Modelagem Sistêmica Baseada em Cadeias de Markov

July 25, 2017 | Autor: Liduino Pitombeira | Categoria: Musical Composition, Probabilistic Markov Modeling, Musical Analysis, Music and Mathematics
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MODELAGEM SISTÊMICA BASEADA EM CADEIAS DE MARKOV Rubem José Vasconcelos de Medeiros (UFCG)

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Raphael Sousa Santos (UFCG)

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Liduino José Pitombeira de Oliveira (UFCG) [email protected]

Resumo: Neste trabalho implementou-se um método de modelagem sistêmica dos Corais de Bach, por Cadeia de Markov, com o objetivo de formalizar seus aspectos léxicos e sintáticos. Os parâmetros altura e ritmo agregam-se em estados que englobam a estrutura harmônica, condução de vozes e ornamentação. O sistema foi validado por sua capacidade de gerar trechos corais, cuja sintaxe harmônica apresenta um alto grau de similaridade com os modelos analisados. Palavras-chave: Cadeias de Markov, modelagem sistêmica, Corais de Bach, Análise assistida por computador, McHose. Systemic Modeling based on Markov Chains Abstract: In this work we implemented a method for the systemic modeling of the Bach’s chorals, using Markov Chain, with the goal of formalizing lexical and syntactic aspects of these pieces. The parameters pitch and rhythm are aggregated into states that comprise the harmonic structure, voice leading and ornamentation. The system was validated by its ability to generate choral excerpts, whose harmonic syntax has a high degree of similarity to the analyzed models. Keywords: Markov Chains, Systemic Modeling, Bach’s chorals, Computer-assisted analysis, McHose.

O ensino da harmonia progride cada vez mais no sentido de definir um sistema sintático que se relacione com uma realidade histórica. Desta forma, modelos como o de Hindemith (1940), que apenas fornecem regras prescritivas de condução e se distanciam da prática histórica dos compositores, estão gradualmente caindo em desuso. No entanto, mesmo livros-texto de harmonia mais recentes, como Kostka (1987), o qual tem uma clara preocupação com os aspectos históricos, nos fornecem apenas uma receita vaga de como a sintaxe harmônica opera nos dois primeiros séculos de harmonia diatônica. Se pensarmos no ensino da harmonia cromática, cuja sistematização pedagógica ainda depende de um exame e aceitação mais ampla das teorias harmônicas do século XIX (Hauptmann, Öetiggen, Riemman, A.B. Marx, Vogler e Fétis), o ensino convencional desse tipo de harmonia, no seu aspecto sintático, está ainda distante de ser formalizado pedagogicamente de forma acessível. Tentativas do uso da estatística para modelar o sistema tonal, fornecendo regras sintáticas claras derivadas do repertório, foram realizadas por McHose (1947), o qual, após analisar as taxas de incidência das funções harmônicas nos corais de Bach, organizou-as em progressões e propôs um modelo baseado em um sistema classificatório. Nesse sistema, se as tríades progridem ascendentemente por quartas, em direção à tônica, a progressão é denominada normal; se a tríade permanece estática nos graus IV-ii, V-viio, ocorre uma repetição; se a tríade progride ascendentemente por quartas, mas de forma disjunta, denomina-se elisão; e se a tríade caminha em sentido descendente, ocorre uma retrogressão. Embora seja eficiente no sentido de emular a sintaxe utilizada nos corais de Bach, esse sistema, proposto por McHose, ainda é frágil no que se refere à ordenação das progressões, ou seja, um encadeamento de funções harmônicas que obedeça aos percentuais propostos por McHose (Normal – 76%; Repetição – 14%; Elisão – 6%; Retrogressão – 4%), não necessariamente reflete a realidade do modelo tonal, uma vez que, a distribuição temporal dessas progressões é tão importante na determinação da sintaxe quanto sua proporção quantitativa. Anais do XXI Congresso da ANPPOM 2011

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É exatamente nesse aspecto que um sistema analítico construído a partir da Cadeia de Markov pode contribuir, uma vez que, com uma representação adequada do repertório, pode gerar dados que contém informações não somente sobre as progressões harmônicas em si, mas também sobre ornamentação, condução das vozes e ordenação desses fatores. Abordagens para modelagem sistêmica e replicação estilística baseada em métodos estatísticos, principalmente Cadeias de Markov, foram experimentadas por Barbaud (1965, p. 106), Pinkerton (1956), Cope (1991), Brooks Jr. et al. (1993), Conklin e Witten (1995), Ponsford, Wiggins e Mellish (1999). Além destes, Cadeias de Markov foram utilizadas em processos composicionais (AMES, 1989, XENAKIS, 1992, p. 79-109 e FRANKEL-GOLDWATER, 2006).

1. Cadeias de Markov Modelar é detectar e organizar padrões, sejam eles provenientes de sistemas físicos naturais ou artificialmente elaborados pela mente humana. Uma forma objetiva e bastante eficiente de extrair padrões de sinais temporais são sistemas baseados em Cadeias de Markov (BRÉMAUD, 1998, p.53-56), doravante denominada CM. Uma CM modela o comportamento de uma sequência de eventos que podem assumir estados. Mudanças de estados são chamadas de transições. Cada transição ocorre de forma não-determinística, ou seja, existe uma probabilidade associada à transição entre estados. Formalmente, uma CM é um processo estocástico que atende à propriedade de Markov, representada pela equação (1). A equação explicita que em uma CM, a probabilidade de ocorrência de um evento depende apenas do evento imediatamente anterior. Pr ( X n+ 1= x∣ X n =x n , X n−1 =x n−1 ,. . . , X 1 =x 1 )=Pr ( X n+ 1 =x∣ X n =x n )

, (1)

O exemplo da Figura 1 ilustra uma cadeia com três estados. Uma CM pode ser representada por uma matriz de transição, que contém todas as probabilidades de transição da cadeia (Figura 1).

 0.3 0.6 0.1  P = 0.45 0.05 0.5   0.01 0.98 0.01 Figura 1: Cadeia de Markov com 3 estados (A,B e C) e sua representação matricial Formalmente, estados numa CM são eventos discretos. Na música, podem ser interpretados como parâmetros musicais, tais como notas, intervalos, durações, acordes ou a combinação de vários parâmetros (AMES, 1989, p.181 e CHAI, 2001, p.2). O exemplo da Figura 2 ilustra a modelagem da canção folclórica franco-canadense Alouette (LAMPLOUGH, 1885, p.14) através da observação das sucessões intervalares.

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Figura 2: Cadeia de Markov da canção folclórica Alouette

Neste trabalho pretende-se realizar uma contribuição para a musicologia sistemática especialmente na sua faceta de modelagem sistêmica, ao se implementar um método de modelagem por CM e validar o seu funcionamento pela avaliação de sua capacidade de geração composicional.

2. Implementação O modelo proposto segue as premissas de: uso mínimo de conhecimento musical e extensibilidade a outros conjuntos de entrada de dados. Foram implementadas rotinas em ambiente de programação Matlab. O sistema aqui proposto, ilustrado funcionalmente na Figura 3, compõe-se das rotinas entrada.m, gera_matriz.m e saida.m, cujas funções são explicitadas nos tópicos seguintes.

Figura 3: Diagrama funcional do sistema

2.1. Representação e Entrada de dados A representação dos dados é similar a Brooks Jr. et al. (1993). Porém, ao invés de lidar com melodias, acrescenta-se ao modelo uma representação rítmica mais efetiva e a capacidade de representar uma composição polifônica. Utilizamos como objeto de estudo o 340 corais de Bach, em formato MIDI, separados em dois grupos distintos, de acordo com a tonalidade (maior ou menor). As funções de extração, transposição e geração dos eventos MIDI são realizadas pelo MIDI toolbox (EEROLA, 2004). Esses corais, depois de transpostos para dó (maior ou menor), constituem a entrada de dados para a rotina entrada.m. Esta rotina coleta informações a partir da varredura de uma grade temporal de referência. Como exemplo, tomemos a primeira frase da seção A do Coral “Aus Meines Herzens Grunde” (Figura 4). No exemplo, a grade de varredura temporal corresponderá à colcheia, que é a menor figura rítmica presente no trecho. O sistema gerará a Tabela 1, cujas linhas correspondem às vozes e cujas colunas correspondem às simultaneidades verticais, com alturas expressas no padrão MIDI. A essa tabela é acrescida uma linha extra com as durações dos eventos verticais. Cada um destes eventos temporais é um bloco de

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informação (estado), inspirando-se na visão schoenberguiana de entidades harmônicas (SCHOENBERG, 1979, p.371-411), isto é, sem considerar a estrutura como uma sequência de tríades às quais se adicionam notas ornamentais (uma visão schenkeriana). Sendo assim, a representação de figuras mais longas do que a colcheia é feita de duas formas: caso todas as vozes tenham a mesma duração, como ocorre no primeiro estado da Tabela 1, é inserido um valor correspondente à duração total (no caso, 2 colcheias) na linha de durações, na coluna do respectivo estado; caso as durações das quatro vozes neste evento não sejam iguais representa-se a maior duração comum como um evento (estado 2 da Tabela 1) e no evento seguinte acrescenta-se um sinal negativo ao valor MIDI para representar as notas que são prolongamentos do estado anterior. Por exemplo, no estado 3, o valor -67, no soprano, representa um prolongamento do Sol 4 do estado anterior. Desta forma, na Tabela 1, cada coluna corresponde a um estado, que representa uma entidade vertical associada a sua duração. Assim, a sucessão de estados corresponde à sucessão das sonoridades simultâneas na música. A cada estado é atribuído um número indexador, de forma a compactar as informações referentes às cinco linhas que correspondem às vozes do coral e à linha de durações, em um único vetor, denominado coral_estado.

Figura 4: Seção A do Coral “Aus Meines Herzens Grunde” de J. S. Bach com grade de colcheias e análise harmônica

Tabela 1: Dados do Coral “Aus Meines Herzens Grunde” de J. S. Bach

2.2. Aprendizagem Uma CM pode ser abstraída, para fins de simulação computacional, como um autômato finito não-determinístico. Para a completa determinação dos seus parâmetros, é preciso extrair dos dados de entrada a quíntupla: conjunto finito de estados E , conjunto finito de símbolos de entrada S , função de transição T , estado inicial i e estado final f . No modelo proposto, o espaço dos estados é de dimensão 5 e cada evento pode ser representado por um vetor v ={s , c , t , b , r } (soprano, contralto, tenor, baixo e figura rítmica), representando um ponto Anais do XXI Congresso da ANPPOM 2011

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neste espaço. Para um banco de dados de entrada arbitrário (por exemplo, 100 corais de Bach), a rotina entrada.m analisa, cria um vetor com o conjunto de vetores v diferentes entre todos os corais, gerando um vetor B que representa o conjunto finito de símbolos de entrada. O índice deste vetor B também é o vetor I , representando o conjunto finito de estados. Os corais, codificados em índices de I , formam a saída da

rotina entrada.m e servem de entrada para o próximo bloco funcional. A rotina gera_matriz.m, por sua vez, irá calcular a frequência relativa de transição de um estado para outro, gerando uma matriz que representará a função de transição do autômato. O conjunto de estados iniciais será o conjunto dos primeiros vetores de cada coral. Da mesma forma, o conjunto de estados finais corresponderá ao conjunto dos vetores finais de cada coral. O aprendizado da cadeia finaliza quando todos os parâmetros são encontrados, ou seja, a quíntupla é conhecida ( E , S ,T , i , f ) . Tal quíntupla pode ser facilmente convertida em regras sintáticas de uma linguagem formal. O significado desta linguagem depende do banco de dados de entrada e de sua representação. No nosso modelo, a linguagem irá fornecer um vocabulário e uma sintaxe do sistema utilizado por Bach em seus corais. A mesma linguagem pode ser utilizada para gerar composições baseadas nesse sistema de forma automática.

3. Resultados O coral mostrado na figura 5 é um dos resultados gerados pela implementação do sistema. Apresentamos a análise harmônica deste coral, onde se observa, mesmo em um trecho pequeno, coerência sintática com relação às estatísticas de progressão sugeridas por McHose: 80% das progressões são normais, 10% são retrogressão e 10% elisão. Os princípios de condução de vozes também estão coerentes com os manuais de ensino da harmonia, ou seja, de maneira geral, o princípio da parcimônia de condução é facilmente observável. Verificou-se também a eficácia da representação utilizada que, mesmo em uma CM de primeira ordem, mostrou-se capaz de gerar resultados coerentes com o sistema modelado. Porém, por ser um modelo probabilístico, garante apenas que na maioria dos casos, um coral gerado estaria dentro do estilo modelado. Mesmo assim, com uma CM de ordem 1, obtém-se corais dentro do estilo. Como o sistema trata as entidades verticais sem separar eventos triádicos de notas ornamentais, verificamos, após a análise de todos os corais de Bach, pelo sistema, a ocorrência de 348 formas normais pertencentes a 38 formas primas distintas. Uma vez detectadas as características de condução entre as vozes desses conjuntos de classes de notas, é possível formalizar um corpo de regras prescritivas, tanto para a condução propriamente dita, como para a sintaxe entre esses conjuntos.

Figura 5: Coral gerado pelo sistema Anais do XXI Congresso da ANPPOM 2011

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4. Considerações finais Observou-se nesse trabalho a possibilidade de modelagem dos corais de Bach, através do uso de cadeias de Markov. O sistema proposto focalizou no exame da sintaxe dos eventos harmônicos, nos quais estão encapsuladas informações sobre entidades verticais e notas ornamentais. Considerando que a matriz de transição contém uma base de dados com todas as possibilidades de progressões harmônicas e suas frequências relativas de aparecimento, o gerenciamento dessas informações, a partir de um sistema classificatório que nos permita vislumbrar relações de uma maneira mais palpável, pode ser a chave para a modelagem de um sistema com ramificações pedagógicas. O sistema tem o potencial para modelar as obras de outros compositores, agregando-se o exame de outros parâmetros, além da altura e do ritmo, os quais foram os únicos utilizados para a modelagem dos corais de Bach. Adicione-se, como perspectivas futuras, a modelagem conjunta de estilos diferenciados, originando um modelo híbrido, e a medição da complexidade através da taxa de entropia (SHANNON, 1949) retirada da matriz de transição.

Referências: AMES, C. The Markov Process as a Compositional Model : A Survey and Tutorial. Leonardo, Vol. 22, No.2. Cambridge: MIT Press, 1989. BARBAUD, P. Initiation `a la composition musicale automatique. Paris : Dunod, 1965. BROOKS Jr., F., HOPKINS Jr., A., NEUMANN, P., e WRIGHT, W. An experiment in musical composition. In Schwanauer and Levitt, editors, Machine Models of Music, pp. 23–40. Cambridge: MIT Press, 1993. BRÉMAUD, P. Markov Chains, Gibbs Fields, Monte Carlo Simulations, and Queues. New York: Springer, 1998. CHAI Wei, VERCOE Barry. Folk Music Classification Using Hidden Markov Models. Proc. of International Conference on Artificial Intelligence. 2001. CONKLIN, D. e WITTEN, I. Multiple viewpoint systems for music prediction. Interface, 24, 51–73, 1995. COPE, D. Computers and musical style. Oxford: Oxford University Press, 1991. EEROLA, T. & TOIVIAINEN, P. (2004). MIDI  Toolbox: MATLAB  Tools for Music Research. University of Jyväskylä: Kopijyvä, Jyväskylä, Finland. Disponível em http://www.jyu.fi/hum/laitokset/musiikki/en/ research/coe/materials/miditoolbox/. FRANKEL-GOLDWATER L. Computers Composing Music An Artistic Utilization of Hidden Markov Models for Music Composition. Journal of Undergraduate Research, v. 5, no. 1-2. pp. 17-20, 2006. LAMPLOUGH, J.L., Editor. McGill College Songbook. Montreal: Lamplough, 1885.

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McHOSE, Allen Irvine. The Contrapuntal Harmonic Technique of the 18th Century. New York: F.S.Crofts & Company, 1947. PINKERTON, R. Information theory and melody. Scientific American, Vol. 194, pp. 76-86, 1956. PONSFORD, D.,  WIGGINS, G., MELLISH, C. Statistical Learning of Harmonic Movement. Journal of New Music Research. Vol. 28, pp. 150-177, 1999 RABINER L. R., A Tutorial on Hidden Markov Models and Selected Applications in Speech Recognition. Proc. IEEE, Vol. 77, No. 2, pp. 257‑286, February 1989. SHANNON, Claude E. e Warren Weaver. The Mathematical Theory of Communication. Champaign: Univ of Illinois Press, 1949. XENAKIS, I. Formalized Music: Thoughts and Mathematics in Music. Hillsdale: Pendragon, 1990.

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