Modelando a produção de dados sobre identidades de gênero trans, travestis, não binárias e não ocidentais: Perspectivas decoloniais sobre trabalho, expectativa de vida e saúde

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES SOBRE MULHERES, GÊNERO E FEMINISMO

MODELANDO A PRODUÇÃO DE DADOS SOBRE IDENTIDADES DE GÊNERO TRANS, TRAVESTIS, NÃO BINÁRIAS E NÃO OCIDENTAIS: PERSPECTIVAS DECOLONIAIS SOBRE TRABALHO, EXPECTATIVA DE VIDA E SAÚDE

Salvador-BA 2017

Apresentação e justificativa Este anteprojeto de tese de doutorado pretende analisar a necessidade da ampliação e complexificação da produção de dados socioculturais referentes às populações trans (homens trans e transexuais, mulheres trans e transexuais), travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais1, propondo um modelo que contribua no sentido de garantir a participação destas populações no desenvolvimento, produção, análise e utilização dos dados. Esta necessidade é marcada, desde um ponto de vista teórico e político, pelas reflexões e práticas transfeministas (JESUS & ALVES, 2010; JESUS, 2013) e interseccionais (BRAH & PHOENIX, 2004), e pelas marginalizações, invisibilizações e violências relacionadas às colonialidades do poder, saber e ser (RESTREPO & ROJAS, 2010) que envolvem estas populações em diferentes aspectos de suas vidas, a partir das variadas formas em que suas identidades de gênero estejam inconformes à cisgeneridade como ideal normativo. Entre estes aspectos, o projeto objetiva destacar e aprofundar três deles, através de revisão de literatura, de uma cartografia com pessoas pesquisadoras e ativistas que refletem sobre as questões envolvendo estas populações, e da modelagem de dados: (1) trabalho e renda; (2) expectativa de vida; e (3) as necessidades de saúde destas populações. A revisão e a cartografia constituem a proposta eminentemente teórica a ser realizada no projeto, o fundamento epistêmico a orientar o desenho, desenvolvimento, e análise do modelo de produção de dados. Este modelo consiste em uma proposta de desenvolvimento de instrumentos comunitários para a geração de informações relativas aos três aspectos previamente mencionados. No desenvolvimento da tese e do modelo, mais especificamente, pretendo considerar em detalhe os elementos relacionados à (1) ética, segurança e perspectiva epistêmica envolvida no processo de modelagem, um eixo entrelaçado à proposta teórica do trabalho; às (2) estratégias, metodologias e tecnologias para a produção, gestão e difusão das informações e conhecimentos; e aos (3) usos, aplicações e desenvolvimentos potenciais a partir dos dados produzidos e analisados através do modelo. O propósito é que este trabalho possa fomentar melhores condições de decisão em termos do desenvolvimento de políticas públicas, promover o fortalecimento de comunidades, em termos de memórias, resiliências, informações e afetos, assim como estimular perspectivas e estratégias decoloniais (RESTREPO & ROJAS, 2010, p. 37-38) que sejam inovadoras no desmantelamento de colonialidades. 1

Não binárias e não ocidentais, no sentido de serem identidades de gênero desalinhadas (e também exploradas, violentadas) em relação à genealogia ocidental do binarismo de gênero pautado no dimorfismo sexual. Sobre esta genealogia, o trabalho de Jorge Leite Jr. (2011) é referência.

Formulação do problema A proposição deste projeto está relacionada à escassez e precariedade dos dados disponíveis sobre as populações trans, travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais em nível internacional2. Tais escassez e precariedade são apontadas em pesquisas de diferentes áreas (NAMASTE, 2000; BALZER et al, 2012; JESUS, 2013; REISNER et al, 2016), e fazem parte do conjunto de violências que atravessam estas populações. A indisponibilidade relativa de dados produz invisibilizações de diferentes ordens e atravessamentos interseccionais, bem como impeditivos e obstáculos a políticas públicas e iniciativas de enfrentamento e resistência. Em um apontamento crítico para a reflexão sobre a produção de dados, Symmy Larrat interroga (BRASIL, 2015, p. 159-163): Como identificar a violência contra esta população se os sistemas de segurança não identificam a já tão falada identidade de gênero? A dificuldade de utilizar seu nome social na escola praticamente anula a possibilidade de sabermos quantas delas e deles permaneceram no ensino público. Como inserir essa população nos programas sociais se não está nas famílias e se não é possível, muitas vezes, identificar um endereço que seja, pois não pode repassar onde se abriga com medo da proprietária ser identificada como cafetina?

A ideia de propor um modelo de produção de dados, neste sentido, partiu de percepções e diálogos, enquanto pessoa pesquisadora e ativista, sobre as dificuldades que encontramos diante de nossas lutas e reflexões para denunciar a indignidade humana em relação às populações cujas identidades de gênero divirjam de normas sociais hegemônicas. Em diversos momentos, em encontros acadêmicos, ativistas e institucionais, recorremos às estimativas de que 90% de mulheres trans e travestis estão no trabalho sexual, de que as populações trans têm 35 anos de expectativa de vida3, e de que nossas demandas de saúde são mais que terapias hormonais e cirurgias de modificação corporal (para não dizer que até mesmo estas demandas formalmente reconhecidas não são devidamente respeitadas). Portanto, a gravidade destes dados, bem como as limitações metodológicas envolvidas na sua elaboração, apontam para a necessidade urgente de os estimarmos com melhor detalhe e complexidade, implicando na demanda política por investimento de recursos em pesquisa, e 2 3

Define-se identidade de gênero como “a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo […] e outras expressões de gênero” (ICJ, 2007, p. 7). Estes dados sobre trabalho e a indigna expectativa de vida das pessoas trans são estimados pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), e amplamente divulgados nos ativismos trans (transexuais e travestis) para indicar a profundidade das violências contra estas comunidades.

por transformações institucionais e socioculturais. Nas palavras de Viviane Namaste (2000, p. 5, tradução nossa): O desenvolvimento de soluções apropriadas para os problemas atualmente enfrentados por pessoas transexuais e transgêneras 4 deve reconhecer como o apagamento destas pessoas e realizado na e através da produção de conhecimentos.

Neste sentido, a própria composição destas populações é um elemento a ser destacado, também. Fundamentalmente, não sabemos quantas pessoas trans, travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais existem no mundo, sendo que a tendência de parte considerável das pesquisas (particularmente na área de saúde) é de se enfocarem os subgrupos que busquem cuidados de saúde em clínicas especializadas para pessoas transexuais, com potencial para subestimações grosseiras (ver WINTER et al, 2016, p. 12). De todas formas, como trazido no relatório 'Por la salud de las personas trans Elementos para el desarrollo de la atención integral de personas trans y sus comunidades en Latinoamérica y el Caribe', a população trans referida no estudo “está composta por pessoas e grupos de pessoas que diferem significativamente entre si, no que diz respeito a suas concepções sobre a identidade, experiências pessoais e padrões de comportamento” (OPS, 2013, p. 17, tradução nossa). O esforço em utilizar, nesta proposta, populações trans, travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais, está associado a uma tentativa de abarcar um amplo espectro de formações subjetivas, identitárias, políticas e culturais que se constitui de maneira dinâmica no tempo. Afinal, como aponta Dean Spade (2003, p. 15, tradução nossa): Como muitas comunidades resistindo a opressões, a comunidade trans se utiliza de termos em constante evolução para descrever nossa articulação de identidades não normativas e nossas lutas contra um sistema de gênero binário coercitivo.

Considerar esta pluralidade de conceitos relativos a gênero (particularmente nas formas como ela é cerceada) também guarda relação com uma perspectiva que desloca a hegemonia ocidental de sua centralidade, questionando a colonialidade do gênero em suas simplificações e distorções (LUGONES, 2008). Neste sentido, torna-se crítico “evidenciar que muitos dos conceitos relativos a gênero que utilizamos nas culturas ocidentais se baseiam em uma concepção binária do sexo. A literatura recente explora o gênero e, de fato, também o sexo como contínuos conceituais” (OPS, 2013, p. 18). Por sua vez, também é importante notar que a denominação destas populações se dá 4

“Transsexual and transgendered people”, no original.

em contraste ao “termo 'cis' ou 'cisgênero', que às vezes se utiliza de maneira complementar para se referir a pessoas cujas identidades e/ou expressões de gênero correspondem ao seu sexo designado ao nascer” (ibidem). A formulação deste contraste estabelece uma função importante ao enfatizar que todas pessoas têm identidades de gênero, e que este é um eixo interseccional crítico de análise, sendo determinante no acesso ao trabalho e à vida em boas condições de saúde. A proposta sobre o problema a ser enfrentado neste projeto está centrada na produção de dados relacionados a estas percepções, teorizações, e usos coletivos e políticos de dados (90% de mulheres trans e travestis no trabalho sexual, a expectativa de vida de 35 anos para as populações trans, e a circunscrição das demandas de saúde trans a terapias hormonais e cirurgias de modificação corporal). Estes três dados, esquematicamente, constituem as esferas do desenvolvimento da tese, as dimensões da produção de dados do modelo potencial: (1) trabalho e renda; (2) expectativa de vida; e (3) as necessidades de saúde das populações trans, travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais. (1) Trabalho e renda Quanto mais diversificado for o campo de estudo sobre as travestis, maior será a possibilidade de compreendê-las. Assim como os heterossexuais são capazes de viverem em diversos contextos (sociais, educacionais, profissionais, etc.), o mesmo pode ocorrer com as travestis. A presença destas nos espaços de convivência, de trabalho, de aprendizagem, de decisões politicas pode ajudar a desmitificar essa ideia de que toda travesti se constrói na prostituição. (ANDRADE, 2012, p. 17)

Modelar a produção de dados sobre trabalho entre as populações envolvidas nesta proposta no contexto brasileiro implica em um diálogo com a produção histórica de representações e discursos sobre mulheres trans, transexuais e travestis, bem como com a invisibilidade de homens trans e transexuais (ALMEIDA, 2012). Neste sentido, a importância desta modelagem opera em dois sentidos, nesta esfera: por um lado, na direção da complexificação da economia sexual, e por outro, no sentido de abranger informações sobre trabalho e renda entre estas populações para além desta economia. Operacionalizada junto ao processo cartográfico, a modelagem tem o objetivo de viabilizar a produção de informações diretamente relevantes para demandas por políticas públicas – como nas esferas do emprego e seguridade social, por exemplo – e também para cartografias que façam emergir assédios e violências trabalhistas e econômicas, e estratégias de enfrentamento a eles.

(2) Expectativa de vida A expectativa de vida ao nascer, ou esperança de vida ao nascer, é conceituada como o “número médio de anos de vida esperados para um recém-nascido, mantido o padrão de mortalidade existente na população residente”, um dado que permite analisar as “condições de vida e de saúde da população”, bem como “subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas de saúde e de previdência social” (RIPSA, 2008, p. 86). A produção de dados sobre a população trans que mais se aproxima da possibilidade de estimação da expectativa de vida ao nascer, em âmbito internacional, são os dados divulgados pelo projeto “Trans Murder Monitoring” (Monitoramento de Assassinatos de Pessoas Trans, TMM)5. Os dados referentes ao contexto brasileiro, assim como os de outros países, são levantados através de redes de ativismo 6, e se fundamentam principalmente em notícias midiáticas sobre assassinatos, e apontam para cenários extremamente preocupantes: o Brasil como líder absoluto e distante nos assassinatos de pessoas trans no mundo, sendo parte significativa das mortes com causas brutais (JESUS, 2013). Considerando-se os potenciais de subnotificação dos óbitos entre estas populações, faz-se necessário analisar a possibilidade de estratégias adicionais para a estimativa da expectativa de vida, uma vez que, por exemplo, “quando a precisão dos dados de sistemas de registro contínuo não é satisfatória, o cálculo deve basear-se em procedimentos demográficos indiretos” (RIPSA, 2008, p. 86). Que desafios se apresentam, diante das especificidades socioculturais das identidades de gênero trans, travestis, não binárias e não ocidentais? Como garantirmos que as informações sobre os óbitos entre esta população serão obtidos? Infelizmente, este é um desafio em escala global: “Na maioria dos países, os dados sobre assassinatos de pessoas trans e gênero-diversas não são sistematicamente produzidos, e é impossível estimar a quantidade de casos não notificados” (TVT, 2016). Este projeto pretende cartografar os elementos envolvidos neste desafio. A proposta de análise de condições para a produção de dados implica, assim, na reflexão sobre o histórico de subnotificação das mortes de mulheres trans e travestis – por serem tomadas, pela mídia e organizações lgbt, como 'homens homossexuais', ou por serem mortes com participação direta de agentes da segurança pública, entre outras razões –, a invisibilidade de homens trans assassinados7, e como se pode estrategizar a produção de dados mesmo diante da ausência da 'identidade de gênero' como categoria na documentação de 5 6 7

Consultar: http://transrespect.org/en/research/trans-murder-monitoring/ . Atualmente, este levantamento está sendo feito pela Rede Trans Brasil (consultar redetransbrasil.org/monitoramento.html). Consultar: http://www.nlucon.com/2016/03/homens-trans-sao-assassinados-mas-casos.html .

óbitos, ou como indicador demográfico em censos e outras pesquisas que servem de fonte para a estimativa da esperança de vida. (3) Saúde A dimensão da saúde é um aspecto crítico entre as populações envolvidas nesta proposta de trabalho. De acordo com Sari Reisner et al (2016, p. 32, tradução nossa), pessoas trans são uma população diversa que é afetada por uma gama de indicadores negativos de saúde através de contextos de baixa, média e alta renda. Os estudos consistentemente documentam uma alta prevalência de resultados de saúde negativos nesta população. Infelizmente, estes resultados negativos convivem com a ausência de dados sobre as necessidades de saúde destas populações, para além das dificuldades fundamentais de estimação do seu tamanho. “Ainda há lugares (por exemplo, o Caribe e a maior parte do continente africano e do Oriente Médio) para os quais pouca ou nenhuma informação está disponível sobre pessoas transgêneras, suas experiências de vida, suas necessidades de saúde” (WINTER et al, 2016, p. 12-14, tradução nossa). Sari Reisner et al (2016, p. 32) apontam, sobre isso, que muitas outras áreas da saúde continuam insuficientemente estudadas, há poucas amostras representativas baseadas na população e estudos longitudinais, e esforços de monitoramento rotineiro para a saúde da população transgênera são escassos. A ausência de itens de pesquisa através dos quais identificar pessoas respondentes transgêneras, no contexto de pesquisas gerais, frequentemente restringe a disponibilidade de dados com que estimar a magnitude de inequidades de saúde e caracterizar a saúde no nível populacional das pessoas transgêneras, globalmente. É necessário notar que esta invisibilidade informacional também guarda relação com as prioridades de pesquisas realizadas sobre estas populações. No contexto latino-americano, o relatório 'Por la salud de las personas trans - Elementos para el desarrollo de la atención integral de personas trans y sus comunidades en Latinoamérica y el Caribe' traz entre suas recomendações “assegurar que a provisão de atenção a pessoas trans seja integral e não somente limitada ao HIV e outras DST, tomando em conta todas as áreas relacionadas com o bem-estar individual e comunitário” (OPS, 2011, p. 147). Marília dos Santos Amaral et al (2014, p. 304) apontam problemas neste sentido, para o contexto brasileiro de saúde em relação às travestis, e como este paradigma tem sido criticado (por exemplo, em LIONÇO, 2009): A atenção a esta população tornou-se majoritariamente voltada a ações

preventivas e paliativas de saúde, na maioria das vezes percebida pelos profissionais e governos como sinônimo de aids. As demandas governamentais de assistência às travestis continuam diretamente associadas às drogas, à prevenção da criminalidade, ao HIV/aids e às DSTs. A tese de Larissa Pelúcio (2007), por exemplo, realizada entre travestis que se prostituem, adverte sobre “alguns efeitos perversos que os programas de prevenção podem apontar ao confinarem as travestis […] às unidades especializadas em DST/aids, distanciando esta população da prevenção e do cuidado básico com a saúde em geral” (AMARAL et al, 2014, p. 304). Portanto, este projeto para a produção de dados sobre as populações trans, travestis, e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais pretende contribuir nos sentidos de “intensificar a pesquisa dirigida à expansão do conhecimento sobre as populações trans, suas necessidades, demandas, problemas comuns e determinantes sociais de saúde”, de “definir claramente amostras e resultados de pesquisas relevantes às populações trans, evitando misturar seus dados aos de populações homossexuais, lésbicas, bissexuais ou outras”, “criar redes acadêmicas com inclusão de pessoas trans” (OPS, 2011, p. 149), e “desenvolver processos e materiais para a educação entre pares em temas que tenham relevância para o bem-estar das pessoas trans” (ibid., p. 151). Delimitação das hipóteses As hipóteses centrais deste projeto são as seguintes: - A produção de dados sobre as populações trans (homens trans e transexuais, mulheres trans e transexuais), travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais é precária e insuficiente, particularmente nas intersecções de classe, raça-etnia, sexualidade, religiosidade, entre outras. - Estas populações são atravessadas por processo de genocídio, exclusões e marginalizações em diversos contextos socioculturais, e o brasileiro e latino-americano têm especificidades importantes. A precariedade e insuficiência de dados sobre estas populações são parte destes genocídios. - A modelagem pode trazer contribuições para aprimorar a produção de dados, processo que por sua vez pode prover melhores insumos para a geração de informações úteis ao enfrentamento destes contextos de genocídio e para o estabelecimento de fundamentos

teóricos e políticos para inflexões decoloniais e processos de resistência. Objetivos Objetivo Geral Contribuir, através de reflexões teórico-políticas e dos trabalhos de modelagem, para a produção de dados socioculturais sobre populações trans (homens trans e transexuais, mulheres trans e transexuais), travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais, situando-a, a partir do contexto brasileiro, dentro de uma necessidade epistêmica decolonial global. Objetivos específicos - Propor reflexões e fundamentos teóricos e políticos, a partir de perspectivas (trans)feministas, decoloniais e queer, para a produção de dados sobre estas populações, e para o estímulo e fortalecimento de inflexões decoloniais e interseccionais entre corpos e identidades de gênero inconformes. - Modelar a produção de dados sobre as populações trans, travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais, conforme descrito a seguir: - Sobre trabalho, a partir de levantamento sobre ocupações e de uma cartografia relativa a violências cissexistas nas esferas trabalhista e econômica; - Sobre expectativa de vida, envolvendo uma cartografia memorial de mortes (particularmente assassinatos, suicídios, e mortes envolvendo questões políticas e de saúde correlacionáveis a cissexismos) e afetividades entre estas populações, propondo a documentação de violências no cistema de segurança pública e de processos de resiliência; - Sobre saúde, através de uma cartografia fundamentada em princípios e necessidades de saúde integral para estas populações 8, e propondo a documentação de violências no âmbito da saúde. Fundamentos teóricos Os principais referenciais teóricos que fundamentam a proposição deste projeto se relacionam a perspectivas e estudos feministas e transfeministas, queer, e ‘pós’coloniais/decoloniais. Farei, nesta seção, algumas observações sobre estes referenciais com o propósito de brevemente apresentar as principais contribuições, inspirações e diálogos 8

Ver OPS, 2013.

teóricos que influenciam tanto a orientação epistêmica quanto metodológica da proposta. Por que estudar as populações trans, travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais? Por que produzir dados sobre elas? Por que produzir dados sobre trabalho, expectativa de vida e saúde? Estas considerações de ordem epistemológica têm se apresentado para mim tanto a partir de experiências pessoais quanto teóricas, e penso ser somente nos entrelaçamentos destas experiências que os referenciais apresentados e minhas apropriações deles são compreendidos: as reflexões interseccionais a partir de feminismos 9, as percepções queer da ressignificação de insultos como resistência a cisheteronormatividades, e as atitudes decoloniais na denúncia dos efeitos de colonialismos conversam entre si para responder a estes porquês, evidenciando o apagamento dos dados sobre estas populações como uma faceta dos processos de genocídio contra elas mundo afora (ver, por ex., NAMASTE, 2000, p. 42), também em diálogo com lutas feministas pela despatriarcalização do Estado e as implicações patriarcais na disputa epistêmica (MORAES, 2014). Dessa forma, se em outros processos acadêmicos enfatizei como estes referenciais apoiaram uma produção teórica que fizesse da escrita uma cura (ver hooks, 1994, p. 59), neste anteprojeto proponho utilizá-los para que seja possível modelar, com complexidade, ética e sensibilidade, a produção de dados em escala ampliada, potencialmente viabilizando relatórios e informações semelhantes aos documentos Injustice at every turn (GRANT et al, 2011) ou ao censo de pessoas trans realizado no Uruguay no período recente 10. A seguir, trago alguns elementos destes referenciais teóricos e políticos para fundamentação: - Transfeminismos: aprendizados e tensionamentos feministas Ativismos e teorizações transfeministas têm se apresentado, no geral, como associados a perspectivas de feminismos interseccionais, e em diálogo com estas dimensões feministas históricas têm procurado, particularmente, propor redefinições e complexificações dos escopos de lutas feministas – ampliando-os para considerar, por exemplo, questões relativas a identidades de gênero e diversidades corporais, o que implica em uma reconfiguração em torno do sujeito ‘mulher’ tido como central em feminismos –, simultaneamente aos aprendizados e solidariedades feministas que contribuem para a transformação de pensamentos e práticas em movimentos ligados a identidades de gênero, como os movimentos 9

O conceito de interseccionalidade pode ser considerado, como fazem Avtar Brah e Ann Phoenix (2004, p. 76, tradução nossa), como “significando os efeitos complexos, irredutíveis, variados e variáveis que decorrem quando múltiplos eixos de diferenciação – econômica, política, cultural, psicológica, subjetiva e experiencial – se interseccionam em contextos historicamente específicos”. 10 Em https://www.presidencia.gub.uy/comunicacion/comunicacionnoticias/mides-datos-preliminaresprimer-censo-trans , são apresentados dados preliminares deste esforço censitário.

de mulheres transexuais e travestis. Considero que estes dois caminhos resumem bem minha compreensão sobre o que me parecem ser as principais potências críticas dos transfeminismos. Em uma proposta de definição, Jaqueline Jesus e Hailey Alves (2010, p. 15-16) também localizam alguns aspectos das perspectivas transfeministas que merecem atenção: O feminismo transgênero ou transfeminismo é, particularmente, um movimento intelectual e político que: 1) desmantela e redefine a equiparação entre gênero e biologia; 2) reitera o caráter interacional das opressões; 3) reconhece a história de lutas das travestis e das mulheres transexuais, e as experiências pessoais da população transgênero de forma geral; e 4) é aberto, e pode ser validado por quaisquer pessoas, transgênero ou cisgênero. Neste sentido, a reflexão a partir de um referencial transfeminista, nesta proposta de trabalho, tem o propósito de compreender como a materialidade histórica e sociocultural das identidades de gênero como eixo de opressões e lutas específicas se relaciona com o gênero como eixo. E assim, notar os aprendizados mútuos a partir das lutas realizadas em ambos eixos, sendo possível pensar em diversos princípios, teorizações e práticas (trans)feministas comuns. Leslie Feinberg (em STRYKER, 2006, p. 4), figura importante no que se constituem como estudos trans/transgêneros, por exemplo, conclamava por uma aliança política entre todas pessoas que fossem marginalizadas ou oprimidas por conta de sua diferença em relação a normas sociais de corporeidade generificada, e que deveriam portanto se organizar para lutar por justiça social, política e econômica. Que as reflexões transfeministas sobre identidades de gênero e diversidades corporais sejam oportunidades para o fortalecimento entre alianças políticas. - Estudos queer: descentralizações viadas e travecas11 da cisheterossexualidade As perspectivas queer “marcam tanto uma continuidade quanto uma quebra de padrão em relação a modelos anteriores de liberação gay e lésbico-feministas” (JAGOSE, 1996, p. 75), tendo sua emergência política relacionada ao contexto estadunidense, especialmente a partir do surgimento da epidemia de hiv/aids e das “esferas interdependentes de ativismo e teoria que constituem seu contexto”, esferas que “passaram por vários deslocamentos”, em particular relativos a problematizações pós-estruturalistas a respeito de “identidades e as operações do poder” (ibid., p. 76). Neste sentido, perguntar-se sobre os processos socioculturais que produzem efeitos de 11 Ver LUSTOSA (2016).

abjeção, de estranhamento, de inferiorização talvez seja a maior inspiração dos estudos queer à modelagem de produção de dados deste trabalho. Questionar a produção do ‘normal’ e do ‘padrão’, em relação às corpas e vivências tidas como abjetas, estranhas, transtornadas, inviáveis: as reflexões sobre cisgeneridade, um eixo central desta dissertação, são fortemente influenciadas pela perspectiva queer em se problematizarem processos de normatização e controle biopolítico (ver SPADE; WILLSE, 2015). Mais especificamente em relação a este projeto, acredito que são válidos tanto o esforço no sentido de ampliar a diversidade de identidades de gênero – para tornar inteligível a possibilidade de identidades de gênero não binárias, por exemplo – quanto a luta para não tomar as populações envolvidas no estudo como 'desvios infelizes' de uma dada normalidade – e sim, como desvios produzidos socioculturalmente para sustentar a economia desta dita 'normalidade'. - Estudos pós-coloniais/decoloniais: contrariedades a binarismos ocidentais Então a pessoa colonizada descobre que sua vida, sua respiração, as pulsações de seu coração são as mesmas que as do colono. [...] Essa descoberta introduz um abalo essencial no mundo. Dela decorre toda a nova e revolucionária segurança da pessoa colonizada. Se, com efeito, minha vida tem o mesmo peso que a do colono, seu olhar não me fulmina, não me imobiliza mais, sua voz já não me petrifica. Não me perturbo mais em sua presença. Na verdade eu o contrario.” (FANON, 1968, p. 34) A importância deste referencial para o projeto se situa no âmbito da ampliação do escopo dos estudos sobre o colonialismo, que trouxe também análises sobre as influências dos projetos coloniais sobre as relações de gênero e sexualidade, tanto em seu período de domínio efetivo como em seus efeitos e presenças contemporâneas. Como se depreende da potente descrição de Frantz Fanon, entretanto, é fundamental apontar como este referencial está relacionado a uma atitude, a uma cosmogonia, a uma percepção de mundo a partir da compreensão dos caminhos e efeitos dos projetos coloniais: como não se imobilizar, não se perturbar, diante das violências que se desdobram quando as miradas coloniais percebem, nos corpos expostos a colonialidades, que eles são travestis, homens trans, mulheres trans, pessoas intersexo? Que fantasias coloniais (KILOMBA, 2010)? Como contrariá-las? Ao tomar a (de)colonização como conceito analítico para uma reflexão sobre as diversidades corporais e de identidades de gênero, pretende-se denunciar o caráter colonizatório dos obstáculos institucionais e não institucionais a uma existência digna a essas pessoas, incluindo-se aqui sua exclusão cistemática de espaços de decisão e produção de

conhecimento, bem como explicitar o etnocentrismo que permeia as definições dominantes de gênero. Mais diretamente em relação a este projeto, trata-se da denúncia da invisibilidade das populações trans, travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais em termos da produção de dados, informações e conhecimento. Conforme argumenta Qwo-Li Driskill (2004, p. 54) (tradução nossa), “uma sexualidade colonizada é uma em que nós internalizamos os valores sexuais da cultura dominante”: o que viriam a ser, neste sentido, identidades de gênero colonizadas? Considerando-se a ocidentalidade que estrutura o binarismo do sexo e gênero, a eventual conclusão sobre a existência dessas identidades colonizadas implica em pensar que há outros contextos possíveis de compreensão de corpos, identidades e expressões de gênero, especialmente em alguns distanciamentos do dito 'ocidente'. Em seu trabalho a respeito das categorias ‘travesti’ e ‘transexual’ dentro de discursos científicos, Jorge Leite Jr. (2011, p. 57) aponta para a necessidade de situar historicamente tais interpretações sobre corpos humanos, notando que estas percepções se alteraram através de contextos, e mesmo internamente a certas tradições de saber – como a ocidental. Neste sentido, parece relevante enfatizar que tal maneira binária de interpretar as diversidades corporais e de identidades de gênero opera a partir de “processos de naturalização de diferenças” que encobre relações de poder que as organizam” (ibid., p. 199). Como estas diferenças se traduzem em invisibilidades demográficas e informacionais? “Nós não sabemos quantas são as pessoas transgêneras” (WINTER et al, 2016, p. 12). Modelar a produção de dados sobre estas populações, assim, é uma esperança de contribuição aos esforços para uma inflexões decoloniais sobre diversidades corporais e de identidades de gênero, nos termos colocados por Eduardo Restrepo e Axel Rojas (2010, p. 37-38): A inflexão decolonial pode ser entendida, de maneira ampla, como o conjunto dos pensamentos críticos a respeito do lado tenebroso da modernidade produzidos desde as pessoas ‘condenadas da terra’ (FANON, 1968) que buscam transformar não somente o conteúdo, como também os termos-condições nos quais se têm reproduzido o eurocentrismo e a colonialidade no sistema mundo, inferiorizando seres humanos (colonialidade do ser), marginalizando e invisibilizando sistemas de conhecimento (colonialidade do saber) e hierarquizando grupos humanos e lugares em um padrão de poder global para sua exploração em áreas da acumulação ampliada do capital (colonialidade do poder). Espera-se, neste sentido, que uma produção de dados orientada às necessidades das populações envolvidas possa contribuir ao enfrentamento de conteúdos e termos-condições das colonialidades exercidas contra elas.

Metodologia Para a execução deste projeto, estão previstos três percursos metodológicos: (1) revisão de literatura, (2) a confecção de cartografias políticas e afetivas com pessoas pesquisadoras e ativistas que trabalham com as questões envolvendo as populações trans, travestis, e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais, e (3) o desenvolvimento teórico e prático da modelagem de dados sobre estas populações. Estes percursos têm os seguintes propósitos, interrelacionados aos objetivos do projeto: (a) refletir sobre as dimensões da ética, segurança de dados e perspectiva epistêmica envolvidas no processo de modelagem, um eixo entrelaçado à proposta teórica do trabalho (refletida no objetivo específico de “propor reflexões e fundamentos teóricos e políticos […] para a produção de dados sobre estas populações”). Uma das reflexões teóricas importantes, por exemplo, se refere à interseccionalidade, uma vez que empreender um esforço interseccional crítico inclui o enfrentamento de novas dificuldades metodológicas trazidas pelo conceito (ver, por exemplo, BOWLEG, 2008). (b) desenhar estratégias, metodologias e tecnologias para a produção, gestão e difusão das informações e conhecimentos a serem coletivamente produzidos no âmbito do modelo. Aqui, as cartografias realizadas junto a pessoas ativistas e pesquisadoras serão críticas, em conjunto com os estudos sobre modelagem de dados. (c) considerar os usos, aplicações e desenvolvimentos potenciais a partir dos dados produzidos e analisados através do modelo, um estudo que envolve os três percursos metodológicos. Sobre a revisão de literatura, seu propósito envolve o “localizar, analisar, sintetizar e interpretar a investigação prévia [...] relacionada com a sua área de estudo; é, então, uma análise bibliográfica pormenorizada, referente aos trabalhos já publicados sobre o tema” (BENTO, 2012). No contexto deste projeto, esta revisão pretende organizar, para as três esferas de estudo (trabalho, expectativa de vida e saúde), as informações pertinentes às populações envolvidas a partir de etnografias em contextos diversos (OLIVEIRA, 1994; PERES, 2005), análises de experiências (NAMASTE, 2000; GEISLER, 2015), revisões (AMARAL, 2014), pesquisas sobre violências (GRANT et al, 2011), poesias (RODRÍGUEZ, 2012) e outras produções e saberes. Em relação às cartografias, também a serem elaboradas para as três esferas de estudo,

considero-as uma metodologia importante neste trabalho para que tanto a complexidade das invisibilizações, marginalizações e violências contra as populações envolvidas, quanto a multiplicidade de estratégias de resistência empreendidas por elas, possam produzir informações (crescentemente) relevantes. Neste sentido, pretendo utilizar a cartografia enquanto metodologia a partir da seguinte definição (FILHO; TETI, 2013, p. 47): Assim, a cartografia social aqui descrita liga-se aos campos de conhecimento das ciências sociais e humanas e, mais que mapeamento físico, trata de movimentos, relações, jogos de poder, enfrentamentos entre forças, lutas, jogos de verdade, enunciações, modos de objetivação, de subjetivação, de estetização de si mesmo, práticas de resistência e de liberdade. Não se refere a método como proposição de regras, procedimentos ou protocolos de pesquisa, mas, sim, como estratégia de análise crítica e ação política, olhar crítico que acompanha e descreve relações, trajetórias, formações rizomáticas, a composição de dispositivos, apontando linhas de fuga, ruptura e resistência. Conforme tais caminhos cartográficos pretendam fomentar “uma exposição da relação de forças à medida que não desenha a ‘grande política’ – do Estado, da sociedade, das instituições – mas traça um esboço de relações capilares de poder, dando visibilidade à dinâmica micropolítica de um campo social” (ibid., 2013, p. 48), considero-os relevantes para que seja possível, especialmente sob condições institucionais adversas – pensando em períodos de golpes históricos onde, entre outros, a polícia oficialmente instituiu planos de 'limpeza' de travestis (BRASIL, 2014) –, produzir dados populacionais que contribuam com processos de resistência comunitária e denúncia anticolonial. Neste sentido, gostaria de trazer uma breve reflexão sobre a cartografia, a partir de Suely Rolnik e Félix Guattari (1986, p. 190-194). No contexto de uma reflexão sobre uma crise mundial, uma crise que “não se situa apenas a nível das relações sociais explícitas, mas envolve formações do inconsciente, formações religiosas, míticas, estéticas”, “crise dos modos de subjetivação, dos modos de organização e de sociabilidade”, estas duas pessoas autoras trazem uma consideração que me parece importante, a (des)orientar as cartografias: Não se pode dizer que eu esteja prevendo alguma evolução linear em direção a um novo tipo de revolução. Mas não é participar de um otimismo deslumbrado, o fato de acreditar que reviravoltas históricas consideráveis estão com encontro marcado para os próximos anos. O que coloca ainda mais na atualidade a necessidade de criação de novos instrumentos de luta, novos tipos de referências conceituais para compreender a evolução dessas situações inusitadas...

Ter a cartografia como metodologia, assim, implica em ter como horizonte não a circunscrição da produção de dados aos moldes e necessidades de políticas públicas e institucionais (tais quais operantes num dado momento), mas sim a criação de instrumentos que também complexifiquem e denunciem as violências embutidas na (não) produção de dados sobre as populações envolvidas nesta proposta de trabalho, atuando diante da necessidade de criação e transformação da linguagem, das categorias, dos corpos que sejam mais possíveis. Este processo cartográfico, ainda, pretende trabalhar no sentido apresentado por Grada Kilomba (2010, p. 45) para sua análise de experiências cotidianas de racismo na Alemanha com mulheres negras: a pesquisa orientada pela pessoa sujeita (subject-oriented research), inspirada por Paul Mecheril (1997), como um exame das “experiências, autopercepções e negociações identitárias descritas pela pessoa sujeita e a partir da perspectiva da sujeita. Ela tem o direito de ser sujeita – sujeita política, social e individual –, ao invés da corporificação da alteridade”. Uma cartografia orientada pelas pessoas sujeitas implica, neste projeto, tensionar formas de desconsideração histórica entre as populações envolvidas, incluindo-se as maneiras como tais desconsiderações “são reproduzidas no discurso acadêmico através de epistemologias e métodos que colocam as vozes de grupos marginalizados como secundárias, retirando-nos do direito a autorrepresentação” (KILOMBA, 2010, p. 46). Fazer pesquisa entre pessoas pertencentes a um mesmo grupo social, por exemplo, pode ser uma estratégia que se aproxima de uma condição ideal para o estabelecimento de “relações não hierárquicas entre informantes e pesquisadoras” (ibidem). Por sua vez, a modelagem de dados consiste no processo de obtenção de dados, com a sua organização em informações que possam ser transformadas em conhecimento. Como consequência, o modelo desenvolvido pode auxiliar em decisões, estratégias e no desenho de políticas e instituições12, e este é o objetivo deste percurso metodológico em relação às populações trans, travestis e de identidades de gênero não binárias e não ocidentais. Neste sentido, considerando a precariedade e indisponibilidade de dados sobre estas populações, este projeto incorpora o desafio de viabilizar a produção de dados a partir de uma definição efetiva e sensível de variáveis e suas interrelações, de tecnologias e estratégias que garantam a participação coletiva e crítica das populações, e de dispositivos de segurança para que se possa promover uma produção ética e criticamente consciente de dados. Este desafio é 12 A aprendizagem recente com o curso 'Model Thinking', do professor Scott Page na plataforma Coursera

(https://www.coursera.org/learn/model-thinking), tem sido importante para pensar esta metodologia.

permeado pelas dificuldades que envolvem populações sob processos de genocídio, particularmente em intersecções de raça-etnia e classe. As intenções do processo de modelagem, entre outras, são as de “guiar a coleta de dados”, “descobrir novas questões”, “iluminar incertezas críticas”, e eventualmente “desafiar a robustez de teorias predominantes através de perturbações”, “expor os saberes predominantes como incompatíveis, a partir dos dados disponíveis” e “educar o público em geral” (EPSTEIN, 2008). Cronograma de desenvolvimento da pesquisa

Componentes PPGNEIM

17.1

17.2

X

X

Estágio de docência Revisão de literatura Cartografias a partir de pessoas-chave

18.1

18.2

19.1

19.2

20.1

X X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

Qualificação

X

Modelagem da produção de dados

X

X

X

X

Redação da tese

X

X

X

X

Implementação de modelo piloto Defesa da tese

20.2

X

X X

Bibliografia básica ALMEIDA, G. S. de. ‘Homens Trans’: Novos Matizes na Aquarela das Masculinidades? Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 513-526, maio a agosto de 2012. AMARAL, M. dos S. et al . “Do travestismo às travestilidades”: uma revisão do discurso acadêmico no Brasil entre 2001-2010. Psicol. Soc., Belo Horizonte, v. 26, n. 2, p. 301-311, agosto de 2014. Disponível em: . Acesso em 08 de janeiro de 2017. ANDRADE, L. N. de. Travestis na escola: assujeitamento e resistência à ordem normativa. Tese (Doutorado) — Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza, 2012. BALZER, C. et al. Transrespect versus Transphobia Worldwide: A Comparative Review of the Human-rights Situation of Gender-variant/Trans people. Berlim, 2012. BENTO, A. Como fazer uma revisão da literatura: Considerações teóricas e práticas. Revista JA (Associação Académica da Universidade da Madeira), n. 65, ano VII, p. 42-44, maio de 2012. BOWLEG, L. When Black + Lesbian + Woman ≠ Black Lesbian Woman: The Methodological Challenges of Qualitative and Quantitative Intersectionality Research. Sex Roles, v. 59, n. 5, p. 312-325, setembro de 2008. BRAH, A.; PHOENIX, A. Ain’t I A Woman? Revisiting Intersectionality. Journal of International Women’s Studies, v. 5, n. 3, p. 75-86, maio de 2004. BRASIL. Relatório: textos temáticos. Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV, 2014. BRASIL. Ministério da Saúde. Transexualidade e travestilidade na saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: . Acesso em 10 de janeiro de 2017. DRISKILL, Q.-L. Stolen From Our Bodies: First Nations Two-Spirits/Queers and the Journey to a Sovereign Erotic. Studies in American Indian Literatures, University of Nebraska, v. 16, n. 2, p. 50-64, 2004. EPSTEIN, J. 'Why Model?'. Journal of Artificial Societies and Social Simulation, v. 11, n. 4, 12, 2008. Disponível em: . Acesso em 10 de janeiro de 2017. FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. FILHO, K.; TETI, M. A cartografia como método para as ciências humanas e sociais. Barbarói, Santa Cruz do Sul, n.38, p. 45-59, janeiro a junho de 2013. GEISLER, A. R. R. (Ed.). Protagonismo Trans*: política, direito e saúde na perspectiva da integralidade. Niterói: Alternativa, 2015.

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