Moda! Um perigo para as boas moças. Estudo sobre a imagem feminina (1900-1930)

June 6, 2017 | Autor: M. Bonadio | Categoria: Media Studies, Fashion History, Women and Gender Studies
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1 Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de História

Moda! Um perigo para as boas moças. Estudo sobre a imagem feminina (1900-1930)

Maria Claudia Bonadio

Monografia em História, resultada de pesquisa de Iniciação Científica e realizada como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em História.

Orientadora: Profa. Dra. Leila Mezan Algranti

Campinas, 1996

2

Índice

Introdução

p.3

Capítulo 1:

p.8

Modos da Moda

Capítulo 2:

p. 30

A moda em Revista

Capítulo 3:

p.58

A moda sem modos

Conclusão

p.79

Fontes e Bibliografia

p. 83

3 Introdução

O gosto pela Moda vem de muito cedo. Mas, ao visitar no final de 1992 a exposição Modos da Moda — (1890-1990) — Cem anos de moda no Brasil1, fiquei muito impressionada e — ao descobrir na biblioteca da Mostra uma centena de volumes sobre o assunto — decidi que na primeira oportunidade, faria da Moda objeto de meus então recém-nascidos estudos da História. A idéia permaneceu arquivada durante pouco mais de um ano, até que em junho de 1994, ao fazer um levantamento bibliográfico para a Pesquisa “As Aristocratas do Café”, da Professora Leila Mezan Algranti, como parte de meu trabalho de bolsista pesquisadora do Núcleo de Estudos do Gênero — Pagu (UNICAMP), encontrei a referência de um livro que de imediato me chamou a atenção: A Moda, de Amélia de Rezende Martins2, publicado em 1920, no Rio de Janeiro. Afoita por encontrar ilustrações e descrições sobre as roupas da época, grande foi minha surpresa ao deparar-me com uma publicação de caráter panfletário, extremamente preocupada com as transformações pelas quais vinha passando a roupa feminina no fim da segunda década deste século. Amélia Martins protestava contra as transformações pelas quais a Moda vinha passando, tais como os decotes, a diminuição no comprimento e na largura das saias, e

1

Modos da Moda — (1890-1990) — Cem Anos de Modas no Brasil. Exposição organizada pelo SENAC- São Paulo durante os meses de Outubro-Dezembro de 1992, num casarão dos Campos Elísios, Alameda Nothman. 2 Amélia de Rezende Martins (1877-?), nascida em Campinas, filha do Barão Geraldo de Rezende. Escritora didática, publicou livros sobre história, geografia, educação religiosa, arte, literatura e jogos florais. Interessada no cinema escolar, organizou uma série de fitas de índole pedagógica. Pronunciou conferências em Belo Horizonte, a convite do governo mineiro. Tais trabalhos foram publicados na revista “Educação”, da Associação Brasileira de Educação. Participou do IX congresso Internacional de Cooperadores Salesianos, realizado em Buenos Aires, onde fez várias conferências. Colaborou em

4 alertava para os perigos que essas mudanças representavam para a sociedade e especialmente para as mulheres. Assim, alertava — “A immoralidade existiu desde sempre, mas bem distinctas eram as classes antigamente, e não se expunha a famílias honestas a ser confrontada com a parte censurável da sociedade: hoje senhoras a nossa platéa do Municipal apresenta toilletes mais indecorosos que os das próprias actrizes, e as poses que assumem algumas elegantes, passam todos os limites do bom senso.”3 — apontando o caráter duvidoso das roupas em voga. O incisivo discurso contra a Moda, levou-me a perguntar: por que as roupas poderiam significar um perigo para as mulheres? Quais eram as Modas caracterizadas como excessivamente imorais a ponto de tornar trabalhosa a distinção entre mulheres honestas e mulheres licenciosas, em locais públicos? As idéias de Amélia constituíam exceção ou ponto comum dentro do discurso sobre o assunto, nas primeiras décadas do século XX? Para responder às questões acima, era necessário buscar outras opiniões a respeito do assunto divulgadas no mesmo período. Então, outra questão se colocou: onde encontrar outros discursos? Assídua leitora das modernas revistas de Moda, intuí que provavelmente já em inícios deste século fosse possível encontrar similares. Por sugestão da pesquisadora Carla Bassanezi4, o passo seguinte foi consultar as revistas do período existentes no Arquivo Edgar Leuenroth ( A Cigarra, Nossa Terra, Kósmos, Renascença)5. A escassez dos números e a periodicidade falha

vários jornais e revistas cariocas. Cf. Luis Correia de Melo. Dicionário dos Autores Paulistas. São Paulo, Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, 1954. p. 351. 3 Amélia Martins de Rezende. A Moda. Nictheroy, Tip. Salesiana, 1920. p.7 — artigo inicialmente publicado no Jornal do Comércio em 05/03/1920. 4 Carla Bassanezi. Virando as páginas: Revendo as mulheres (relações homem-mulher e revistas femininas, 1954-1964). Dissertação de Mestrado, Departamento de História, FFLCH-USP, 1992. 5 O trabalho de catalogação destas revistas encontravam-se em andamento, e a realização da pesquisa, só foi possível através da consulta do relatório parcial : Mayra Côrrea Castro. Utopias da Emancipação Feminina. CNPq (Janeiro/1994), sob orientação da Profa Douta Margareth Rago, AEL-Campinas 1994.

5 levaram-me a transferir as pesquisas para a biblioteca da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde localizei a dissertação de Mestrado de Sônia Mascaro6, A — : Imagens da Mulher (1914-1930), que me levou a escolher a Revista Feminina como fonte principal. A revista, segundo a autora, trazia uma coluna mensal de Moda, (por mais de dez anos — 1914 a 1926 — assinada por uma única cronista, de pseudônimo Marinette); tal seção chegou a ter até 6 páginas mesclando figura e texto. A única coleção do periódico em acervo público foi encontrada no Arquivo do Estado de São Paulo e cobria os anos de 1916-1925, o que me levou forçosamente a uma delimitação do período. Apesar de Amélia Martins escrever sobre Moda no Rio de Janeiro, Marinette escrevia uma crônica tipicamente paulista, fazendo referência a diversos locais da Moda paulistana. Diante das duas cidades, a opção por São Paulo se deu em razão do grande volume de material com referência à cidade e à facilidade de acesso ao mesmo. O processo de exacerbação de tensões pelo qual passava a cidade nos anos de 1920 — em curso de se tornar uma megalópole moderna — instigara-me, pois era, conforme

Nicolau

Sevecenko,

“(...)

um

cenário

perturbador

na

sua

monumentalidade, bizarro nos significados que institui, evasivo nas suas perspectivas desorientadoras, misterioso e ameaçador, nos perigos que oculta(...)”7, atraindo e causando medo concomitantemente. Como a mulher, que, ao descomprimir seu corpo por volta de 1915 (depois de quase cem anos sob a ditadura dos espartilho, estava afoita por cobrir-se com os tecidos leves e transparentes que a Moda oferecia),

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Sônia Amorim Mascaro, “A Revista Feminina: Imagens da Mulher (1914-1930)", dissertação de Mestrado, Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,1982. 7 Cf. Nicolau Sevecenko. Orfeu Estático na Metrópole: São Paulo e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, Companhia das Letra, 1992. p. 18.

6 encantava e atraía os homens de tal modo que causava-lhes um certo temor, pela ousadia. Não precisando trabalhar nem cuidar do serviço pesado da casa, as mulheres de elite, quando vestiam uma roupa mais prática, era para andar de automóvel, ir ao campo, praticar esportes, dançar. Para elas, as transformações no vestir não eram uma necessidade, e sim diversão, passatempo, sedução, desafio. De qualquer modo, era preciso saber ousar; a preocupação com o status e a imagem exigiam tal atitude. Ao aderir à

Moda, poderiam transformar sua imagem, porém era preciso cuidado.

Qualquer deslize e seus valores morais estilhaçariam. Por que tais moças ousavam, diante de tamanho risco? Certamente porque, a despeito de salários ou bandeiras, elas lutavam por seu espaço, pelo seu gênero, pela sua liberdade. A roupa era um meio. Investigar os significados da Moda feminina no contexto das transformações sociais ocorridas no Brasil na virada do século, utilizando como fonte primária a “ Revista Feminina” é objetivo primeiro de Moda! Um perigo para as boas moças. Estudo sobre a imagem feminina( 1900-1930). Para conhecer os Modos da

Moda, faz-se necessário conceituá-la e

contextualizá-la. É o que pretende o primeiro capítulo, assim intitulado. Ele se propõe a explicar como e por que a Moda dos espartilhos, crinolinas e anquinhas, que aco Modavam o corpo das mulheres do século XIX, passou por profundas transformações no início do século seguinte. Busca relacioná-la com as mudanças mais amplas e significativas ocorridas nesse ínterim, no conjunto da sociedade. Neste capítulo procura-se ainda compreender como as mulheres se apropriaram de elementos antes exclusivamente masculinos, atenuando as fronteiras e as imagens existentes entre os gêneros.

7 A Moda em Revista, segundo capítulo, tem como proposta analisar o papel e os significados desempenhados pela Moda no interior das revistas destinadas ao público feminino no início do século XX, especialmente a seção de Modas da Revista Feminina. Tal objetivo é desenvolvido em quatro itens: No primeiro, procurou-se discutir o espaço reservado à Moda em alguns periódicos da época; o segundo se concentra exclusivamente na Revista Feminina e suas diversas seções. Nos dois últimos — “De que modos se compunha a Moda” e “La Moda é mobile” — cuida-se, fundamentalmente, do discurso da redatora de Moda da revista. Moda sem Modos é o título do terceiro e último capítulo, no qual se procura, através de crônicas e cartas publicadas na revista, entre outros escritos, discutir por que o vestir feminino dos “loucos anos vinte” se tornou um símbolo de perigo para as boas moças. Ele procura também comparar o discurso da editora de Moda da Revista com outros artigos mencionados, a fim de compreender quais os significados que a seção “A Moda” assumiu no interior da Revista e no conjunto das transformações pelas quais a vestimenta e a imagem feminina passaram no início deste século.

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Modos da Moda

1) (Des)costurando a Moda:

Gel, New Wave Glliter Gel, Brilhantina, Gomalina. Diferentes nomes, diferentes Modas, basicamente o mesmo produto. Algumas vezes o cabelo com a pasta fixadora lembra-nos os senhores alinhados com ares nelson rodriguianos; outras, os punks de cabelos eriçados e coloridos pelas ruas no final dos anos 70. Ou ainda garotões da década de 50 à James Dean, mulheres desfilando penteados ousados no presente tempo, ou os yuppies dos anos oitenta. Significado diversos, em momentos distintos; diferentes pessoas, o mesmo produto. Alterado pela tecnologia, pela marca ou pelo preço, conferindo deste modo variadas significações a quem o porta, caracterizando épocas. Até aí, nenhuma novidade. Mas por que a Moda é dona de uma temporalidade tão curta. Que conceitos traz e leva consigo em sua rotatividade superficial? Como a Moda se liga diretamente à História? Como costura-se às relações de gênero? Por que é mais visível em alguns espaços do que em outros? Para responder estas questões precisamos nos acercar das roupas, fio a fio, descosturando-as, descobrindo o que as arremata tão firmemente à História. No entanto, descosturar a

Moda não é tarefa fácil para o historiador. Assunto

9 privilegiado nos meios de comunicação, os trabalhos acadêmicos que a tomam por objeto de estudo são escassos. Existem, até em certa abundância, histórias do vestuário e obras sobre os grandes nomes da alta costura8, trabalhos que, na sua maior parte, direcionam a atenção para cronologias e descrições, em detrimento da teoria. O número de estudos é ainda menor, se tomarmos por base a produção nacional. Uma pesquisa recente, patrocinada pelo Centro de Moda e Decoração do SENAC — SP, constatou que, nos últimos 10 anos, apenas uma tese de doutorado exclusivamente dedicada ao estudo da Moda foi produzida na Universidade de São Paulo. 9 Dentro da História, a resistência ao tratamento desta temática parece ser maior, de tal modo que tomaremos como ponto de partida as considerações do sociólogo Gilles Lipovestsky, em especial a sua conceituação de

Moda. Para situar

historicamente a Moda no Brasil, recorreremos a um segundo trabalho sociológico, o estudo de Gilda de Mello e Souza, de 1956, publicado mais recentemente: “O Espírito das roupas: A Moda no Século XIX” 10. Esse texto pode ser considerado, ainda hoje, o mais completo trabalho acadêmico sobre o assunto produzido no Brasil. Uma cronologia é indispensável e, portanto, optamos por “A Roupa e Moda: Uma História Concisa” de James Laver, um estudo descritivo que procura abranger todas as transformações sofridas pelo vestir da pré-história até nossos dias. 11

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Ver: Yvonne Deslandres. Paul Poiret (1879-1944). Paris, Éditons du Regard, 1986; Francis Kennet (org.). Coco: the life and loves of Gabrielle Chanel. London, Victor Gollanez Ltd, 1989. 9 Edgar de Barros. Passagens da Moda. São Paulo, SENAC, 1991. p.p.10-11. 10 Gilda de Mello e Souza, A Moda no século XIX. Revista do Museu Paulista, Nova Série, Volume V, 1950. 11 James Laver. História A Roupa e a Moda. Uma História Concisa. São Paulo, Comp. das Letras, 1989.

10 Segundo Liposvestsky, Moda é um valor característico do Ocidente, com um começo localizável na História, em fins da Idade Média, quando começaram a surgir os valores e as significações culturais da sociedade moderna, como a dignificação do novo e a expressão da individualidade humana. Para este autor, a Moda só se faz possível em sociedades onde a vida coletiva desenvolve-se permeada pelo culto das fantasias e das novidades, dentro de uma temporalidade efêmera. Embora o presente trabalho dedique-se à temática do vestuário e a seus acessórios, é importante destacar que a Moda não deve ser entendida exclusivamente como estudo da evolução do traje e suas significações. Esta é apenas uma esfera dentro de um amplo universo, em plena expansão, especialmente a partir da segunda metade do século XIX, quando se estende aos objetos decorativos, à linguagem, aos gostos, às idéias, às artes e até às obras culturais. Nossa análise começa no interior do período que o mesmo autor denominou “moda de cem anos”. Iniciado em meados do século passado, se estende até 1960, englobando deste modo os anos compreendidos entre 1915 e 1930 — tempos em que a Moda se tornou um perigo para as boas moças. A bipolaridade interativa formada pela Alta Costura, com suas criações de luxo e sob medida, e a confecção industrial, cuja marca é a produção em série, massificada e barata, é a característica principal deste período, segundo Lipovestsky. Por ser um fenômeno dominado pelas novidades (determinadas pela Alta Costura), a “moda de cem anos” pode ser considerada sinônimo de Moda feminina. Comparada à Alta Costura, a Moda masculina “é lenta, moderada, sem impacto,

11 ‘igualitária’, ainda que seja articulada do mesmo modo sobre a oposição sob medida/série.”12 Conquanto voltada para um segmento de consumo situado no topo da pirâmide social — e de renda — a Alta Costura, refletindo as ambigüidades mais pronunciadas do sistema de

Moda, vai se tornar responsável — ainda segundo análise de

Lipovestsky — pela emergência da primeira manifestação de consumo de massa homogêneo, estandardizado e indiferente a fronteiras. Objeto frívolo por excelência, diversificando-se de modo muito mais rápido no tempo, pois diretamente ligado a ciclos sazonais, a Alta Costura, durante a vigência de cada Moda, tornará os modelos, as estampas e os adereços usados em diferentes quadrantes do planeta, por sua privilegiada clientela, muito semelhantes entre si. Conforme explica o autor, as roupas, antes muito caracterizadas pelas regionalidades, foram de certo modo se unificando e se desprendendo das influências regionais, numa orquestração visual regida por Paris e impulsionada pela confecção industrial e pelo desenvolvimento dos meios de comunicação.13 Antes de expormos as transformações pelas quais a Moda passou nos últimos cem anos, é importante analisarmos com mais atenção a relação Moda/clima. Visto que o fator sazonal é um determinante de variações de estilo, cores e formas. As roupas, é certo, têm por função proteger o corpo do frio, mas se reduzida a este campo, não haveria necessidade, num país como o Brasil, (com inverno ameno e poucos dias extremamente frios na maior parte do território), da mudança anual das tendências para essa estação do ano. Assim, queremos destacar que a alteração

12

Gilles Lipovestky. O Império do Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo, Comp. das Letras, 1989. p. 71. 13 Idem. p. 74.

12 sazonal foi apropriada pela Alta Costura como diferenciador de status, de quem veste o novo.14 A Alta Costura propriamente dita, com suas casas ilustres (as famosas Maisons), renovações a cada estação, desfiles de manequins, experimentações audaciosas (que ainda hoje nos fazem pensar, ao assistir a um flash de desfile em algum telejornal: "Quem vai usar isto"?), como referência inicial o costureiro Charles — Frédérich Worth.15 “Vestidos, mantôs confeccionados, sedas, altas novidades”. Assim foi anunciada por Worth aquilo que hoje podemos denominar como primeira “coleção outono-inverno” da Alta-Costura, lançada entre os anos de 1857 e 1858. O costureiro vendia modelitos pré-confeccionados, que eram apresentados por manequins, para clientes em salões fechados, e executados, após escolha, sob medida. Uma vez estabelecida, a Alta Costura não irá mais parar de transformar e inovar. A supressão dos espartilhos, nos anos de 1909-1910, por Paul Poiret16, pode ser considerada sem dúvida a primeira revolução a “instituir a aparência feminina

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James Laver procura esclarecer esta confusão a respeito das roupas contando um pouco da história da moda. Para ele a proteção contra o frio não pode ter sido motivo para se usar roupas. “As grandes civilizações surgiram nos vales férteis do Eufrates e Nilo e do Indo, ou seja em regiões tropicais onde a proteção contra o frio, não pode ter sido o principal motivo para se usar roupas.” . Em outro momento nos dá outro exemplo: “Talvez em nenhuma outra época entre os tempos primitivos e a década de 20, as mulheres tenham usado tão pouca roupa como no início do século XIX. Todos os trajes pareciam ser criados para climas tropicais, e o clima da Europa não pode ter sido diferente em 1800 do que foi em 1850, quando as mulheres usavam dez vezes menos roupas”. Cf. James Laver, op.cit., p. 7 e p. 155. 15 Charles -Frédérich Worth (1825-1895), inglês, foi para Paris em 1845, tornando-se empregado da Maison Gagelin, onde vendia mantos e xales. Cinco anos depois abriu uma loja de costura. Em 1858, estabeleceu se próprio ateliê. Rapidamente caiu na predileção da imperatriz Eugênia, sendo a influência e o apoio dela muito propícios ao sucesso de Worth. Em 1860 aboliu a crinolina e elevou a saia na parte de trás, formando também uma cauda e, em 1865, elevou a cintura e criou a anquinha. Com a queda do império, cinco anos depois, Worth fechou sua maison e a reabriu um ano mais tarde, continuando a ser o maior costureiro parisiense, vestindo atrizes como Sarah Bernhardt e Eleonora Duse e tendo como clientes a nobreza européia e a sociedade internacional. Georcina O’Hara. Enciclopédia da Moda. De 1840 à década de 80, São Paulo, Companhia das letras, 1992. pp. 289-290. 16 Paul Poiret (1879-1944), criador de moda, iniciou suas atividades como ajudante de Worth. Em 1903, abriu sua primeira loja em Paris; em 1908, aboliu os espartilhos das roupas femininas, criou o estilo entravée para as saias e junto com ele, introduziu no vestuário feminino mais uma série de

13 moderna”. A segunda estaria situada na simplificação do traje, impulsionada por Patou17 e Coco Chanel18 na década de 192019. No entanto, a Alta costura não é uma criadora fantasiosa. Pelo contrário, suas principais bases situam-se na apropriação do real. Quando Poiret criou o modelo que dispensou os espartilhos, os médicos higienistas já clamavam, havia alguns anos, por tal eliminação. O criador só fez colocar as idéias em prática, transformando a ciência em objeto de fetiche, de consumo. O mesmo se aplica à simplificação dos trajes no pós-guerra, quando não se sustentava mais o luxo, e era chique não parecer rico. O advento dos esportes na última década do século foi outro fator que revolucionou a Alta Costura. A primeira transformação veio por volta de 1890, com a popularização das bicicletas, e, como era impossível às mulheres praticarem o ciclismo com saias de longas caudas, muito em uso nestes tempos, criou-se um "traje bifurcado"20, as blommings (calças bufantes, com elástico nos joelhos). Daí por diante, temos uma sucessão de roupas que entram em Moda provindas do uso esportivo, tais como o cardigã, que foi introduzido pelo golfe, ou as saias na altura dos joelhos — criações de Jean Patou, usadas pela primeira vez pela estrela do tênis Suzanne

elementos retirados da cultura Oriental. Pode ser considerado o mais importante costureiro de Paris, atuante no período que precedeu a 1a Guerra Mundial. Cf.Georgina O’Hara. op.cit, pp. 289-290. 17 Jean Patou (1880-1936). Estilista nascido na Normandia, França, começou a trabalhar em 1907. Cinco anos depois abriu a Maison Parry, pequeno estabelecimento de costura em Paris. Criou roupas para atrizes como Constance Bennett e Louise Brokss, mas seus maiores feitos foram no campo do sportswear. No início dos anos 20, seu inspirado trabalho neste campo deu outra dimensão à moda. Criou coleções inteiras para a tenista Suzanne Leglen, que as usava dentro e fora da quadras. Essas roupas-saias pregueadas que iam até o meio das canelas e cardigãs sem mangas perduram até hoje. A chave de sua filosofia de estilismo era a simplicidade. Promoveu a cintura natural sem excessos. No início da década de 20, apresentou modelos de suéteres cubistas que fizeram muito sucesso. Cf. Georgina O’Hara, op.cit, pp. 205-206. 18 Gabrielle Bonheur Chanel (1873-1971), estilista francesa, que introduziu na alta moda feminina o uso dos cabelos curtos, das duas peças, bijuterias, adaptou os suéteres masculinos e, em 1920, lançou calças largas para mulheres, baseadas nas bocas de sino dos marinheiros, seguidas dois anos depois por pijamas para a praia. Cf. Georgina O’Hara, op. cit, p. 74 19 Cf. Lipovestsky, op. cit, p. 75. 20 Cf. Laver, op.cit, p. 211.

14 Lenglen em 1921. Desde 1920, os vestidos de hóquei, tênis e patinação ficaram mais curtos. Os esportes colaboraram, portanto, para reestruturar os signos de posição social, que, de certa forma, passaram da ornamentação das roupas à ornamentação dos corpos, expressando-se especialmente nestes três itens: magreza, juventude e sexappeal. Segundo Lipovestsky “Os estilos versáteis e funcionais, sexy, não são separáveis nem da voga crescente dos esportes nem do universo individualista democrático que afirma a autonomia primeira das pessoas; juntos desencadearam um processo de desnudação do corpo feminino e um processo de redução das coações rígidas do vestuário que entravam a expressão livre da individualidade. Os esportes dignificaram o corpo natural; permitiram mostrá-lo mais tal como é, desembaraçado das armaduras e trucagens excessivas do vestuário.”21 Tais transformações irão trabalhar o vestuário em direção à praticidade e ao conforto, e sua culminância ocorrerá nos anos 20, quando a imagem do corpo natural será tão valorizada que as roupas femininas de corte reto e soltas promoverão um desnudamento que, segundo James Laver, só é comparável aos trajes da antigüidade clássica e aos dois primeiros decênios do século XIX. A praticidade aplicada ao vestuário feminino inegavelmente é conseqüência do crescente avanço tecnológico, que transformou consideravelmente a vida nas grandes cidades na virada do século XX. Incluam-se aqui, transportes, meios de comunicação e a indústria do entretenimento, além da abertura do espaço público às mulheres, que saíram para o trabalho, para as compras, para o footing, o teatro e o cinema.

21

Cf. Lipovestsky, op. cit., p.76.

15 Se não era possível às senhoras e senhoritas pegar o bonde apertadas em saias “travadinhas”, que não permitiam um passo maior que 10 cm, tampouco era confortável viajar sufocada pelos espartilhos. O corpo pedia liberdade e foi isso que Isadora Duncan, seus pés no chão, suas túnicas soltas e sua dança personificaram. A bailarina tornou-se modelo a ser seguido, a partir de 1910, quando teve a popularidade aumentada. As artes corporais ganharam prestígio, foi exemplo disso a montagem de Schérézade, cujos figurinos, apesar da ornamentação luxuosa, propiciavam movimentos soltos do corpo. As roupas seguiriam os passos desta liberdade até fins da década de 1920, sobrevivendo mesmo aos ataques de sobriedade impostos pela Primeira Guerra Mundial (1914-1919). Vale notar que, apesar da homogeneidade apresentada pela Moda no mundo ocidental, era inevitável que ela impusesse diversificadas imagens aos seus seguidores em diferentes países e, ainda mais, nas diferentes cidades. É preciso, portanto, contextualizar. Neste estudo o que nos interessa é o espaço público reservado à mulher das elites na “cidade que mais cresce no mundo”22, a São Paulo das duas primeiras décadas do século XX. Vamos então fazer compras no “Triângulo”, tomar um chá no salão do Mappin e fazer o footing na recém asfaltada Avenida Paulista. Entre 1870 e 1920, São Paulo crescera aceleradamente. Em apenas 50 anos, despedira-se do visual de cidade que mais lembrava uma vila, adquirindo feições de metrópole. Pode-se compará-la a uma adolescente: ao ver seu corpo transformar-se a

22

Cf. Nicolau Sevecenko. Orfeu Estático na Metrópole: São Paulo e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, Companhia das Letra, 1992. p.109.

16 cada dia, ansia pelas novidades, mas também teme o futuro. É assim que emerge como um centro de consumo e difusão da Moda. Cabe aqui um rapidíssimo paralelo com o Rio de Janeiro. Livre, desde o governo Rodrigues Alves, dos flagelos sanitários que o atormentavam, e havendo adicionado à atração decorrente da sua condição de sede da Corte (que fora durante o Império) o surto de modernidade que marca sua consolidação como Capital Federal, com mais que o dobro da população paulistana em 1920, era, provavelmente, nosso centro urbano mais aberto às novidades.23 Continuava, pois, a exercer sobre o espírito dos brasileiros aquele fascínio que Arthur Azevedo registrara em sua comédia de opereta “A Capital Federal”, levada à cena em 1897.24 Mas, no início dos anos vinte, é São Paulo — um centro de novos ricos afoitos — que, tal como as mulheres, ansiava por crescer. Desse anseio pelo que as novidades pudessem trazer, participavam de modo destacado as mulheres da elite paulistana, cujo comportamento aqui particularmente nos interessa.

2) “Mais devagar senhoritas, mais devagar...” 23

Dados estatísticos populacionais: Cf. Mônica Raisa Schpun. Paulistanos e Paulistanas: Rapports de genre à São Paulo dans les années vingt. Tese de Doutorado em História, UFR de Geografia, História e Ciências Sociais. Universidade Paris VII. p.8 (São Paulo) / Vera Galli e Marcos Gregório Fernandes Gomes (eds.) . 1910/ 1930: Anos de Crise e de Criação. Nosso Século v. 2. São Paulo, Abril cultural, 1981.

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Para contextualizar a cidade de São Paulo nas suas três primeiras décadas, foram tomadas por base as descrições presentes em memórias de mulheres da elite, que viveram a mocidade e os primeiros anos da vida de casada na cidade de São Paulo entre as décadas de 1910 e 1920. São elas: Laura Rodrigo Octávio, Heloísa Alves de Lima e Yolanda Penteado, a primeira nascida no último decênio do século XIX, as outras duas no início deste século. A opção pelas memórias justifica-se por dois motivos. O primeiro situa-se na escassez de material historiográfico que privilegie as elites paulistanas e o espaço público, no período enfocado. Além disso, reconstruir a cidade, através da ótica de mulheres pertencentes à mesma camada social, num mesmo período, possibilitou uma contextualização mais direcionada para os objetivos deste trabalho, que se resume exatamente em resgatar os espaços públicos reservados às boas moças, bem como a relação destas com a Moda, respondendo as perguntas — onde, iam as mulheres de elite, e como se vestiam para o passeio. Laura, a mais detalhista da três, reserva espaço especial em seus escritos para reconstituir a cidade de São Paulo e a família paulistana, bem como seus divertimentos, as indumentárias, o “Triângulo” e suas lojas, — a Casa Alemã, O Mundo Elegante, especializadas em Moda, a chapelaria de Mme Justi, Mappim & Webb, Mappim Stores, com seu salão de chá frequentadíssimo, as casas de jóias Paul Lèvy, Netter, e a Casa Michael. Conta-nos Laura Rodrigo Octávio que estes eram alguns dos estabelecimentos comerciais que compunham o “Triângulo” formado pelas 24

Arthur Azevedo. A Capital Federal, Rio de Janeiro, Ediouro, s.d.

18 ruas São Bento, Direita e 15 de Novembro entre os anos de 1910 e 1920.25, para onde as mulheres dirigiam-se quando queriam conhecer as novidades importadas de todas as parte da Europa e Estados Unidos, ou mesmo para serem fotografadas por Wolsack, um profissional muito conhecido naquela época. O horário mais concorrido era o fim da tarde, quando se estabelecia o footing, na região das lojas, cujo ápice, segundo Nicolau Sevecenko, dava-se no chá das cinco, nos salões do “Mappim Stores”. Com o cair da tarde, as moças deviam retornar as casas, pois após as seis horas as “moças-sem-família” mais perfumadas chegariam.26 O chá era um hábito elegante que acontecia também dentro da residências, evento de prestígio para o qual, recorda Heloísa Alves de Lima27, sua prima, a senhorita Elisa Lacerda, tinha sempre sapatos e vestido combinando. Música, dança, cinema e teatro eram passeios concorridos, especialmente nos meses mais frios. No entanto, como São Paulo passou a fazer parte da rota internacional de espetáculos, mesmo nos meses quentes, não faltavam opções. Em 1917, a cidade teve cinco teatros abertos em pleno verão, as Companhias estrangeiras ( A cidade de São Paulo teve como atração duas companhias italianas de opereta e uma companhia portuguesa de comédia) não paravam de chegar, além do teatro havia a opção do cinema, no mesmo ano já havia mais de trinta salas de cinema em São Paulo. 28 Para quem quisesse dançar, havia os chá dançantes do Trianon e os repetidos bailes do clube Harmonia. Com a chegada da vitrola às lojas paulistas, o gosto pela dança virou febre: os jovens queriam aprender fox-trote, one-step, ragtime, tango e

25

Cf. Laura Oliveira Rodrigo. Elos de um acorrente – seguidos de outros elos. (2a edição) – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. pp. 237-241. 26 Cf. Nicolau Sevecenko, op. cit, p.51. 27 Heloísa Alves de Lima e Motta. Uma Menina Paulista. São Paulo, Totalidade Editora, 1992. p.60. 28 A Moda. Revista Feminina. Janeiro de 1917, no32, ano V.

19 tudo mais que se dançasse nos Estados Unidos. Assim, relembra Heloísa — mania entre os jovens de boa família eram as aulas de dança de Mme Leitão.29 Os music halls pululavam na São Paulo dos anos vinte, tal como os clubes desportivos e de Futebol que em 1919, conforme Sevcenko, a Associação Paulista de Sportes Atléticos, registrava cerca de 150 clubes num total de quinze mil atletas e os times, compunha-se de elementos das melhores famílias30. As corridas de cavalo, as corridas de bicicleta, além da patinação eram outros esportes apreciados pelos paulistanos de então. Com tantas opções, passar os finais de Semana em casa tornara-se obsoleto. O Parque Antártica na Água Branca havia se tornado uma boa opção para a família paulistana. Ao chegarem lá, “as senhoras ocupavam as mesinhas e tomavam a gasosa (...)”.31 Heloísa recorda ainda que“ Era de bom-tom nas tardes bonitas, fazer o footing na Avenida Paulista: as moças elegantes, de chapéus e lindas estolas de “drap” (fazenda de lã francesa em cores variadas) jogadas sobre os ombros. As jovens cumprimentavam umas às outras enquanto os rapazes mais afortunados giravam em seus automóveis de capota arriada, e outros também faziam footing (...).”32 Dirigir automóvel já não era exclusividade masculina, e Yolanda Penteado nos conta que, em 1918, sua mãe comprara um Renautl, a bordo do qual iam todas a tardes iam fazer corso na avenida Paulista. Despovoada em fins do século passado33, tornara-se

29

Heloísa Lima e Motta, op. cit., p.61. Cf. Laura Octávio, op. cit., p.55. 31 Cf. Laura Octávio, op. cit., p.244. 32 Heloísa Lima e Motta, op. cit., p. 65. 33 “ Conheci essa avenida despovoada, meu tio Horácio construiu nova residência à alameda Santos, deixando a Vila Buarque. Não sei dizer o ano, mas lembro-me de meu avô Sabino nessa casa, e ele morreu em 1902.” Cf. Laura Octávio. p. 49. 30

20 rapidamente povoada por ricos italianos e sírios, enquanto os brasileiros, preferiam morar em Higianópolis, conta-nos Yolanda. 34 Não poderia ser de outro jeito posto que o contingente populacional desta que no começo do século mais parecia “uma aldeia de garimpeiros do faroeste americano”, cresceria 141% em 20 anos.35 Com a concentração das plantações de café inicialmente no Vale do Paraíba e, a partir de 1870, no Oeste Paulista, e ainda com escoamento da produção monopolizado pelo Porto de Santos, a capital paulista tornar-se-ia, “um centro articulador — técnico, financeiro e mercantil”, onde se concentravam o poder de decisão e de riqueza.36 A cidade precisava de estrutura, e uma primeira investida séria nesse sentido aconteceu durante a administração do conselheiro Antônio Prado, prefeito entre 1899 e 1910.37 Se o café impulsionara o primeiro fôlego de crescimento, a Primeira Guerra fora a responsável pela implantação do maior parque industrial do país, que nasceu da necessidade de substituir as importações, muito prejudicadas então pelo colapso das linhas internacionais. Em 1922 os lampiões a gás começaram a ser substituídos pela luz elétrica da companhia Light and Power, que monopolizava este serviço e também fornecimento de gás de cozinha e transportes38. As telecomunicações, também sofreram grande modernização, nos anos vinte; em 1924, São Paulo teve sua primeira rádio no ar. Vinte e um mil lares já dispunham

34

Cf. Yolanda Pentado. Tudo em Cor de Rosa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1976. Cf. Mônica Raisa Schpun., op.cit, p. 8. 36 Cf. Sevcenko, op. cit, p. 108. 37 Sobre as reformas urbanas da Administração Antônio Prado, ver : Sevecenko, op. cit, p.p.120-124. 38 Cf. Mônica Schopun, op. cit., p.12. 35

21 de telefone em 1923, outros treze mil esperavam para tê-lo. São Paulo, no ano de 1920, contava com 579.033 mil habitantes, relata Mônica Scphun. Diversas ruas e avenidas foram abertas entre 1910 e 1920, ligando os diferentes pontos da cidade. Até 1900, somente a área central era detentora de infraestrutura. Os bondes — ainda segundo Mônica Scphun — serviriam a cidade a partir de 1903. A tração animal seria substituída apenas na ligação entre os bairros ricos e o centro da cidade; nos bairros ocupados pela população mais pobre, o antigo transporte ainda prevalecia. Junto com as melhorias direcionadas especialmente às elites, chega a euforia que acomete os habitantes desta cidade que passava pelo processo de “exacerbação de tensões em curso de se tornar uma megalópole moderna”.39 Os edifícios de três a cinco andares chamados de arranha-céus, eram os símbolos maiores da modernidade, que recebe uma representação — explica Nicolau Sevcenko ambivalente: “como o local de origem de um caos avassalador e a matriz de uma nova vitalidade emancipadora.”40 É o espaço público desta cidade, que mesclava o concreto dos edifícios com as matas verdes preservadas ao fundo, que as mulheres de todas as classes ganharão definitiva e rapidamente. Conta-nos Nicolau que um cronista d’O Estado iria pasmarse de tal modo que acabaria por clamar em sua crônica do dia 20 de março de 1920: “(...) Mais devagar senhoritas, mais devagar!”41 As moças, no entanto, não estavam para tranqüilidade.Diante das inovações urbanísticas, sociais e culturais, quiseram acompanhar o ritmo livrando-se de tudo que lhes imputasse uma aparência antiquada. Assim, descobriram seus corpos, mostraram

39 40

Cf. Sevcenko, op cit, p. 18. Cf. Sevcenko, op. cit, p. 18.

22 os rostos, cortando o cabelo e retirando os excessos da maquiagem, e procuraram vestidos de um corte tão prático e inovador como a cidade em que viviam. A Moda dos anos vinte caiu-lhes como uma luva, criando também sobre a mulher um novo imaginário. No entanto, a luva tinha medidas certas e, a quem não servisse, a nova Moda renderia comentários de reprovação, moralismo e censura, e a liberdade feminina, no referente ao ver-se-ia diversas vezes envolta numa “saia justa”. No tocante às medidas, as roupas de então passaram a ser bem mais largas, em comparação, com as peças que encobriam os corpos no século XIX, quando anquinhas, crinolinas e espartilhos exageravam as medidas femininas, com intuito de antagonizar homem e mulher. As roupas que (en)cobriam os corpos, do século XIX, deviam também mitificar a imagem social dos indivíduos. A mulher mãe e o homem tinham contornos muito nítidos, marcando claramante a fronteira entre o masculino e o feminino, através das formas tortuosas dos espartilhos e crinolinas, e das pesadas casacas, cartolas e coletes.

41

Cf. Sevcenko, op.cit, p. 52.

23

3) Século XIX: Roupas que (en)cobrem os corpos

As roupas que vamos apresentar, além de encobrir o corpo e criar uma imagem dele, também construíam uma imagem sobre a moral e o status de quem as vestia. Esta premissa é essencial para compreendermos as mudanças pelas quais passou a Moda feminina no início do século XX, e ainda como ela acabou sendo vista como um “perigo para as boas moças”. Para analisar o vestuário da elite paulistana em fins do século XIX, é necessário, voltar mais uma vez no tempo e retomar, rapidamente, alguns valores remanescentes do Ancién Regime, como a primazia dos valores aristocráticos, o que se justifica por este ser o momento em que a burguesia começa a se fortalecer enquanto classe. — classe que, devemos frisar, estava cada vez mais empenhada em apagar a linha divisória, já atenuada, que a separava da aristocracia. Com o fim do Antigo Regime caíram também as leis suntuárias até então vigorantes (como, por exemplo, a que restringia o talon rouge) à nobreza, abrindo assim mais um espaço para a burguesia se aproximar da aristocracia. Caem com o Regime também as perucas e os fru-frus. O homem burguês, adequando-se aos ideais propagados pela Revolução Francesa, deveria agora saber ser especial não pelo traje

24 pomposo, mas pelas palavras, pelos gestos e pelas ações que cometia. Estamos no século do homem de idéias. De acordo com Gilda de Mello e Souza, a partir do século dezenove a roupa masculina acentuou o seu antagonismo em relação às vestes femininas, pois perdeu os brilhos, babados e cores que carregara durante o século XVII para tornar-se sóbria e discreta. Isso no entanto, não pode ser entendido como conforto. Uma descrição detalhada dos trajes masculinos utilizados pelas elites, no Brasil Império, é uma verdadeira relação de desconfortos , dores e calor, muito calor. Na busca dos valores aristocráticos, na ansiedade por obter um status social, a burguesia criou o que Jeffrey Needell, chamou de “ Moda moderna”. Esta consistiria numa ruptura revolucionária, conseqüente apropriação do modelo avant garde, para depois ser sucessivamente modificada, popularizada e produzida em massa conforme o gosto comum, propiciando a industrialização e conseqüentemente a formação de um mercado burguês urbano. Neddell, por exemplo, observa que no Rio de Janeiro do século XIX, as peças superiores das vestimentas masculinas eram confeccionadas em lã ou linho. As cores eram escuras variando do azul escuro ao preto, sendo que as cores claras ficavam reservadas aos coletes e às calças. “Sob estas duas camadas de lã havia ceroulas e camisas de manga comprida de algodão ou linho, com colarinhos apertados, brancos, de ponta virada, engomados e as mãos cobertas por luvas limpas e delicadas, coroando o conjunto ia a cartola, imbatível até os últimos anos do século quando chapéu-coco entrou na moda (...)

25 Nas noites, ao longo de todo século, só se permitia o uso da roupa de pínguim(...) Tudo isso era vestido com pouca concessão ao movimento, a circulação sangüínea, à temperatura ou à parcimônia.”42 Fatiotas que na maioria das vezes eram costuradas no Brasil, porém com a legítima lã inglesa, confeccionada para suportar as baixas temperaturas do inverno e mesmo do verão europeu, muito distantes daquelas vigentes neste país tropical (que ainda não conhecia o ar condicionado), transformavam as roupas em verdadeiras saunas. Estas, mais tarde, tornar-se-iam alvo dos higienistas; que dedicariam, entretanto, atenção especial ao espartilho utilizado pelas mulheres durante todo século dezenove. Apesar do traje pesado, é correto afirmar que, em relação à mulher, o homem do século XIX, desde o final da década de 1830, vivia de forma bem mais “confortável”, conforme observou Katrhyn Weibel: “(...) a roupa masculina especialmente o “traje de negócio”, tornou-se padronizada, feita sob medida e razoavelmente confortável, permanecendo assim até hoje. Somente na segunda metade do século vinte, as roupas femininas adquiriram tais características”43 . Exemplo maior desta diferença entre os gêneros encontra-se nas medidas femininas tidas como elegantes, pelos padrões vigentes entre 1844 e 1907:

um

metro e sessenta de altura, por dez a treze centímetros de cintura.44. A estas minúsculas medidas se somavam ainda crinolinas, confeccionadas com armações de ferro e cobertas normalmente por sete anáguas, além do vestido, o que, tornava a circunferência da mulher até três vezes maior.

42

Jeffrey Neddell. Belle Époque Tropical: Sociedade e Cultura no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo, Comp. das Letras, 1993. pp. 197-198. 43 Katryn Weibel, Mirror Mirror. Images of woman reflected in popular culture. New York, Anchor Books, 1977.p.176. 44 Jeffrey Neddell, op. cit., p.198.

26 Em meados do século XIX, as crinolinas foram abandonadas e substituídas pelas anquinhas, que exageravam o tamanho das nádegas. Ainda não chegara a era e a vez do conforto que só apareceria neste século, quando saíram as anquinhas e entraram as caudas. Mangas bufantes, tecidos pesados, muito veludo, brocados e fitas para enfeitar e a mulher estava pronta para o passeio. A mulher cuja destinação era a maternidade, deveria ser robusta, para que seus filhos também fossem. Embora devessem praticar exercícios leves quando jovens, depois de casadas não deveriam mais sair de casa, para dedicar-se integralmente a seus filhos, como as espartanas, lembradas por Rousseau, das quais nasceram os jovens mais robustos de todos os tempos. Muito mais do que esposa, a mulher do século XIX deveria ser mãe. Esta é sua designação natural.45 Tais premissas determinavam também o vestir feminino. Nas roupas do dia a dia, a mulher do século XIX vestia-se com discrição. As golas altas, os punhos cerrados, os tecidos escuros e o chapéu de palha, adequavam-se ao seu papel. No ambiente privado, ainda segundo Rousseau, as roupas eram mais “recatadas e também menos suntuosas”. Ora — e aqui exponho minha opinião — a mulher não poderia suportar um espartilho o dia todo. Exagerar as formas femininas associadas à fertilidade era tarefa que recebia cuidado especial. Por outro lado, o lugar privilegiado das vestes femininas eram as festas, os salões de baile, pois lá a fantasia, o jogo da sedução e a individualidade de cada uma tinham espaço reservado. Ao longo de todo o século dezenove, as festas tinham por característica uma maior permissividade. Assim, mesmo debaixo de toda a moral vitoriana, imperante

45

Cf. Jean-Jaques Rousseau. Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro, Editora Bertrand S.A., 1992. p.p. 430-435.

27 nos oitocentos, durante aquelas ocasiões, os rigores eram de certa forma esquecidos. As festas confundiam-se muitas vezes com sonhos, e era nestes momentos de exceção que o corpo da mulher sofria uma transformação que quase se tornara uma ficcionalização. As formas, que no dia a dia já eram alteradas, sofriam então um exagero bem maior. Mesmo num espaço onde braços e colo estavam desnudos, a atenção masculina recaia sobre aquelas partes que estavam encobertas e particularmente fantasiadas: as cinturas e especialmente os quadris. Outra distinção que deve ser ressaltada é a existente, na época, entre a Moda destinada a mulheres solteiras e a senhoras casadas. Nas primeiras, a sensualidade era sempre mais resguardada por um leque que cobria parcialmente o rosto ou por um xale que escorria com graça sobre os ombros desnudos, como que para resguardar a fertilidade ainda não explorada. A segunda, menos inocente e já conhecedora do triste e limitado espaço do casamento, ostentava vestidos mais ousados e opulentos, seus decotes eram mais rasgados. Ambas, porém, faziam uso do jogo da insinuação, pois se a fragilidade excessiva de uma cintura pedia que um braço a contornasse , havia “(...) sempre entre o gesto solicitado e o corpo da mulher o empecilho intransponível da crinolina”46 e dos ferros (incluo aqui os espartilhos) que souberam guardar muito bem o corpo da mulher, envolvendo-o nesta rígida moral até a Primeira Guerra, quando, segundo o memorialista Barros Ferreira, seriam abolidos definitivamente. O espaço público era o espaço por excelência da mistificação dos homens e, como a “primeira impressão é a que fica”, as aparências é que deviam determiná-las,

46

Gilda de Mello e Souza: O Espírito das Roupas , a moda no século XIX. São Paulo, Comp. das Letras, 1987. p. 94.

28 em especial os corpos. Assim, segundo Richard Sennett, a mulher nunca teve o corpo tão retorcido, e o homem tão opaco47. Quanto à vestimenta masculina padronizada, que descrevemos anteriormente, a grande fantasia estava na idealização do cavalheiro, do lorde. Sua personalidade é que lhe conferia prestígio, e era com os galanteios que se exibia. O importante era saber elogiar um vestido, explanar sobre as virtudes da mulher, sem ofender o pudor feminino. Tal afirmação não exclui de modo algum a preocupação do homem com o trajar, pois o fraque devia estar sempre “impecável”. Sua elegância não recaía sobre o brilho do traje, mas sobre o manejo concomitante da cartola, bengala e luvas, no ritmo parcimonioso dos movimentos, no jogo da saudação, na cadência do andar, no atar das gravatas48. Entre os homens, a realização da individualidade se dava na profissão, nas ciências ou nas artes, atividades vetadas às mulheres, cujos interesses deveriam restringir-se “à casa, aos filhos e à sua pessoa era como se não tivesse cérebro, como se o exercício da inteligência tornasse duros seus traços e lhe espanasse o brilho da virtude.”49 A Moda era, neste momento, conforme apontou Gilda de Mello e Souza, “único meio lícito de expressão”, de modo que foi através dela que a mulher “atirouse à descoberta de sua individualidade, inquieta, a cada momento refazendo por si o próprio corpo, aumentando exageradamente os quadris, comprimindo a cintura, violentando a movimentação natural dos cabelos. Procurou em si, já que não lhe sobrava outro recurso a busca de seu ser, a pesquisa atenta de sua alma. E aos

47

Richard Sennet. O declínio do homem público. São Paulo, Companhia das Letras, 1993. p.203. Cf. Gilda de Mello e Souza, op.cit., p. 154. 49 Idem. p. 94 48

29 poucos como o artista que não se submete à natureza, impôs à figura real uma forma fictícia, reunindo os traços específicos numa concordância necessária”. 50 As roupas de certa forma funcionavam como um empecilho para que as mulheres ganhassem o espaço público, pois, envolvidas nesta peça que segundo Barros Ferreira mais parecia uma armadura medieval, senhoras e senhoritas mal podiam andar ou amarrar os sapatos pois tais movimentos eram praticamente impensáveis e poderiam rebentar o cordão de ajuste da “armadura”, ocasionado – relata Barros -–algo parecido com o “estouro de um pneu”. É exatamente esse “estouro de pneu”, ocorrido em meados da década de 1910, que preocupava os observadores (até mesmo a própria mulher), pois livre de tal “armadura” ela estaria livre também para a vida social, para o trabalho e mesmo para uma vida caseira mais ativa. A roupa sem os espartilhos, e já sem caudas e crinolinas há algum tempo, acabaria por imputar outros significados à feminilidade, propiciando à mulher a reconstrução de sua imagem e, conseqüentemente, criando uma complicada convivência com a mulher delineada pelos ideais do século XIX. Essa divisão de valores inevitavelmente far-se-ia presente em todo o universo feminino, estendendo-se

às revistas que traziam consigo novos modelos a cada

estação. Nos anos vinte deste século, junto com a Moda, elas seriam, também, importante difusoras da nova imagem da mulher, mesmo que esta não se encaixasse nos ideais da publicação, ou até que acabasse por sobrepor-se a estes, criando desta forma uma situação perigosa e ... acabando por perder o espaço, mas ganhando a guerra.

50

Gilda de Mello e Souza, op. cit, p.p. 99-100.

30

A Moda em revista

1) De que modos as Modas chegam às revistas:

Segundo Richard Sennett, a primeira grande era de circulação de revistas acontece em 1840. Por volta de 1857, as Modas chegam para nunca mais sair das páginas das revistas51. Antes disso já circulavam pela Europa revistas dedicadas ao público feminino. O primeiro registro que se conhece é de uma publicação editada na Grã-Bretanha em fevereiro de 1693, denominado Lady's Mercury. Na

França,

o

primeiro periódico feminino apareceu somente em 1758, e atendia pelo extenso nome de "Corrier de la nouveauté, feuille hebdomadaire à l'usage des dames" . No Brasil, esta prática inicia-se no século XIX, após a vinda de Dom João VI, quando finalmente tivemos direito à imprensa. Aliás, a influência da Corte foi fundamental na introdução de publicações dedicadas à mulher no Brasil. A esse respeito, a professora Dulcília relata: "A existência da Corte passou a influir na vida da mulher do Rio de Janeiro, exigindo-lhe mais participação. O Rio estava deixando seu caráter provinciano para ser uma capital em contato com o mundo. Dentro deste contexto, a moda assumiu grande importância para a mulher que vivia nas cidades, ainda mais se fosse na corte. As tendências européias eram copiadas e aí entra o fator imprensa, primeiro com a importação de figurinos vindos de fora e depois com

31 a publicação, aqui de jornais e revistas que reproduziam gravuras da moda. A necessidade estava criada, havia portanto um mercado. Foi por isso que as primeiras publicações dirigidas à mulher, no Brasil traziam moda. Jornalismo Feminino, nessa época significava basicamente moda e literatura."52 O Espelho diamantino é identificado por Dulcília como o "provável" primeiro periódico feminino brasileiro, tendo surgido em 1827; em 1839, aparece o "Correio de Modas”, que também foi publicado no Rio de Janeiro. Na segunda metade do século XIX, a imprensa feminina já figurava, ainda que discretamente, em todas as cidades mais desenvolvidas do país. É também por esta época que a literatura invade as revistas femininas: José de Alencar, Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo tiveram obras publicadas nestas revistas. Em 1852, no Rio de Janeiro, aparece o primeiro jornal, com a participação de mulheres na redação, denominava-se O Belo Sexo. No final do século, surgem diversas revistas dirigidas ao público feminino, dentre elas publicações críticas e conscientizadoras da dominação masculina sob as mulheres. Este caráter combativo não se sustentou por muito tempo, tendo sido substituído por propostas mais amenas e títulos que associavam a mulher à fragilidade, a bibelôs, como por exemplo, A Violeta, A Grinalda, O Beija Flor, O Espelho, A Primavera, entre outras53.

51

Richard Sennet. O declínio do homem público. São Paulo, Companhia das Letras, 1993. p.204. Cf. Dulcília Buitoni, Muher de Papel: A representação da mulher pela imprensa feminina brasileira. São Paulo, Edições Loyola, 1981. p.12. 53 Sandra Lúcia Lopes de Lima. Espelho da Mulher: Revista Feminina (1916-1925). Tese de Doutorado, Departamento de História, USP:1991. p.38. 52

32 Somente nos primeiros anos do século XX, surge a grande imprensa, com maiores tiragens, sustentadas por publicidade, aumentando em muito o número de publicações, o que leva a crer que crescera também o público leitor. São Paulo começa a polarizar as publicações a partir de 1912, sendo que já em 1919 publicava mais do que qualquer outro Estado brasileiro incluindo o Distrito Federal. No entanto, até 1914, não era conhecida nenhuma publicação de grande porte voltada exclusivamente ao "universo feminino"54. Revistas de grande tiragem e circulação, até dedicavam algum espaço à mulher, tais como a Revista da Semana, a Fon- Fon e A Cigarra; (as duas últimas acabariam se transformando em revistas femininas na década de 30). Mas até o lançamento da Revista Feminina em dezembro de 1914, as mulheres ainda não possuíam um veículo exclusivo e de grande expressão entre os magazines nacionais55. Como o espaço reservado à mulher freqüentemente era uma seção de Modas, que costumava trazer apenas transcrições de matérias de revistas francesas sem qualquer periodicidade, concordamos com o historiador Edgar de Barros, quando este em seu ensaio “Passagens da Moda”, classifica a

Revista

Feminina como importante referência para a Moda no Brasil nas duas primeiras décadas deste século. 56 Em 1913 começa a circular, quinzenalmente, a revista A Cigarra que se apresentava como a Revista de maior circulação no Estado de São Paulo, dirigida por Gelásio Pimenta.

54

A professora Dulcília Buitoni, no que diz respeito à imprensa, define — o assim: moda, beleza, culinária, decoração, conto, assuntos desligados do momento atual. 55 Em meados do século já existiam no Rio de Janeiro alguns periódicos dedicados às mulheres, como o Bello Sexo, A Família, e O Sexo Feminino e no final do século. A revista A Mensageira, esta de São Paulo, mas nenhuma possuía o caráter empresarial nem as tiragens que a Revista Feminina atingiu.

33 Até o início dos anos trinta, A Cigarra não era uma revista direcionada ao público feminino. No entanto, dentre os periódicos pesquisados, é aquele que reserva maior espaço aos "assuntos femininos", ficando logo atrás da Revista Feminina. Na Cigarra, um grande espaço era consagrado à literatura. Nela encontramos folhetins, crônicas e poesias de Guillherme de Almeida. O que a destaca, entretanto, são as páginas dedicadas aos fatos sociais, tais como: corridas de cavalos no Jockey Club, competições esportivas no Club Espéria, casamentos, formaturas dos jovens do Caetano de Campos ou das Normalistas, que enchiam a revista de fotos das recatadas senhoras e senhoritas paulistanas em seus modelitos. Assim, esbarramos com a Moda em quase todas as páginas ilustradas pelos "instantâneos tirados especialmente para a Cigarra"

57

. Num trabalho em que a

análise iconográfica fosse o principal objetivo, se quiséssemos ver o que realmente vestiam as mulheres em São Paulo, esta seria uma fonte indispensável. No entanto, preferimos saber o que deveriam vestir as paulistas, isto é, analisar o papel que a ação normatizadora desempenhava. É, então discurso sobre a Moda que interessa diretamente à nossa pesquisa, mas só o encontramos no periódico nos anos de 1920, 1921, 1922 e 1924, quando é publicada a seção "Chronica das Elegâncias", assinada por Annette Guitry. Nesta seção, a Moda divide o espaço com conselhos sobre beleza, jóias, acessórios e, nos meses de fevereiro, fantasias de carnaval. Há espaço para polemizar sobre o tamanho das saias, como na edição de 15 de fevereiro de 1921: "As modistas de Paris estão predizendo desde a passada estação, predizendo que as saias e as mangas estão predestinadas a encurtar-se ainda mais. É uma profecia falha. Como se 56

Edgar de Barros, é coordenador do Centro de Moda e Decoração do SENAC de São Paulo, e autor do ensaio "Passagens da Moda". BARROS, Edgar Luiz de. Passagens da Moda. São Paulo, Ed. SENAC, 1993.

34 sabe as mangas encurtaram tanto que desapareceram e as saias chegaram a roçar as barras pelos joelhos, encurtar mais aquellas e estas equivale a desvestir a mulher. Ao contrário, porém as mangas já desceram até o cotovelo, e

as saias tendem

notoriamente a ir pondo apenas à mostra o tornozelo ou pouco mais."58 Através deste comentário podemos notar como A Cigarra, ao menos no que diz respeito à moda, também possuía uma função normatizadora, procurando ditar regras de comportamento. No entanto, a diversificação dos assuntos dentro da seção e a periodicidade falha não permitiram um trabalho analítico mais consistente. A Chronica das Elegâncias vai escasseando nos anos seguintes até desaparecer. É substituída, então, por eventuais crônicas sobre o assunto ou por ilustrações de modelos com breves comentários. A Revista da Semana, por outro lado, é editada no Rio de Janeiro desde 1901, mais dedicada a generalidades. Charges, cartas de leitores, coluna social, crônicas e acontecimentos políticos figuram semanalmente em suas páginas. Ocasionalmente, numa destas colunas ou entre elas, abre-se espaço para a moda. Somente entre os anos de 1921 e 1924 é que a moda ganha espaço fixo, com a coluna Últimos Modelos. Nela há ilustrações de modelitos e comentários descritivos que não ultrapassam três linhas. As matérias não têm a menor coerência climática: em meses de verão são apresentadas roupas de tecidos quentes, escuros e pesados. O leitor tem a impressão de que está lendo uma tradução ao pé da letra, mas sem pé nem cabeça. "Últimos Modelos" era parte integrante do suplemento "Jornal das Famílias (modas, costuras e bordados, a vida no lar, receitas e conselhos práticos, economia doméstica, hygiene da beleza, alimentação)".

57 58

Ver, por exemplo, "Regatas na Ponte Grande", A Cigarra, no 174, 15/02/1921, ano VII. s/p. "Chronica das elegâncias", A Cigarra, no 174, 15/02/1921, ano VII. s/p.

35 A Revista Feminina, por sua vez, nasceu em 1914, primeiramente como um jornal de quatro páginas exclusivamente dedicado aos interesses da mulher brasileira. Denominado A Luta Moderna, o periódico mensal, de distribuição gratuita, transformou-se em Revista Dedicada à mulher Brasileira em dezembro de 1914, passando no mês seguinte a intitular-se Revista Feminina. Publicada entre dezembro de 1914 a dezembro de 1936, a única descontinuidade de que se tem registro, até o ano de 1930, foi a do exemplar de julho de 1924, que segundo Sônia Amorim Mascaro, não foi editado em virtude da revolução de julho do mesmo ano em São Paulo. 59 Iniciativa de Dona Virgilina de Souza Salles, senhora pertencente a uma tradicional família paulista, irmã do escritor e teatrólogo Cláudio de Souza60, era casada com o Sr. João Salles, o qual teve importante papel como diretor do periódico, após o falecimento de D. Virgilina em maio de 1918. Caracterizando-se como empresa familiar, a revista, teve ainda a participação da filha de Avelina Salles Haynes (nascida Avelina Souza Salles), filha dos fundadores, secretária desde 1918 e redatora a partir de 1925. Em 1934, Avelina deixou de colaborar em virtude do casamento e conseqüente mudança de São Paulo. Marina, sua irmã mais nova, colaborou por algum tempo, mas o Sr. João Salles, sentido-se cansado, “preferiu fechar o periódico a vendê-lo, temeroso de que seus objetivos e os princípios morais que nortearam a linha editorial do periódico fossem deturpados.”61

59

Cf. Sônia Amorim Mascaro, “A Revista Feminina: Imagens da Mulher (1914-1930)", dissertação de Mestrado, Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,1982. 60 Cláudio de Souza escreveu os editoriais da revista até o ano de 1922, assinando com o pseudônimo de Ana Rita Malheiros. 61 Cf. Sônia Mascaro, op.cit, p.17.

36 Segundo Dulcília Buitoni, a Revista Feminina se destaca pela sua formação mais “completa”, qualidade que os veículos até então dedicados à mulher ainda não haviam encontrado. Com efeito, as folhas e revistas femininas normalmente traziam Moda e literatura; algumas apresentavam conselhos na área de educação, além de pequenas seções de higiene e culinária. Mas até o lançamento da Revista Feminina não existia nenhuma revista dedicada inteiramente à mulher, com um número razoável de páginas. A Revista pode ser considerada uma precursora dos modernos veículos dedicados à mulher. Ainda segundo Dulcília: “Como concepção editorial era uma publicação mais completa e apresentava um porte respeitável, até certo ponto a Revista Feminina — estava antecipando uma tendência mais tarde predominante na imprensa feminina: veículos que abarcassem uma boa variedade de assuntos (embora não saindo das artes domésticas) dentro de uma perspectiva mais voltada para o lado comercial (isto é, suprindo necessidades que aumentavam com a crescente urbanização, contribuindo para a integração numa sociedade cada vez mais industrial).” 62 Podemos portanto dizer que a Revista Feminina era um produto em sintonia com os ideais da economia capitalista que se consolidava, atendendo portanto as expectativas de seu público específico. Apesar da sua importância enquanto veículo de comunicação, tal revista praticamente não é citada nos estudos sobre evolução da imprensa no Brasil. Na “História da Imprensa de São Paulo”, de Freitas Nobre, publicada em 1950, a única referência que temos do periódico na verdade diz respeito ao jornal que lhe deu origem: “A Lucta Moderna, periódico comercial aparecido a 1o de junho de propriedade da Empresa Feminista Brasileira, formato 55x38, 4 páginas.”

37 Somente na década de 1980, é que a Revista ganhou a visibilidade merecida enquanto objeto histórico e importante veículo da imprensa paulista. Nesse ínterim, dois trabalhos acadêmicos, tomaram-na como fonte principal, o primeiro " Revista Feminina: Imagens da Mulher (1914-1930)", escrito pela jornalista Sônia Amorim Mascaro, procura analisar a trajetória do periódico enquanto empresa jornalística criada para e por mulheres; o segundo, "Espelho de mulher: — (1916-1925)", tem por autora a historiadora Sandra Lúcia Lopes de Lima, e consiste, numa leitura da revista como manual normatizador do comportamento feminino. São estes dois estudos que nos forneceram os dados para descrever panoramicamente a revista, página a página.

2) Revista Feminina, página a página:

Mapear toda a

Revista Feminina não é o objetivo desta monografia, no

entanto, uma apresentação cuidadosa de suas propostas é necessária para que se possa compreender a importância e a dissonância das crônicas de Moda presentes no periódico. Portanto para uma melhor caracterização do mesmo, fizemos uso dos dois trabalhos acadêmicos que tomaram a Revista Feminina por objeto de estudo.63

62

Dulcília Buitoni, op.cit.,p.41. Sônia Amorim Mascaro, “A Revista Feminina: Imagens da Mulher (1914-1930)", dissertação de Mestrado, Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1982, e Sandra Lúcia Lopes de Lima. Espelho da Mulher: Revista Feminina (1916-1925). Tese de Doutorado, Departamento de História, USP: 1991. 63

38 O primeiro, de autoria de Sônia Mascaro, tem por objetivo : "(...) acompanhar o desenvolvimento de uma revista feita para mulheres: seus primeiros passos, as transformações, os retrocessos e a modernização pela qual passou o periódico escolhido. Conhecer mediante leitura de seus textos, quais as imagens ideais de mulher propostas às suas leitoras e perceber também quais os valores expressos em suas páginas. "64 Neste trabalho, a Revista Feminina é tomada como objeto para estudar a história do desenvolvimento da imprensa feminina no Brasil, procurando recriar as imagens e os padrões femininos que o periódico apresentava. A historiadora Sandra Lúcia de Lima por sua vez, desloca sua análise da empresa jornalística para a leitora da revista, sendo que esta última interessa-lhe por ser um acesso ao “fechado mundo da mulher”, e é sobre a mulher mãe e esposa que ela baseia sua análise . Através da leitura do periódico, a autora procurou valorizar a mulher como agente da história e, principalmente, buscar ler no silêncio das leitoras "seus ideais, os princípios que norteavam suas ações, que princípios conduziam suas vidas, que funções desempenhavam na sociedade, a que tipo de opressão estavam sujeitas.”65 A mulher que está por trás das páginas da revista é segundo Sandra Lúcia, aquela que tem um certo grau de instrução e não precisa lutar pela sobrevivência. Sua leitura busca as idéias difundidas pela revista que traçassem o perfil das senhoras da elite paulistana do início do século XX. Procuraremos descrever abaixo a Revista, suas seções, anúncios, capas, e distribuição, com base nos dados que nos fornecem esses dois estudos.

64 65

Sonia Mascaro, op.cit, p.1. Sandra Lúcia Lopes de Lima, op. cit., p. 10.

39 ***

Antes de lançar o primeiro número da Luta Moderna, Dona Virgilina pacientemente organizou um arquivo com mais de 60.000 endereços de pessoas residentes em todo país, a quem pudesse interessar a publicação. Nesta primeira fase, o periódico teve tiragens de até 30.000 exemplares, distribuídos gratuitamente até o número 7, procurando neste tempo angariar assinaturas para continuar a circular. Como ao final Dona Virgilina só conseguira pouco mais de 1.000 assinaturas, ela começou a percorrer casas de comércio angariando anúncios.66 O fato de Dona Virgilina pertencer a uma tradicional família paulistana facilitou a entrada do periódico nas casas da elite da cidade. Segundo Avelina Haynes, as leitoras eram mulheres de classe alta, esposas de fazendeiros, de delegados e prefeitos, além de professoras. Foram estas leitoras, chamadas de embaixatrizes que ajudaram a distribuir pelo Brasil a revista. Dessa forma, senhoras ilustres de todo o país, recebiam e divulgavam a Revista Feminina. Colaboradores de peso como Menotti del Pichia, Olavo Bilac, Afonso Arinos e Amadeu Amaral foram atraídos por Cláudio de Souza, irmão de Virgilina, teatrólogo e membro da Academia Brasileira de Letras. Entre as colaboradoras destacavam-se : Júlia Lopes de Almeida, Francisca Júlia da Silva, Dra. Alzira Reis, Priscila Duarte. As capas recebiam cuidado gráfico especial, coloridas, costumavam trazer “figuras de mulher em poses românticas mais recatadas, muitas vezes com crianças, a anunciar o alvo principal das mensagens as mulheres esposas e mães”.67 O conteúdo da revista era basicamente constituído de temas como, Moda, decoração do

40 lar, saúde, culinária, beleza, educação dos filhos, pequenos contos, poesias, peças de teatro (escritas para a revista) conselhos, cartas de leitoras e "curiosidades culturais". A revista tinha por função entreter e "educar" as leitoras; assim, os poemas e as peças teatrais lhes proporcionavam lazer . A maior parte desta literatura era produzida por Cláudio de Souza e caracterizava-se por um acentuado fundo moral, abundando temas como maternidade e valorização do casamento. Até mesmo as propagandas eram colocadas sob triagem, para que não se tornassem incompatíveis com o espírito da revista. Estas vinham sempre no começo e no final de cada número, anunciando principalmente produtos de beleza, remédios, casas comerciais, modistas ou automóveis. Até 1917, apareciam em meio às seções de moda e decoração. A culinária, por sua vez, chega à revista em dezembro de 1914, sob o título “De Cozinha”. Muda algumas vezes a denominação, para em janeiro de 1916, ganhar nome definitivo: “O Menu do meu Marido” e juntamente com a seção de decoração, visava orientar a mulher nos cuidados com a casa, local onde era rainha. Ainda dirigindo-se diretamente à dona-de-casa, havia uma seção dedicada aos trabalhos manuais, a qual oferecia orientação para crochê, tricô, entre outros, com o intuito ocupar seus momentos de lazer. "Jardim Fechado", é o nome de um espaço nascido da sugestão de uma leitora, que em dezembro de 1917, reivindica à revista um espaço onde elas pudessem se corresponder sob pseudônimo, trocando poesias, trechos de prosa, receitas, curiosidades, informações e amabilidades. Em 1918, é anunciado o novo espaço, "reservado – de acordo com a transcrição da historiadora Sandra Lopes de Lima – às

66

Sônia Mascaro informa que, em 1915, a revista atingiu vendagem de 15. 000 exemplares, num momento em que a média nacional era de 10.000, e no ano de 1918, chegou a vender 25.000

41 assinantes que queiram publicar assuntos como moda, contos, cozinha, higiene doméstica, conselhos práticos, versos, com certa gravidade e algum estilo. A colaboração excessivamente frívola será desprezada.”68 Beleza é uma temática que ganhará espaço ao longo da trajetória da revista. Os textos discorriam basicamente sobre beleza espiritual e moral, a genuína beleza que as mulheres deveriam sustentar, como anota Sônia Mascaro. Vez ou outra, mais freqüentemente após 1920, junto a estes conselhos podíamos encontrar dicas de maquiagem ou penteado. Os cuidados com o corpo, por sua vez, iriam ganhando cada vez mais espaço dentro da revista, e até 1923 é possível encontrar uma matéria diferente a cada número. Exercícios para alongar a silhueta, fortalecer a musculatura das pernas, esportes como, boxe, esgrima, bilhar e tênis dividiam espaço com o ballet de Isadora Duncan, que era visto como exercício higiênico. A prática esportiva, segundo informava a matéria “A Educação Física da Mulher” contribuía “para o fortalecimento e beleza dos corpos, ao mesmo tempo que condiciona e assegura a beleza do espírito”69. Tais preocupações constituíam, juntamente com as matérias sobre beleza espiritual, um todo indissociável. A saúde da mulher era tratada com discrição na coluna “Consultório médico”, em artigos esparsos publicados aleatoriamente, como aquele que procurava ressaltar os males à saúde que pode causar um decote. O espaço dedicado à saúde tinha por finalidade auxiliar as leitoras, que enviavam cartas anônimas, contendo certas dúvidas, as quais eram prontamente respondidas.

exemplares. op. cit., pp. 26-27. 67 Sandra Lima, op. cit., p. 44. 68 Sandra Lima, op.cit., p. 48. 69 “A Educação physica da mulher”. Revista Feminina, julho de 1918, no51, ano V.

42 Simpática às idéias feministas, a revista abria espaço para associações de mulheres na seção intitulada “Vida feminina”, e estava sempre pronta a divulgar programas, resoluções ou discussões, assumindo o papel de porta voz do feminismo, ainda que esta não fosse sua preocupação principal, e que não compartilhasse de todas as propostas defensoras da emancipação da mulher. A concepção de feminismo da Revista Feminina segundo Sandra Lúcia de Lima, pode ser definida assim: “(...) pacífico resultante de uma evolução natural” preservada da moral tradicional, dos papéis femininos de esposa e mãe, defensor de formas jurídicas a favor da mulher, fiel aos princípios da Igreja.”70 Tais idéias compatibilizavam-se com aquelas defendidas por Bertha Lutz71, que também tinha por principais propostas a conquista do voto feminino, o protesto contra crimes passionais e acima de tudo a educação familiar. Outra seção importante era “A

Moda”, assinada pela cronista Marinette,

durante mais de dez anos. Tinha por objetivo, divulgar as novidades no tocante a roupas, acessórios e penteados, através da descrição e ilustração de modelos que vinham sempre precedidos do comentário de sua redatora.

3) De que modos se compunha “A Moda”

70

Sandra Lima, op. cit., p.74. Bertha Lutz, era bióloga, e fundou, juntamente com Maria Lacerda de Moura, a “Liga para a emancipação da Mulher”, cuja preocupação principal era lutar pela igualdade política das mulheres. Em 1922 fundou a Federação brasileira pelo progresso do feminismo, com o objetivo de promover a educação da mulher e elevar o nível da instrução feminina, proteger as mães e a infância, obter garantias legislativas e práticas do trabalho feminino, entre outros.” Cf. , Maria Amélia de Almeida Telles. Breve história do Feminismo no Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1993, p. 47. 71

43 Nos anos noventa deste século moda é quase sinônimo de revista feminina, Elle, Claudia, Vogue, Marie Claire, Capricho, invariavelmente, trazem logo na capa fotos de roupas da estação. Folheando as páginas destas revistas, notaremos que a maior parte de suas páginas direta ou indiretamente, são reservadas à Moda. As fotos que ilustram as matérias de Moda costumam ter linguagem própria e há sempre um tema. O visual adotado pelas revistas é geralmente cinematográfico. O que se vê ali, são cenas, pequenos flashes que juntos dariam uma seqüência de cinema, um curta, um clip; variante que depende do veículo e do público. Um breve editorial que nunca ultrapassa uma página costuma apresentar as páginas que virão. Além disso, palavras escritas só para informar “quem-veste-o que”, isto é, onde se pode encontrar tal ou qual produto, ocupam discretamente os cantos das páginas. É o que poderíamos chamar de “nota de rodapé” da matéria, contudo indispensável, até porque tais matérias, na maioria dos casos muitíssimo bem produzidas, só se tornaram possíveis devido as grifes, lojas e confecções que ali anunciam “indiretamente”. Os editores de Moda, podem ser especialistas no assunto ou não. Na edição brasileira da Vogue, por exemplo, este trabalho fica à cargo do jornalista e escritor, Ignácio de Loyola Brandão. Especialista ou não, cabe ao editor de Moda apenas apresentar as páginas às leitoras. Como apresentador, é ele quem vai contar o que é o “must” da estação, o estilo e as cores em voga. Em suma: temos hoje, em cada periódico, um responsável por tal seção, que não é necessariamente aquele que escreve o breve editorial que costuma preceder as matérias de Moda. Nas revistas dedicadas ao público mais jovem é comum haver uma seção que instrui as leitoras sobre o que é certo ou errado na composição de um modelo. A

44 Moda está estabelecida, ninguém mais se presta a mandar cartas às revistas tentando entender o porquê daquela seção. Está ali e pronto. A Moda institucionalizou-se. Em 1920, era diferente. A palavra escrita adquirira papel fundamental. Embora o mundo começasse a ser invadido pela linguagem visual, os recursos tecnológicos disponíveis não permitiam muito mais do que a reprodução de poucas fotos, quase sempre retiradas de alguma revista importada. Afinal, tudo era produzido no exterior e em nenhum momento havia referências a criações nacionais. Por outro lado, se os modelos não transmitiam uma personalidade a fiel cronista da seção de Modas da — Revista Feminina, Marinette, haveria de fazê-lo. Em todo o tempo que Marinette atuou nesta seção “A Moda” sofreu apenas modificações quanto ao tamanho. Nos dez anos abrangidos por este trabalho, o ganho de espaço foi visível, sendo que, a partir de 1920, a coluna, além de ter crescido, oscilou entre 4 e 5 páginas. As ilustrações são sempre monocromáticas e os desenhos só serão substituídos, parcialmente, por fotografias no início da década de vinte. Ainda assim, até 1925, eles continuam soberanos. Como as roupas prontas só se popularizaram por volta da década de 60, Marinette gasta longas linhas descrevendo um modelo: cor, tecido, uma infinidade de detalhes como fitas, botões, acessórios, chapéus, luvas, sapatos, penteados, maquilagem, e o que quer que se use é descrito minuciosamente. Os termos empregados nestas descrições comumente são ingleses ou franceses, o que se justifica plenamente pela procedência do material recolhido para a formação da coluna. Marinette chega mesmo a comentar que, no Brasil, não havia costureiros de Moda especializados como os de Paris. Por isso, as modas adotadas muitas vezes, deviam

45 ser usadas com precauções. Afinal, a Cidade Luz, após o final da Primeira Guerra, torna-se símbolo de exagero, de modernidade, e de aspirações burguesas que não caberiam numa revista que tinha por pretensão zelar pelas tradições da família aristocrata, como veremos adiante com mais detalhes. Assim, os Estados Unidos da América e sua “ Moda prática” se tornam uma alternativa para os que buscam as novidades da Moda prática, mas nem por isso carregada de exageros. Descrição de modelos podemos encontrar também na Cigarra ou na Revista da Semana, mas nada existe nelas comparável à personalidade de Marinette. Esta, além de descrever com maiores minúcias, sempre opinava sobre os tecidos, as cores, os penteados e os modelos. Enfim, sobre tudo o que falava, sempre havia algo a comentar, a acrescentar, e é exatamente este acréscimo que nos interessa. Não só de críticas, entretanto, compõe-se a coluna de Marinette. Os modelos são descritos detalhadamente: dos tecidos aos botões, seguindo assim o padrão da publicação que ensina trabalhos manuais, cuidados com as crianças e com a própria saúde, receitas ( "O Menu de meu Marido"). Traz também, muitos elogios e recomendações sobre as técnicas corporais de Isadora Duncan e a Ginástica Feminina. Em 1923, o espaço reservado à Moda aumenta consideravelmente. Se antes era centrada apenas na coluna de Marinette, agora ganha espaço em outras partes da revista. Dessa forma temos matérias específicas sobre penteados e cortes de cabelos, xales, luvas, véus. Freqüentemente, a Moda acaba extrapolando seu espaço trivial, e ganhando mais duas ou três páginas na edição, número que variava de uma edição para outra. Em junho de 1923 aparecem as primeiras matérias ilustradas com camisolas. Antes, elas só haviam aparecido uma vez, em 1917, em propagandas. Seis anos depois, entretanto, passariam a ser assunto da cronista de

Moda. Em algumas

46 matérias fora da coluna de Moda, A Revista Feminina também começou a mostrar roupas de banho. Precedendo a apresentação dos modelos propriamente ditos, Marinette procurava sempre iniciar a redação com algum tema, às vezes mais politizado, como “a economia a que nos obrigou a guerra”, ou “a necessidade de simplicidade em roupas de trabalho”. Outras vezes mostrava-se preocupada apenas com os rigores do estio ou com a fraqueza do inverno. Sempre afoita por novidades, Marinette freqüentemente punha-se a lamentar a ausência de novidades de um mês para outro, ou inversamente a festejar algo novo. Apresentando exclusivamente toaletes de passeio em nenhum momento ela dita regras para o vestir da mulher dentro do lar, o local das aparências é o espaço público. É o discurso de Marinette que nos interessa. Através dele é que poderemos comparar a coluna de Moda com o restante da revista. Sua luta é para valorizar o vestir feminino, sempre preocupada em teorizar e conceituar a

Moda e, assim,

supervalorizá-la. Ou ao menos, estabelecê-la, impulsionando a mulher a ganhar o espaço público e transformar sua imagem dentro do mesmo. Católica e conservadora, a publicação que a abrigava trouxe, durante muitos anos, em seu cabeçalho, a seguinte epígrafe: "Sua Eminência o Cardeal Arcoverde afirma que a ' Revista Feminina' é redigida com elevação dos sentimentos e largura de vistas". A seção de Moda é exceção dentro do periódico, pois por mais que se cuide para que ela não destoe dos objetivos morais da revista, o próprio tema é destoante, uma vez que a Moda, por ser constituída de novidades, não combina com o conservadorismo típico da Igreja. Na análise de Sandra Lúcia Lopes de Lima, a dissonância caracteriza-se de tal forma que ela prefere olhar para a Moda como um elemento inconveniente no interior

47 da revista. Diríamos, ainda, era uma “Ameaça aos papéis tradicionais”, como foi denominado o capítulo IV do estudo de Sandra, em que Moda divide espaço com cinema, divórcio e bolchevismo. Esse agrupamento, entretanto é artificial e contestável. Apesar dos quatro itens elencados acima aparecerem na revista e terem em comum a oposição aos ideais da mesma, somente a moda pode ser considerada uma constante. O mesmo não acontece com os outros assuntos, abordados eventualmente e quase sempre de forma negativa. Outro ponto questionável no trabalho de Sandra encontra-se no fato de que ela em nenhum momento cita Marinette. Nem ao menos informa que a revista trazia sempre uma coluna dedicada exclusivamente à moda. Utiliza-se apenas de exemplos soltos, que, como já pudemos explicar, costumavam ser esporádicos e, muito freqüentemente, traduziam uma visão negativa em relação à Moda. Sônia Amorim Mascaro, por sua vez, confere uma importância muito maior à coluna “A Moda”. Segundo informação de Dona Avelina, em entrevista que nos foi concedida, Marinette, era o pseudônimo de sua irmã Marina, escolhido por ser um nome afrancesado e, portanto, adequado a uma cronista que deveria comentar questões relativas à Moda, que, naquele momento, vinha essencialmente da França. Questionada recentemente, numa entrevista que nos concedeu, D. Avelina confundiu-se ao responder quem era Marinette. Primeiro afirmou ser alguém da redação. Quando perguntei se era um homem ou uma mulher, respondeu prontamente que, sem dúvida era uma mulher, mas negou que fosse sua irmã Marina, dizendo que, no início, quem escrevia era sua mãe e que por ocasião do falecimento desta, Marina era ainda muito jovem. Deste modo, não nos foi possível confirmar a informação, nem tampouco precisar quem efetivamente assinava a seção.

48 Em alguns momentos, tem-se a nítida impressão de que Marinette esconde uma identidade masculina, por tratar de alguns assuntos de forma muito frívola para uma mulher das primeiras décadas do século. Outras vezes, “a cronista” deixa escapar alguns elogios ao “belo sexo”, que mais parecem galanteios de um cavalheiro da época. Um bom exemplo deste tratamento é a crônica de setembro de 1920. Discutindo o achatamento da silhueta feminina, procura demonstrar que tal transformação não tornará a mulher menos interessante. Ao contrário, com tal atitude a mulher acabará por se fazer notar. E as modificações da Moda, no entender de Marinette, sempre deveriam ser um trunfo a mais para as mulheres ganharem a admiração masculina:“ A mulher é sempre a mesma, sejam quais forem as modalidade de sua indumentária. E é por isso que ela se torna encantadora.” Note-se que, no trecho acima citado, ao se referir às mulheres, a cronista usa a terceira pessoa do singular. Ou seja, fala às mulheres como alguém que estivesse se dirigindo a integrantes de um outro gênero. Aparentemente sem se dar conta disso, Marinette exclui-se do grupo. Essa característica, o escrever na terceira pessoa, que pode ser entendida como uma velada consciência de alteridade em relação as leitoras, está presente na quase totalidade de seus escritos. É importante ressaltarmos algumas características de Marinette, porque no conjunto da revista, e em meio a um infinidade de seções fixas, apenas o Editorial e “A

Moda” recebiam assinatura. Tal circunstância confere importância àquelas

matérias e mais ainda se levarmos em conta que Marinette assina a seção até setembro de 1926, quando esta sofre, segundo Sônia Mascaro, uma transformação definitiva de enfoque, passando a privilegiar as ilustrações ao invés do texto. “ Modas e Elegâncias” é o nome da coluna assinada pela cronista portuguesa Maria de Eça, que substitui a de Marinette e privilegia a mulher européia, deixando de

49 lado a brasileira. As páginas de Moda da Revista Feminina perdem, também, a partir de então, aquilo que tinham de melhor: a contextualização que lhe conferia originalidade e por isso mesmo um destaque especial.

2.2) “ La Moda é mobile”*

Entre o sobe e desce das saias que tanto mobilizaram as atenções de Marinette durante o período em que assinou “A Moda”, havia muito mais “pano”, do que se podia enxergar. As transformações culturais, sociais e econômicas ocorridas entre 1915-1925 influenciaram diretamente sobre esta e outras questões presentes na seção. Ainda que a cronista não produzisse um boletim noticioso a respeito da Primeira Guerra, da crescente influência cultural americana no Brasil, das idéias modernistas, da crescente entrada da mulher no mercado de trabalho e de como estes fatores determinaram novas imagens ao visual feminino uma leitura mais apurada de seus textos permite enxergar claramente como tais fatores influíam não apenas sobre a Moda, mas também sobre as idéias difundidas nas crônicas que abordavam o assunto dentro da “ Revista Feminina”.

*

“(...) o verso da conhecida aria do Regoletto, está errado. A mulher inconstante? Não senhoras. Mais inconstante do que elas é a moda. La Moda é mobile! Esta é que é a verdade.”- comenta Marinette. Cf. “ A Moda”. Revista Feminina, abril de 1925, ano XII, São Paulo.

50 Procuremos, pois, descosturar as linhas que atam a Moda às transformações introduzidas pela economia, cultura e sociedade, através da análise do discurso de Marinette. As saias, que haviam estreitado consideravelmente no final da primeira década do século, com a introdução da saia entravée por Paul Poiret, em 1917 já tinham recuperado um pouco da largura. Usava-se então a saia tonel, e os efeitos da Guerra que se desenrolava na Europa ainda não se manifestavam com veemência na Moda. Ao ler as crônicas de Marinette, apenas uma coisa salta em nossos olhos, por ser uma constante em seus escritos: o tom enfastiado de uma pessoa para quem “tres meses numa moda é um século”. A freqüência de comentários como: "Não sei como principiar esta chronica. Tudo tão visto."72 – não pode ser ignorada. Afoita por novidades e tendo por função apresentá-las às mulheres, os comentários entediados deixam transparecer que a estabilidade dos modelos já era conseqüência da guerra. Provindos de um país beligerante, a França, sua renovação era realmente incompatível com o momento de apreensão. Não seria diferente nos anos que se seguiriam. Assim, mesmo quando a Moda retoma seu movimento em 1919, com o fim do conflito mundial, seguirá, até o final da década de 20, os caminhos de uma simplificação tamanha que viria até mesmo a transformar sua estrutura. No ano seguinte as primeiras mudanças já podem ser sentidas. A Moda começava a apropriar-se da “roupa de guerra”. Os uniformes começavam a se transformar, a princípio pelo motivo mais óbvio, a economia: “Sabem todas as gentis leitoras, porque mais ou menos são vítimas submissas da Moda. A grande nau que vem do velho mundo carregada de figurinos que são nossos senhores – a influência

51 que exerceu a guerra no vestuário feminino. Vimos os mais clamantes disparates e também as mais lindas e originaes combinações- tudo isso influência do soldado, do homem de guerra e das condições de guerra. Foi assim que apareceram as saias curtas e as botinas de cano alto a imitar as capas dos ‘Poilees’ e dos ‘Samies’, destacando o calçado de campanha. Foi assim que tanto em favor estiverão e estão os chapéus figurando ‘bonets’ e ‘casques’ militares. (....). Mas foi também porque os tecidos estavam caros e as fábricas monopolizavam a produção para suprimentos ás intendências, tanto que apenas o preço do couro subiu logo os canos das botinas desceram a proporções razoáveis.”73 Marinette observa, no mês que se segue, que com a largura e o cumprimento das saias não foi diferente, e o alto preço “das fazendas” acabou justificando, ao menos neste momento, sua drástica redução, impulsionada pelos criadores de Moda. Até o final da Guerra, é raro o mês em que a cronista não lamente a perda de panos das roupas e não peça contenção no luxo das toaletes a suas leitoras. Assim, mesmo sem fotos de feridos, de reportagens sobre os feitos beligerantes, sabemos que a Guerra está acontecendo, e seu peso sobre a Moda é tão grande que as saias curtas, farão sucesso durante quase uma década. A linha direta, adotada neste período, será por sua vez o “must” também da década seguinte, e a transformação do uniforme de guerra em

moda feminina será o prenúncio do caminho para a praticidade, a

economia, e a androginia que a Moda seguirá, mais acentuadamente, nos dez anos que se seguem a Primeira Guerra, e que acabarão sendo incorporados a visibilidade feminina, de uma vez por todas, nos anos 60.

72 73

“ A Moda”, Revista Feminina. São Paulo, março de 1917, no 34, ano IV. Idem, agosto de 1918, no 52, ano V.

52 Portanto, a partir de 1919, as crônicas de Moda irão levantar a bandeira da economia de tecidos, e o uso do algodão, “antes relegado a uma esfera plebea”, ganhará o mundo aristocrático. Com o fim da guerra, a necessidade de recuperação da economia também aparece na seção, através da divulgação de campanhas que bradam pela economia, como a que transcrevemos : "(...) Agora por exemplo, um deputado americano do estado do Texas. o Sr. Summers, acaba de fundar uma associação, cujos fins é a propaganda entre os seus associados, do máximo de economia nos vestuários. Denomina-se ela “Associação dos Cavaleiros e Damas do Remendo”. O seu propósito é propagar a modéstia e promover em todo país, por todas as formas ao alcance de seus associados, uma enérgica reação contra os excessos do luxo das roupas e promover ao mesmo tempo, a promulgação de leis contra a ostentação sumptuária cujo excesso chega a tornar ridículo o homem e escandalosa a mulher"74 Já é possível elencar os ditames da Moda que transformariam as estruturas solidificadas no século XIX: simplicidade, sobriedade e praticidade, que somados figurariam na palavra elegância. Um novo ideal de feminilidade, solidificado na década de vinte, acompanhava a moda, o que levava as mulheres a adotarem a silhueta retilínia, mangas, saias e cabelos curtos, evidenciando o corpo e ganhando praticidade no vestir, e a partir de então não seriam mais as roupas que prenderiam as mulheres em casa. Aqui, Marinette contradiz os ideais da “ Revista Feminina”, tão cuidadosamente escrita para mães e esposas. Dentro de “ A Moda ”, a mulher não é lembrada como dona de casa, mas sim como aquela que sai às ruas, faz footing, vai ao teatro, às compras, ao chá dançante e até mesmo ao cinema.

74

Idem, julho de 1920, nº 74, ano VII.

53 Ainda durante a Grande Guerra, Marinette apresenta a suas leitoras, em fevereiro de 1918, modelos “audáciosos”, como a saia estreita que parece ser uma “restauração mais ou menos modificada da saia entravée” e deixa a cargo destas aceitar ou não as imposições da

Moda. No mesmo artigo pede às leitoras que

desprezem as luvas, em razão do alto preço que apresentam. Ainda no tocante à economia, a cronista completa que

“o uso das mangas curtas não é em nada

attentatório ao bom gosto”. Um ponto em comum com o restante da revista encontra-se na simpatia pelos Estados Unidos, neste momento símbolo de uma modernidade exemplar, baseada no trabalho, o que nos conta Marinette, acabaria por influenciar o vestuário feminino de maneira positiva: "Já dissemos uma vez que a moda graças a influência americana, se tem tornado mais natural, mais hygiênica, mais lógica. A saia curta, por exemplo, é uma imposição norte-americana. A mulher de Nova York ou de qualquer das grandes cidades daquele prodigioso paíz, tem uma vida activa e de movimentos, e de tal maneira que nós não fazemos bem uma idéia disso. Ela é a caixeira viajante, a agente de negócios, a propagandista de produtos industriaes."75. Adotando tais profissões, fica claro que a mulher necessita ganhar maior liberdade em seus movimentos, e a mão que carrega a valise, não pode também levantar as saias. Com a popularização das danças como o fox-trote, o rag-time e a valsa lenta, – continua Marinette ainda no mesmo artigo — o uso de saias compridas com caudas, como tentavam naquele momento impor alguns costureiros de Paris, amantes da tradição, seriam “excelentes para varrer o pó e incommodar quem as use”. Trata-se de uma fala sintonizadíssima com os novos hábitos da mulher, completada pela observação final, que afirma: “em questões de moda, só as coisas contrastantes é que

54 forçam a tenção, succede sempre que as creações concebidas com um gosto discreto quasi nunca obtém exito.”76. E do mesmo modo que louvou a saia curta, Marinette elogiará a silhueta reta. “No ponto de vista natural, — justifica a cronista — parece que a silhueta actual traduz com mais precisão as formas femininas”77. Outra inovação que pôs à mostra o corpo da mulher foi o amplo decote, então em voga que os vestidos de soirée costumavam trazer nas costas.78 No entanto, os novos modelos, não deveriam ser usados por todas as mulheres, mas apenas por aquelas para as quais a Moda era produzida, isto é, mulheres mais jovens. As matronas definitivamente não eram “up to date”, coisa que Marinette esclareceu em março de 1922, quando alertou que se determinados modelos poderiam ser considerados “ (..) improprios para mocinhas de quinze annos, quanto mais para uma cincoentona.”. Seguindo o mesmo princípio, a cronista chega a criar uma espécie de escala associando o comprimento das saias à idade: “( ...) meninas que não passem de dezesseis primaveras, saia até o joelho; além desta edade, até os vinte e tres, mais dez centimetros; entre vinte três e vinte e oito, adiçionam-se ainda cinco centimetros mais; dos trinta aos quarenta annos, cinco centímetros mais. Depois dessa edade, tabela não é mais necessária: usem as senhoras o comprimento que melhor lhes parecer. E isso porque tenham a saia muito comprida ou exaggeradamente curta, ninguém lhes porá reparo...”79– Aqui, o novo ideal de feminilidade está de tal forma embutido que Marinette chega a ser irônica com as mulheres acima de cinqüenta anos,

75

Idem, março de 1919, no 58, ano VI. Idem, setembro de 1920, no 76, ano VII. 77 Idem, setembro de 1920, no 76, ano VII. 78 Idem, janeiro de 1921, no 80, ano VIII. 79 Idem, outubro de 1925, no137, ano XII. 76

55 levando-nos a entender que a estas não é uma saia curta que é inconveniente, e sim a Moda, como um todo que não lhe cai bem . Os cuidados com a Moda não se estendem apenas à idade da mulher. A Moda, como já dissemos anteriormente, é também um distintivo social. No entanto, na São Paulo dos anos 20, as lojas de departamento, como Mappin Stores e Mappin Webb, acabam por propiciar uma certa democratização de produtos, anteriormente inacessíveis às classes populares. A popularização do cinematógrafo, por sua vez, associa as novas roupas às futilidades e as condescendências morais de atrizes como Gloria Swanson e Annette Kellermann. É preciso, pois, adotar novos signos de distinção, tais como pequenos detalhes do vestuário, sobriedade e, acima de tudo, elegância. As luvas antes deixadas de lado em razão dos altos preços, agora eram regra, sendo que este “accessorio”, poderia determinar o efeito estético de um vestido — informa o artigo “Notas de Elegância: A Esthetica dos Accessorios”, em setembro de 1923. O inverno estabelece-se como estação da elegância, e não é difícil buscar os porquês. A indumentária de inverno é mais dispendiosa aos bolsos, dificultando o acesso àqueles que Marinette chama de snobs, além de ser a estação na qual as cores escuras (associadas à sobriedade e à distinção) predominam: “Por que o inverno tem isto de bom — relata a cronista — empresta ao espirito da moda esta eterna alma inquieta e multiforme, a distinção do simples e do sóbrio.”80. Noutra ocasião chega até a afirmar que o frio é aristocrático. 81

80 81

Idem, maio de 1923, no 108, ano X. Idem, maio de 1925, no 132, ano XII.

56 Os lugares elegantes também serão enumerados por Marinette: os teatros, as óperas, as casas de chá e finalmente o prado, sua diversão favorita. É local onde sentese bem, “naquele convívio mesclado de homens e mulheres elegantes”, elogiava em fevereiro de 1923. Já há algum tempo bradando por elegância, a cronista aproveita a oportunidade para elogiar e descrever a toillete da conhecida feminista “ (...) M.R Q., trajando uma elegante robe em tricotim rose bem claro, de golas ligeiramente altas e curvas sobre o hombro. (...) elegantissima com aquella saia a quasi cobrir o tornozello, levemente plissada (...). O ‘casaquim’ amplamente aberto sobre o busto, deixando-se perceber a rica combinação de seda-creme , por sua vez ligeiramente decotada. “ O que chama a atenção é ainda o seu chapéo, meio batido na frente de abas bem grandes em seda azul pavão, enfeitado com penas da mesma cor, ligeiramente furta-cor. Sapatinhos pretos de entrada baixa e para completar a toilette um lindo binoculo a tiracollo e belissima sombrinha de linho branco bordado, formato Nataly.” Corte e enfeites simples, é assim que a cronista define o traje de M.R.Q., um modelo de beleza que às vezes não consegue ser imitado nem mesmo por senhoras que fazem parte do mesmo grupo. Aí é que mora o perigo. Diante de tantas opções, tanta novidade, a mulher deslumbra-se e... perde a elegância, aproximando-se desta forma das mulheres licenciosas, tendo seu corpo mistificado. A mulher dos anos vinte deve prestar atenção a cada linha da sua roupa, porque de modo algum deve-se confundir Moda com elegância, como explica um artigo publicado na edição natalina de 1923. Para tanto,

57 deve-se aplicar o bom gosto à Moda, eliminando tudo o que “prejudique a harmonia das linhas, o equlibrio das côres, a propriedade dos acessórios.” 82 Dissociar a moda feminina do luxo e da ostentação que há um século vinham lhe caracterizando, não era entretanto tarefa fácil. Não foram poucas as ocasiões em que a cronista abordou o assunto, chegando mesmo a ressaltar esta dificuldade, de maneira que algumas vezes nos parece que a própria Marinette acabava por se perder nesta delimitação de linhas tão flexíveis. Em março de 1922, acabaria por deixar transparecer a exaustão escrevendo: “A linha simples... Oh! haverá coisa mais complicada, mais complexa de mais difícil e penosa realização?”83 Praticidade, eis a palavra de ordem que a cronista adotaria para justificar as aceleradas transformações pelas quais a Moda vinha passando no ano de 1925. Se os cabelos compridos eram trabalhosos à mulher, então a ordem era cortá-los; saias compridas dificultam movimentos? Então usa-se novamente a tesoura. Se a gordura feminina é deselegante, a Moda determina o talhe reto, e a silhueta afina-se. 84 No entanto, a Moda e conseqüentemente, a praticidade tinham um público certo, excluindo algumas mulheres, às quais as novas roupas pareciam um absurdo. Elas não entendiam a moda, que, por sua vez, não estava preocupada em falar com elas. Da mesma forma, muitos homens, não conseguiam entender aquelas senhoritas de cabelo curto e vestido curto, que em nada lembravam a imagem feminina ideal, e ainda que traziam consigo uma certa semelhança com algumas moças um tanto licenciosas. A estes espectadores, a moda, parecia estar cada vez mais um tanto sem modos.

82

“Moda e elegância”, Revista Feminina, São Paulo, dezembro de 1923, no 115, ano X.

58

Moda sem modos

1) O corpo entra em Moda

No século XIX a mulher não se identificava com o próprio corpo. Numa crença resistente de séculos passados, o corpo, segundo Yvonne Knibiehler, ainda era tido como inimigo da alma “ o maior obstáculo no caminho da salvação”85. Sucessivas gravidezes, partos e aleitamento faziam com que, mesmo com pouca idade, o corpo feminino se tornasse um peso. Associado à reprodução da espécie, ele não deveria servir para outro fim. Assim, escondido e complemente sufocado entre roupas, o corpo deveria traduzir apenas as funções naturais da mulher mãe: ancas redondas, seios generosos, tecidos bem nutridos. Nestas condições, “tudo o que pode assemelhar-se ao homem torna-se uma anomalia inquietante”.

83

“A Moda”, Revista Feminina, São Paulo, março de 1924, no 94, ano XI. Idem, maio de 1925, no 132, ano XII. 85 Yvonnne Knibiehler. Corpos e corações; in: História das mulheres no Ocidente, vol. 4.Porto/São Paulo, Edições Afrontamento/Ebradil, 1995. p.351. 84

59 Seguia-se ainda o padrão determinado no século XVIII que tem por voz mais alta o pensador francês, Jean-Jaques Rousseau, para o qual homens e mulheres são seres incomparáveis: “Uma mulher perfeita e um homem perfeito, não devem assemelhar-se nem de espírito nem de fisionomia, e a perfeição não é suscetivel, nem demais nem de menos”86. Sendo assim era urgente diferenciá-los e a roupa tornava-se um símbolo de antagonismo, por excelência. O espartilho é senhor da Moda. A partir de 1810, sua função é (de)formar o corpo da mulher, para que este represente o símbolo imagético da mãe reprodutora, definindo a feminilidade do século XIX, juntamente, com as saias e suas armações que exageravam as formas femininas para trás e para os lados sucessivamente, com as anquinhas e crinolinas, artifícios que afinavam a cintura e tornavam saliente as ancas e o peito. Tais exageros não se limitavam às roupas. Estavam presentes em tudo o que compunha o visual feminino: cabelos longos, pele branca e frágil, mãos e pés pequenos, sempre encobertos. A casa também encobria a mulher no século dezenove. Ela é dona do espaço privado. As ruas e seus perigos não são locais acolhedores e propícios a uma dama da alta sociedade. Suas ocupações fora da casa são poucas e devem ser compatibilizadas com suas funções na sociedade, representadas essencialmente pela caridade e trabalho social. Isto é, se fosse atuante na sociedade, que fosse no papel de uma grande mãe, preocupada e bondosa para com aqueles que dela dependessem.87 Nas poucas vezes que sai às compras, é sempre acompanhada de um cavalheiro.

86

Jean-Jaques Rousseau. Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro, editora Bertrand S.A., 1992. pp. 424. Cf. Michelle Perrot. Sair; in: História das Mulheres no Ocidente, Vol 4. Porto/São Paulo, Edições Afrontamento/Ebradil, 1995. pp. 503-505. 87

60 No entanto, a acelerada urbanização das cidades trouxe cada vez mais a mulher às ruas. Ainda no século XIX, ela tentará se apropriar de todos os espaços que lhe são oferecidos, saindo fisicamente: “deambular fora de casa, na rua ou penetrar em lugares proibidos — um café, um comício — viajar — e tentarão também, sair — (...)

“moralmente dos papéis que lhe são atribuídos, ter opinião, passar da

submissão à independência: o que pode acontecer tanto no público como no privado.” 88 Porém, isto só acontecerá de modo mais concreto na década de 1920, quando a atitude esportiva amplificada, reformulando, segundo Nicolau Sevcenko toda a experiência de vida, em especial das mulheres e dos jovens esportivos, que os dissociariam de um passado recente, porém obsoleto, rejeitando tudo o que fosse é artificial e postiço, liberdade, movimento, natureza, “o esporte se torna moda e a moda adquire um acento desportivo”89 O ideal esportivo remodela os corpos deixando-os mais naturais. “Os rapazes — conta Sevcenko — raspam barbas e bigodes, aparam o cabelo rente, frisado a fixador, trocam o bordão pela gravata, o patacão pelo relógio de pulso, o “ pincenez” pelos óculos de aro, a casaca pelo “pullover”, o chapéu pelo boné automobilístico ou de caça90”, mudanças aceitas sem maiores problemas, posto que o básico de seu vestuário em nada mudara; calça e camisa continuavam sendo gêneros de 1a necessidade. Já as moças eram agora detentoras de uma silhueta longílinea e reta, cabelos curtos. Nas roupas, tecidos leves, aderentes ao corpo e transparentes. Os seios, antes

88

Michelle Perrot, op. cit. p. 503. Nicolau Sevcenko, op. cit. p. 49. 90 Idem, p.49. 89

61 ressaltados, agora devem ser achatados, e as madeixas tosadas. As transformações não se restringem às roupas, acabando por invadir todo o universo social da mulher. Fumar, ler jornais, freqüentar salões, dirigir automóveis, trabalhar, assim era a mulher do pós-guerra. É nestes tempos que a visão de homem e mulher como seres antagônicos começa ser substituída pela visão una de sociedade. Ou, como diria Gilda de Mello e Souza, ambos começam a ser encarados “como duas faces da mesma moeda”. Mary Louise Roberts exemplifica muito bem o choque causado por essa nova construção da imagem feminina, no período citado, a partir da análise da novela “La Garçonne”, de Vitor Margueritte, à luz dos estudos de gênero. O romance conta a trajetória de Monique, uma mulher que rejeita os valores de sua família burguesa para viver sozinha em Paris. A partir daí, ela vai levar uma vida promíscua de luxos e desfrute social sem limites, retratando através da sua existência de coquete “os anos loucos”. A expressão “crazy years”, traduz a ansiedade de uma sociedade que, tendo passado pela guerra e seus terrores, tem então como meta uma vida de intensos prazeres e loucuras, sem medir conseqüências, dentro daquilo que Mary Louise prefere chamar de “civilização em ruínas”. Junte-se a esta ansiedade, que tem por conseqüência uma maior liberalização dos costumes, o fato de que homem e mulher reconstruíram, forçosamente, os papéis masculino e feminino dentro da sociedade, pois o contexto cultural de uma guerra assim o pediu. Homens no front tinham de cozinhar e viver próximos uns dos outros. Mulheres receberam da noite para o dia a convocação para o posto de “chefe de família”. Deixaram de ser apenas mães e esposas, para serem o trabalho e a segurança. No “front”, os homens cada vez mais alienavam-se; nas cidades, as mulheres queriam

62 notícias da guerra. Leram mais, tornaram-se mais cultas e, ao fim da guerra, já haviam assimilado grande parte do papel social masculino. Tal fato se reflete na Moda, que tem por mãe a França. Os cabelos curtos e as roupas de corte masculino trouxeram maior segurança e praticidade à mulher. Chanel apropria-se disto, e a roupa prática passa a ser utilizada por mulheres que precisavam ser práticas e também por aquelas que simplesmente o desejavam ser. Entre tantas fronteiras redefinidas no pós guerra, uma ficou nebulosa e difícil de enxergar. Trata-se da linha bem marcada que separara o visual da mulher e do homem de 1830 a 1920. Segundo Mary Louise, no início dos anos vinte a mulher começará a ganhar papel de destaque na sociedade. Num breve período, a mulher é “inside” enquanto o homem é “outside”. Essa inversão de papéis confere à mulher poder de decisão, autonomia, inclusive sexual, pois sabendo que seu companheiro poderia não durar muito ou mesmo não mais voltar, ela vai buscar novas relações e tomar a dianteira delas. Como Paris é centro dos olhares afoitos por Moda, os olhos que se viram para lá, naqueles tempos loucos, não gostam do que vêem. Daí alguns olhares mais conservadores terem preferido voltar-se diretamente para a América do Norte. Este “borrão” ocorrido na fronteira que separava masculino de feminino teve sua maior visibilidade provavelmente no que concerne às roupas, pois a mulher moderna “(..) sem cinturas, sem ancas, sem peitos (...) simbolizava uma civilização sem igrejas, desorganizada e assexuada.”91 Assim o genético e o natural ficarão de lado. Como a autora citada, também entende-se aqui gênero como uma classificação cultural.

63 Joan Scott define gênero como organização da diferença sexual, variável segundo espaço, tempo e cultura92. Pondera, ainda, que a história não figura apenas como registro de mudanças da organização social, como participante da produção do saber sobre a diferença sexual; estudar gênero nos anos vinte é mais um estudo de semelhanças que de diferenças ocasionadas pelo contexto histórico. Os ditames da alta costura feminina, em especial as criações de Coco Chanel, aproximam mais ainda os sexos. Mais uma vez refletindo seu tempo, Chanel dispensa o supérfluo e traz para suas roupas elementos da arte moderna, que pretende ser funcional e antidecorativa, rejeitando o feminino, sempre dissociado destes objetivos. O distanciamento do feminino é tão grande que na década seguinte, Elsa Schiaparelli recupera-o e exagera-o de forma surreal, contrastando com a linha reta das roupas de Coco Chanel, numa oposição que buscava muito mais fazer uma releitura dos modelos de Chanel, do que recuperar as roupas da mulher do século XIX. As roupas práticas já estavam instituídas, e a Moda caminhava muito mais em direção ao unissex do que à mulher-mãe. A vigência destes novo modelos nos anos vinte choca-se diretamente com as idéias recorrentes que simbolizavam o ideal de masculino e feminino imperante, dentro do qual, a mulher deve ser fraca e passiva, e o homem, forte e ativo. Cultivar nas mulheres qualidades de homem e negligenciar as que lhe são peculiares é trabalhar contra elas, pensava Rousseau ao descrever a mulher ideal em Sofia,

91

Mary Louise Roberts. ‘This Civilization No Longer Has Sexes”: La Garçonne and Cultura Crisis in France after World War I’; in: Gender and History, vol 4, number 1, Spring 1992.Oxfordshire, Bocardo Press. p.55. 92 “O que não significa que não reflita ou implemente diferenças físicas fixas e naturais entre homens e mulheres, mas sim que gênero é o saber que estabelece diferenças corporais”. Joan Scott. Prefácio: “Gender and Politics of History”, in: Cadernos Pagu: Desacordos, Desamores e Diferenças. no 3. Campinas, UNICAMP, 1994. p.12.

64 completamente antagônica a Emílio. Mas no pós-guerra tal diversidade entre os sexos, já não era tão respeitada. Ocorre então tamanha transformação que artigos como o publicado em 1925, pela “ Revista Feminina”, denominado “O Senhor ou a Senhora? — Scenas da vida atual”, que critica sarcasticamente a nova imagem propagada pela coquete, tornar-seiam comuns. Vejamos o que dizia o artigo: “O senhor usa melena e a senhora também. Elle porque deixou o cabello crescer demasiado, ella por usar um penteado ‘a lá garçonne’. Elle fuma e ella também. Quando pela manhã, ambos de pyjama e cigarro nos labios, se dirigem para a sala de jantar, o primeiro criado que lhes surge a frente vê-se na necessidade de perguntar: É a senhora ou senhor aquem a quem tenho a honra de dar os bons-dias? _ Sou eu. (...) O senhor é magro e esbelto a mulher também e em uma sala em que não haja muita luz é facilimo confundil-os. É um casal á moda, e notamos a differença entre elles, apenas quando se vestem, para sair à rua, e cada qual enverga os trajes propios do seu sexo. A senhora vive rodeada de amigos, tanto originaes quanto ella, e a palestra costuma girar sobre coisas de esporte. _ Foi uma partida interessante. Aquella pegáda do goal-keeper assombroume.

65 _ Não digas querida. Si não fosse o juiz com a mania dos off-sides... – E assim por deante.” 93 Quando o empregado diz que não sabe ao certo se é ao senhor ou à senhora que tem a honra de dar os bons-dias, e o cronistapassa em seguida a descrevê-los, a associação de elementos da cultura e do visual masculino assimilados pela mulher é muito maior que o inverso. A leitura de jornais, a conversa sobre esporte, o pijama, o cabelo curto são elementos masculinos agora presentes na figura feminina; “os cabelos que o senhor deixou crescer demais” é o único elemento “feminino” por ele absorvido. Esta aproximação da figura feminina à masculina não deve ser entendida aqui como sinal de asculinização, mas de vulgarização, de permissividade, A “garçonne” era muitas vezes confundida com a meretriz, a mulher instinto, símbolo de modernidade, única até então autorizada a compartilhar com os homens o espaço publico. A prostituta era até esse momento a única categoria de mulher que tomava conhecimento mais de perto de assuntos masculinos, como política, finanças e vida noturna. Madame Pomery, personagem do cronista Hilário Tácito, é bom exemplo desta sociabilidade. Não sabemos ao certo se a personagem existiu ou não , nem é isto o que importa aqui, mas sim que o cronista conseguiu retratar, sem preconceitos, a sociabilidade da prostituta. No capítulo III desta obra, podemos observar o comportamento de Mme junto ao coronel Pinto Gouveia, com o qual bebe cerveja na varanda do Politeama, onde discutem política de igual para igual, de modo que o

93

Revista Feminina, dezembro 1925.

66 cronista afirma que esta poderia discutir questões como a imigração, tal como um secretário da Fazenda.94 As transformações do espaço urbano trouxeram a público as mulheres honestas. “ A relativa emancipação da mulher, sua livre circulação nas ruas e praças, sua entrada no mercado de trabalho, a criação de um espaço público literário (...), a solicitação para que freqüentasse reuniões sociais, restaurantes de moda ou temporadas líricas foram percebidas de maneira extremamente ambígua– constata Margareth Rago – Se de um lado valorizava-se sua incorporação num amplo espaço social, por outro procurava-se instaurar linhas de demarcação sexual definidoras de papéis sociais bastante claras. No caso da mulher que “honestas” e “perdidas” não se confundissem.”95 Saindo às ruas, restava à mulher um espaço minuciosamente delimitado, de forma que podemos compará-lo a um meio fio, por onde se deveria andar, sempre com cuidado e atenção, pois um pequeno deslize e o status iria abaixo. A melindrosa era uma pequena ponte que ligava as boas moças às meretrizes, pois tal nome classifica aquelas que, na definição de Margareth Rago, investiam “todas as suas energias no cultivo da própria imagem, no embelezamento do corpo em detrimento do espírito”96. Dando os primeiros passos para fora do espaço privado, a mulher “honesta” estava diante de uma situação tão desfavorável que todo cuidado seria pouco. Gestos, aparência, roupas, tudo deveria ser minuciosamente estudado.

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Hilário Tácito. Madame Pomery. Campinas, São Paulo, Editora da UNICAMP/ Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 4a edição, 1992. 95 Margareth Rago. Os Prazeres da Noite: Prostituição e Códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. p.26. 96 Margareth Rago, op. cit., p. 63.

67 Ao vestir-se a mulher deveria atar-se a dois conceitos: — elegância e simplicidade — explorando-os, de forma a contrapô-los à vaidade, que segundo Margareth Rago “(...) era um sentimento condenável na mulher, na lógica das feministas, para quem a preocupação com o corpo e com a imagem era sinônimo de esvaziamento espiritual.” Além disso, a sombra da prostituta associada às novidades e ao moderno97 e, conseqüentemente à Moda, tornavam esta última um perigo para as boas moças.

2) Modas inconvenientes

Voltando um pouco às páginas da revista, veremos agora como a Moda, fora das crônicas de Marinette, era vista como um perigo evidente, contrapondo, assim, o veículo como um todo às idéias “moderninhas” da dedicada cronista. Para Sandra Lima a “(...) ‘última moda’ é sempre o mais novo o mais moderno. Portanto, “ A — , que vive com freqüência o conflito entre o novo e o tradicional, não poderia deixar de estender esse conflito para o campo da moda. Defensora do costume e da tradição, sua oposição à novidade coerentemente, atinge a ‘última moda’.”98

97

Segundo Margareth Rago, este era um momento em que as classes médias e a burguesia deslumbravam-se com a conquista do progresso, assim “ (...) o mundo da prostituição era vivenciado em plano simbólico, em sua dimensão modernizante. (...) Relacionar-se com a prostituta estrangeira, mulher experiente e desconhecida, satisfazia a expectativa burguesa de se ver introduzida nos hábitos sexuais das sociedades modernas. Fazendeiros e coronéis não mediam esforços para tanto. Através do mundo da prostituição, acreditava-se entrar no compasso da história, absorvendo e consumindo práticas e mercadorias européias, profundamente mistificadas.” Cf. Rago, op cit., p.169. 98 Sandra Lúcia Lopes de Lima. Espelho da Mulher: Revista Feminina (1916-1925). Tese de Doutorado, Departamento de História, USP. 1991. p. 180.

68 Excetuando-se o espaço reservado a Marinette e a expansão da Moda em artigos ricamente ilustrados, a partir de 1923, a maior parte das vezes em que a revista abordava o assunto fazia o prisma moralista, conservador e católico, que traçava as linhas gerais da publicação, diante das quais a Moda era um inconveniente. Redigidos por colaboradores anônimos e até mesmo por Ana Rita Malheiros, aqueles artigos apareciam, na publicação, de forma aleatória. Isto é, não obedeciam a um critério de periodicidade nem se concentravam numa seção específica. As críticas englobavam, desta forma, a Moda e seus “perigos” sob os mais variados ângulos. Selecionamos aqui, aqueles que colidiam diretamente com as idéias de Marinette. O mais representativo deles foi escrito por Cláudio de Souza, sob o pseudônimo de Ana Rita Malheiros – conforme Sônia Mascaro, “(...) a voz mais alta da revista, que falava em tom mais incisivo e melhor refletia seu pensamento (...)”99 – no editorial da revista, em março de 1920. A “editorialista” começa por aplaudir a iniciativa da religião, que começara a lutar contra a Moda, que “ (...) de arte do vestir , está aos poucos se transformando em arte do despir. Effectivamante — bradava — ao ver-se passar hoje, nas grandes cidades ( por que o interior se defende galhardamente dentro de sua moral antiga) uma das chamadas ellegantes, só não se tem a impressão de que ella esteja em marmores de alcova porque nossa noção anterior de ‘trajes menores’ nol-os pinta muito maiores em comprimento e muito mais anchos em largura.”100 O artigo prossegue comentando sarcasticamente a inversão no tamanho das roupas, prevendo um breve encontro entre decote e comprimento das saias, de tanto

99

Sônia Amorim Mascaro, op. cit. p. 53. Ana Rita Malheiros, “Fevereiro”, Revista Feminina. fevereiro de 1920, no 69, ano VII.

100

69 que desce o primeiro, e sobe o segundo, e tamanha redução aos olhos da editorialista não se justificava de modo algum pela economia de “estofo”. 101 Ao aderir à Moda, a mulher honesta perde o direito de exigir respeito para consigo, continua Ana Rita Malheiros “Si nos vestimos como as hetaira, si fumamos como fumam as favoritas dos harens, si nos enchapanamos como as marafonas, si nos debruçamos aos ombros dos homens como fazem as chinas embriagadas (...)” 102. Ao final do artigo, a editorialista é incisiva ao associar tais hábitos a uma sociedade de “ francelhos”, que constituem o “ kysto sebaceo” dentro da sociedade brasileira. Impossível dissociar a crítica de Ana Rita Malheiros ao desprendimento, de parte da mulher, em relação aos valores propagados por Rousseau, que a acompanhavam havia mais de um século. Entre outras coisas, afirmava ela que a mulher rejeitando o papel que a natureza lhe oferecia, só tinha a perder, pois, como escreveu o pensador francês “ (...) abandonando o tom modesto e recatado de seu sexo, toma atitudes escandalosas, longe de seguir sua vocação ela renuncia; tira de si mesma os direitos que pensa usurpar”. A liberdade conquistada pela mulher das grandes cidades tem assim sua ordem invertida, e consequentemente condenada. No mesmo ano, foi publicado um artigo intitulado “ O Protocolo do beija mão”, hábito que José Cesário classifica como um paradoxo do pós-guerra, “quando a mulher anciando tornar-se egual ao homem, menos merecedora se vae tornando de suas homenagens.”103

101

Sobre a moda e a economia estofo, Ana Rita diz: “ É uma razão que se pode equiparar a do saloio que tirou o chapéo para receber uma pancada na cabeça, por que o chapéo lhe custára vinte mil reis e a cabeça anda lhe custará.”. Idem. 102 Ibidem. 103 José Cesário. “O Protocolo do beija-mão”. Revista Feminina, agosto de 1920, no 75, ano VII.

70 José Cesário prossegue contando que tal hábito já não tinha mais a mesma graça de 20 anos atrás, quando o jovem podia entrar num salão e estudar todos os seus gestos antes de beijar a mão de uma dama, pois as novas atitudes femininas, não permitiam um cavalheirismo tão esperado, tão estudado. Esta crônica deixava claro que os homens estavam desarmados diante da nova imagem que a mulher projetara sobre a sociedade no pós-guerra. Imagem estranha que, a princípio, mais parecia a sombra de algo perigoso, como um misto de prostituição e masculinização, um monstro, diante da qual o homem devia defenderse. Para tanto ele não admitiria diretamente seu assombro, preferindo buscar uma falha, um erro cometido pela mulher, ao menos. Classificar assim tal atitude, como por exemplo, o cultivo de qualidades masculinas na mulher, em detrimento das que lhe eram peculiares é, ao contrário do que pensariam então as mulheres, prejudicial às mesmas, pois elas, como explicara Rousseau, “(...) tentando usurpar nossas vantagens, não abandonam as suas; mas acontece que não podendo jogar com umas e com outras, porque são incompatíveis, ficam abaixo de suas possibilidades sem alcançar as nossas e perdem metade de seu valor.” 104 Maria das Dores, este era o pseudônimo da leitora que escreveu a Marinette, em abril de 1920, reclamando dos modelos publicados na edição anterior, os quais traziam figurinos, segundo a missivista, com decotes tão pronunciados que fariam corar até mesmo um cadáver. Aqui a saúde foi tomada como justificativa para criticar a Moda: os decotes fragilizariam facilmente a saúde, proporcionando à mulher que deles fizesse uso gripes e até pneumonia.

104

Jean-Jaques Rousseau. Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro, editora Bertrand S.A., 1992 p. 431.

71 Concordava assim a leitora com Doutor Nicolão Ciancio, que, em março do mesmo ano, assinara o artigo “ O decote e a medicina”, no qual faz um alerta às senhoras:

se 187,50 centímetros quadrados de superfície nua do corpo humano

(medidas de um decote antes da guerra105), era prejudicial à saúde, podendo ocasionar gripes, “pleuriz”, “lumbago”, “nephrtite”, “frigore” e até a pneumonia, as medidas atuais, que segundo o médico, já haviam até “(...) ultrapassado os limites da geometria plana (...)”106, representavam um risco muito maior à saúde. Alertando para tais perigos, o médico associava a moda dos decotes à irresponsabilidade da mulher que, ao fazer uso dos decotes, não expunha apenas sua saúde, mas acabava por desvalorizar o papel que lhe fora imposto pela sociedade, pois, debilitada, não poderia ser uma boa mãe. Seguindo esta linha de raciocínio, o artigo “Frivolidades Femininas”107, de Gomez Carello, que explanava sobre os cabelos curtos para mulheres, associava este gesto das mulheres modernas à mutilação. Como se ao livrar-se das longas madeixas, que simbolizaram sua feminilidade durante tanto tempo, as mulheres desconstruíssem sua imagem. Para o jornalista Oscar Correia, os cabelos curtos caracterizavam a mulheres fartas de liberdade, e que, não tendo mais pelo que lutar, acabavam por se sacrificar em nome da vaidade. O bobbed hair, ou á la garçonne, eram ainda, para este jornalista, os responsáveis, por manifestações de desagrado, divórcios e até

105

O Doutor Nicolão Ciancio, comenta observações do médico parisiense, Doutor Milian. Este último, “(...) fez notar que já antes da gurra as mulheres usavam vestidos muito abertos sobre o peito. Essa abertura tinha e (tem) — prossegue — a forma de um triangulo isocele, com 25 centimetros de base e 15 de altura com esses dados, o Dr. Milian calcula em 187, 50 centimetros quadrados a superficie núa do corpo da mulher.” Doutor Nicolão Ciancio. “O Decote e a medicina”. Revista Feminina, março de 1920, no 70, ano VII. 106 Idem. 107 Gomez Carrello. “Frivolidades Femininas ‘(os cabelos curtos)’ ”. Revista Feminina, fevereiro de 1924, no117, ano XI.

72 pancadarias. Tudo isto, zomba Correia, “(...) por que os homens, não querem compreender a Moda.”108. Entretanto, o medo diante da imagem de independência que a Moda podia proporcionar a mulher já se fazia sentir antes mesmo do pós guerra. Em 1917, Paulo de Tharso, escreve o artigo “ A elegância debanda”. Nele sustenta que o industrialismo, associado ao utilitarismo e suas novidades dissipadoras, transformara naquele momento a mulher em uma assídua consumidora de novidades, ao contrário de outros tempos quando “(...)os acessorios da beleza feminina, nada mais eram do que acessorios.” O articulista detecta que o excesso de luxo nas roupas pode depreciar a imagem da mulher, concordando deste modo com Marinette. A diferença vem em seguida, quando Paulo de Tharso pede às senhoras que jamais abandonem o pedestal de dignidade, de graça e bom-tom sobre o qual vivem e são rainhas, pois descer deles seria um risco, e, desprotegidas, poderiam ser facilmente confundidas com as andorinhas gaiteiras que aqui arribaram. Ao pedir às mulheres que não descessem do pedestal que a elas fora reservado, solicitava-lhes que se mantivessem dentro do mundo privado do lar, da casa, onde poderiam reinar tranqüilamente. O espaço público não era para elas, mas somente para mulheres vindas de outras bandas do mar, ou melhor, para as prostitutas, que vestiam sempre a última moda109. E alertava que com o gosto crescente das mulheres honestas pela frivolidade no vestir, o perigo de serem associadas às andorinhas gaiteiras seria grande. Mas afinal, além dos decotes, que, como vimos acima, eram perigosos agentes debilitadores da saúde feminina, em que mais a Moda significava perigo? A melhor

108

Oscar Correia, “A Philosophia da Moda”. Revista Feminina, agosto de 1925, no 135, ano XII.

73 resposta, é fornecida pelo artigo “Campanha Feminina Contra as Modas”, publicado em 1919. Ele traz uma verdadeira lista de “abusos” lançados pelos costureiros de Paris: “(...) a saia fourreau, destinada a evidenciar as formas femininas; a saia fendida inspirada pelo tango argentino, e cuja inconveniência era patente, os decotes exagerados — aqui com outra conotação — injustificáveis perante a moral; as saias curtas que comprometem a dignidade das senhoras, o ‘sans desssous’ cujo efeito era causar náuseas às pessoas honestas, as blusas kimono, que se usava sem corpinho, a ‘jupe cullote’, de ridícula memória (...)”110. Contra tantos abusos, dentre os quais incluem-se a maquiagem e as danças modernas (criticadas inúmeras vezes111), a “Campanha”, que não leva assinatura, reclama do atraso numa tomada de atitude por parte da União Católica do Rio de Janeiro. Entre as peças de roupa enumeradas pela “Campanha Feminina contra as Modas”, há um ponto em comum: todas elas descobrem os corpos, seja acentuando as formas naturais da mulher, desnudando-as, libertando-o, modernizando-o ou tornando-se alvo de chacotas e assédio sexual, como no famoso caso da senhora que passeou em 1911 pela rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, envolta numa moderna peça bifurcada que trouxera de Paris, e teve de se esconder dentro de uma loja. Porque se associa à imagem do homem, fazendo uso de uma peça até então exclusivamente masculina, e porque tal veste a desvinculava do papel que a sociedade vinha lhe determinando há algum tempo, ao ousar a senhorita desvalorizara-se, isto é, mais do

109

“ As moças da sociedade, por usa vez, aprendiam indiretamente os novos hábitos, comportamentos e modas parisienses, referenciando-se pelas cocotes do Paradis, verdadeiros figurinos vivos e últimos modelos de elegância.” Cf. Margareth Rago. p. 174. 110 “Campanha Feminina contra as modas”. Revista Feminina, seção “Vida Feminina”, janeiro de 1919, no 56, ano VI.

74 que tirar a roupa, a mulher, e não apenas esta, mas muitas mulheres que viveram no início deste século, começavam através da Moda a despir-se da moral de cem anos. Apartadas do que havia sido seu padrão visual e moral, tornavam-se estranhas, um inegável perigo. As críticas ao risco moral que a moda significava foram uma constante no início da década de 1920. Vejamos ao menos um caso de como isto acontecia fora da Revista Feminina, em outra cidade, no caso o Rio de Janeiro. Um bom exemplo é o livreto escrito por Amélia de Rezende Martins112, intitulado “A Moda”, lançado no final de 1920 pela Tipografia Salesiana de Niterói, com mais de vinte páginas, no qual sua autora é veemente ao apontar os perigos que o modernismo oferece à sociedade, desvinculando as mulheres de seus papéis tradicionais e se chocando com os ideais católicos.113 Resumindo de forma precisa as transformações apresentadas pela Moda, que segundo Amélia Martins, era aparentemente um assunto fútil, a autora alertava para o fato de que começava a se tornar um problema social, tão grande a ponto de desestruturar a família brasileira.114

111

O artigo “Danças e dançarinos”, publicado na Revista Feminina, em junho de 1923, o artigo dá atenção especial ao Fox-trote, acentuando que “Nasceu com a moda ...com a moda passará!(...)”, aquela dança de origem bárbara e ridícula. 112 Amélia de Rezende Martins (1877-?), nascida em Campinas, filha do Barão Geraldo de Rezende. Escritora didática, publicou livros sobre história, geografia, educação religiosa, arte, literatura e jogos florais. Interessada no cinema escolar, organizou uma série de fitas de índole pedagógica. Pronunciou conferências em Belo Horizonte, a convite do governo mineiro. Tais trabalhos foram publicados na revista “Educação”, da Associação Brasileira de Educação” Tomou parte no IX Congresso Internacional de Cooperadores Salesianos, realizado em Buenos Aires, onde fez várias conferências. Colaborou em vários jornais e revistas cariocas. Cf. Luis Correia de Melo. Dicionário dos Autores Paulistas. São Paulo, Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, 1954. p. 351. 113 Amélia Martins de Rezende. A Moda. Nictheroy, Tip. Salesiana, 1920. — artigo inicialmente publicado no Jornal do Comércio em 05/03/1920. 114 Idem. p. 6.

75 O livreto em questão chega a ser panfletário e é, praticamente uma convocação à guerra contra a Moda115. Esta segundo a autora, “ Nos nossos dias (...) pretende reunir o desvario de todas as épocas passadas : retirou as golas, lançou o decote franco, encurtou as saias e tirou-lhe as rodas (batendo o record de todos os tempos neste ponto), supprimiu os dessous e hoje arranca os hombros e as mangas.” Prosseguindo no mesmo tom, a autora apontava os perigos e perguntava às leitoras: “Não chegam até vós, por ventura, as reflexões ,maliciosas e atrevidas de que a cada passo são alvo as senhorinhas, que se prezam a pertencer a nossa sociedade? Mas, Senhoras, reparae bem os toilletes de vossas filhas; observae, senhores e verificae se é prudente aceitar sem reflexão tudo o que nos offerece o modernismo!” O alerta da autora não se restringe à roupa. Os novos hábitos femininos, também a preocupam “ As meninas da nossa terra uma vez que deixam os bancos da escola, terminando seu curso, só vem diante de si os divertimentos mundanos.”116 Propõe os estudos como alternativa para interessar as moças “em alguma cousa de sério para que não se perca seu espírito em futilidades.” 117 O texto de Amélia exemplifica como a

Moda acaba por tornar-se um

diferencial de gênero, não apenas naquilo que aproxima homens e mulheres, mas também como um artifício que associa determinados tipos de mulheres a outros, do mesmo modo que pode dissociar. Em outra palavras, Amélia de Rezende atenta para o fato de que algumas roupas, mesmo se trajadas por senhoritas de família, poderiam ser um perigo para estas boas moças, pois acabariam por associá-las à imagem da meretriz que vestia a última Moda, que aceitava e difundia a licenciosidade nas

115 116

“Lucta aberta contra a moda, senhoras mães de família, senhoras de bom senso!”. Idem. p.12. Idem. p. 15.

76 roupas. Por outro lado, a autora sugere ainda que ao se desligar desta febre de novidades, uma boa moça, poderá preservar os ideais que a família e a Igreja lhe conferiam. Comparando as idéias de Marinette com as que acabamos de transcrever acima, nas quais a

Moda surge como algo inconveniente, poder-se-ía chegar à

conclusão, precipitada, de que a redatora de moda da Revista Feminina, era um tanto descomedida e até mesmo inconseqüente para os padrões da época, pois parecia apresentar sem o menor pudor certas transformações no vestir que encontravam grande resistências dentro da sociedade como um todo. Personificava, assim, idéias que se chocavam com aquelas propagadas pelo restante da Revista Feminina. Uma análise mais precisa, porém, traz à tona elementos que demostram o cuidado de Marinette para com a Moda e a imagem feminina. Conforme apontado ao longo do 2o capítulo, simplicidade e elegância, segundo a cronista, eram pressupostos obrigatórios para o bem trajar, e não havia mês em que, de um modo ou de outro, ela deixasse de lembrar às leitoras de que não havia nada mais complicado do que vestirse com simplicidade. Para ela nenhum modelo era suficientemente bonito se não fosse trajado com elegância. Marinette tinha consciência de que a Moda poderia significar um perigo para a imagem da mulher. Algumas vezes, como na crônica dezembro de 1919, advertia as leitoras para o fato de que, apesar de sua coluna fornecer informações sob Modas moderadíssimas em modelos elegantes, algumas “senhoras e senhoritas” costumavam levar ao exagero “o gracioso risco dos artistas da moda, preferindo os vestidos mais decotados e ás vezes escandalosamente mais curtos. (...) É por esse espírito de exaggero que muitas vezes vemos por aí toilletes tão arrojadas que quem, as veste, 117

Idem. p. 16.

77 attrahe, no meio da rua a attenção pasmada e impertinente de todos os transeuntes...”118 Do mesmo modo sabia também que a Moda era soberana, capaz até de sobrepor-se ao “o problema pão”. A cronista era tão fiel a seu ofício, que num artigo de 1918, corajosamente afirmava que apesar da preocupação em conter os luxos, em razão da guerra, “O que nos preocupa, pelo menos neste momento, ou melhor nesta secção, é a moda. Só ella enche o espirito e a imaginação. Todos os demais problemas da vida , sem excluir os mais importantes e aquelles que reclamam mais urgente solução, estão relegados para um plano secundário.”119 Publicada mensalmente num periódico que trazia na primeira página a seguinte epígrafe “Sua Excelência o Cardeal Arcoverde affirma que a ‘Revista Feminina’ é redigida com elevação do sentimento e largueza de vistas.”120 expondo claramente sua moral católica, a Moda acabava por se sobressair, por sua discrepância. Mesmo agindo como normatizadora do comportamento social da mulher, sinalizando claramente os exageros e a deselegância, Marinette trabalhava em função da Moda, apresentava as novidades, as transformações no vestuário com tamanho entusiasmo que colaborava muito mais para solidificar a construção de uma nova imagem feminina do que para preservar da já desgastada “matrona”, que a revista insistia em conservar. A seção “A Moda” da

Revista Feminina contribuiu para colocar em

questionamento a persistente imagem da mulher-mãe, tornando-se com o passar dos anos ela mesma um perigo dentro da revista. Mesmo que as leitoras não buscassem

118

A Moda. Revista Feminina. Dezembro de 1919, no 67, ano VI. A Moda. Revista Feminina. Setembro de 1918, no 52, ano V. 120 Epígrafe que a Revista Feminina trazia mensalmente entre 1921-1925. Não é possível afirmar até quando a frase fez parte da revista, porque não foi possível o acesso aos números referentes aos anos que sucederam 1925. 119

78 na revista apenas a seção de Moda, as palavras de Marinette estavam registradas ali. Sua opnião incisiva não causava boa impressão aos olhos da senhoras mais conservadoras, e poderia ter feitos imprevisíveis sobre as senhoritas. “A Moda” tornara-se um inconveniente. Dessa contradição insanável derivam alguns mistérios, que persistem até hoje, os quais não nos foi possível investigar com maior minúcia tanto pela limitação do tempo destinado à produção desta Monografia, quanto pela resistência, delicada mas firme, de quem poderia esclarecê-los. O primeiro deles diz respeito à

própria Marinette, nunca claramente

identificada ao longo dos doze anos em que respondeu por aquela rubrica. Dona Avelina Haynnes, que esclarece com muita desenvoltura que Ana Rita Malheiros, a editorialista, não passava de um pseudônimo de seu tio Cláudio de Souza, quando questionada sobre Marinette mostra-se visivelmente inco Modada, e não responde claramente. O segundo ponto obscuro diz respeito às razões de sua repentina substituição como editora da coluna, a partir de 1926, pela insosa escritora portuguesa Maria de Eça, com seus textos neutros e centrados na realidade européia, exatamente num momento em que o diálogo com a mulher brasileira deveria estar sendo valorizado. Quanto a esse aspecto, entretanto, é possível formular ao menos uma hipótese de trabalho. A rígida estrutura da publicação não teria mais resistido à constante provocação representada pela convivência com a colunista que, aparentemente enquadrada em suas diretrizes gerais, na verdade escrevia sobre um tema que atacava os princípios básicos da Revista Feminina. Porque enquanto o periódico se esforçava por tornar possível a convivência da mãe e da esposa com a mulher moderna, reforçando os traços que determinavam a

79 feminilidade havia quase um século, o discurso de Marinette borrava o desenho e criava um novo desenho em que contornos da mulher eram menos nítidos e mais próximos do masculino, possibilitando uma restruturação no interior das relações de gênero, descosturando-se assim da linha editorial da revista.

Conclusão

A Moda, assunto muitas vezes relegado à esfera das banalidades por sua temporalidade efêmera, parece com freqüencia que é um sistema à parte, desligado da História e das transformações sociais. Essa questão é constantemente simplificada, associada a roupas ou a acessórios em voga em determinada estação. Ao longo deste trabalho, pudemos constatar que a Moda não se restringe às vestimentas (mesmo que aqui o enfoque esteja direcionado para estas) e, ainda que uma vez transformada pelas condições sociais, ela se tornará um agente suficientemente forte para alterar o comportamento social. No início deste século, a

Moda feminina sofreu modificações que

ultrapassaram os detalhes, chegando a reformular toda a estrutura da roupa feminina. Segundo Gilda de Mello e Souza, durante todo o século XIX a mulher teve sua silhueta desenhada em forma de um X (mangas bufantes e seios pronunciados, cintura afinada por espartilhos, e saias que tornavam a circunferência de base três vezes o

80 tamanho do corpo), contrastando com a do homem, que, com uma roupa de corte reto, em um duas peças formava a letra H.121 Por volta de 1920, os vestidos de corte reto, com saias que variavam entre as canelas e os joelhos e cintura baixa pouco marcada, colocaram as duas retas inclinadas do X lado a lado, aproximando-o do H que desenhava o traje masculino. Não bastasse isso, as retas paralelas que passaram a traçar o perfil da mulher moderna, desestabilizaram as linhas que determinavam o masculino e o feminino, não somente no tocante às roupas, mas também ao papel social. A grande importância que a vestimenta tem dentro deste quadro é sua visibilidade imediata, e por isso, ameaçadora. Tendo se apropriado de alguns elementos do traje masculino, uma questão pairava no ar: O que mais eles teriam de dividir? Isto é, que outras esferas do mundo masculino o “bello sexo”, iria invadir? Durante o século XIX, a mulher vestiu roupas que exageravam seios e ancas, associando-a ao papel de reprodutora. O corpo era deformado de maneira a corresponder a este ideal. Além disto, conforme apontou José Murilo de Carvalho — “O corpo não estava em moda e a moda o encobria.”

122

. As roupas mais soltas e

leves do início do presente século aproximavam o corpo da mulher das suas formas naturais, assinalando outro contraste e mais uma ruptura. Livre dos espartilhos, das pesadas saias e suas armações de ferro, a mulher finalmente estava livre do peso e dos desconfortos das roupas, propiciando maiores movimentos físicos e morais. O corpo feminino era dissociado daquela que fora sua função primordial, a reprodução. A mulher estava, portanto, apta a sair de casa, trabalhar, divertir-se e vivenciar sua sexualidade de forma menos normatizada. O

121

Cf. Gilda de Mello e Souza: O Espírito das Roupas , a moda no século XIX. São Paulo, Comp. das Letras, 1987. p. 59.

81 achatamento dos seios, comum em 1922, opõe-se tão brutalmente aos seios fartos moldados pelas barbatanas do século XIX, que é possível identificar uma rejeição em relação à imagem anterior. Estava claro que a mulher buscava um novo espaço na sociedade, e as roupas eram grandes aliadas. Tais modificações tornaram a roupa feminina mais prática e permitiram às mulheres se aproximarem do espaço público, que a esta altura as convidava. As senhoritas podiam ir à escola, ao cinema, aos clubes e aos parques praticar esportes, ou simplesmente tomar a gasosa, nos finais de semana; o “Triângulo”, principal ponto do centro da cidade, oferecia lojas e casas de chá. São Paulo, por estes tempos, já sofrera uma série de reformulações urbanas e podia ser caracterizada como uma metrópole moderna onde não paravam de aparecer arranha-céus, contrapostos ao fundo formado pela Mata Atlântica. As mulheres no espaço público configuravam outra estranha e temerosa convivência, pois até que ponto mulheres e arranha-céus cresceriam? Que conseqüências tais desenvolvimentos poderiam trazer? A dúvida pairava, e, no tocante ao gênero feminino, qualquer elemento que colaborasse para este crescimento poderia ser perigoso. Como se procurou demonstrar, a Moda foi um deles. As revistas dedicadas ao público feminino, desde meados do século XIX, funcionavam como veículo difusor das

Modas; conseqüentemente, cabia-lhes

também privilegiar ou não a construção dessa nova visualidade feminina. A Revista Feminina, que circulou entre 1914 e 1936, convivia com essa ambigüidade, segundo Margareth Rago, muitos dos artigos que trazia mensalmente procuravam conciliar “as atividades domésticas, o casamento, a educação dos filhos,

122

José Murilo de Carvalho. O corpo na Moda. Rio de Janeiro, Fundação Rui Barbosa/ Ministério da cultura, 1994. (catalogo da exposição “ O corpo na Moda”).

82 todo um ideal de como ser mulher, com sua entrada no campo profissional (...) — e ainda — o direito de voto e seu ingresso no cenário político (...)”123. O discurso da cronista Marinette, com seus modelos práticos e simples, somou-se durante mais de dez anos a essa dualidade, pois seus artigos procuravam facilitar o acesso das senhoras e senhoritas à vida pública, explicando a estas que caminhos deveriam seguir para não serem confundidas com meretrizes ou senhores, a quem pertencia o referido espaço, com limites pouco definidos, pois apropriar-se dele seria um perigo. Buscar o equilíbrio não era tarefa fácil. O caminho estreito e nebuloso pouco ajudava, pois tanto a elegância como a simplicidade que Marinette indicava eram conceitos amplos, variáveis e difíceis de serem delimitados. Como se entre a prostituta e a mulher-mãe não existisse mais nada. Deste modo, as roupas simbolizaram nos anos vinte uma aproximação do feminino com o masculino, confundindo as relações de gênero e colocando a mulher dentro de um espaço pouco definido, vestindo-lhe uma nova realidade e, por isso mesmo, aos olhos de muitos um “perigo para as boas moças”.

123

Margareth Rago. Os Prazeres da Noite: Prostituição e Códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. p. 72.

83

Fontes e Bibliografia

1) Fontes Primárias Impressas:

a) Livreto:

A Moda. Amélia de Rezende Martins, Niterói, Tipografia Salesiana, 1920.

b) Revistas Femininas publicadas entre 1910-1930:

84 A Cigarra - Escola de Comunicações e Artes-Universidade de São Paulo/19141923, nos: 1-2, 6-7, 9-10,12-15, 17-21, 23-32, 34-43, 48-49, 85-86, 181-184, 187-190, 192-193, 199-217, 219-220, 223-224).

Kósmos - Arquivo Edgard Leuenroth- Universidade Estadual de Campinas/ 1930, n.1.

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