Modelando conversações de Design

May 19, 2017 | Autor: Chiara Del Gaudio | Categoria: Prototyping, Design process
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Modelando conversações de Design Guilherme Meyer Universidade do Vale do Rio dos Sinos [email protected] Celso Scaletsky Universidade do Vale do Rio dos Sinos [email protected] Filipe Campelo Universidade do Vale do Rio dos Sinos [email protected] Chiara del Gaudio Universidade do Vale do Rio dos Sinos [email protected] Stan Ruecker Illinois Institute of Technology [email protected] Piotr Michura Jan Matejko Academy of Fine Arts in Krakow [email protected]

MEYER, G; SCALETSKY, C; CAMPELO, F; GAUDIO, C; RUECKER, S; MICHURA, P. Modelando conversações de Design. Revista D.: Design, Educação, Sociedade e Sustentabilidade, Porto Alegre, v.8 n.2, 69-86, 2016.

Este artigo foi originalmente apresentado no 12º P&D 2016, tendo sido selecionado pelo Comitê Especial de publicações do evento para essa edição da Revista D.

Editora UniRitter Laureate International Universities 2016 © Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution 4.0.

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Modelando conversações de Design RESUMO Neste artigo, descrevemos o desenvolvimento de um modelo físico tridimensional para análise qualitativa, e examinamos seu uso em apoio à uma conversação de membros de uma equipe de design. O objetivo é o de entender o papel do modelo na conversação para representação, interpretação e construção de conteúdos, e a natureza das conversações desenvolvidas por meio dele. Ao fim de alcançar este objetivo um workshop foi realizado, analisado e será aqui discutido detalhadamente. Mais especificamente, foi feita a análise da transcrição de uma conversação que ocorreu durante a utilização do modelo físico tridimensional, em que os participantes deveriam interpretar uma entrevista. Os participantes eram todos estudantes de doutorado em design. A análise se baseou nas seguintes categorias: (i) interpretação do texto; (ii) o processo de relacionar o conteúdo e o modelo; e (iii) a representação do conteúdo da narrativa em e pelo modelo. Nossas observações apontam que houve uma resistência inicial em utilizar o modelo; que a interpretação evoluiu durante a conversação e que o modelo auxiliou essa evolução; e, para uma direta relação entre raciocínio e interação física com o modelo. Palavras-chave: Processo de design; Modelos de conversação; Colaboração; Interpretação.

Modeling Design talks ABSTRACT In this paper, we report on the development of an experimental 3D physical analytical system for doing qualitative analysis, and how we examined its use in supporting conversation among the members of a design team. Our larger goal is to understand the role the model plays in such conversation. We then conducted one workshop that will be described here. More specifically, 5 design PhD participants had to analyse the transcription of a research interview; so that we were in effect studying a conversation that occurred as they used an experimental physical 3D system for modelling another conversation. Our content analysis of their work used the following categories: (i) interpretation of the text; (ii) the process of relating the content and the model/prototype; and (iii) the representation of the content of the narrative in the system. Our key observations included that there was an initial resistance to using the modelling system; that the interpretation evolved through the conversation and that the model supported that evolution; that the model fostered sharing and comparing ideas; and that there was a direct relation between reasoning and physical interaction with the model. Keywords: Design process; Conversational models; Collaboration; Interpretation.

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1 INTRODUÇÃO E REFERENCIAL TEÓRICO

Design envolve construção de conhecimento e, neste processo, diversos atores envolvem-se em conversações variadas. Os designers conversam sobre seus projetos, discutem entre eles e comunicam suas proposições a atores externos. Apesar de o tema de modelagem de conversação ser tratado por diversas disciplinas (e.g. Stivers and Sidnell, 2014), no design há lacunas sobre a natureza de conversações desenvolvidas entre os participantes de um processo de design. Quando conversações são mencionadas do ponto de vista do design, geralmente é em termos de design enquanto um processo reflexivo, envolvendo um tipo de conversação com o próprio projeto, como proposto por Schön (1987). Conversação é um processo de confrontação, negociação, provocação, teste e erro e persuasão, seja quando o objetivo é conseguir consensos seja quando é permitir a expressão pontos de vista diversos e às vezes contraditórios. Influenciados por tais qualidades e possibilidades da conversação em processos de design, questionamo-nos sobre a possibilidade de se projetar um artefato mediador que auxilie para um processo de conversação mais colaborativo e de resultados mais expressivos. Partindo de uma perspectiva pautada em Research Through Design (RTD), nos focamos em compreender como um modelo físico tridimensional para análise de conteúdo poderia ser utilizado por uma equipe de design para representar ou desenvolver novos conhecimentos durante o processo de design. Este modelo, que projetamos, não consiste um artefato que representa um projeto; trata-se de um modelo que por si mesmo permite representações, interpretações e análise de textos. Nós entendemos este modelo como um artefato que pode ser usado por uma equipe de design como um mediador de conversações. Esta atividade é importante para os designers porque parte-se do pressuposto de que a combinação de ideias e insights presentes em qualquer conversação de projeto seja uma parte relevante do processo de design. Um modelo físico tridimensional, enquanto

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mediador, deve representar os fenômenos visuais, espaciais e temporais articulados em uma conversação. O raciocínio visual e espacial são de maneira equivocada usualmente considerados como uma forma primitiva de pensamento, pré-verbal e não lógica (Goldschmidt, 1994). No projeto, no entanto, a abertura e lógica não linear do pensamento visual contribuem ao processo,

combinando

visões

frequentemente

contraditórias

e

complementares. Estas propriedades contribuem para a geração de novas ideias e conceitos. O modelo físico tridimensional, igualmente, suporta a maneira como designers trabalham com o tempo pois, no projeto, o raciocínio raramente segue uma sequência de etapas bem estruturada. Designers, frequentemente, usam representações visuais, espaciais e temporais para tornar tangíveis as ideias abstratas. Com o modelo proposto no âmbito da pesquisa aqui apresentada visávamos um duplo objetivo. Por um lado, como mencionado, procuramos investigar como um modelo físico tridimensional pode ser um mecanismo de representação, interpretação e construção de conteúdos ao longo do processo de design – novas ideias que emergem durante a etapa de análise do processo de projeto. Por outro, nós buscamos entender como o uso deste modelo por designers pode permitir a construção de novas teorias sobre a natureza das conversações desenvolvidas no processo de projeto. Em relação ao segundo objetivo, Legay (1996, p. 45-46) argumenta que, na ciência, existem duas maneiras de construir um modelo. A primeira tem como ponto de partida uma teoria, assim o modelo é formulado sucessivamente para situações diferentes. O objetivo é validar ou negar uma hipótese. A segunda maneira parte de uma situação específica. O modelo é construído e, assim, ele pode gerar uma determinada teoria. Morrison e Morgan (2008, p. 10) ao refletir sobre modelos enquanto instrumentos de mediação na ciência propõem que: ...é comum pensar que modelos podem derivar inteiramente de uma teoria ou dados. No entanto, se olharmos atentamente à maneira como modelos são construídos, nós podemos começar a ver as fontes de suas independências. Isto deve-se por eles não serem nem uma coisa nem outra, não são somente uma teoria ou dados, mas tipicamente envolvem ambos (e seguidamente adicionam elementos externos) e, assim, podem realizar a mediação entre a teoria e o mundo.

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Ao mesmo tempo, em nossas recentes pesquisas, observamos que tanto a construção do modelo conversacional (feito pelos designers) como as interpretações ou representações dos conteúdos são susceptíveis de múltiplas influências. Em geral, todo objeto projetado pode ser visto como uma comunicação entre designers e os demais atores envolvidos em um projeto. No caso de uma “escultura” conversacional, ou seja, o modelo físico tridimensional proposto, os papéis das diversas pessoas podem modificar e influenciar os resultados. Agir e se comunicar no espaço físico e de forma não linear, e de forma exploratória pode trazer surpresas e ideias inesperadas. Designers estão acostumados a desenvolver protótipos ou modelos que geram e testam ideias de projeto. Diferentemente, caracterizamos o modelo como um tipo de protótipo de ideias conectadas, onde as conexões permitem por exemplo de gerar alternativas para o projeto. Em geral, o modelo conversacional permite uma abordagem aberta para a compreensão: permite de fato tanto a representação quanto a exploração do não esperado porque providencia a prototipagem rápida de conexões entre ideias e de encontrar a “geometria” das relações entre elas no espaço (Frazer, 1995). Para Møller and Tollestrup (2013), artefatos físicos permitem e estimulam conversações entre os designers, usuários e stakeholders por meio de “conceitos experienciais pessoais” (p. 106). O uso desta abordagem permite a estes atores construir sentido em relação a um projeto ou à suas vidas cotidianas e, assim, os habilita a deixar explícitos alguns dos seus conhecimentos mais problemáticos. Somando-se a isto, os artefatos físicos permitem a criação de uma compreensão de segunda ordem, que promove discussões e negociações, típico de qualquer conversação. Piaget (1954) e Vygotsky (1986), na busca pela compreensão de eventos cognitivos escondidos em uma dada situação problemática, realizaram alguns experimentos com artefatos físicos. Nos seus experimentos, os participantes foram encorajados a lidar com os objetos via explanações ou manipulações verbais. Especialmente no caso de crianças, a possibilidade de manipular um determinado objeto foi tensionada com um elemento crucial

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para toda situação experimental, ajudando-as a concretizar suas operações e evitando problemas ao fornecer explanações verbais. Star e Griesemer (1989) introduzem o conceito de boundary objects (objetos fronteiriços), que auxiliam a mediar conversações; neste sentido, o modelo físico tridimensional criado pode ser entendido no seu uso como um tipo de boundary object. De fato o percebermos como um artefato mediador que atua (que tem agência sobre a circunstância em que performa) como um flipchart ou quadro negro. Quer dizer, ele não é um objeto que já existe enquanto uma representação de ideia, mas uma tabula rasa através da qual ideias podem ser colaborativamente desenvolvidas e compartilhadas. O conceito de recurso estruturante de Johansson e Arvola (2007) colabora no entendimento das potencialidades do modelo: um objeto, método ou sistema que suporta o pensamento, influenciando não somente o que é pensado como também as opções disponíveis.

2 MÉTODO A fim de alcançar os dois objetivos precedentemente apresentados – investigar as potencialidades de um modelo físico tridimensional colaborar na construção de ideias em um processo de design e a natureza das conversações suportadas por meio dele– , criamos uma série de protótipos funcionais de um modelo físico tridimensional pensado para facilitar o dialogo e a produção de conhecimento em um processo de design. Sucessivamente foi organizado um workshop de duas horas com 4 participantes, onde este modelo e um texto selecionado foram entregues aos participantes da atividade. A ideia era que os participantes do estudo utilizassem o modelo físico tridimensional para criar algo que fosse representativo da sua compreensão sobre o texto dado. Para melhor compreender as interações e os resultados da atividade proposta, escolhemos analisar uma sessão em que participou um grupo de cinco estudantes de doutorado em design (participante 1 [p1], 2, 3, 4 e 5).

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Nesta ocasião, demos para eles o texto selecionado e pedimos para: construir um modelo espacial do texto que examinavam; e procurar entender como o modelo pudesse ser usado para melhor compreender e discutir o texto. O modelo físico consistia em um conjunto de painéis de acrílico que podiam ser unidos para construir amplas estruturas espaciais. As estruturas resultantes permitiam aos participantes de posicionar diferentes tipos de informação em um espaço tridimensional. Por serem os painéis feitos de acrílico (translúcidos) era possível escrever e colocar notas sobre eles – por exemplo, desenhos, palavras, etc., que os participantes da discussão podiam usar para aumentar a estrutura. Uma grande vantagem oportunizada por esta específica configuração do modelo era que os elementos podiam ser usados livremente para criar uma arquitetura aberta. O texto dado era a transcrição de um diálogo onde quatro designers falavam sobre a construção de cenários de design para um novo sistema de informação de uma empresa global líder no setor de mobiliário de escritório. O workshop foi gravado e, sucessivamente, analisado de acordo com a técnica de analise do conteúdo de Bardin (1991). As categorias usadas para análise do conteúdo foram: (i) interpretação do texto; (ii) o processo de relacionar o conteúdo e o modelo; e (iii) a representação do conteúdo da narrativa em e pelo modelo. O protocolo de analise é apresentado na próxima seção.

3 OBSERVANDO O PROCESSO DE CONVERSA A análise do vídeo do workshop gravado permitiu coletar dados relativos às três categorias acima listadas. Eles nos deram insumos sobre as implicações da

utilização

do

modelo

para

representar

ou

desenvolver

novos

conhecimentos no âmbito de uma conversação. Seguem os dados mais relevantes para cada categoria.

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3.1 Interpretação do texto

No que diz respeito à forma como os participantes interpretaram a transcrição,

identificamos

dinâmicas

significativas

do

processo

de

interpretação, e alguns aspectos fundamentais da relação destas com a atividade proposta. Como explicamos anteriormente, os participantes receberam o texto e o modelo. O tempo de desenvolvimento da atividade era de duas horas. Neste cenário, observou-se que:

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os participantes passaram a metade do tempo discutindo o conteúdo, mas neste mesmo intervalo de tempo quase não tocaram o mesmo. De fato, esta parte da conversa ocorreu principalmente de forma verbal. Apenas por volta do fim desta primeira fase começaram a interagir com o modelo, mas de toda forma tratou-se de uma interação limitada;



a interpretação do conteúdo foi feita em relação ao modelo. Na verdade, ao discutir isso os participantes se perguntaram o que era importante para o modelo. Isso aconteceu em vários momentos do processo no seu todo. Por exemplo, um dos participantes disse: “em vez de nos ajudar a analisar, está nos ajudando a entender o que analisar e como analisar” (p1, 01:07:50);



embora eles tivessem se perguntado sobre qual conteúdo fosse importante para o modelo, a seleção inicial do que era relevante foi feita sem considerar e interagir com ele. Pelo contrario o texto foi analisado de forma tradicional. De fato, individualmente e depois em grupo, eles leram o texto novamente, a fim de identificar as unidades de análise, e as marcaram com post-it;



mais tarde discutindo, eles começaram a refletir sobre sua diferente interpretação do conteúdo e sobre a relevância de considera-la e representá-la. Isso aconteceu quando eles começaram a interagir mais com o modelo: o processo promoveu uma discussão, onde foram consideradas as ideias de todos os participantes, trocadas e comparadas;



em vários momentos eles repararam e discutiram que usar o modelo para a interpretação estava os ajudando em esclarecer suas ideias e compreender os pontos fracos de uma específica interpretação do texto. Ao mesmo tempo, eles declararam que isso geralmente levava meses para acontecer através de uma forma mais estandardizada de discussão e reflexão.

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De acordo com estes resultados, alguns aspectos fundamentais emergiram: a resistência inicial dos participantes a respeito de uma maneira diferente de pensar e analisar que o modelo permitia e sugeria; a evolução da interpretação de conteúdo quando eles começaram a usar o modelo e o crescimento de sua compreensão e discussão; como o modelo promoveu a partilha e comparação das ideias, avançando a uma esfera coletiva de construção colaborativa; finalmente, que a interação com o modelo permitiu identificar rapidamente os pontos fracos de um entendimento.

3.2 O processo de relacionar conteúdo e modelo O processo relativo a como os participantes relacionaram o conteúdo e o modelo incluiu tanto o processo de compreensão sobre como atuar, quanto sobre o que representar (Figura 1):

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durante quase toda a primeira hora não foi claro para os participantes como usar o modelo e como relacioná-lo com conteúdo;



os participantes fizeram várias tentativas antes de escolher como relacionar o conteúdo e o modelo. No início, eles tentaram de definir um protocolo de representação a priori. Fizeram isso sem interagir fisicamente com o modelo, e sem realmente relacionar o conteúdo e as possibilidades de representação e comunicação do modelo. Por exemplo, eles discutiram três estruturas diferentes e alternativas: uma representação do conteúdo cronológica, a representação do conteúdo pelas interações entre os interlocutores, e a representação por grupos de ideias. Estas possibilidades não foram geradas por meio da utilização do modelo como meio e objeto de discussão, pelo contrário pareciam estar baseadas mais nas experiências previas dos participantes. Outro exemplo da falta de conexão entre conteúdo e modelo ao longo da discussão inicial sobre a representação é a forma padrão pela qual os participantes selecionaram os temas-chave: colocaram notas escritas em post-it em uma superfície plana composta por painéis do modelo posicionados lado a lado;



no início do processo de definição de protocolo, as percepções dos participantes sobre como usar o modelo os levou a discutir o objetivo do workshop e da pesquisa;

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a dimensão coletiva da discussão e do processo de relacionar o conteúdo ao modelo cresceu junto com o aumento da interação dos participantes com o modelo. As diferentes sugestões emersas e a discussão coletiva no seu todo mostraram que um processo compartilhado de construção de conhecimento ocorreu;



a compreensão de como usar o modelo cresceu rapidamente quando os participantes adoptaram uma “postura divertida”, e permitiram-se momentos de experimentação;



através da experimentação eles identificaram várias possibilidades de representação oportunizadas pelo modelo: posição respeito aos espectadores, andares ou níveis, vista interna e externa;



dois processos diferentes se sobrepuseram ao longo do workshop: o processo de relacionar o conteúdo ao modelo; e o processo de explorar como o modelo permitiu que os participantes tanto representassem quanto desenvolvessem ideias. Isto pode ser exemplificado pela declaração de um participante: “há várias coisas que poderiam estar no interior – por exemplo, uma preocupação, que é diferente de um entendimento” (p.2, 59:09). Neste caso não estavam discutindo a representação do conteúdo, mas as possibilidades de representação oferecidas pelo modelo. Este processo misto nem sempre foi fácil para os participantes, às vezes gerou confusão entre eles;



o processo de compreensão de como usar o modelo requereu uma intensa experimentação, que durou uma hora e meia. Nos últimos 30 minutos, o grupo conseguiu definir um protocolo para a utilização do modelo e representação do conteúdo nele;



no entanto, na prática eles não representaram o conteúdo por meio do modelo; em vez disso, apenas teorizaram como fazê-lo. De fato, através da interação entenderam várias possibilidades de representação e, em seguida, estabeleceram critérios de representação, porém tudo isso não foi seguido por uma representação real. Por exemplo, depois de uma hora eles discutiram a possibilidade de representar uma visão interna (a de cada intérprete) e uma visão externa (o consenso do grupo), mas, embora a estrutura tivesse sido construída, apenas post-it com notas préexistentes foram adicionados como conteúdo.

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FIGURA 1 O processo de relacionar conteúdo e modelo Fonte: foto coletada pelos autores durante o workshop descrito

Em tudo isso é possível reparar o desconforto inicial e o esforço feito para alterar uma forma familiar de raciocínio, análise e representação; o processo de construção do conhecimento de forma empírica e tátil; a relevância dos momentos divertidos; a promoção de uma dimensão coletiva; a diferença entre a tarefa de representação, e os resultados finais; a sobreposição de dois processos diferentes –a compreensão do potencial de representação do modelo e a representação efetiva do conteúdo no modelo– e, finalmente, as diferentes qualidades oferecida pelo modelo.

3.3 A representação do conteúdo do texto em e pelo modelo Recolhemos alguns dados também sobre como o modelo foi utilizado para representar o conteúdo do texto. A este respeito, é importante observar que os participantes estabeleceram critérios de representação que permitiam de representar tanto a hierarquia e a relação entre as informações, bem como as diferentes perspectivas. Através da discussão, decidiram que era importante representar os diferentes interlocutores e seus diferentes pontos de vista (Figura 2). A maneira pela qual os participantes decidiram de representar o conteúdo da narrativa no modelo é a seguinte:

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a base para representar a compreensão individual;



o segundo nível para representar questões não resolvidas;

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o terceiro nível com as questões resolvidas;



insumos no topo da pirâmide;



o uso de cores (no caso específico os dos post-it fornecidos) para mostrar qualidades (por exemplo: acordo ou desacordo). FIGURA 2 Representação do conteúdo no modelo Fonte: foto coletada pelos autores durante o workshop descrito

Finalmente, eles perceberam que o protocolo que sugeriram poderia ser útil tanto para representar o conteúdo da transcrição, bem como para representar o modelo de organização da empresa, e as diferentes perspectivas. Em última análise, os participantes fizeram algo mais do que representar o conteúdo, eles investigaram como o modelo poderia ajudar a discussão do conteúdo, e ao mesmo tempo promover dinâmicas de comunicação dentro de uma organização.

4 DISCUSSÕES SOBRE O USO DOS MODELOS O processo de interpretação de texto usando o modelo físico parece distinto de

processos

convencionais

de

interpretação

(usando

plataformas

tradicionais como quadros negros ou cadernos, por exemplo). Tal distinção pode estar relacionada ao tipo de atividade que o modelo requer. Modelagem envolve intuição, criatividade, elaboração, teste. Vimos na seção anterior que quando os participantes precisaram pensar sobre a

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melhor maneira de usar as placas para elaborar estruturas que pudessem organizar os conteúdos, eles começaram a racionalizar de forma diversa. Modelagem

também

envolve

abertura,

vulnerabilidade

e

abdução

colaborativa. Apesar das limitações físicas do modelo utilizado neste estudo (quanto a materiais, formas, confecções), vimos que ele ainda assim permite flexibilidade e encoraja produção. Ele é essencialmente generativo e pode ser visto ele próprio como uma atividade de design, especialmente por seu componente reflexivo (Schön, 1987). Decidir sobre como combinar as placas envolve decidir sobre a forma da estrutura que vai ser ocasionada (pode ser construída uma caixa simples ou uma estrutura complexa, por exemplo). Esse tipo de decisão, que emerge do processo, envolve antes entender como utilizar o modelo ao invés de quais os conteúdos que deveria ser nele dispostos. Uma vez que assumira o desafio de elaborar uma estrutura eficiente para receber a interpretação dos conteúdos do texto, os participantes de certa forma deixam de lado as reflexões sobre o texto (como foi dito, o modelo apresentou somente poucas informações explícitas vindas da transcrição da entrevista). Isso pode estar relacionado à bagagem dos participantes e à sua proximidade com as formas de raciocínio típicas dos designers. É interessante assinalar que o modelo modifica de alguma forma a maneira como o conteúdo é interpretado e vice versa. Como apresentado, a tarefa principal proposta no workshop pedia que os participantes construíssem uma estrutura (usando as placas de acrílico) para organizar o conteúdo de uma conversar em particular (a entrevista transcrita). Apesar dessa orientação geral sugerir que o modelo deveria ser orientado ao conteúdo, o processo revelou uma dinâmica distinta. Como descrito antes, os participantes decidiram começar lendo a entrevista e discutindo seu conteúdo. No entanto, o modo como eles lidaram com o processo fez com que a direção preliminar mudasse seu curso. O processo deixou de ser transferência e reorganização de conteúdo da entrevista para o modelo, e tornou-se pautado num exercício de exploração de possibilidades do modelo (como o p.1 mostra; 01:08:00). Assim, o processo aponta uma dinâmica recursiva, do conteúdo para o modelo e do modelo para o conteúdo, respectivamente.

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O processo de utilização do modelo para representação de conteúdo poderia em si gerar indutivamente novos conhecimentos. Nesse workshop em particular, os participantes partem de uma situação específica e elaboram sua compreensão. O entendimento do grupo foi expresso através de um conceito potencial. Uma vez considerado, tal conceito poderia prover uma compreensão teórica do tema. Tal generalização requer uma investigação particular sobre como o conceito se comportaria em situações diferentes, verificando e ampliando seus resultados, dedutivamente. Tal movimento pode ser explicado na compreensão de Legay (1996) sobre como construir novas teorias. Como descrito, os conteúdos específicos da entrevista jamais foram dispostos nas placas do modelo. O modelo foi construído para demonstrar o conceito potencial que os participantes identificaram durante a discussão coletiva. O protocolo apresentado pelos participantes é ele mesmo o conceito potencial. Todo o modelo foi construído sob a premissa de que para interpretar a entrevista, era necessário considerar as perceptivas de todos agentes envolvidos: o interpretante, o entrevistado e o entrevistador. Isso forma uma espécie de conceito relacional, suficiente para representar a compreensão dos participantes sobre o processo de interpretação. Esse conceito relacional foi elaborado durante o processo, durante as interações entre conteúdo, modelo e participantes. Assim, o modelo modifica suas características contingentes (como a tarefa preliminar solicitou: uma estrutura para aquela entrevista em particular), assumindo um aspecto mais genérico, uma vez que esse aspecto de multiusuários existe em qualquer interpretação de entrevista. Desta forma, a definição do protocolo foi inicialmente obtida através de um procedimento indutivo, mas que posteriormente é ampliado a um nível mais amplo. É difícil de descrever a lista de evidências dos momentos em que os participantes formam tal conceito. Tal processo envolve diferentes aspectos, alguns deles difíceis de se identificar. Mas alguns episódios progressivos podem ilustrar a dinâmica de interação entre participantes, conteúdo e modelo. Vamos recorrer a eles para efeitos de esclarecimento

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sobre

algumas

das

categorias

apresentadas

anteriormente.

(1)

p.1

demostrou usando as placas (formando um cubo) como eles poderia ver a conversação através do modelo: “eu estava pensando, ao invés disso estar aqui fora, poderia estar sobre mim, e minha vista poderia ser calibrada por estas lentes”; (2) p.3 percebeu que o modelo criado não era suficiente para representar todas as perspectivas: “o problema é que agora é só você – seus insights individuais – ao invés daquilo que queremos compartilhar”; (3) p.4 segura uma placa com post-its coladas nas duas faces, explicando a possibilidade de representar uma vista interna (cada interpretante) e uma vista externa (o consenso do grupo); (4) p.2 gesticula para indicar que cada um deveria ter um par de cubos, todos conectados de pessoa para pessoa; (5) p.3 elabora: “assim teríamos diferentes pessoas e diferentes olhares”; (6) p.5 sugere uma ideia de localização: “se o teu olhar pessoal concorda com o de outros, então ele poderia estar do lado de dentro”; (7) p.1 sugere um modelo com cinco lados (um por interpretante) que poderia envolver o modelo existente. Esta breve sequencia de eventos ilustra como as ideias parecem influenciar os participantes, da mesma forma que o modelo parece influenciar a emergência do argumento. Parece bastante claro que este processo assume uma dimensão coletiva desde o momento em que os participantes começam a interagir com o modelo. A discussão (coletiva) foi influenciada pela execução das atividades, quando os participantes usaram o modelo para confrontar, esclarecer e melhorar as ideias comuns. Pelo que foi possível observar, muitas vezes os participantes utilizaram o modelo para reconhecer, compartilhar e compreender os argumentos em questão. Esse movimento parece ter ocorrido por causa de uma múltipla competência do modelo. Primeiro, o modelo permitiu aos participantes apresentar suas ideias, atuando como uma plataforma intermediária, assistindo a expressão de ideias. Ao mesmo tempo, o modelo auxiliou a avaliação das ideias, atuando como um dispositivo de validação. Mas o modelo também influenciou (sugerindo) a interpretação, trazendo algo novo à discussão. Através desse processo composto em que o modelo permite, avalia e influencia as ideias em curso, os participantes também identificaram e rejeitaram uma série de

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possibilidades de representação através do modelo (eles começaram propondo critérios gerais – como um apresentado na tese não publicada de Jihyun Sun (2012) em que propõe um modelo nomeado ALP: attentive space, latent space, and peripheral space – e terminaram com uma ideia de sistema relacional com múltiplos usuários).

5 CONCLUSÕES Em síntese, considerando a discussão a partir dos insumos conseguidos pela pesquisa, é possível identificar os seguintes pontos principais: (1) o processo de interpretação do texto usando o modelo físico parece ser diferente de um processo tradicional de interpretação em parte devido ao componente generativo do modelo; (2) o modelo altera a forma pelo qual o conteúdo é interpretado e vice-versa: o modelo intermedia a interpretação, servindo para propósitos de validação, mas também influenciando a interpretação; (3) o modelo pode auxiliar a construção de conhecimento em design, seguindo o raciocínio indutivo. Isso pode ser identificado na forma do conceito potencial que representa a compreensão coletiva dos participantes, desenvolvido ao longo da atividade de workshop; (4) a dimensão coletiva surge

quando

os

participantes

incorporam

o

modelo

ao

processo,

promovendo engajamento e elevando o entendimento comum.

6 FUTURAS PESQUISAS É uma difícil tarefa apontar as diferenças entre o uso do modelo e outros mecanismos para interpretação de uma conversação (software, hardware). Algumas qualidades gerais relacionadas ao uso do modelo foram descritas, porém maiores esforços de pesquisa devem ser realizados para identificar e compreender essas distinções. Na etapa preliminar dessa pesquisa, identificamos evidencias relacionadas à como o modelo dessa natureza pode contribuir para o processo de interpretação. O estudo levantou potenciais questões de investigação, como as que seguem: como o modelo pode facilitar

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a cooperação, interação e comunicação? Qual é o resultado de tais interações? O processo facilita a reflexão individual: quais elementos de uma ferramenta visual-espacial são necessários para suportar o desenvolvimento do raciocínio individual de cada projetista e para representar seus conceitos? Nesse estudo, os participantes eram todos designers e pesquisadores, com distintas formações e expertises. Eles dedicaram, ao menos, metade do workshop buscando gerar alternativas, construindo estruturas e manuseando painéis, explorando possibilidades a partir de suas estratégias existentes como designers. Foi evidenciado que os participantes sempre buscavam identificar o objetivo do workshop. Isso pode estar relacionado ao background em pesquisa cientifica que todos possuíam. Alternativamente, um diferente grupo de participantes com distintas formações poderiam gerar outros achados. Concluindo, é importante ter maior número de estudos investigando o uso de modelos físicos tridimensionais em processos de interpretação. Esse tipo de pesquisa permitiria analisar as particularidades de configuração específicas desses modelos, bem como sua relevância para os processos de conversação e interpretação.

AGRADECIMENTOS Esta pesquisa foi desenvolvida com recursos provenientes do programa Ciências sem Fronteira CAPES / CNPq e com recursos do edital Pesquisador Gaúcho da FAPERGS.

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