MODELOS DE ARQUITETURA DOS PROMESSEIROS DO CÍRIO DE NAZARÉ: ASPETOS DAS INTERAÇÕES ENTRE O IMAGINÁRIO ARQUITETÓNICO E A PRODUÇÃO DA ARQUITETURA POPULAR EM BELÉM DO PARÁ, PARÁ, BRASIL

June 6, 2017 | Autor: Cybelle Miranda | Categoria: Material Culture Studies, Vernacular Architecture
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MODELOS DE ARQUITETURA DOS PROMESSEIROS DO CÍRIO DE NAZARÉ: ASPETOS DAS INTERAÇÕES ENTRE O IMAGINÁRIO ARQUITETÓNICO E A PRODUÇÃO DA ARQUITETURA POPULAR EM BELÉM DO PARÁ, PARÁ, BRASIL ROZESTRATEN, Artur Simões - FAUU São Paulo MIRANDA, Cybelle Salvador - FAUUF do Pará LEITÃO, Karina Oliveira - FAUU São Paulo DOS SANTOS, Daniele Queiroz - FAUU São Paulo NILSON, Gabriel Negri - FAUU São Paulo BESSA, Brena Tavares - FAUUF do Pará

A partir desta referência inicial, define-se aqui como modelo arquitetônico todo objeto com formas arquitetônicas em escala reduzida que não são necessariamente maquetes de arquiteto, podendo ter variadas funções sociais tais como oratórios, defumadores, oferendas, ex-voto, e que no mundo moderno se apresentam também como caixas de correio, gaiolas, embalagens, brinquedos, souvenires, etc Estudando as culturas egípcia e minóica, respectivamente, os arqueólogos Flinders Petrie (1853-1942) e Arthur Evans (1851-1941), concluíram que as formas arquitetônicas presentes nos modelos arquitetônicos enraízam-se certamente nas formas da arquitetura popular de seu contexto histórico – que afinal constituiu seu referencial formal sensível –, entretanto, tais formas não se restringem a uma relação mimética ou representacional estrita com a arquitetura que lhe era contemporânea. Ambos concluem que os modelos arquitetônicos relacionam-se com bastante liberdade artística com o contexto arquitetônico na qual se formaram, e adentram vigorosamente o campo da fantasia, formam-se no terreno do imaginário arquitetônico, e provocam interações e especulações que resignificam tanto o entendimento da arquitetura real quanto o entendimento acerca da própria concepção da arquitetura.

MODELOS ARQUITETÔNICOS A exposição ‘Las Casas del Alma’ organizada por Pedro Azara (1997) no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona expôs a um amplo espectro de pesquisadores um significativo corpus de modelos arquitetônicos da Antiguidade. Tais objetos vieram à luz afirmando-se como bases materiais originais a sustentar revisões criteriosas da história da arquitetura antiga e, mais especificamente, amparando a construção de conhecimentos em uma área que se pode chamar de história do projeto, ou história dos entendimentos acerca dos processos de concepção e materialização da arquitetura. Por meio desta exposição e de seu catálogo, difundiram-se os objetos, os procedimentos metodológicos, os fundamentos conceituais e as hipóteses de trabalho dos estudos científicos realizados por arqueólogos, historiadores e arquitetos, desde fins do século XIX, sobre as relações entre modelos arquitetônicos e a reconstituição da arquitetura de culturas antigas na Bacia do Mediterrâneo. O termo ‘Casas da Alma’ refere-se aos objetos em escala reduzida com formas arquitetônicas que no Egito antigo desempenhavam um papel simbólico preciso nos ritos funerários como a ‘casa em que se habitará no outro mundo’.

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Como exemplo, pode-se considerar as relações formais entre o Modelo de Cascioarele (c. 4.500 a.C.) e silos para grãos comumente erguidos na Bacia do Mediterrâneo desde o 5º Milênio (Rozestraten, 2003), aliás, com formas bastante semelhantes aos tradicionais espigueiros do norte de Portugal. Assim como também podem ser tomadas como exemplo as relações formais entre o Modelo de Mari B (2.900-2.460 a.C.), e as “Casas de Poder” em Tepe Gawra (Margueron, 1996), ou mesmo aquelas relações apontadas por Niwinski (1997) e Leclère (2001) entre as “Casas da Alma” presentes nas bandejas de oferendas egípcias e a arquitetura residencial e funerária do Império Médio egípcio. Reitera-se assim que a representação da arquitetura nos modelos reduzidos se caracteriza pela “faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção... de libertar-nos das imagens primeiras, de mudar as imagens” (Bachelard, 2009, p. 1). O vínculo com o real e o caráter evasivo, fantasioso, transformador do imaginar coexistem e caracterizam a produção das representações arquitetônicas que interessam a esta pesquisa. Em outros termos, conformam-se neste campo de interações entre arquiteturas reais e modelos arquitetônicos uma dupla natureza característica das representações na qual são simultâneos tanto os encaixes ou semelhanças, quanto os desencaixes e dessemelhanças. No âmbito de Belém do Pará, o estudo dos modelos arquitetônicos do Círio de Nazaré pode permitir a construção de novos entendimentos sobre as interações que os entrelaçam a arquiteturas ‘reais’, em um ciclo histórico contínuo de representações, idealizações, distorções e desdobramentos. Em síntese, o estudo da arquitetura imaginária amplia o entendimento da arquitetura “real”, e vice-versa.

Figura 1: Promesseiro portando seu modelo arquitetónico, Belém do Pará - Círio de Nazaré, 2011. Foto: Artur Rozestraten

• os estudos de Lina Bo Bardi (1914-1992), sobre a produção de arquitetura popular, desenvolvidos em textos diversos, no Brasil, a partir de 1947; • a publicação de Sybil Moholy-Nagy (1903-1971), ‘Native Genius in Anonimous Architecture (in North America)’, de 1957; • e a investigação de Bernand Rudofsky (1905-1988), registrada em ‘Architecture without architects’, de 1964 e ‘Prodigious Builders’, de 1977. Tais iniciativas posicionam-se na historiografia da Arquitetura como formulações críticas, amadurecidas após a Segunda Guerra Mundial, revendo rigorosamente as experiências das vanguardas artísticas europeias, vivenciadas pelos três autores na Itália e Alemanha, especialmente. Tal revisão crítica promove, na segunda metade do século XX na Europa e na América, uma ampliação do horizonte de interesse artístico de intelectuais, artistas e arquitetos estendendo-o a expressões tradicionais de saberes e fazeres presentes no Novo Mundo, na África e no Oriente. O interesse de Lina pelas questões referentes à natureza da ‘casa popular’ revela-se, ainda nos anos 1940, e pode ser apreendido em vários trechos de seus textos, como os exemplos compilados por Rubino e Grinover (2009): “… a

ARQUITETURAS FEITAS “SEM ARQUITETOS” Além das referências advindas do campo da Arqueologia, também contribuem para o estudo que aqui se apresenta três referências fundamentais que abriram caminho na frente de investigações do que veio a chamar ‘arquitetura anônima’, ‘arquitetura sem pedigree’ ou ‘arquitetura sem arquitetos’, e que são:

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ao apoiar-se em desenhos e conjuntos de fotografias para construir suas considerações interpretativas em um campo eminentemente visual, no qual as reflexões amparam-se em aspectos plástico-formais visíveis nas imagens. O livro aborda a produção Norte-americana e divide-se em cinco partes, uma introdução sobre o ‘gênio nativo na arquitetura anônima’, e depois quatro partes temáticas: lugar e clima, forma e função, materiais e habilidades, senso de qualidade ou ‘senso estético’ visível nos elementos da arquitetura popular: telhados, cantos, juntas, soleiras, portas e janelas e que exige um olhar atento para sua apreensão: “Apenas se observarmos atentamente, e analisarmos todos as diversas variações em detalhes (análise), e as atarmos de forma integrada ao todo (síntese), poderemos chegar a formular leis da história.” (1957, p.44) Rudofsky, por sua vez, levou adiante as investigações sobre a produção de ‘arquiteturas feitas pelo povo’ e ampliou a base iconográfica referente ao tema trazendo à luz exemplos diversos de arquiteturas do Oriente e do Oriente-próximo. Em 1964, a convite da direção do Museu de Arte Moderna MOMA-NY, desenvolveu o projeto da exposição fotográfica ‘Architecture without arquitects, a short introduction to non-pedigreed architecture’, no qual expunha por meio de ampliações fotográficas em grande formato as evidências inegáveis da parcialidade da produção feita por arquitetos no vasto campo da produção de arquiteturas. Seus exemplos ‘problemáticos’ ampliaram a cultura visual de uma geração eminentemente moderna e desestabilizaram a supostamente inquestionável história da arquitetura ocidental. Assim como nestes estudos citados, na investigação que aqui se apresenta também a fotografia e o vídeo amparam metodologicamente seu desenvolvimento, subsidiando visualmente suas análises e proposições interpretativas.

casa é “quem a habita, é ele mesmo”, e espelha o espírito humano e lhe mostra os defeitos, os vícios e a vaidade, ou o equilíbrio e a compreensão.” (1947) Ou ainda “… algumas são “antiarquitetônicas”, não correspondendo nem mesmo em linhas gerais aos cânones da casa tradicional, mas muito mais à própria paisagem (física e cultural)…” (1943). Refletindo sobre as condições nas quais se forma a arquitetura dita ‘popular’, Lina tece a seguinte consideração: “A parte dos homens assediada pelos problemas econômicos não tem o tempo necessário para se dedicar a decifrar enigmas… Esta parte da humanidade, levada pelas necessidades a resolver por si mesma o próprio problema existencial e não possuindo essa pseudocultura, tem a força necessária ao desenvolvimento de uma nova e verdadeira cultura.” (1958). Sendo que em condições de extrema necessidade: “Cada objeto risca o limite do “nada”, da miséria. Esse limite e a contínua e martelada presença do “útil” e “necessário” é que constituem o valor dessa produção, sua poética das coisas humanas não gratuitas, não criadas pela mera fantasia.” (1963). No contexto do Círio de Nazaré, em Belém, tanto as arquiteturas reais – construídas ou em construção associadas diretamente às oferendas – quanto os próprios modelos arquitetônicos levados em oferenda posicionam-se neste terreno da ‘poética das coisas humanas não gratuitas’ sem, contudo, abrirem mão da fantasia. A fantasia visível nos modelos arquitetônicos dos promesseiros – e porque não visível também na arquitetura popular –, parece formar-se justamente como recurso transformador, como artifício indispensável na lida cotidiana com condições de ‘extrema necessidade’. O estudo de Sybil Moholy-Nagy publicado em 1957 como ‘Native Genius in Anonimous Architecture’ e reeditado em 1976 como o título mais preciso ‘Native Genius in Anonimous Architecture in North America’, tem o mérito de sistematizar o entendimento da produção de arquitetura anônima no Novo Mundo em uma perspectiva moderna. Além disto, traz uma contribuição metodológica significativa

FUNDAMENTOS DO IMAGINÁRIO Cabe mencionar ainda que, do campo de estudos do imaginário – para onde convergiram estudos de antropologia, arte e filosofia, a partir de fins do séc. XIX – esta pes-

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essência, um traço global ou um arquétipo, mas ao contrário, como um sintoma, um traço de exceção, uma coisa deslocada. A tenacidade das sobrevivências, sua potência, como diz Tylor, vem à tona na tenuidade das coisas minúsculas, supérfluas, insignificantes, anormais.” (Tradução do autor, p.57) As superstições, por exemplo, podem ser tomadas como fenômeno de sobrevivência da magia no mundo contemporâneo. As técnicas também manifestam ‘sobrevivências’, fenômeno que, aliás, André Leroi-Gourhan (1911-1986) veio a analisar detalhadamente mais tarde em ‘L’Homme et la Matière - Évolution et Techniques’ (1971), também enfatizando permanências e persistências. Enquanto o conceito de Tylor valoriza o passado – na medida em que entende que este é um passado contínuo e que a valoração do presente depende de um vínculo identitário com esta história, visível no modo como certas formas de outrora resistem ao tempo –, o conceito de repercussão proposto por Bachelard em ‘A poética do espaço’ (1978), enfatiza, por sua vez, a relação presente “opera uma revirada no ser”, pois a apreensão de um fenômeno “desperta profundezas em nós”, simultaneamente faz soar nosso mundo interno e também os elementos arcaicos de nossa cultura e de nossa história coletiva. Ou seja, os fenômenos poéticos presentes repercutem em nós e fazem ‘soar’ certos elementos do passado, resignificando-os e posicionando- os em uma nova condição relacional. São os interesses, sensibilidades e miradas dos pesquisadores do presente que constroem uma valoração do passado, e não o contrário. Não haveria então uma ramificação genealógica pré-definida, pronta para ser ‘descoberta’, mas sim um campo de interações possíveis a serem construídas na medida em que a pesquisa faz repercutir no passado um determinado fenômeno e, a partir desta ação, constrói possibilidades de interações, análises e interpretações. O reconhecimento de uma mesma “fórmula de pathos” (pathosformeln, Warburg, 1999) manifesta outrora em poses estáticas no motivo artístico dos portadores nas paredes de igrejas medievais (Rozestraten, 2007), e que ganha

quisa interage especialmente com as seguintes referências conceituais: • a noção de ‘survival’ ou sobrevivência, proposta por Edward Burnett Tylor (1832-1917); • a noção de ‘retentissement’ ou repercussão proposta por Gaston Bachelard (1984-1962); • a noção de ‘pathosformeln’, proposta por Aby Warburg (1866-1929); • o entendimento dos fenômenos de Longa duração, proposto pela Escola dos Annales e desenvolvido por Fernand Braudel (1902-1985); • o conceito de ‘bacia semântica’ na metáfora fluvial/ potâmica desenvolvida por Gilbert Durand (19212012) a partir das pesquisas de Waddington & Sheldrake (Durand, 2004). A partir das reflexões de Tylor formuladas em ‘Anahuac: or Mexico and the Mexicans, Ancient and Modern’ (1861), a clássica noção de renascimento artístico torna-se imprecisa, inadequada e questionável. Só renasce, em senso estrito, o que esteve morto e, por alguma razão, readquire vida. Tal noção dificilmente se verifica no campo da cultura e das artes, onde saberes e fazeres tradicionais costumam persistir, ainda que enfraquecidos e em condições adversas. Ao invés de renascimento, o conceito de ‘survival’ ou sobrevivência parece mais preciso para a construção de conhecimento neste campo em que o tempo presente é apenas a superfície de uma densa e profunda sobreposição de sedimentos culturais horizontalmente extensos. O estudo cronológico de conjuntos de objetos, motivos artísticos ou tipologias arquitetônicas costuma evidenciar que no processo histórico-temporal que constrói formas plásticas coexistem – paradoxalmente –, a persistência de transformações sucessivas (que podem ser mais ou menos bruscas) e a tenacidade de permanências. Para Tylor, tais evidências, ainda que sutis, validam o conceito de sobrevivência para o estudo da história da cultura. Didi-Huberman (2002) salienta ainda a exigência do autor quanto à atenção necessária para que se apreendam estas tais sobrevivências: “A ‘permanência da cultura’ não se exprime como uma

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• o estudo comparativo deste fenômeno com outras expressões pertinentes ao mesmo campo simbólico referente ao imaginário arquitetônico.

vida nas ruas de Belém em apropriações ecléticas, com louvações, danças e músicas, expõe o alcance do entendimento proposto por Aby Warburg de que na gestualidade do presente continuam vivas as ‘expressões dramáticas’ fixadas nas obras de arte de outros tempos. Na interação corporal dos promesseiros do Círio com seus modelos arquitetônicos sobrevive um drama existencial da concepção da arquitetura que se apresenta como um fenômeno de longa duração (Braudel, 1992), profundamente enraizado na cultura ocidental e ainda a demandar pesquisas. Em outros termos, os promesseiros de Belém podem ser entendidos como exemplos vivos da Nachleben warburguiana (1999), como continuidade, pós-vida, sobrevivência ou sobrevida de imagens pagãs arcaicas, que foram apropriadas pelo imaginário cristão medieval, e que hoje afloram no mundo contemporâneo com ecos profanos e memórias de ritos sacros. A ‘bacia semântica’ como metáfora fluvial proposta por Durand (2004) não deixa de ser uma ‘figura de linguagem’, contudo, mais do que uma metáfora, propriamente dita, é uma comparação que sugere analogias possíveis (didáticas, sem dúvida), por exemplo, entre a forma gráfica geralmente utilizada para se representar uma bacia hidrográfica em mapas – com seus rios principais, afluentes, estuários, meandros, várzeas, lençóis freáticos, zonas de contribuição pluvial, nascentes e deltas – e esquemas representativos do percurso histórico e das interações de campos simbólicos e/ou motivos iconográficos. Sobre esta imagem de uma bacia fluvial, Durand propõe uma ‘dinâmica do imaginário’, amparada em termos como ‘escoamento’, ‘divisão das águas’, ‘margens’ e ‘confluências’. Os conceitos resumidamente expostos aqui orientam os procedimentos metodológicos desta pesquisa, como: • a documentação fotográfica e videográfica dos promesseiros, de seus modelos e da arquitetura popular paraense; • o estudo histórico do Círio em Belém, sua historiografia e sua iconografia;

Figura 2: Promesseiro portando seu modelo arquitetónico, Belém do Pará - Círio de Nazaré, 2011. Foto: Artur Rozestraten

O CÍRIO EM BELÉM DO PARÁ O Círio de Nazaré, em devoção a Nossa Senhora de Nazaré, a Rainha da Amazônia, é uma celebração religiosa católica, de origem portuguesa, como expressão de culto à Virgem Maria e que se realiza no início de outubro em Belém do Pará, desde 1793. De suas origens portuguesas preservou-se o nome Círio, que designa uma vela de grandes dimensões, ainda hoje presente nas festividades em Belém, mesmo na procissão diurna principal da manhã do domingo. Outro elemento característico dos Círios portugueses que se mantém em Belém é o deslocamento de devotos portando oferendas junto à imagem da Virgem entoando cânticos, de uma localidade a outra, dinâmica que se chama ‘giro’ em Portugal, e que em Belém se denomina como trasladações. Tal movimentação associa-se diretamente ao poder da imagem da Virgem – difundido nas várias lendas e mitos ao seu redor, em Portugal e também em Belém – de sempre retornar misteriosamente ao local consagrado onde foi encontrada, por mais

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A contribuição do jornalismo e da imprensa, aliás, continua sendo indispensável hoje no registro, organização e difusão de informações acerca do Círio. As relações entre a imprensa e o Círio, por sinal, foram estudadas por Heraldo Montarroyos no início dos anos 1990. Nos anos 1980, duas publicações merecem menção. A primeira é o estudo de Isidoro Alves (1980) que explora as analogias e conflitos entre o caráter sacro e laico do Círio. A segunda é o livro de Mízar Klautau Bonna (1986), que enfatiza e documenta os aspectos religiosos da festa. A partir de meados dos anos 1990, cabe mencionar os estudos do antropólogo Raymundo Heraldo Maués (1995, 1999, 2000), a publicação “Círios de Nazaré”, organizada por Josimar Azevedo em 2000, os estudos de João de Jesus Paes Loureiro (2001), e Sílvio Figueiredo (2005), a dissertação de mestrado de Vanda Pantoja (2006), e tese de doutorado de Josimar Azevedo (2008). Muito embora todos estes estudos contribuam para a pesquisa em curso, nenhum deles concentrou-se sobre a representação da arquitetura nos objetos votivos, tampouco sobre as relações destes modelos a arquitetura real de Belém do Pará. É justamente sobre esta lacuna que se concentram os estudos desta pesquisa em andamento que recebe desde 2010 o suporte do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, assim como também das Pró-reitorias de Pesquisa e de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo, e desenvolve-se no âmbito do Grupo de Pesquisa intitulado ‘Representações: imaginário e tecnologia’, vinculado ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, FAUUSP, em parceria com o LAMEMO – Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural ligado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará, em Belém.

que se insista em deslocá-la a algum outro sítio. O foguetório na recepção da imagem e a peregrinação coletiva dos devotos dos arredores ao local consagrado por onde passa a imagem também são características dos Círios portugueses, mantidas em Belém. Originalmente celebravam-se os Círios no solstício de inverno em Portugal (Barros; Costa, 2003). Em Belém, o ápice do Círio se dá no segundo domingo de outubro, período inicial da Primavera, pouco mais de duas semanas após o equinócio de primavera (23/09). Como visto, há vários elementos tradicionais das celebrações dos Círios em Portugal que também se apresentam em Belém do Pará, o que evidencia suas origens na cultura da comunidade lusa que se instalou na capital paraense no período colonial. Entretanto, vários aspectos dos ritos presentes nos Círios têm origens arcaicas e enraízam-se em tradições mediterrâneas de culto propiciatório a divindades femininas geratrizes, nos quais tradicionalmente comparecem modelos arquitetônicos. Há que se mencionar ainda que a manifestação deste elemento simbólico em Belém – promesseiros portando modelos arquitetônicos – é uma expressão original, sui generis, do Círio paraense, sem paralelo com as manifestações portuguesas conhecidas até o momento. BREVE HISTÓRICO DE ESTUDO DO TEMA Em 2006 o IPHAN publicou um dossiê sobre o Círio de Nazaré pretendendo uma documentação sistemática da festa. Neste dossiê, não houve sequer registro do fenômeno dos promesseiros paraenses portadores de modelos arquitetônicos. Esta ausência é notável até porque há um conjunto de publicações razoavelmente consistente sobre a festividade dedicada à Virgem, Rainha da Amazônica. A produção sistemática de estudos sobre o Círio se organizou a partir de fins da década de 1960, muito embora alguns estudos pontuais precursores tenham sido feitos ainda nas primeiras décadas do século XX, a saber, Vianna, 1904 e Barata, 1921. O enfoque das ciências sociais veio à tona com o estudo do geógrafo Eidorfe Moreira, de 1971, e evidencia-se também na abordagem sintética do jornalista Carlos Rocque (1981). 64

bém várias famílias levando seu modelo. Os modelos são levados à procissão para pagamento de promessa, agradecimento por uma graça alcançada – a reforma ou construção da casa – ou ainda com intenção votiva, como objeto que materializa um desejo, um objetivo, uma meta: iniciar ou concluir uma obra, reformar, construir, comprar, quitar uma casa ou um espaço comercial. Há que se salientar aqui o caso dos promesseiros que portam um bloco cerâmico e não um modelo arquitetônico exatamente. O bloco assume aqui o papel de representação da casa, pars pro toto. Nestes casos, a promessa está associada a um canteiro de obras: uma obra que se deseja iniciar ou concluir. Mas há também relações com o desejo ou conquista de uma casa de alvenaria ao invés de uma casa em madeira, como são as palafitas, residências comuns nas ocupações ribeirinhas, tanto nas pequenas propriedades rurais em torno de Belém, quanto nas ocupações das linhas de água nos bairros mais pobres e carentes de infraestrutura urbana de Belém. Quanto à produção, estes modelos arquitetônicos podem ter sido confeccionados pelo próprio promesseiro e/ ou família, podem também ser encomendados a artesãos antes da procissão – marceneiros, artistas –, e também há a possibilidade de adquiri-los in loco no comércio de rua no momento da procissão – nas barracas de brinquedos de miriti ou com os vendedores de promessas feitas em parafina. Na confecção destes modelos arquitetônicos que serão transportados por horas sobre a cabeça em meio à multidão tem preferência os materiais leves e de baixo custo e/ ou recicláveis. Os materiais mais comuns são o esferovite/ isopor, o miriti – madeira extraída da Palmeira de mesmo nome, presente nas várzeas paraenses, característico pela leveza e facilidade de acabamento, e conhecido como ‘isopor da Amazônia’ – e as chapas de madeira (MDF, compensado, Eucatex), seguidos pelo papelão, cartolina e cartão, e depois por outros materiais menos convencionais como chapas plásticas (poliestireno, chapas de forro), tecidos, fibras vegetais ou artificiais, placas de vidro, etc. Há que se

Figura 2: Promesseiro portando seu modelo arquitetónico, Belém do Pará - Círio de Nazaré, 2011. Foto: Artur Rozestraten

SOBRE OS PROMESSEIROS E SEUS MODELOS ARQUITETÔNICOS Os promesseiros que levam modelos arquitetônicos participam especificamente da última procissão do período do Círio, que constitui seu ápice, e ocorre na manhã do segundo domingo de Outubro, reunindo cerca de 2 milhões de pessoas no centro de Belém. Oriundos de vários bairros da capital e cidades dos arredores, estes promesseiros são em sua grande maioria provenientes das classes menos favorecidas financeiramente, o que os aproxima da autoconstrução, da expansão da ‘cidade informal’, das áreas mais periféricas da metrópole e das práticas construtivas realizadas à margem das assessorias técnicas especializadas, ou seja, edificações feitas ‘sem arquitetos’. Há promesseiros que portam seus modelos sozinhos na procissão e há tam-

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consequência da verticalização das áreas centrais e suburbanização ao longo das rodovias BR 316 e Avenida Augusto Montenegro. O processo de verticalização é entendido por Janete Oliveira (1992) como apropriação do solo das áreas centrais, dotadas de melhor infraestrutura, por parte das classes média e alta que desejam manterem-se próximas aos comércios e serviços. Do ponto de vista capitalista, ele serve à reprodução e acumulação do capital dos incorporadores imobiliários e dos construtores. A partir de Penteado (1968) entende-se que entre as décadas de 50 e 60 do século XX ocorreu um rápido aumento do fluxo migratório populacional na cidade devido ao revigoramento do comércio da borracha e à sua estratégica localização geográfica. Tal fluxo foi constituído por pessoas com seguinte perfil: (...) muito pobre e bastante prolífera, que reside em pequenas casas ou em ‘barracas’, construídas em lotes diminutos, às vezes, mesmo, sobre as margens lodosas de igarapés, ao passo que a área central se vai esvaziando, graças à invasão do comércio, e os bairros da zona leste se estabilizam na tranquilidade de seus amplos quarteirões, separados pelas largas avenidas muito arborizadas (Penteado, 1968, p. 197). Revela-se a precariedade da habitação na época, com dimensões mínimas, condição na qual viviam as famílias oriundas dos interiores do Estado e das regiões de ilhas, idealizando a capital Belém como a “terra prometida”. As famílias mais pobres acabavam instalando-se em áreas alagáveis em casas de palafitas localizadas às margens dos igarapés, rios e em passagens de estivas sem contar com qualquer investimento do setor público. Segundo dados da CODEM de 1978, 43% da população de Belém habitava as baixadas e 19% na periferia intermediária e distante (Entroncamento, Souza, Marambaia, Bengui, Cidade Nova, Coqueiro), com tendência a acentuar-se a ocupação da periferia na década seguinte. A estrutura centro-periferia (centro adensado/periferia distante) derivou do padrão de acumulação nacional e dos mecanismos de especulação que presidem a expansão da cida-

considerar ainda como material a própria parafina, ou cera, usada na fabricação em série de modelos arquitetônicos e outras formas de ex-voto por pequenas manufaturas locais. Embora predomine a confecção de modelos arquitetônicos com um único tipo de material, existem também objetos construídos com uma reunião de materiais variados, madeira, papelão, plástico, etc. As cores também estão presentes na confecção destes modelos conformando objetos monocromáticos (em geral na própria cor do material empregado) e também modelos policromáticos, multicoloridos, o que, aliás, é comum na arquitetura popular paraense, tanto a ribeirinha quanto aquela construída em terreno seco no interior da malha urbana. Quanto às tipologias arquitetônicas, predominam as representações de edificações térreas, com uma porta e janelas nas 4 faces, de planta quadrada ou retangular e cobertura em duas águas. Esta tipologia predominante apresenta variações com cobertura em uma ou em quatro águas sobre a mesma conformação arquitetônica. Tipologias com dois pavimentos e telhados com várias águas também comparecem, assim como tipologias, mais raras, de edifícios em altura, com vários pavimentos. Alguns modelos apresentam-se sobre bases, em geral uma placa que os apoia como um terreno, contudo o mais comum é o modelo ser apresentado sem base. Assim como também é comum o modelo ser fechado, não permitindo acesso ao espaço interno, regra que também tem suas exceções. Ao longo da procissão estes modelos são depositados nos ‘carros de milagres’ – que são veículos em forma de barcos sobre rodas –, e esses então são conduzidos à Basílica. Ao final da procissão, todos os ‘carros’ são recolhidos a um galpão, ao lado da Casa de Plácido, junto da Basílica. Nos dias seguintes há uma seleção de objetos e modelos arquitetônicos a serem conservados no Museu da Casa de Plácido e no Museu do Círio, e os demais são descartados. ASPECTOS HISTÓRICOS DE BELÉM O crescimento de Belém no século XX ocorreu como

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de. A concentração de renda intensificou as disparidades socioeconômicas, e a retenção especulativa de terrenos vazios levou à expansão horizontal acelerada da cidade, já que são valorizados pelas redes de infraestrutura implantadas pelo Estado (rede viária e serviços urbanos). Em Belém, a ocupação dos eixos viários da BR 316 e Rodovia Augusto Montenegro teve como contrapartida a crescente verticalização do centro, que absorveu crescentes recursos estatais em infraestrutura (Souza, 1992). Ainda segundo a autora, os desequilíbrios estruturais herdados das décadas de 1950 –1970 (como concentração de renda e disparidades regionais) redundaram na crise e estagnação dos anos 80, refletidos no município de Belém com gravidade, considerando sua frágil base econômica. Com o fechamento do BNH em 1987, diminuíram as construções de habitação popular, e, consequentemente surgiram muitas áreas de invasão na Região Metropolitana de Belém, especialmente de terrenos não alagáveis pertencentes à União, Estado e Municípios, e ao setor privado. Isto se deu devido à falta de terrenos nas áreas de várzea, assim como à sua valorização ao receberem melhorias. Foram invadidos também conjuntos habitacionais concluídos ou em fase final de obra, o que provocou a suspensão das linhas de financiamento da Caixa para Belém (IPEA – NAEA – DAU/UFPA, 1997). A ação do Estado mostrou-se fundamental para a expansão urbana de Belém, que ocorreu no sentido linear em função da acessibilidade à integração rodoviária regional e da conformação do sítio. As áreas institucionais ocuparam a orla, com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP)1 e o perímetro após a 1ª légua foi controlado pelas Forças Armadas dificultando a expansão, que só foi impulsionada pelos investimentos públicos na questão habitacional. A década de 1970 ficou marcada por fortes investimentos em habitação popular devido à necessidade de gerar empregos, sanear as baixadas e planejar a cidade. Contudo, com a recessão

econômica dos anos 1980, tais investimentos tornaram-se cada vez mais escassos, e evidenciaram-se os graves equívocos ambientais e sociais inerentes a tais empreendimentos. Em resumo, a ocupação da periferia de Belém deu-se de duas formas: pela iniciativa governamental de produzir os conjuntos habitacionais e pela migração rodoviária proveniente de áreas continentais do Estado, em face da questão agrária. A ocupação “ilegal” que se instaurou ao lado da “planejada”, bem como as dificuldades que tal deslocamento causou às populações remanejadas de áreas de baixadas mostrou serem essas iniciativas insolventes diante do problema social da cidade. O Estado do Pará apresenta um déficit habitacional relevante, conforme o censo do IBGE de 2000, o segundo maior déficit percentual dentre todos os estados brasileiros. Há que se considerar que de 1970 a 2000 a população na Amazônia duplicou, e o advento das telecomunicações alterou o isolamento comum às povoações desta região. Belém convive com a cultura tradicional das palafitas há décadas. Porém, nos anos 50 e 60 do século passado, houve uma aceleração na superposição de paradigmas de modernidade, que levou à imposição cultural de arquiteturas em alvenaria, além de outros referenciais urbanos de progresso, como o asfalto, e os arranha-céus. Diferentemente do sistema de quartos únicos com cozinha característico da conformação tradicional das palafitas - onde uma família de oito pessoas ocupava um quarto –, a partir do último quartel do século XX, o amazônida passou a construir suas casas em lotes urbanos delimitados sem as dimensões mínimas necessárias às condições de conforto. Nestes espaços restritos os migrantes construíram suas casas, e ali abrigam ainda, de forma esporádica, os parentes do interior. Do ponto de vista construtivo, as palafitas utilizadas em regiões de várzea mostraram-se eficientes ao longo do tempo, se comparadas com a substituição da madeira por alvenaria e o remanejamento da população para terra firme, que resulta em custos mais elevados tanto socioculturais

1 Atual Universidade Federal Rural da Amazónia (UFRA).

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Foi feita uma primeira visita, exploratória, com o objetivo de observar a dinâmica do bairro, as ruas de trajeto, suas arquiteturas e os melhores horários de visita. Na segunda visita, as equipes já tinham um percurso pré-determinado, e fizeram o registro fotográfico das edificações escolhidas, entrevistando alguns moradores. O bairro da Cremação foi historicamente ocupado, ao Norte do centro, pela classe média de Belém, enquanto que ao Sul moravam geralmente operários e comerciantes. A denominação teve origem no antigo Forno Crematório construído pelo Intendente Antônio Lemos, juntamente com outras medidas de saneamento da cidade, ocorridas no início do século XX. Hoje, o Forno encontra-se desativado, e no local existe uma praça, a principal área de lazer do bairro. Suas principais vias são a Avenida Alcindo Cacela, a Rua Fernando Guilhon, a Rua dos Capirunas e a Travessa 9 de Janeiro. O bairro do Jurunas, assim como o bairro do Guamá, são considerados bairros de várzea, apresentando graves problemas de saneamento e infraestrutura. Juntos formam a maior concentração populacional da cidade, em geral, composta por famílias de baixa renda. O nome Jurunas é de origem indígena, assim como o nome de suas principais vias: Tamoios, Tupinambás, Apinagés, Mundurucus. O bairro do Guamá, que também é um nome indígena, é considerado um dos mais populosos da cidade; abriga ainda a Cidade Universitária José da Silveira Netto, sede da UFPA, às margens do Rio Guamá. Suas principais vias são a Avenida Bernardo Sayão (antiga Estrada Nova), a Barão de Igarapé-Mirim e a Avenida José Bonifácio. Nestes bairros, considerados de ‘baixada’, carentes de infraestrutura, saneamento básico e segurança, predominam residências simples em madeira ou alvenaria, sendo comum a conformação com telhado em duas águas e fachada com uma porta e uma janela.

quanto ambientais. Contudo, para que se obtenha recursos públicos federais é necessário preencher uma série de requisitos, dentre elas a padronização de tipologias - em geral em alvenaria conformadas por fatores diferentes da tradição da arquitetura popular local. INTERAÇÕES ENTRE OS MODELOS ARQUITETÔNICOS E A ARQUITETURA No contexto do Círio paraense cada modelo arquitetônico relaciona-se simultaneamente a uma dimensão universal ou arquetípica da arquitetura (a casa), e a uma dimensão particular específica referente a uma obra de arquitetura em especial, aquela casa desejada, em construção ou construída. Tal relação, contudo, não limita a natureza autônoma do próprio modelo arquitetônico. Por si só o modelo se constitui em um objeto sensível com formas arquitetônicas próprias. A dupla natureza, autônoma e relacional, é, aliás, uma característica das representações, em sentido abrangente. O que lhes confere certa ambiguidade historicamente reconhecida no campo da filosofia. As formas arquitetônicas que se apresentam nos modelos não se restringem a uma relação mimética ou representacional estrita com a arquitetura que lhe é contemporânea, nem com as tipologias tradicionais do lugar. Tais formam-se no terreno do imaginário arquitetônico, e provocam interações e especulações que resignificam tanto o entendimento da arquitetura real quanto o entendimento acerca da própria concepção da arquitetura. Para melhor compreender as interações entre os modelos portados no Círio e a ‘arquitetura feita sem arquitetos’ na cidade de Belém foram estudados seis bairros de características populares: Cremação, Jurunas e Guamá – bairros tidos como ‘de baixada’ –, Marco e Pedreira – bairros de terra firme –, e o bairro do Cruzeiro em Icoaraci, distrito de Belém que possui características peculiares2.

2 Os resultados ora apresentados foram produzidos na disciplina Estética nas Artes Plásticas, ministrada pela Profª Drª Cybelle Salvador Miranda, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), Universidade Federal do Pará (UFPA), durante o 1º semestre de 2012.

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Figura 4: A) Promesseiro portada sobre a cabeça - Círio de Nazaré 2011. Foto: Taís Sales, 2011; B) Edifício semelhante edificado no bairro da Cremação. Foto: Nildo Costa, 2012.

Figura 5: A) Promessa portada sobre a cabeça - Círio de Nazaré 2011. Foto: Taís Sales, 2011; B) Edifício semelhante localizado no bairro do Guamá. Foto: Natalia Cruz, 2012.

Figura 6: A) Ex-voto - Casa de Plácido. Foto: Brena Tavares Bessa, 2011; B) Edifício semelhante localizado no bairro do Guamá. Foto: Bruna Magalhães, 2012.

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Figura 7: A) Ex-voto - Casa de Plácido. Foto: Brena Tavares Bessa, 2011; B) Edifício semelhante localizado no bairro do Guamá. Foto: Amanda Paes, 2012.

Figura 8: A) Ex-voto - Casa de Plácido. Foto: Brena Tavares Bessa, 2011; B) Edifício semelhante localizado no bairro de Jurunas. Foto: Larissa Reis, 2012.

ça do Marco da légua, que delimita a 1º légua patrimonial da cidade. Hoje, apresenta um intenso processo de verticalização. Tanto o bairro da Pedreira quanto o do Marco foram planejados durante o governo do Intendente de Belém Antônio Lemos, no início do século XX. O bairro da Pedreira se caracteriza principalmente pelo uso comercial, além de

O bairro do Marco apresenta características residenciais de classe média e classe média alta, localizado entre a periferia e o centro. Possui como principais vias a Avenida João Paulo II (antiga Avenida 1º de Dezembro), parte da Avenida Almirante Barroso, Rua Dr. Freitas, Avenidas Duque de Caxias e 25 de Setembro. O nome do bairro remete a presen-

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Figura 9: A) Promessa portada com as duas maõs - Círio de Nazaré. Foto: Taís Sales, 2011; B) Edifício semelhante localizado no bairro da Pedreira. Foto: Juliana Ventura, 2012.

Figura 10: A) Museu do Círio de Nazaré. Foto: Mônica Soares, 2011; B) Edifício semelhante localizado no bairro do Marco. Foto: Camilla Barbosa, 2012.

da Pinheiro e por fim, em 1869, foram demarcados lotes e logradouros, transformando a fazenda em povoado. Três décadas depois, o povoado tornou-se a Vila Pinheiro, e, em 1943, elevou-se a distrito, nascendo assim oficialmente a denominação de Distrito de Icoaraci. A pesquisa concentrou-se no bairro do Cruzeiro, cujas ruas principais são a Travessa do Cruzeiro, a Rua Lopo de Castro e a Rua Manoel Barata. Notória neste bairro é a tipologia de chalé, desde exemplares mais simples até outros de grandes dimensões e complexidade formal.

áreas habitacionais e de ensino. Tem como principais vias a Avenida Pedro Miranda, Avenida Visconde de Inhaúma, Avenida Marquês de Herval e a Antônio Everdosa. Nestes bairros, considerados de ‘terra firme’, percebe-se uma predominância de habitações de alvenaria. A tipologia de dois pavimentos é recorrente. Algumas edificações apresentam comércio no térreo e habitação no piso superior. Icoaraci é um distrito da cidade de Belém, dividido entre os bairros do Cruzeiro, Agulha, Águas Negras, Campina, Maracacuera, Paracuri, Parque Guajará, Ponta Grossa e Tenoné. Inicialmente foi uma sesmaria, depois a Fazen-

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ções singulares que remetem às inúmeras soluções plásticas e construtivas da arquitetura construída sem arquitetos nos bairros da metrópole. Nestes objetos com formas arquitetônicas e escala reduzida comparecem formas, cores e soluções construtivas similares àquelas existentes na arquitetura paraense. As similaridades, contudo, não esgotam as interações que podem ser construídas entre modelos arquitetônicos e arquiteturas reais. Há outro aspecto de tais interações que diz respeito às dessemelhanças, aos desajustes, às diferenças entre os universos arquitetônicos em pauta. Justamente aí reside a primordial “dimensão poética das técnicas” que caracteriza toda ação capaz de promover a passagem do ‘não-ser’ ao ser. Em certa medida, são as mesmas mãos e os mesmos anseios que conformam tanto os modelos reduzidos quanto uma parte considerável da própria metrópole de Belém. Nesta prática e sua consequente produção material, cidades reais e imaginárias entrelaçam-se, tornando indissociáveis a fantasia, a técnica, a economia, a racionalidade construtiva, a tradição e a imaginação. Reconhece-se então um amplo campo de ‘fazeres arquitetônicos’ muito mais abrangente do que aquele definido pela atividade de arquitetos, e mesmo mais abrangente – na medida em que inclui objetos com formas arquitetônicas – do que aquele que seria definido nas fronteiras das ‘arquiteturas feitas sem arquitetos’. Este é um campo de confluências e sobreposições, espelhamentos e distorções, ainda pouco explorado nas aproximações, enfoques e estudos sobre a Arquitetura Popular, e que pode trazer contribuições significativas ao conhecimento científico, problematizando entendimentos consolidados, reformulando estratégias e reequalizando questões pertinentes ao tema. É precisamente neste campo, e com tais intenções, que se coloca a pesquisa que se expôs, em linhas gerais, aqui neste texto.

DESAFIOS ATUAIS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste momento a equipe de pesquisadores se dedica a: • Aprofundar o levantamento bibliográfico e iconográfico sobre a história dos promesseiros portadores de modelos arquitetônicos, especialmente junto aos acervos de imagens fotográficas de jornais e arquivos públicos e privados na cidade de Belém; • Aprofundar os estudos comparativos a respeito dos processos de confecção destes modelos e das interações entre os modelos arquitetônicos e as manifestações da arquitetura real na região metropolitana de Belém; • Compor interpretações sobre estes fenômenos e suas interações procurando compreender suas motivações, princípios, origens, variações e conteúdos simbólicos; • Configurar hipóteses que auxiliem a compreensão dos fenômenos em foco e suas relações com o universo da arquitetura, e que sustentem aproximações comparativas entre a arquitetura real e imaginária no contexto paraense; Os procedimentos metodológicos em andamento caracterizam-se por conjugar estudos bibliográficos, visitas de campo, registros fotográficos e fílmicos constituindo uma base iconográfica sobre a qual se desenvolvem aproximações descritivas, que sustentam interpretações e perspectivas comparativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os modelos arquitetônicos do Círio apresentam uma expressiva diversidade tipológica que representa, em um contexto religioso-ritualístico as variedades de configurações da arquitetura popular de Belém do Pará, contemplando exemplares arquetípicos, variantes tradicionais e configura-

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