Modelos de democracia e soberania popular: reflexão inicial sobre o papel dos sites de redes sociais

June 23, 2017 | Autor: Nina Santos | Categoria: Social Media, Democracy
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MODELOS DE DEMOCRACIA E SOBERANIA POPULAR: REFLEXÃO INICIAL SOBRE O PAPEL DOS SITES DE REDES SOCIAIS Nina Santos1

Resumo O presente artigo faz uma breve análise de como os modelos clássicos de democracia pensaram a relação entre Estado e cidadão e de cómo se estabeleceu a soberania popular em cada um deles. Posteriormente, buscamos identificar formas através das quais a comunicação online poderia contribuir para a democracia. Essa contribuição é pensada no sentido de fortalecer a existência da soberania popular, aumentando os vínculos e canais de troca entre a esfera de decisão política e a esfera civil. Palavras-chave Modelos de democracia. Comunicação Digital. Soberania Popular.

Abstract This article does a brief analysis of how the classical models of democracy thought the relationship between state and citizen and how the popular sovereignty was established in each of them. Later, we seek to identify ways in which online communication could contribute to democracy. This contribution is designed to

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Universidade Federal da Bahia. [email protected]

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strengthen the existence of popular sovereignty, increasing linkages and exchange channels between the civil and political spheres. Keywords Models of democracy. Digital Communication. Popular Sovereignty.

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Introdução

O conceito de democracia, desde sua elaboração inicial, traz consigo alguns princípios que lhe são inerentes. Em uma linha histórica, no entanto, esses princípios se materializaram em diferentes modelos de democracia. Para Held, modelos de democracia são “a theoretical construction designed to reveal and explain the chief elements of a democratic form and its underlining structure of relations” (p.6, 2006). Cada um dos modelos elaborou uma forma própria de tratar os princípios democráticos, colocando maior ou menor ênfase a depender da importância atribuída a cada um deles. O desenvolvimento desses diferentes modelos ao longo da história trouxe consequências bastante diversas tanto no plano normativo quanto no próprio desenho dos estados democráticos. Nos interessa aqui, no entanto, averiguar como cada um dos principais modelos tratou a questão da soberania popular. Sabemos que a soberania popular é um princípio que acompanha a democracia desde seu nascimento – estando inclusive na própria etimologia da palavra, que vem do grego e significa governo do povo. A forma como esse princípio se materializou nos modelos de democracia é, no entanto, bastante variada. Sem jamais abandonar esse preceito tão crucial para a ideia de democracia, os modelos conseguem variar desde a ideia da participação constante dos cidadãos nas decisões políticas até a percepção de que o ideal seria que eles apenas participassem em momentos eleitorais. Portanto, buscaremos aqui compreender como esse tema foi tratado historicamente pelos teóricos dos principais modelos de democracia. Essa análise nos permitirá compreender como foi Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico (ISSN 2175-9391), n° 6, p. 270-285, 2012.

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pensado o papel dos cidadãos dentro do regime democrático, a importância dele para o sistema e em torno de que se forma o poder do cidadão em uma democracia.

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Modelos de democracia

Held (2006) divide os modelos de democracia em “modelos clássicos” e “modelos do século XX”. A primeira categoria seria composta pela democracia clássica, pelo modelo republicano e pelo desenvolvimento inicial da democracia liberal. Já o segundo grupo seria composto pelas variações mais recentes do modelo liberal, a saber o elistismo democrático, a democracia legal, o pluralismo e o deliberacionismo.

Reprodução de Models of Democracy/David Held

Começaremos, portanto, tratando um pouco da democracia clássica e de como se pensava o papel do cidadão nesse modelo.

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A democracia clássica para Held (2006) nasce no século V a.C. em Atenas, na Grécia. Esse regime, que surge de uma conjunção de fatores como o desenvolvimento econômico da região e a recusa aos governos autocráticos instaurados, tem como ideais políticos a igualdade entre os cidadãos, a liberdade, o respeito pela lei e a justiça (HELD, 2006, p.13). Vale destacar que esses princípios eram aplicados apenas ao corpo daqueles considerados cidadãos, que eram basicamente homens adultos e com ascendência ateniense. A ideia dessa forma de governa absolutamente inovadora para sua época era a de tirar o poder da mão de poucos e colocá-lo nas mãos de todo o povo. Para isso, era pressuposto que “all citizens could and indeed should participate in the creation and nurturing of a common life” (HELD, 2006, p.14). Portanto, esse modelo se baseia na ideia de que todos aqueles concernidos pelo Estado, ou seja, os cidadãos, deveriam participar ativamente do dia-a-dia das discussões e decisões políticas, tomando para si determinadas tarefas dentro desse sistema. Aqui ainda não está clara a divisão – que emergirá posteriormente – entre sociedade civil e Estado, enquanto instância especializada e com atores especializados na tomada de decisões políticas e em sua execução. Dessa forma, aqui são os próprios cidadãos que devem fazer o Estado funcionar e essa tarefa é vista como uma afirmação da sua soberania perante a coisa pública. Além disso, entre os cidadãos, as decisões eram tomadas pela força do melhor argumento e não mais pela imposição da força bruta (HELD, 2006, p.15). Eles consideravam ainda que esse processo de decisão e criação de leis tinha uma grande aproximação com a vida cotidiana das pessoas e que, por isso, traria mais legitimidade às decisões ali tomadas. Esse processo de discussão e deliberação acontecia na Assembleia, que se reunia quatro vezes por ano e tinha um quórum de 6.000 cidadãos (HELD, 2006, p.17). É interessante notar, no entanto, que a agenda dos encontros da Assembleia não era decida por todos, já que isso tornaria o

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processo complexo demais, com risco de inviabilizá-lo. Havia, portanto, um conselho de 500 cidadãos que se encarregava desta tarefa. Devemos ainda recordar que esse modelo se desenvolveu em uma sociedade pequena e onde o regime escravocrata garantia aos homens livres um certo tempo livre para se dedicar às tarefas políticas Após o fim do modelo grego, os regimes considerados democráticos desaparecem do mundo por um longo espaço de tempo. É apenas no período renascentista europeu que esse modelo retornará ao horizonte das experiências de relação com o Estado. Esse retorno da democracia se dá através do modelo Republicano que começa a aparecer na Europa no final do século XI, em comunidades do norte da Itália (HELD, 2006, p.32). Aqui o foco da soberania popular é o poder de auto-determinação dos indivíduos. Dessa forma, para eles, a liberdade de uma comunidade política reside no fato de ela estar sujeita apenas à autoridade advinda dessa mesma comunidade. Assim, os governantes, não seriam aqueles criadores de leis, mas sim aqueles que garantem a aplicação das leis da própria comunidade para o bem dela mesma. Portanto, a comunidade e seus cidadãos são providos de virtude para se auto-regular, processo no qual reside sua soberania. O papel do Estado está na garantia operacional do funcionamento desse processo. Há, no entanto, duas diferentes vertentes do modelo republicano. A primeira seria aquela que Held (2006) denomina de desenvolvimentista, onde o foco está no valor intrínseco da participação para o desenvolvimento dos cidadãos como seres humanos (HELD, 2006, p.35). Essa corrente é bastante influenciada pela concepção clássica grega de democracia, que via a participação de todos os cidadãos como essencial para o desenvolvimento da comunidade política. Já a vertente protecionista acredita que a participação tem um valor instrumental na proteção dos desejos e objetivos dos cidadãos. Essa forma de pensar sofre influências do antigo modelo

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Republicano da Roma antiga, que se baseava na fragilidade da virtude dos cidadãos e do papel da participação política no auxílio ao controle das decisões públicas. O modelo republicano se desenvolveu sobretudo na Itália, mas acabou dando lugar a regimes absolutistas que governariam a Europa até o século XVIII. É em reação a dominância desses governos autoritários e a partir das revoluções do final do século XVIII que vai nascer o modelo liberal de democracia. Com diversas influências – dentre as quais destacamos a reforma protestante e as conquistas além-mar – o modelo liberal se desenvolveu a partir da concepção das pessoas como indivíduos, donas de seu próprio destino e, portanto, independentes de instituições tais como a igreja. A partir dessa noção, e em contraposição aos governos absolutistas da época, se desenvolveram os valores centrais desse modelo: liberdade de escolha, razão e tolerância (HELD, 2006, p.59). Apesar das variações do modelo, a defesa do estado constitucional, da propriedade privada e de um mercado competitivo na economia como mecanismo central para coordenar os interesses dos indivíduos eram uma base comum. O Estado aqui deve ter poder coercitivo para impedir que sejam violadas as liberdades e propriedades do indivíduo, mas, por outro lado, deve haver espaços sem interferência do Estado como o mercado e a família, a sociedade civil. Portanto, aqui já se admite que os indivíduos devem ceder parte de sua soberania ao Estado, que se torna o responsável pela manutenção da ordem e pela garantia dos direitos básicos previamente estabelecidos. Contudo, é também concebido que é necessário haver espaços onde esse mesmo Estado não pode atuar. Essa é a estrutura básica que pode garantir que cada indivíduo aja em interesse próprio sem que a sociedade se torne instável. Aqui já não é essencial que cada indivíduo lute e defenda os interesses coletivos – esse é o papel do Estado – e a estruturação pensada

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visa tornar possível que a luta por interesses próprios não inviabilize a convivência social. Posteriormente, o modelo liberal vai dar origem a uma serie de modelos derivados, tais como o pluralista, o elitista e o deliberacionista. Nos ateremos, contudo, a esses três modelos clássicos a partir dos quais buscaremos levantar algumas hipóteses para se pensar as contribuições que a comunicação online pode trazer para a democracia.

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Pensando os sites de redes sociais

Após uma breve análise de como os modelos clássicos de democracia pensaram a relação entre Estado e cidadão e de que forma ficava estabelecida a soberania popular, mecanismo básico da democracia, podemos identificar formas através das quais a comunicação online poderia contribuir para a democracia. Essa contribuição é pensada no sentido de fortalecer a existência da soberania popular, aumentando os vínculos e canais de troca entre a esfera de decisão política (GOMES, 2006) e a esfera civil. Antes de começarmos a análise propriamente dita, consideramos relevante ressaltar que falar da internet e dos sites de redes sociais ainda é algo que deve ser feito com cautela. Mosco (2004) nos alerta para o fato de que essa nova tecnologia ainda está em fase de assimilação social e que, portanto, muitos mitos existem em torno dela. This book argues that one cannot understand the place of computer communication technology without taking account of some of the central myths about the rise of global computer communication systems, particularly those identified with the Internet, the World Wide Web, and cyberspace. It maintains that myths are important both for what they reveal (including a genuine desire for community and democracy) and for what they conceal (including the growing concentration of communication power in a handful of transnational media businesses). (MOSCO, 2004, p.19)

Para Mosco (2004), o poder real das tecnologias não aparece nesse período mítico, enquanto ela ainda está em fase de adoção e Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico (ISSN 2175-9391), n° 6, p. 270-285, 2012.

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incorporação no cotidiano. O autor mostra como a ideia de algo sublime já esteve associada a fenômenos naturais e passou a identificar também novas tecnologias, como a eletricidade e o telefone. Segundo ele, essa ideia de algo transcendente geralmente está acompanhada de uma visão diametralmente oposta – mas igualmente baseada em mitos – que é a demoníaca. Outra característica importante levantada por Mosco (2004) é o fato de o surgimento da internet e das tecnologias digitais serem vistas como uma ruptura histórica. Estaríamos passando da era industrial para a informacional ou digital e isso significaria avanços nunca antes vistos. Essa visão de saltos históricos – e não da história enquanto processo contínuo – seria especialmente favorável ao surgimento e disseminação de mitos, além de ser ela própria algo mitológico. Essa ideia do rompimento histórico guarda relação também com a ideia de “fetiche de mudança”, proposta por Christopher Grey. O autor defende que “a mudança tornou-se parte tão importante das premissas que assumimos sobre as organizações, que a transformamos em um “fetiche”” (2004, p.1). Grey vai argumentar que a identificação de processos de mudança se tornaram parte intrínseca do cotidiano social e que são hoje necessários para a sociedade. Não queremos aqui simplesmente identificar que, no estágio social atual, muito do que se fala sobre internet corre sérios riscos de ser impreciso. Acreditamos que esse estágio de adoção de uma nova tecnologia e criação de novos espaços comunicacionais são importantes momentos de observação e análise. Se o valor da precisão não pode ser garantido – se é que, em algum momento histórico, ele pode -, esse tipo de análise se valoriza pela sua atualidade e busca do acompanhamento de processos ainda em construção. De toda forma, acreditamos que esse panorama histórico maior, de adoção de diversas tecnologias pela sociedade, não pode sair do horizonte e deve servir como parâmetro para as análises atuais.

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Outra ponderação que nos parece importante, dado que trataremos aqui dos sites de redes sociais trata da relação da internet com a sociabilidade. Castells (2003) considera que “se há uma coisa que pode ser dita, é que a Internet parece ter um efeito positivo sobre a interação social, e tende a aumentar a exposição a outras fontes de informação” (p.102). O autor não se referia aos sites de redes sociais, que surgiram apenas em 2004, mas já identificava essa característica no ambiente online de uma forma geral. Além disso, o autor critica a visão da internet como “terreno privilegiado para as fantasias pessoais” (Castells, 2003, p.99) afirmando que ela deve ser vista como uma “extensão da vida como ela é” (Castells, 2003, p.100). Essa colocação nos é bastante útil especialmente para entender os efeitos políticos que esse ambiente pode ter, dado o imbricamento cada vez maior dele com as dinâmicas, por assim dizer, offline. Especificamente sobre o contexto político, Castells (2003) cita um estudo realizado em 2001 por Katz, Rice e Aspden que mostrou que os níveis de envolvimento comunitário ou político entre usuários de internet era maior ou igual do que os níveis entre os não usuários (p.101). Levantaremos então, algumas hipóteses iniciais para se pensar essa relação entre ambientes online – aqui especificamente sites de redes sociais – e a ação política. - Espaços de múltiplas visibilidades Ellerberok (2010) considera que os ambientes online podem ser analisados a partir da sua capacidade de gerar múltiplas visibilidades. A autora usa essa ideia para examinar como os dados deixados nessas redes podem ser apropriados por diversos segmentos sociais de formas diferenciadas. Aqui nos interessa mais diretamente pensar os efeitos políticos que diferentes visibilidades dessas informações podem gerar. Consideramos que há dois tipos de visibilidade que podem gerar influência na esfera de decisão política. A primeira seria uma visibilidade pública, ou seja, o fato de conseguir tornar um tema ou

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questão um problema social constituído. O processo de formação de uma agenda pública envolve uma visibilidade ampliada, geralmente conseguida através dos meios de comunicação de massa. Essa visibilidade gerada pelos meios de massa é fruto de um fluxo múltiplo de influências – critérios de noticiabilidade, pressões dos sistemas econômico e político, fatos sociais de grande visibilidade etc - que vai influenciar na decisão do que entra na pauta do dia. Nesse primeiro sentido de visibilidade, podemos dizer que os sites de redes sociais contribuiriam de duas formas. Primeiro na produção de uma visibilidade interna à rede que, por vezes, pode ser apropriada pelos meios de comunicação de massa e chegar fazer parte da agenda pública. Isso aconteceria, por exemplo, quando um tema de interesse dos próprios usuários – seja algum conteúdo gerado pelos usuários ou um tema que não esteja em pauta – se dissemina pela rede ganhando visibilidade dentro dela e é apropriado por algum meio de massa. Isso é plausível de acontecer sobretudo porque esses ambientes online tem se mostrado fontes privilegiadas dos jornalistas, o que facilita esse trânsito. Uma segunda forma de ganhar visibilidade pública que é facilitada pelos sites de redes sociais é a possibilidade de grandes eventos públicos. Os sites de redes sociais facilitam os processos de mobilização política por possibilitarem a comunicação instantânea entre uma grande quantidade de pessoas, a organização e publicização de informações e a visibilidade da vinculação a elas. Se uma mobilização resulta em um fato social de importância incontestável – uma enorme passeata ou um ato de protesto que cause impacto – é difícil que os meios de comunicação de massa possam deixar de colocá-lo em pauta. A visibilidade gerada pelos meios de comunicação de massa é efetiva na influência na esfera de decisão política pois trata-se da principal esfera de formação da agenda pública. Ao entrar na agenda pública, um tema passa a ser amplamente discutido

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socialmente o que gera pressão sobre o sistema político para que providências sejam tomadas em relação a ele. Contudo, é possível também pensar uma forma de visibilidade que pode também influenciar o processo de decisão política, mas sem necessariamente passar pela agenda pública. Essa visibilidade aconteceria em canais específicos de comunicação entre a esfera civil e a esfera de decisão política. Essa visibilidade dependeria da criação de canais específicos pelo governo para ouvir as demandas e opiniões dos cidadãos e ficaria, portanto, restrita ao próprio sistema político. Isso, no entanto, não significa uma diminuição na efetividade da influência que esses canais poderiam ter. Nesse sentido, os sites de redes sociais podem funcionar de duas formas. Primeiro, eles são um importante repositório de informações e opiniões dos cidadãos que podem ser uma importante fonte de informações para um governo interessado em saber o que os cidadãos pensam sobre um determinado tema. Além disso, os sites de redes sociais podem também ser a plataforma através da qual se podem incentivar e coletar informações que sejam do seu interesse. Essa forma de visibilidade, ao contrário da outra, depende da existência de canais de comunicação que forneçam ao centro da decisão política insumos vindos da esfera civil. Por outro lado, por advir de uma demanda do próprio sistema político, é de se esperar também que as informações advindas daqui sejam efetivamente utilizadas em processos de decisão política. É preciso ressaltar que as duas formas de visibilidade são complementares. Ao mesmo tempo em que se pressiona setores políticos através de canais criados por eles, é possível tentar uma mobilização pública em torno do tema. E, por outro lado, sem dúvida uma pauta da agenda pública aparecerá em uma ferramenta governamental voltada a coletar opiniões da sociedade civil. A questão principal aqui é a demonstração de que há mais de uma visibilidade possível para os conteúdos presentes em sites de redes

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sociais que podem gerar impacto político a partir de diferentes mecanismos. - O cidadão como mediador O ambiente online complexifica de forma considerável as dinâmicas de mediação. A internet possibilita que as diversas mediações – muitas delas já pré-existentes em ambientes offline – convivam e disputem por visibilidade de forma mais direta. Nesse sentido, a existência de outros mediadores da realidade, que se configurem como escapatórias a processos de seleção e adequação dos grandes media, torna-se algo extremamente relevante para democracia. Não se trata de uma desqualificação da informação provida pelos grandes media, mas do entendimento de suas limitações e da necessária pluralização dos atores da esfera de visibilidade pública. (SANTOS, 2010, p.14)

Nesse contexto, torna-se possível não apenas ter acesso a diversas mediações, como compará-las de forma muito mais fácil (dado que os dados estão disponíveis online). Essa possibilidade de comparação, além de evidenciar a existência do processo de mediação, acaba por gerar críticas e questionamentos à forma como determinadas mediações são feitas. Diante da constatação de que os processos de mediação no ambiente online se complexificam, tentaremos apontar algumas questões centrais desse processo. Um primeiro ponto que gostaríamos de ressaltar como exemplo da reconfiguração da mediação no ambiente online é o que podemos chamar de “diversidade das mediações”. O que nos chama atenção aqui é a possibilidade de que essa diversidade de mediações - presente e potencializada pelo ambiente online - traga com ela uma pluralidade de discursos sobre o mesmo fato. Se antes o filtro dos grandes media monopolizava a entrada para a esfera de visibilidade pública, agora filtros diversos, de atores diversos passam a ser aplicados sobre a realidade e a resultar em conteúdos publicamente acessíveis. Mesmo considerando a discrepante cota de visibilidade que cada um desses conteúdos pode atingir, acreditamos que o fato em si da pluralização das mediações (publicamente disponíveis

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e amplamente acessíveis) pode ser considerado uma mudança, mas é necessário averiguar em que medida isso modifica o foco da atenção pública. É preciso, portanto, averiguar como esse processo de fato ocorre e qual o real nível de reconfiguração apresentado por ele. Um segundo ponto que ressaltaríamos como exemplo das reconfigurações dos processos de mediação, que é bastante próximo a esse primeiro, é o da convivência de mediações profissionais e não-profissionais. Dentro dessa diversidade de mediações que passam a conviver e disputar espaço no ambiente online podemos identificar claramente dois campos. Aquele dos mediadores profissionais, jornalistas, autorizados socialmente a produzir notícias, ou seja, interpretações da realidade, e aquele dos não-profissionais, cidadãos quaisquer que escrevem sobre temas que lhes convêm sem maiores compromissos profissionais, sociais ou éticos. A diferença aqui em relação ao ambiente offline, mais uma vez, não é a existência das mediações não-profissionais, que sempre existiram socialmente, mas sua pública e constante disponibilização e a possibilidade de disseminação que esses conteúdos passam a ter. Vale ainda ressaltar uma nuance possível no campo dos profissionais: a diferença entre jornalistas vinculados a meios de comunicação e aqueles que publicam seus conteúdos de forma independente. Não queremos aqui estabelecer uma relação valorativa entre esses dois tipos de mediação, mas sim compreender a importância social que cada uma delas pode ter e que tipo de consequência pode ser gerada a partir de uma convivência tão próxima entre elas. Um terceiro ponto que gostaríamos de ressaltar é o que chamamos de “explicitação da mediação”. Esse seria o processo em que a mediação se torna mais visível, mais identificável, menos naturalizada. Acreditamos que o convívio dessa pluralidade de mediações e, sobretudo, a confrontação dos conteúdos provenientes de cada uma delas contribui para tornar mais evidente o processo de mediação em si. Se antes os meios de

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comunicação de massa quase monopolizavam o mercado de mediações amplamente disponíveis, o que acabava por, muitas vezes, tornar o processo de mediação naturalizado, agora os cidadãos têm acesso facilitado a uma pluralidade de mediações o que torna esse processo muito mais visível. Além disso, ao tornarse mediador, o cidadão tem um contato mais direto com os mecanismos da mediação o que possibilita uma compreensão muito maior deles. - Aproximação entre política e cotidiano A política, assim como a culinária e vida pessoal, faz parte, em maior ou menor grau, da vida das pessoas. Seja ao assistir noticiários, ao conversar com colegas, ao se indignar com os buracos da sua rua, as pessoas estão envolvidas em problemas de causas e/ou consequências políticas. O que muitas iniciativas de participação civil tentam fazer, no entanto, é criar uma instância separada da sociabilidade, onde se discuta política. E, em grande parte, essas instâncias não se mostram efetivas por não conseguirem os níveis esperados de participação, discussão, responsividade, entre outros critérios. O que se pode argumentar é que apesar de ter validade política, as conversações cotidianas, aquelas envoltas na sociabilidade, não seriam suficientemente refletidas, debatidas e formuladas de maneira suficientemente sofisticada para ter efeito efetivo nas ações política. O que deve se considerar, no entanto, é que não propomos aqui um modelo de democracia direta, onde o poder político central é exercido pelos próprios cidadãos e que essas conversações cotidianas seriam base para essas decisões. Vencidas as barreiras entre sociabilidade e política, o que nos parece coerente é que canais de interlocução da esfera civil com a esfera de decisão política – aqueles eleitos e nomeados para governar em nome do povo – sejam criados a partir dessas conversações cotidianas, onde as falas políticas emergem. Dessa forma, não se dispensa ou desqualifica critérios mais apurados de

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construção dos discursos políticos, mas se considera que eles podem ser mais propriamente exigidos das instâncias políticas centrais, onde se supõe que os atores que ali estão tenham muito mais tempo, energia e interesse para investir nesse processo. Dessa forma, portanto, o sistema político seria formado, de um lado, por representantes democraticamente eleitos que debateriam e deliberariam sobre temas políticos no centro do sistema. Dessa processo central se exigiria todas os pré-requisitos e qualificações de uma deliberação política, tais como a elaboração de argumentos, a discussão livre de pontos de vista, o respeito ao argumento alheio, entre outros. Em paralelo a esse processo central, aconteceriam então as manifestações cidadãs sobre políticas. Essas se dariam emaranhadas no cotidiano e na sociabilidade das pessoas, não podendo ser delas separadas. O desafio seria, portanto, criar canais que fizessem essas manifestações cotidianas chegarem de forma consolidada ao centro do sistema político.

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Conclusão

Parece-nos claro, portanto, que há diversas correlações que podem ser estabelecidas entre as particularidades da comunicação digital e o processo de afirmação da soberania popular. Enquanto espaços de comunicação específicos e privilegiados – em termos de abrangência e capacidade de ressonância -, os sites de redes sociais podem contribuir de diferentes formas para processo mais ativos de ação política dos cidadãos. Não se pode esquecer, no entanto, que quando falamos de sites de redes sociais, estamos falando de ambiente criados e mantidos por empresas privadas e que, portanto, estão sob sua jurisdição. Nos lembra a discussão realizada por Lessig, em seu livro Code (2006), onde ele ressalta a importância dos códigos – e de quem os detém e tem acesso a eles – para o estabelecimento de diferentes dinâmicas no ambiente online. Não acreditamos que, pelo fato de

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serem espaços pertencentes a empresas privadas, os sites de redes sociais deixem de ter validade enquanto espaços de discussão pública de ideias, mas é preciso não perder de vista quem, em última instância, detém controle sobre eles. Essas são apenas algumas hipóteses iniciais sobre como a comunicação digital pode contribuir para sociedades democráticas, levando em conta as formas como os modelos clássicos de democracia pensaram a questão da soberania popular. Maiores desenvolvimentos teóricos e empíricos se fazem necessários para aprofundar as discussões sobre o tema.

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