando comprar e estava com um preço bom. ( ) Seus amigos também tinham. 15. Você se sente influenciada a comprar uma roupa porque viu um anúncio na televisão, nas revistas ou outdoors? ( ) Sim ( ) Não 16. Já comprou alguma roupa/bijuteria/acessório porque um(a) artista estava usando uma igual ou parecida? ( ) Sim ( ) Não O quê? __________________________________________________________________ 17. Você se considera membro de algum “grupo” ou tem simpatia por alguma “tribo” ? ( ) Sim ( ) Não Qual?___________________________________________________________________

182 18. Você já comprou uma roupa para “pertencer” ou ficar parecida com alguém que pertence a uma “tribo”? ( ) Sim ( ) Não 19. Qual sua principal fonte de renda? ( ) Pede aos pais/parentes/marido conforme a necessidade ( ) Recebe mesada ( ) Emprego fixo ( ) Trabalhos autônomos 20. Como você paga suas compras? ( ) Pais/parentes/marido ( ) À vista ( ) Cheque pré-datado ( ) Crediário ( ) Cartão de crédito Classificação de Classes Sócio-Econômicas no Brasil – ABA/ABIPEME Escolaridade do Chefe da Casa: ( ( ( ( (

) Analfabeto/Primário incompleto – 0 Ponto ) Primário completo/Ginasial incompleto – 1 Ponto ) Ginasial completo/Colegial incompleto - 3 Pontos ) Colegial completo/Superior incompleto – 5 Pontos ) Superior completo – 10 Pontos

Itens de conforto familiar quantidade Itens TV Rádio Banheiro Empregada fixa Aspirador de pó Máq. de lavar roupa Automóvel

0 0 0 0 0 0 0 0

1 2 1 2 6 5 2 4

Classificação: Classe A B C D

Pontos ≥ 35 21 ≤ X ≤ 34 10 ≤ X ≤ 20 5≤X≤9

Resultado

2 4 2 4 12 5 2 8

3 6 3 6 18 5 2 12

4 8 4 8 24 5 2 16

5 10 5 10 24 5 2 16

6 ou + 12 6 12 24 5 2 16

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