Modelo de análise musical - Abertura do balé A bela adormecida, de Tchaikovsky - Thiago Perdigão

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UFPEL – UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS BACHARELADO EM COMPOSIÇÃO MUSICAL THIAGO PERDIGÃO

Modelo de análise musical

Abertura do balé A bela adormecida, de Tchaikovsky

Model of musical analysis

The Sleeping Beauty Overture, by Tchaikovsky

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Introdução

O presente trabalho consiste em uma breve análise da abertura da Bela adormecida, Op. 66, um Balé em 3 atos do famoso compositor russo Tchaikovsky. Tal abertura, em andamento Allegro vivo, é sem dúvida uma das músicas mais marcantes do compositor russo, uma vez que consegue condensar um conteúdo altamente expressivo em tão pouco tempo, prendendo instantaneamente a atenção de qualquer espectador, e, com isso, cumprindo uma das tarefas das aberturas de balé ou ópera, que é precisamente iniciar o espectador no drama a ser desenvolvido ao mesmo tempo em que capta sua atenção e prende-a ao espetáculo que se inicia. A importância dessa abertura vai ainda mais longe quando percebemos que ela é, em certa medida, única dentro da numerosa obra de Tchaikovsky, na medida em que não só usa-se de uma harmonia mais cromática do que normalmente é a de utilização do compositor, como também consiste numa música mais “rítmica e marcial” e menos lírica – com menos melodias longas e floreadas – do que a maioria das outras aberturas e demais músicas do mesmo. Por essas razões, a análise de semelhante obra, ainda que breve. vem a ser um trabalho importante e demasiado gratificante. Apesar da obra original ser composta para orquestra, aqui será analisada sua redução para piano, a fim de facilitar a análise em vários aspectos para além da orquestração.

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Análise descritiva

É necessário, antes de tudo, observar que a música apresenta uma harmonia cromática que não segue um tonalismo estrito (tónica, subdominante e dominante), como muitas músicas da época (apesar de que, obviamente, no período romântico que é o de Tchaikovsky, outros compositores já haviam também rompido com tal tonalismo estrito, como Liszt e Wagner), e deste modo gira em torno de “tônicas temporárias” que variam entre si. Tanto é isso que, se quiséssemos encontrar uma tonalidade principal através da armadura de clave, a tonalidade seria ou dó maior ou lá menor, acordes que não aparecem muito ao longo da música, embora o lá menor apareça mais vezes que o dó maior; em todo caso, o último acorde da música, com senso de resolução final, é o si maior, por sua vez distante tanto da tonalidade de dó maior quanto de seu homônimo lá menor (vide figura 2). Deste modo, vale dizer, os “centros harmônicos temporários” (os quais podem também não ser pensadas exatamente segundo o conceito de “centros”, mas antes de acordes com algum envolvimento cromático entre si – por exemplo, o si bemol que pode ser visto como preparação cromática descendente para o acorde de lá) são: - Si bemol menor: compasso 1 – 3 - Lá menor: compasso 5 – 7 - Sol bemol menor: compasso 9 –12 - Sol menor natural: compasso 13 – 16 - Si maior: compasso 26 – 27 (dois últimos compassos)

Os compassos 1 ao 12 podem ser vistos na figura 1:

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Já do compasso 17 ao 23, é tal o uso intenso de cromatismo que tornase ainda mais difícil tentar estabelecer uma hierarquia de acordes que possa resultar numa percepção de polarização de algum determinado acorde e, então, conseguir perceber alguma tonalidade predominante. Tais compassos podem ser vistos na figura 2, que mostra o restante da música até seu fim, marcado por barras duplas após a fermata:

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Em termos de forma, podemos perceber que Tchaikovsky é menos ousado do que em termos harmônicos (talvez pelo pequeno tamanho da abertura), e usa-se de um esquema formal do tipo ABA’, embora, sem dúvida, o A’ seja tão variado e desenvolve de forma tão rica os primeiros elementos motívicos de A, que em uma primeira escuta aparece quase como se fosse um “C”, e não um A’. Assim, temos uma forma cuja enumeração dos compassos é: - A: compassos 1 – 8 - Transição entre A e B: compasso 9 - B: compassos 10 – 16 - A’: compassos 17 – 27

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Já em termos motívicos, a música se desenvolve a partir de 5 motivos principais (por sua vez assinalados nos primeiros compassos da figura 1 como “1”, “2”, “3”, “4” e “5”), os quais são variados de diferentes maneiras ao longo do tempo. Assim, analisaremos em seguida em que compassos estão as variações de cada motivo, bem como algumas de suas interações: - O motivo 1 é encontrado nos compassos: 1, 5, 17, 18, 19, 20; - Podem ser consideradas variações diretas do motivo 1 os motivos iniciais nos compassos: 4, 9, 13,24, 25, 26 e 27 (assim o fim é “unido” ao começo, pois os motivos finais são como variações dos iniciais, sobretudo em termos rítmicos); - O motivo 2 é encontrado nos compassos: 2, 5, 17, 18, 19 e 20; - Não há nenhuma variação direta advinda do motivo 2; porém, é possível observar uma relação indireta entre o motivo 2 e o motivo 4, uma vez que ambos se constituem, em suas vozes agudas, de semicolcheias. Portanto as variações do motivo 4 podem ser percebidas também como indiretamente relacionadas ao motivo 2; - O motivo 3 é encontrado nos compassos: 2, 6, 21 e 22; - Podem ser consideradas variações indiretas do motivo 3 os motivos iniciais dos compassos: 4, 8 e 23; - O motivo 4 é encontrado nos compassos: 3 e 7; - Podem ser consideradas variações indiretas do motivo 4 os motivos dos compassos: 11, 12, 15 e 16 – ainda que tais motivos estejam relacionados à parte B, sendo que o motivo 4 está relacionada primeiramente à parte A. Porém, eis mais uma das prováveis estratégias de Tchaikovsky para tornar a música ainda mais “una” e coesa, ou seja, o faz na medida em que consegue aproveitar elementos do A também dentro do B; - O motivo 5 é aquele que faz a distinção do A para o B, já que introduz uma mudança rítmica que não é encontrada no A, isto é, o uso de quiálteras; o motivo 5 é encontrado nos compassos: 10 e 14; - Não há variações claramente observáveis do motivo 5. 6

Conclusão

A presente análise conseguiu trazer à luz, implicitamente, algumas das razões pelas quais a abertura de A bela adormecida, quando ouvida, nos gera determinadas impressões objetivas, algumas das quais já citadas na introdução. Sendo assim, cabe a nós trazermos tais razões, nessa conclusão, à sua forma explícita: em primeiro lugar, a análise dos motivos nos mostra, ao menos em parte, a razão pela qual a abertura de Tchaikovsky consegue, como já dito na introdução, “condensar um conteúdo”: ora, isso se dá tanto pelo uso de poucos motivos facilmente reconhecíveis (5 ao todo), como pelo fato de que praticamente todo o restante da breve música é feito a partir tão somente de claras variações dos mesmos motivos. Em segundo lugar, a ligeira análise harmônica, cujo resultado geral nos mostrou um afastamento da harmonia tonal mais tradicional, também nos permitiu perceber o modo pelo qual o compositor utilizou-se de uma harmonia mais cromática do que o fazia normalmente. Por fim, é possível ainda notar que a intensidade expressiva da música analisada está aliada tanto ao seu rápido andamento, quanto ao uso de motivos rítmicos que não se contradizem muito (apenas o aparecimento de quiálteras, em 2 compassos apenas, gera uma rápida “contradição” rítmica que, entretanto, não afeta demasiado na fruição rítmica do discurso), e ainda quanto a uma dinâmica que se mantém quase sempre no fortíssimo, junto a determinadas variações dos motivos capazes de manter o discurso musical em contínua intensidade e coerência dramática.

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Referências

BENNETT, R. Forma e Estrutura da Música. Universidade de Cambridge.

VELLOSO, R. Modelo de Análise (Uma Rosa para Pixinguinha – O uso da Apropriação Cultural como Estratégia Composicional). Universidade Federal de Pelotas.

YANG, V. C. Dissertação de Mestrado. La Belle au Bois Dormant (The Sleeping Beauty) Tchaikovsky-Pletnev and Stravinsky’s Petrouchka: a study of piano transcriptions comprising performances and analyses. Queensland University of Technology, 2005.

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