Modelos Lógicos em Direito

June 6, 2017 | Autor: G. Paulino Passos | Categoria: Jurisprudence, Legal Theory, Deontic Logic, Artificial Intelligence and Law
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Faculdade de Direito

Guilherme Paulino Passos

Modelos Lógicos em Direito

Rio de Janeiro 2016

Guilherme Paulino Passos

Modelos Lógicos em Direito

Monografia apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel, à Faculdade de Direito, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Ms. Antônio Augusto Madureira de Pinho

Rio de Janeiro 2016

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CCS/C P289m Passos, Guilherme Paulino. Modelos lógicos em Direito / Guilherme Paulino Passos. - 2016. 115 f. Orientador: Profº. Antonio Augusto Madureira de Pinho. “Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.” 1. Direito (Filosofia). 2. Lógica. I. Pinho, Antônio Augusto Madureira de. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Direito. III. Título. CDU 340

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta monografia, desde que citada a fonte.

_______________________________________ Assinatura

_____________________ Data

Guilherme Paulino Passos

Modelos Lógicos em Direito Monografia apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel, à Faculdade de Direito, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 21 de Março de 2016. Banca Examinadora:

Prof. Ms. Antônio Augusto Madureira de Pinho (Orientador) Faculdade de Direito – UERJ

Prof. Dr. Alexandre Fabiano Mendes Faculdade de Direito – UERJ

Rio de Janeiro 2016

DEDICATÓRIA

Às minhas avós, Maria e Ruth, e in memoriam ao meu avô Jayme.

AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo constante carinho e afeto. À minha prima Amanda, por diversas ajudas e “bizus” de sobrevivência no sétimo andar. Aos meus pais, Fabio e Lucia, pelo amor e pelo apoio em decisões e caminhos de vida. Ao Professor Antônio Madureira, pela orientação, ainda mais na urgência das circunstâncias. Aos professores da Faculdade de Direito da UERJ que me ajudaram com valiosas lições e sendo exemplos ao que se deve aspirar ser. Nas concordâncias e nas controvérsias, o brilho do ensino está em fazer nascer no aluno a curiosidade, fazê-lo utilizar o máximo de seu poder intelectual e em inspirar o amor pela verdade. De todas as atividades, a de ensinar é das mais belas. Ao professor da Faculdade de Direito da USP, Juliano Maranhão, pelas lições na Fundação Getúlio Vargas e por dar a esperança de que o estudo da Lógica pode florescer no meio jurídico nacional. Pela oportunidade no projeto de Iniciação Científica e no então Instituto de Direito Civil (IDC), ao Professor Gustavo Tepedino, de modo que pude me aprofundar na, sem dúvidas, bela área do Direito Civil. Ao meu primeiro chefe, professor e grande amigo, Eduardo Nunes de Souza. Ao companheiro de pesquisa, aulas e conversas, Rodrigo da Guia Silva, exemplo de paixão pelo Direito. A todos os amigos da Faculdade de Direito da UERJ, de diferentes turnos e períodos, por tornarem o ambiente mais leve e receptivo, bem como pelos motivadores debates e trocas de idéias. Agradeço também aos demais aproximados pelo Direito ou mesmo pelo debate político. O ambiente universitário não é o mesmo sem o crescimento mútuo, com as discussões tendo sido muitas, bem como o aprendizado, de modo que agradeço a cada um de vocês. Em especial, pelas constantes revisões de trechos deste trabalho e diversos debates, a Victor Luis Barroso Nascimento. Busquei agradecer aos diversos personagens de maior presença em razão da graduação em Direito e da UERJ, durante estes cinco anos, mas não posso deixar de reconhecer a presença e a imensa ternura de todos os demais amigos presentes nos mais diversos âmbitos da vida por este tempo. A todos vocês, minha mais sincera gratidão.

We will present here, thus, a new and marvelous calculus, which occurs in all our reasonings and which is not less rigorous than arithmetic or algebra. Through this calculus, it is always possible to terminate that part of a controversy that can be determined from the data, by simply taking a pen, so that it will suffice for two debaters (leaving aside issues of agreement about words) to say to each other: let us calculate! In this way, just as when two arithmeticians dispute about a calculation mistake, so too the method I am proposing will yield the same solution, including for ignorant persons or for those who are not willing to use it. In short, what will be expounded is a method of disputing formally that is adequate for the treatment of questions, free of the tedium of scholastic syllogisms, and capable of overcoming those distinctions through which in the schools each party eludes the other. Gottfried Wilhelm Leibniz. Synopsis of a book whose title will be: Foundations and examples of a new general science for the instauration and development of the sciences for the benefit of public happiness

RESUMO

PASSOS, G. P. Modelos Lógicos em Direito. 2016. 115 f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Este trabalho busca expôr a interrelação entre Lógica Formal e Direito através da possibilidade de representar o conhecimento jurídico por uma linguagem lógica. Isto é feito a nível introdutório, sem explorar diferentes direções do que já foi produzido na área, mas sendo exibidas construções viáveis a partir da teoria básica. Desse modo, não são exigidos pré-requisitos técnicos. O desenvolvimento é sistemático, com definições e teoremas. É feita uma introdução à lógica proposicional e à lógica deôntica, sendo trabalhados exemplos e possibilidades de aplicação para o discurso jurídico. Em particular, são discutidos alguns fundamentos e paradoxos da lógica deôntica. Para esta lógica também são apresentadas duas semânticas diferentes, ilustrando como podem fornecer intuições e se relacionar à argumentação jurídica. Posteriormente, a lógica deôntica é usada para trabalhar um modelo de sistemas normativos, devido a Alchourrón e Bulygin. Os conceitos de caso, solução, norma, lacuna, completude e consistência são discutidos e definidos em uma teoria precisa. São avaliadas as possibilidades de existência de ordenamentos inconsistentes, bem como de ordenamentos completos ou incompletos. Palavras-chave: Lógica. Teoria do Direito. Lógica Deôntica. Sistemas Normativos.

ABSTRACT

PASSOS, G. P. Logic Models in Law. 2016. 115 f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. This work aims to present a link between Formal Logic and Law using logical languages for legal knowledge representation. The presentation is at introductory level - it doesn’t cover several advances in the field, but some feasible constructions from basic theory are shown. Thus there are no technical prerequisites. We proceed in systematic manner, with definitions and theorems. Propositional and deontic logics are introduced and applied to legal discourse. In particular, foundations and paradoxes of deontic logic are discussed. For this logic we also define two different semantics and exhibit their intuitive usefulness and relation to legal argumentation. Next, we construct a model of normative systems, following Alchourrón and Bulygin. In a rigorous theory we define and discuss the concepts of case, solution, norm, gap, completeness and consistency. Then we consider the possibility of existence of inconsistent, complete or incomplete legal orders. Keywords: Logic. Legal Theory. Deontic Logic. Normative Systems.

LISTA DE TABELAS

Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela

1 - Conectivos proposicionais 2 - Negação . . . . . . . . . . 3 - Conjunção . . . . . . . . 4 - Disjunção . . . . . . . . . 5 - Implicação material . . . . 6 - Equivalência material . . . 7 - Exemplo 1.3 . . . . . . . 8 - Casos elementares . . . . 9 - Sistema S1 . . . . . . . . 10 - Sistema S2 . . . . . . . . 11 - Sistema S3 . . . . . . . . 12 - Sistema S4 . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . .

26 27 27 29 30 30 31 80 83 86 86 86

SUMÁRIO

1 1.1 1.2 1.3 1.3.1 1.3.2 1.3.3 1.3.4 1.3.5 1.3.6 1.4 1.4.1 1.5 1.6 1.6.1 1.6.2 2 2.1 2.2 2.2.1 2.3 2.3.1 2.3.2 2.4 2.5 2.5.1 2.5.2 2.5.3 2.5.4 2.5.5 3 3.1 3.2 3.2.1 3.2.2

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . LÓGICA PROPOSICIONAL . . . . . . . . . . Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Composicionalidade proposicional . . . . . . . A linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Negação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Conjunção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Disjunção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Implicação material . . . . . . . . . . . . . . . . Equivalência material . . . . . . . . . . . . . . . Definição formal . . . . . . . . . . . . . . . . . . Semântica - A noção de verdade . . . . . . . . . Satisfabilidade, validade e conseqüência lógica . . Maxi-conjunções . . . . . . . . . . . . . . . . . Aplicações em sistematização . . . . . . . . . . A teoria de relações jurídicas de Jeremy Bentham . Ontologias e bases de conhecimento . . . . . . . . LÓGICA DEÔNTICA . . . . . . . . . . . . . . Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SDL - Standard Deontic Logic . . . . . . . . . . Definição formal . . . . . . . . . . . . . . . . . . Semânticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Os mundos deonticamente perfeitos . . . . . . . . Semântica de preferências . . . . . . . . . . . . . O Dilema de Jørgensen . . . . . . . . . . . . . . Paradoxos do sistema SDL . . . . . . . . . . . . A obrigação de necessidades lógicas . . . . . . . . Paradoxo de Ross . . . . . . . . . . . . . . . . . Obrigação contrária-ao-dever . . . . . . . . . . . Paradoxo do assassinato gentil . . . . . . . . . . . Conflitos de obrigações . . . . . . . . . . . . . . SISTEMAS NORMATIVOS . . . . . . . . . . Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Um problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Delimitação do problema . . . . . . . . . . . . . O escopo fático . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

11 24 24 25 26 26 27 28 29 30 31 32 33 36 38 38 40 43 43 44 49 51 51 57 66 69 69 70 71 74 76 77 77 78 78 79

3.2.3 3.2.4 3.2.5 3.3 3.3.1 3.3.2 3.3.3 3.3.4 3.4 3.4.1 3.4.2 3.5 3.6 3.7 3.7.1 3.7.2

O escopo deôntico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Modelando um sistema normativo . . . . . . . . . . . . . . . . Outros sistemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Os casos e o ambiente fático . . . . . . . . . . . . . . . . . . Casos individuais e casos genéricos . . . . . . . . . . . . . . . Universo de propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Universo de casos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Lacunas de conhecimento e lacunas de reconhecimento . . . . Ações, soluções e normas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Universo de ações e soluções . . . . . . . . . . . . . . . . . . Soluções e normas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Sistemas normativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Consistência - Conflitos normativos . . . . . . . . . . . . . . Completude - O problema das lacunas . . . . . . . . . . . . A inexistência de lacunas pelo argumento da interdefinibilidade A possibilidade da completude . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

80 81 83 87 87 88 90 91 93 93 96 98 104 106 107 108 111 112

11

INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como objetivo apresentar modelos lógicos para o Direito, isto é, modelos formais da área de Lógica. Por “formal” aqui queremos dizer utilizando representação e raciocínio simbólicos, de modo não muito distante daquele utilizado nas disciplinas com base matemática. Será argumentado que os métodos formais são subutilizados no campo do Direito, havendo bastante espaço e utilidade para os mesmos. Essa posição será defendida menos por argumentos apriorísticos do que pela construção e exibição de modelos, sem perda de abstração na modelagem, bem como sem prejuízos para a concretude através de numerosos exemplos. Buscaremos responder questões como: Quais são as conseqüências lógicas de se estipular uma obrigação? Há alguma relação entre uma lógica de normas e argumentos classicamente utilizados pela doutrina jurídica? Como podemos julgar se um argumento jurídico clássico é válido? Podemos definir o conceito de norma de modo preciso? Somos capazes de criar conceitos jurídicos de modo exato, possibilitando, por exemplo, a manipulação dos mesmos por um computador? Quais foram alguns dos avanços nessa área? O trabalho é dirigido à comunidade jurídica, de modo que o mínimo de pré-conhecimentos matemáticos seja exigido. Entretanto, as idéias serão apresentadas de modo formal o máximo quanto possível. Isto visa esclarecer o leitor, sem “truques” ou de algum outro modo ocultar as premissas e o modo pelo qual foram alcançadas as conclusões. Espera-se que fazê-lo seja também um modo de ilustrar, por esse próprio texto, a utilidade e a clareza trazidas pelo método formal. Infelizmente, entretanto, algumas demonstrações não poderão ser apresentadas, em especial por serem de caráter demasiado técnico. Enfatizamos ao leitor que por vezes é necessário ter lápis e papel à mão para se acompanharem alguns raciocínios.

O que é Lógica?

A definição de o que é Lógica não é de grande facilidade, mas é comum que seja definida como a ciência do raciocínio (correto) (GAMUT, 1991, p. 1) (MARTINEZ; SEQUOIAHGRAYSON, 2014) ou a ciência que estuda princípios e métodos de inferência (MORTARI, 2001, p. 2). De todo modo, é uma área do conhecimento preocupada com as noções de argumento válido, raciocínio e verdade. Em seu desenvolvimento histórico, ela passou a se valer fortemente de sistemas formais,

12 de modelos matemáticos.1 O impacto desses instrumentos na Lógica é de tal modo que a própria Lógica pode ser vista como o estudo de modelos matemáticos para (fragmentos de) linguagem ou para o raciocínio (correto). Desse modo, este não é um trabalho orientado para o que é chamado de “Lógica informal”, mas sim “Lógica formal”, “Lógica simbólica” ou “Lógica matemática”. Essa interpretação da Lógica como o estudo de modelos matemáticos ganha ainda maior aplicabilidade prática em razão do campo de Representação do Conhecimento e Raciocínio, uma área da Inteligência Artificial. Segundo Brachman e Levesque (2004): Knowledge representation and reasoning is the area of Artificial Intelligence (AI) concerned with how knowledge can be represented symbolically and manipulated in an automated way by reasoning programs. More informally, it is the part of AI that is concerned with thinking, and how thinking contributes to intelligent behavior. 2 Os autores resumem bem a relação dessa área com a Lógica: The reason logic is relevant to knowledge representation and reasoning is simply that, at least according to one view, logic is the study of entailment relations – languages, truth conditions, and rules of inference. Not surprisingly, we will borrow

1

Segundo Gabbay e Woods (2004): With the publication of the present volume, the Handbook of the History of Logic turns its attention to the rise of modern logic. The period covered is 1685-1900, with this volume carving out the territory from Leibniz to Frege. What is striking about this period is the earliness and persistence of what could be called ’the mathematical turn in logic’. Virtually every working logician is aware that, after a centuries-long run, the logic that originated in antiquity came to be displaced by a new approach with a dominantly mathematical character. Em tradução livre: Com a publicação do atual volume, o Manual de História da Lógica dirige sua atenção à ascenção da lógica moderna. O período coberto é 1685-1900, com este volume seguindo de Leibniz a Frege. O que é marcante sobre este período é a antecipação e persistência do que pode ser chamado ’virada matemática na lógica’. Praticamente todo lógico em atividade está ciente de que, depois de um trabalho de séculos, a lógica que se originou na antigüidade passou a ser deixada de lado por uma nova abordagem com um caráter predominantemente matemático.

2

Em tradução livre: Representação do conhecimento e raciocínio é a área de Inteligência Artificial (IA) interessada em como o conhecimento pode ser representado simbolicamente e manipulado de modo automático por programas de raciocínio. Mais informalmente, é uma parte de IA que está preocupada com o ato de pensar, e em como o pensar contribui para o comportamento inteligente.

13 heavily from the tools and techniques of formal symbolic logic.

3

Nós nos interessaremos por essa visão porque este trabalho também pode ser justificado como o estudo de métodos para o desenvolvimento tecnológico: ao ver a Lógica como Representação do Conhecimento, estaremos preocupados em como representar o conhecimento jurídico de modo formal e não-ambíguo, sempre com um olho em como um computador pode se utilizar e manipular esta representação.

O que são modelos? Por que usar modelos formais?

Também a definição de o que é um modelo não é incontroversa, mas apresentaremos a seguinte: um modelo é algo que imita características relevantes de uma situação sendo estudada. (BENDER, 1978, p. 1) Por exemplo, mapas geográficos e diagramas climáticos são modelos, bem como árvores genealógicas e a representação das estações de metrô – todos de uso diário. Modelos são utilizados para simplificar e analisar a informação, tornando-a mais fácil de entender e trabalhar. Entre os modelos, destacam-se os modelos formais (também chamados de modelos matemáticos), que nada mais são que modelos que utilizam a linguagem da matemática, isto é, uma linguagem simbólica, artificial4 . O ideal de formalização é escrever idéias em uma linguagem na qual a verificação da corretude de um raciocínio pode ser feita de modo operacional, sem que sejam necessários saltos criativos. Ou seja, o objetivo está relacionado a se verificar a justificação de idéias. Isto não significa que, com a formalização, deixe de ser necessário se utilizar de saltos criativos para inventar um novo raciocínio ou argumento. A exigência está apenas do lado da fundamentação do raciocínio. Desse modo, é mais difícil que premissas implícitas entrem “escondidas” nos

3

Em tradução livre, A razão pela qual lógica é relevante para a representação do conhecimento e raciocínio é simplesmente que, ao menos de acordo com uma visão, lógica é o estudo de relações de conseqüência lógica – linguagens, condições para a verdade, e regras de inferência. Não surpreendentemente, nós nos utilizaremos fortemente das ferramentas e técnicas da lógica formal simbólica.

4

Um modo sucinto de explicar o que é um sistema formal é dizer que é um sistema no qual todos os símbolos permitidos são declarados com antecedência, bem como os modos de produzir expressões do sistema, as expressões inicialmente aceitas (axiomas) e as regras de inferência. Daí, todas as expressões aceitas são geradas por operações puramente sintáticas, a partir dos axiomas e das regras de inferência. (CORRY, 2008, p. 141) Entretanto, essa explicação pode não ser de todo clara, bem como não refletir como é realizada a atividade diária de um modelador, daí nossa preferência por ilustrar o que é um sistema formal e suas vantagens, ao invés de nos preocuparmos com dar uma definição precisa do conceito.

14 argumentos. A utilidade disso para o jurista é clara: o Direito é composto de um enorme número de controvérsias, de modo que a análise de argumentos e justificativas faz parte da atividade diária não só do teórico, mas também do prático. Uma segunda vantagem da formalização é que ela tende a eliminar fatores irrelevantes para o raciocínio, abstraindo o problema a seus elementos essenciais. O sucesso da Matemática em campos tão diversos do conhecimento quanto Física, Biologia, Economia e Computação está precisamente pela possibilidade de abstrair diferentes problemas de diversas áreas em um mesmo problema matemático, que é então resolvido, o que permite que se solucione, ao mesmo tempo, questões de áreas tão diversas. Em terceiro lugar, a linguagem formal é usualmente uma que, uma vez compreendida, estimula a manipulação e a exploração. Por fim, um modelo formal é possível de ser implementado em computadores, tornando disponível uma ferramenta poderosa. (BENDER, 1978, p. 1) De modo sucinto, colocaremos três âmbitos nos quais a criação de modelos formais possui aplicabilidade clara: Um primeiro âmbito é aquele da atividade do doutrinador, do jurista. Sua atividade inclui as de identificar o conteúdo jurídico, sistematizá-lo (isto é, explicá-lo de modo organizado e, espera-se, simples) e criticá-lo de acordo com fatos e valorações. Para isso, são muito comuns a criação de teorias e conceitos, a organização destes de modo hierárquico e a identificação destes com situações fáticas e jurídicas concretas. A formalização apresenta, como será ilustrado, métodos que, se não facilitam este trabalho, aprimoram seus resultados. Os significados e a interrelação conceitual ficam expostos, facilitando a identificação de divergências entre diferentes doutrinas, bem como a validade de argumentos usados. Um segundo âmbito é a atividade do filósofo ou teórico (geral) do direito. Aqui temos a atividade de, entre outras coisas, apresentar a definição de o que é um sistema normativo ou jurídico, de quais são os conceitos jurídicos fundamentais e como eles se relacionam, da identificação dos tipos de norma e das estruturas argumentativas válidas. Além de considerações análogas às do caso anterior valerem aqui, a atividade de formalização está intimamente ligada à atividade do teórico do direito. Isso se dá uma vez que determinadas posturas teóricas são escolhidas no momento da construção de um modelo, ou seja, a atividade de formalização em si pressupõe e adota uma postura teórica. A escolha entre modelos e a avaliação dos mesmos são realizadas por critérios familiares ao teórico geral. Assim, enquanto de um lado a formalização de conceitos jurídicos inevitavelmente pressupõe alguma teoria geral, por outro a atividade de construção de modelos já é usual a este profissional, com a formalização colaborarando ao fornecer linguagem objetiva para discussão e apresentação dos problemas e soluções. Por fim, menos observado pela comunidade jurídica, é um terceiro âmbito: o de desenhar

15 e construir ferramentas tecnológicas para o trabalho jurídico. Ainda que praticamente desconhecida pela maioria das pessoas do meio jurídico no país, há tentativas que datam da década de 70 de criação de modelos e implementação de ferramentas computadorizadas que possam realizar tarefas ligadas ao mundo jurídico, como o projeto Taxman (MCCARTY, 1977). Hoje, as tentativas vão desde a aquisição automática de conhecimento jurídico a partir de textos até a identificação de que ações são devidas a partir de um conjunto de fatos, passando por classificadores automáticos, assistentes de tomada de decisão jurídica, resolução de disputas online, etc. Essa pesquisa se dá na comunidade conhecida pelo nome de ”Inteligência Artificial e Direito” (Artificial Intelligence and Law). Para uma análise retrospectiva da área, com base na International Conference on AI and Law (ICAIL), sugerimos a leitura de Bench-Capon et al. (2012).

Estrutura do trabalho

Passada a discussão preliminar, apresentaremos a estrutura do que será desenvolvido a seguir. Inicialmente, ainda nesta introdução, apresentaremos conceitos iniciais de argumentação, proposições e significado, elucidando de modo concreto do que a disciplina da Lógica trata e motivando as abordagens que se seguirão. Em seguida, no capítulo 1 desenvolveremos nossa primeira linguagem lógica – a chamada lógica proposicional, uma das mais simples, mas ainda poderosa. Ilustraremos os conceitos com exemplos, mas será principalmente uma base para o que virá após. Então, no capítulo 2, trataremos da lógica deôntica; particularmente, da chamada lógica deôntica padrão (SDL). Esta é uma linguagem lógica desenvolvida especialmente para os discursos éticos e jurídicos, de modo que sua abordagem envolve problemas relacionados à racionalidade e à verdade nestas áreas. Em particular, os conceitos de obrigação e permissão são centrais. Algumas das discussões e limitações serão apresentadas. Posteriormente, no capítulo 3, abordaremos os sistemas normativos. A proposta será utilizar a base construída até então para apresentar uma reconstrução idealizada do conceito de sistema normativo, nos interessando, evidentemente, os sistemas jurídicos. Será trabalhada uma teoria a respeito de propriedades que podem ser possuídas por esses sistemas, como consistência e completude. Por fim, concluiremos o trabalho, tecendo breves comentários sobre algumas aplicações, como projetos extensos das chamadas ontologias, e avanços teóricos mais contemporâneos.

16 Frases e argumentação

Estamos preocupados aqui com estudar argumentos e raciocínio, em particular no caso do Direito. Usualmente, a argumentação é feita em uma linguagem natural, como o Português. Entretanto, não nos interessa todo o tipo de expressão e frase que pode ser formada em Português, pois não queremos fazer um estudo completo da linguagem, mas apenas de alguns usos específicos dela. Nos preocuparemos com frases declarativas, isto é, aquelas que constatam algo, podendo ser verdadeiras ou falsas (e não frases interrogativas, que apresentam perguntas, ou frases imperativas, que contêm comandos, por exemplo).5 (MORTARI, 2001, p. 16) Daqui em diante, portanto, quando falarmos “frase”, o leitor pode inferir que estamos nos referindo a frases declarativas, a não ser que seja dito o contrário. A partir das frases, montamos argumentos. Não só a prática do Direito envolve o uso diário de argumentos, mas também em Lógica a noção de argumento é fundamental. Definimos um argumento como uma seqüência de frases, de modo que a última delas seja chamada conclusão e as demais premissas ou hipóteses. Apesar de argumentos reais poderem ser mais complicados, possuindo sub-argumentos nos quais as conclusões são usadas como premissas em outros argumentos, podemos nos limitar ao caso simples como descrevemos, pois do modelo simples saberemos montar o caso mais complicado. (GAMUT, 1991, pp. 1, 129) Para começarmos com um exemplo, suponha que, em um caso, um advogado apresenta a seguinte argumentação: “De acordo com o que vimos até agora, se o contrato é válido, então Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio. Além disso, segundo mostramos, o contrato entre as partes realmente é válido. Portanto, Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio.” Podemos organizar o argumento do advogado do seguinte modo: Se o contrato é válido, então Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio.

(1)

O contrato é válido.

(2)

Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio.

(3)

Nos parece que, caso as afirmações (1) e (2) sejam verdadeiras, a verdade de (3) é necessária. Dito de outro modo, não conseguimos imaginar como poderíamos contar uma “história

5

Isso não significa que a Lógica é incapaz de estudar esse tipo de frase. Ao contrário, existem trabalhos que buscam desenvolver modelos para estes tipos de expressão lingüística, mas são de nível mais avançado, portanto não trataremos deles aqui. Para um texto introdutório a lógicas para frases imperativas, isto é, para comandos, recomendamos (HANSEN, 2013). Além disso, essa premissa pode ser tida como questionável a partir do momento em que tratamos de conceitos normativos, que por vezes são associados a imperativos. Essa discussão será abordada um pouco melhor na seção 2.4.

17 coerente” na qual (3) seja falsa se as outras afirmações forem verdadeiras. Dizemos assim que a verdade das premissas garante a verdade da conclusão e por isso este argumento nos parece “bom” ou “convincente”. Com mais rigor, diremos que um argumento é válido quando, se suas premissas forem verdadeiras, sua conclusão também for. Perceba que não é necessário que as premissas sejam verdadeiras; apenas que, se forem, então a conclusão também deve ser. Um conceito mais estrito é o de corretude: um argumento é correto quando é válido e quando suas premissas forem verdadeiras. (MORTARI, 2001, pp. 19-21) Evidentemente, o que queremos fazer em diálogos reais é apresentar argumentos corretos. Entretanto, o que faz com que o argumento visto seja válido? Certamente não pode ser o caso que tal argumento ser convincente é algo que seja inteiramente particular dele, ou seja, que não possua uma generalização ou explicação melhor. Podemos tentar alterar ligeiramente o argumento anterior: Se Tício é dono da empresa X, então Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio. Tício é dono da empresa X.

(4)

Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio. Este argumento também nos parece bastante razoável. Ou seja, parece que o quão bom um argumento é não depende de todos os elementos que compõe suas frases, mas apenas de alguns – depende apenas da forma. Então, podemos tentar abstrair a estrutura do seguinte modo: Se A, então B A

(5)

B Aqui, A e B representam frases declarativas quaisquer. Isso é chamado de um esquema argumentativo. Substituindo A e B por duas frases declarativas reais, como em 4, obteremos sempre um argumento válido. Logo, dizemos que esse é um esquema argumentativo válido (GAMUT, 1991, p. 3). Por sua vez, esse outro esquema argumentativo não é válido: Se A, então B B

A

(6)

18 Para isso, basta substituirmos A e B por frases de modo a criar um exemplo em que as premissas podem ser verdadeiras sem que a conclusão o seja. Vamos substituir A por “Cascão apanhou da Mônica.” e B por “Cascão está triste.”: Se Cascão apanhou da Mônica, então Cascão está triste. Cascão está triste.

(7)

Cascão apanhou da Mônica. Embora possa ser um palpite razoável que Cascão esteja triste por ter apanhado de sua amiga Mônica, talvez ele esteja triste porque sua mãe não lhe deu dinheiro para comprar o novo gibi do Capitão Pitoco, seu super-herói favorito. Essa possibilidade não contradiz a hipótese de que Cascão apanhar da Mônica é suficiente para fique infeliz, nem o fato de que ele está de fato infeliz. Logo, a verdade das premissa aqui não garante a verdade da conclusão, o que faz com que esse argumento seja inválido. Assim, o estudo da Lógica usualmente está mais interessado em esquemas argumentativos do que (diretamente) em argumentos concretos, uma vez que aqueles são abstrações destes, retirando elementos desnecessários para a análise da validade. (GAMUT, 1991, p. 4) Ao longo deste trabalho, montaremos modelos usados para avaliar a validade dos esquemas argumentativos. Por exemplo, outros esquemas argumentativos que podem ser discutidos são A ou B Não A

(8)

B

É permitido que A É permitido que B

(9)

É permitido que A e B.

Lógica, significado e informação

Até aqui, falamos de frases e argumentos feitos com elas. Entretanto, veremos que não é conveniente que trabalhemos diretamente com frases. Mesmo quando fazemos esquemas

19 argumentativos como em (6), faremos com que as variáveis não representem diretamente as frases, mas algo parecido com elas – as chamadas proposições. Seguiremos Haack (1978, pp. 76-77) em dizer que uma proposição é o que há em comum entre duas frases sinônimas; isto é, duas frases expressam a mesma proposição se e somente se possuem o mesmo significado.6 Portanto, podemos dizer que as seguintes frases expressam a mesma proposição:   Mônica atirou o Sansão no Cebolinha.   O Sansão foi atirado no Cebolinha por Mônica.    Mônica threw Sansão on Cebolinha. Por estas frases expressarem a mesma proposição, podemos representá-la (ou melhor, representar suas proposições) pelo mesmo símbolo, digamos, A, ou p, tal como fizemos nos esquemas argumentativos que vimos. Além disso, há frases que possuem significados que aparentemente possuem um significado relacionado ao de outras, porém sem ser o mesmo. Por exemplo, vejamos as seguintes frases: Jotalhão é verde.

(10)

Jotalhão não é verde.

(11)

Jotalhão é verde e Bidu é azul.

(12)

Se Jotalhão é verde, então Bidu é azul.

(13)

De certo modo, parece que podemos dizer que o significado da frase (12) contém o da (10), embora o oposto não seja verdadeiro. Já o da (11) é o contrário do significado da frase (10). Por sua vez, o significado de (13) envolve o da frase (10), mas de um modo diferente de simples oposição ou de conter, como nos casos anteriores. Podemos dizer que as frases (11), (12) e (13) são frases complexas, por serem montadas a partir de frases mais simples, como a (10). Daí, parece razoável supôr que o significado das frases complexas é montado a partir daquele de frases simples. Dito de outro modo, supôr que o significado de frases complexas é uma função de suas partes. A esta suposição é dado o nome de Princípio da Composicionalidade, atribuído ao filósofo e matemático alemão Gottlob Frege. (BLACKBURN; BOS, 2005, p. 94) (GAMUT, 1991, p. 6) A partir das representações das (proposições expressas por) frases simples, podemos

6

Há divergência na literatura, como no caso de Mortari (2001, p.13). Contudo, a crítica apresentada por este autor não nos parece procedente. No exemplo apresentado por ele, de duas pessoas distintas afirmarem “Eu sou gordo”, cada frase se refere a pessoas diferentes. Desse modo, apesar de serem textualmente iguais, o significado da palavra “eu” varia no contexto, em razão da diferença de quem afirma a frase, alterando o significado das frases pronunciadas.

20 montar as representações das (proposições expressas por) frases complexas, como será visto mais à frente. Agora, o que faz com que o significado da frase (12) “contenha” o significado da frase (10)? É certo que isso não depende das expressões particulares “Jotalhão é verde” ou “Bidu é azul”, uma vez que se trocássemos estas por outras duas quaisquer, tais como “O juiz deferiu o pedido liminar” ou “Rafael é proprietário do carro preto”, isso ainda seria verdade, isto é “O juiz deferiu o pedido liminar e Rafael é proprietário do carro preto” ainda nos parece “conter” o significado de “O juiz deferiu o pedido liminar”. De um modo geral, se A e B são frases, então a frase “A e B” tem como parte de seu significado o conteúdo da frase “A”. Se seguirmos o princípio da composicionalidade, então necessariamente o significado da expressão complexas “A e B” é determinado pelo significado de suas partes, ou seja, “A”, “e”, “B”. Como A e B podem ser frases quaisquer, é bastante natural afirmarmos que a inclusão do sentido da frase simples na frase complexa, neste caso, é devido ao conectivo “e”. Portanto, ao estudarmos as relações lógicas de frases complexas montadas com o conectivo “e”, estaremos estudando o próprio sentido do conectivo. O mesmo vale para outros conectivos, tais como “ou” e “se ... então ...”. A Lógica, entretanto, não estuda apenas conectivos, existindo uma variedade de lógicas (isto é, de modelos formais) para diferentes objetos de estudo. (GAMUT, 1991, p. 8) Logo veremos isto com conceitos deônticos, isto é, que se relacionam a obrigações, tal como no exemplo em (9). Pensemos então agora na seguinte argumentação: Cebolinha deixou de pertubar a Mônica ou Cebolinha apanhou de Mônica. Cebolinha não deixou de pertubar a Mônica.

(14)

Cebolinha apanhou de Mônica. Veja que ela está no esquema de (8), que é válido. Observe que o significado da conclusão está “contido” no significado das premissas (consideradas juntas). Outra forma de dizer é afirmar que a informação contida na conclusão está contida na informação passada pelas premissas. Daí, se as premissas são verdadeiras, então a informação passada por elas é verdadeira. Como a informação da conclusão está contida na das premissas, ela se torna também verdadeira – nada mais que o conceito de validade, pois a verdade das premissas garante a da conclusão. Isso sugere uma ligação entre validade, significado e informação, conceitos bastante abordados na Lógica atual. (MARTINEZ; SEQUOIAH-GRAYSON, 2014, p. 1)

21 Linguagens formais

Parte importante desse trabalho será a definição e manipulação de algumas linguagens formais, isto é, linguagens artificiais com regras e símbolos próprios, desenvolvidas conscientemente por humanos para determinadas finalidades. Há uma série de motivos para isso e não seria um exagero dizer que todo este trabalho é uma tentativa de mostrar como o uso de linguagens formais pode ser útil para o campo do Direito. Desse modo, aqui apenas destacaremos alguns dos motivos, mas esperamos que a leitura de toda a obra convença o leitor da utilidade desse tipo de recurso. Em primeiro lugar, ao falar de argumentos, dissemos que focaremos não em argumentos particulares, mas em esquemas argumentativos. Estes nada mais são que uma generalização daqueles, são um modelo seguido por diversos argumentos concretos. Assim, queremos tratar destes entes abstratos de algum modo e escrevê-los praticamente exige, por si só, uma linguagem que não é a natural. Observe que já usamos uma (proto-)linguagem artificial em todos os esquemas argumentativos até então apresentados. Claramente, “A ou B” não é uma expressão em linguagem natural, já que “A” e “B” são símbolos que representam frases, ou seja, abstraem sobre frases. Ainda assim, ela é uma representação muito mais sucinta do que dizer “Uma frase qualquer formada por uma frase, o conectivo “ou” em seguida e por fim uma outra frase” ou algo semelhante. A necessidade por uma linguagem artificial surge com bastante facilidade. Uma segunda razão está no fato de que linguagens formais são objetivas e não possuem ambigüidades. Isso se contrapõe às linguagens naturais, nas quais há discordância sobre os usuários, ambigüidade em expressões e nem sempre há regras explícitas e consensuais sobre suas propriedades. Como as linguagens formais são construídas propositalmente, suas propriedades podem ser melhor conhecidas, bem como podem ser montadas sem ambigüidades. O que se está sendo dito em uma linguagem formal pode ser entendido com maior clareza.(GAMUT, 1991, pp. 25-26) Daí, ao invés de utilizarmos essas proto-linguagens artificiais vistas nos esquemas argumentativos até agora, definiremos verdadeiras linguagens formais ao longo do trabalho. O que fazemos é o seguinte: É certo que queremos estudar argumentos jurídicos, que são expressados em uma linguagem natural (como o Português). Daí, criamos uma linguagem formal, de modo que esta corresponda à linguagem natural original em (algumas de) suas propriedades, isolando os elementos sobre os quais discutiremos. Existindo essa correspondência, “traduzimos” nosso problema para a linguagem formal, o resolvemos neste modelo (o que se pressupõe ser mais fácil de fazer do que na linguagem natural) e então fazemos a tradução inversa, levando nossas conclusões para a linguagem natural. Isto em pouco difere da modelagem formal (matemática) para outras áreas do conhecimento: um aspecto do mundo real é modelado formalmente, responde-se no modelo formal à pergunta que se desejava e daí se retiram conclusões sobre o

22 mundo real. É o que aqui buscaremos.

Linguagem e metalinguagem

Um cuidado a se ter na leitura é o fato de que estamos utilizando uma linguagem – aqui, o Português – para falar de linguagens, como o próprio Português (quando nos referimos a textos e argumentos jurídicos) e as linguagens formais que definiremos. A linguagem sobre a qual falamos é chamada linguagem-objeto, enquanto aquela com a qual falamos (sobre uma linguagem-objeto) é dita a metalinguagem. (GAMUT, 1991, p. 27) Pelas próprias possíveis confusões entre metalinguagem e linguagem-objeto, é vantajoso utilizar uma linguagem artificial, que é distinta da metalinguagem. Entretanto, como dissemos, o que queremos modelar do mundo real são argumentos – fenômenos expressos por linguagem natural. Assim, a nossa linguagem-objeto terá uma interpretação em termos de linguagem natural. Ainda assim, alertamos que será importante não confundir o que é dito no plano da linguagem-objeto ou de suas interpretações com o que é dito no plano da metalinguagem. Esse alerta deve ser reforçado pelo fato de que utilizaremos elementos simbólicos na própria metalinguagem, o que pode confundir um leitor menos habituado, mas que logo se nota ser de grande praticidade. Além disso, por vezes usaremos a expressão “lógica” para nos referir ao sistema lógico (formal), ou seja, à linguagem-objeto trabalhada, enquanto reservaremos a expressão em letra maiúscula “Lógica” para o nome da disciplina. Desse modo, poderíamos dizer que a Lógica é a disciplina que estuda as diferentes lógicas. Isso não será distinto do nosso uso da expressão “direito” para nos referirmos a ordenamentos jurídicos e a “Direito” como a disciplina que estuda os ordenamentos jurídicos.

Notação simbólica

Na metalinguagem, o simbolismo que usaremos é o da Teoria de Conjuntos. Faremos breve explicação da notação aqui, para consulta. Usualmente notaremos conjuntos como letras maiúsculas, tais como X, Y , Z, etc. Um conjunto usualmente tem elementos, e diremos que x é elemento do conjunto X por x ∈ X, bem como que x não é elemento de X por x ∈ / X. O único conjunto sem elementos é o conjunto vazio, ∅. Escrevemos, por exemplo {x, y, z} para o conjunto cujos elementos são, exatamente, x, y e z. Sendo X e Y dois conjuntos, X ∪ Y é a união entre eles; isto é, o conjunto formado

23 por exatamente os objetos que são elementos de ao menos um dos dois. Por sua vez, X ∩ Y é a interseção; isto é, o conjunto formado por exatamente os objetos que são elementos dos dois conjuntos. Se todos os elementos de X forem também elementos de Y , então diremos que X é subconjunto de Y e notaremos por X ⊆ Y . Além disso, escreveremos (x, y) para o par ordenado formado por x e y, de modo que a ordem importe. Também será dito que {x| . . . } é o conjunto de todos os x tais que “. . . ”; dito de outro modo, de todos os x que satisfazem à condição “. . . ”. Por fim, quando dissermos que X é o “menor conjunto tal que . . . ”, queremos dizer que, se vários conjuntos satisfizerem “. . . ”, então X é a interseção entre todos eles. A intuição disto é que praticamente as únicas propriedades verdadeiras sobre X são aquelas relativas à condição “. . . ” que o definem. Uma linguagem-objeto é constituída por fórmulas, que nada mais são que símbolos colocados em determinada ordem. A rigor, é uma seqüência ordenada de símbolos, de modo que um conjunto de símbolos define todas as fórmulas possíveis. Entre elas, há as fórmulas bem formadas, que são as únicas gramaticais para a linguagem. Cada linguagem-objeto a ser vista terá um conjunto de símbolos e um de fórmulas bem formadas. Este é o único motivo para destacarmos o conjunto de símbolos em uma linguagem-objeto.

24

1 LÓGICA PROPOSICIONAL

1.1 Introdução

Voltemos ao primeiro exemplo do nosso capítulo introdutório: Exemplo 1.1. Em um caso, o advogado apresenta a seguinte argumentação: De acordo com o que vimos até agora, se o contrato é válido, então Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio. Além disso, segundo mostramos, o contrato entre as partes é válido. Portanto, Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio. De modo esquemático, podemos colocar do seguinte modo o argumento do advogado:

Se o contrato é válido, Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio. O contrato é válido.

Tício deve pagar R$ 1000,00 a Mévio. Nos parece que tal argumento é válido, isto é, que a verdade das premissas garante a verdade da conclusão. Mas por quê? Também semelhante a uma forma vista antes, podemos considerar esta outra situação: Exemplo 1.2. Também um advogado apresenta: Pelo Código Civil, se Paulo é filho de João, então Paulo é herdeiro. Entretanto, Paulo não é filho de João. Portanto, evidentemente, Paulo não é herdeiro. Também esquematizaremos:

Se Paulo é filho de João, então Paulo é herdeiro. Paulo não é filho de João.

Paulo não é herdeiro. Este argumento é válido?

25 Iremos modelar essees exemplos através da chamada lógica proposicional. A lógica proposicional é o modelo lógico que, normalmente, é o primeiro a ser visto, sendo apresentado como o mais simples que existe. (GAMUT, 1991, p. 28)

1.2 Composicionalidade proposicional

A lógica proposicional, como sugerido pelo nome, trata diretamente de proposições. Elas são a unidade mais básica dessa linguagem formal. Como vimos, proposições expressam o significado de uma frase declarativa, que por sua vez pode ser verdadeira ou falsa. Assim, diremos que as proposições podem assumir um dos dois valores: verdadeiro (representado por >, V , + ou 1) ou falso (representado por ⊥, F, − ou 0). Este é chamado o valor-verdade da proposição. Seguindo o princípio da composicionalidade, queremos que o significado (aqui, o valor-verdade) de uma frase complexa dependa apenas do valor-verdade das frases simples que a compõem. Para ilustrar esse princípio em ação, analisemos as seguintes frases: Rafael cometeu homicídio e (Rafael) está preso.

(15)

Rafael está preso porque cometeu homicídio

(16)

Rafael cometeu homicídio.

(17)

Rafael está preso.

(18)

O Rio de Janeiro é localizado no Brasil.

(19)

Suponha que as frases (17) e (18) são verdadeiras. Assim, como usuários da língua portuguesa, sabemos que (15) é verdadeira também. Para saber se a verdade de (15) só depende de seus componentes, vamos trocar um deles por outra frase que seja verdadeira. Por exemplo, suponha que a frase Rafael cometeu homicídio e o Rio de Janeiro é localizado no Brasil. Sendo verdadeira a frase (19), nossa nova frase complexa também o é. De outro lado, se alguma das duas entre (17) e (18) fosse falsa, (15) também o seria. Veja que esse comportamento é reproduzido na nossa frase alternativa: se ao menos alguma das duas entre (19) e (17) for falsa, então Rafael cometeu homicídio e o Rio de Janeiro é localizado no Brasil também o é. Concluímos, assim, que o uso da conjunção e cria uma nova frase cuja verdade ou falsidade depende apenas de suas partes. Compare, entretanto, com a frase (16). Podemos ter (17) e (18) verdadeiras com (16) falsa: por exemplo, no caso em que Rafael tenha cometido homicídio secretamente, não tenha sido descoberto, mas estiver preso por fraudar licitações. Contudo, também é possível, é claro, que tenhamos (17) e (18) verdadeiras com (16) verdadeira. Ou seja, a verdade ou falsidade

26 Nome Símbolo Fórmula Complexa com Conectivo Significado Negação ¬ ¬p Não é o caso que p Conjunção ∧ p∧q peq Disjunção ∨ p∨q p ou q Implicação (material) → p→q Se p então q Equivalência (material) ↔ p↔q p se e somente se q Tabela 1 - Conectivos proposicionais

das partes constituintes da frase (16) não é suficiente, por si só, para determinar a verdade ou falsidade da frase completa. Vemos então que o conectivo “e” produz frases complexas cujo valor-verdade depende apenas de suas frases-componentes, enquanto o conectivo “porque” não possui essa propriedade. Por isso, dizemos que o conectivo “e” é verofuncional, diferentemente do “porque”. (GAMUT, 1991, pp. 28-29)

1.3 A linguagem

Construiremos a linguagem passo-a-passo, em cada momento apresentando primeiro a intuição, para assim dar definições formais. Queremos associar a determinadas frases de linguagem natural uma fórmula bem formada (por simplicidade, apenas fórmula) da linguagem da lógica proposicional. Para sermos mais precisos, a fórmula representará a proposição expressa pelas frase. As proposições simples serão representadas pelas fórmulas atômicas, que serão letras minúsculas do alfabeto, como p, q, r, etc. Os conectivos que teremos disponíveis são: ¬ (não), ∧ (e), ∨ (ou), → (se... então...), ↔ (se e somente se), resumidos na tabela 1. (GAMUT, 1991, p. 29 et seq.) Usaremos letras gregas minúsculas para nos referir a fórmulas quaisquer, atômicas ou não, tais como φ , ψ, etc. Ou seja, são variáveis representando fórmulas quaisquer.

1.3.1 Negação

A negação trata de afirmar o oposto da frase que está sendo negada. Exemplos são:

27 φ F V

¬φ V F

Tabela 2 - Negação

φ F F V V

ψ F V F V

φ ∧ψ F F F V

Tabela 3 - Conjunção

Os socialistas subiram ao poder. José é culpado. Pedro é solteiro.

Os socialistas não subiram ao poder. José é inocente. Não é o caso que Pedro é solteiro.

Geralmente, aparece na linguagem natural simplesmente pela palavra “não”. Sua representação é feita pelo símbolo “¬”. Como ocorre nos exemplos, a negação de uma proposição é verdadeira caso a proposição original seja falsa (e apenas neste caso). Podemos resumir isso em uma tabela-verdade, a tabela 2. Esta tabela diz que, no caso em que φ possui o valor F (a segunda linha da matriz), ¬φ possui o valor V . Por outro lado, quando φ possui o valor V , ¬φ possui o valor F.

1.3.2 Conjunção

A conjunção nada mais é que (a proposição expressa) por uma frase formada pelo uso do conectivo e. Sendo representada por “∧”, uma conjunção é verdadeira nos casos em que as duas proposições que a compõem são verdadeiras, e apenas neles. Desse modo, temos a tabela-verdade 3. São exemplos: O advogado ajuizou uma ação e perdeu o caso. O juiz concedeu a liminar e indeferiu o pedido na sentença. Vale notar que, embora essa formalização do conectivo e seja razoável, ela não é perfeitamente idêntica ao uso em linguagem natural. Um exemplo está em quando os eventos são ordenados de modo cronológico. Em linguagem natural, não seria surpreendente afirmar que

28 é correto dizer que “O advogado ajuizou uma ação e perdeu o caso”, mas que seria impreciso dizer que “O advogado perdeu o caso e ajuizou uma ação”, uma vez que o evento ajuizar uma ação ocorreu antes de perder o caso. Entretanto, diferenciar esses dois casos violaria a nossa idéia de composicionalidade proposicional, já que o valor-verdade das proposições simples não seria suficiente para determinar o da proposição complexa. Com efeito, pela tabela-verdade, a ordem das proposições não altera o valor-verdade. Por essas razões, essa é uma discordância que usualmente é colocada no campo da pragmática, não da semântica, de modo que essa diferença será abstraída.7 Intuitivamente, a idéia é que podemos dizer que a conjunção com a ordem cronológica invertida é estranha, mas teríamos maior resistência para dizer que é, realmente, falsa. Por vezes, também chamaremos de “conjunção” não apenas duas fórmulas ligadas por tal conectivo, mas uma seqüência de fórmulas ligadas pelo mesmo, tal como p1 ∧ p2 ∧ p3 ∧ p4 ∧ p5 . Isso pode ser entendido como p1 ∧ (p2 ∧ (p3 (∧(p4 ∧ p5 )))). Entretanto, essa posição dos parênteses não é importante pois, qualquer que fosse, a tabela-verdade seria a mesma8 .

1.3.3 Disjunção

A disjunção, representada pelo símbolo “∨”, é o modelo para o conectivo “ou”. Um exemplo é a segunda frase em: “Não estou certo de qual carreira jurídica Rodrigo seguiu. Apenas sei que ele é advogado ou professor.” Esse exemplo já sugere um problema. Estamos certos de que nosso interlocutor estaria enganado caso Rodrigo não fosse advogado nem professor (por exemplo, se fosse juiz). Também estaríamos certos de que ele estaria correto caso Rodrigo fosse apenas advogado, bem como se apenas professor. Entretanto, e na hipótese de Rodrigo ser advogado e professor? A afirmação é verdadeira ou falsa? Usualmente aponta-se a existência de uma ambigüidade na palavra “ou”. Em Lógica, para o conectivo formal nos decidimos pelo chamado “‘ou” inclusivo’, isto é, estabelecer o valor de verdadeiro na hipótese questionada. Portanto, sua tabela-verdade será a tabela 4. Esse é o costumeiro em matemática, porém Gamut (1991, pp. 32-33, 199-201) afirma que, ao menos

7

Para uma introdução à distinção entre semântica e pragmática, no contexto de uma análise lógica da linguagem, ver Gamut (1991, p. 210 et seq.). Em breve síntese, a posição adotada na obra é a de que o estudo do significado é dividido entre semântica e pragmática, cabendo à segunda as partes do significado que não são verofuncionais.

8

Ou, como diremos mais à frente, seriam fórmulas logicamente equivalentes.

29 φ F F V V

ψ F V F V

φ ∨ψ F V V V

Tabela 4 - Disjunção

no caso do inglês, é também a interpretação mais comum na linguagem natural. Entre seus argumentos, um comum ao português é o de que, para o uso exclusivo9 , utiliza-se “ou . . . ou . . . ”, como em “Apenas sei que ou Rodrigo é advogado ou é professor”. No caso do inglês, ainda há a construção “either . . . or . . . ”. Sobre seqüências de fórmulas ligadas pelo símbolo ∨, considerações análogas às da conjunção valem para a disjunção.

1.3.4 Implicação material

A implicação material é o conectivo sobre o qual ocorrem mais dúvidas. Representada pelo símbolo “→”, seu correspondente em linguagem natural de maior destaque é a expressão “se . . . então . . . ”. A expressão vinda logo após a expressão “se” é dita antecedente, enquanto a outra é dita conseqüente. O que tal conectivo nos diz é que não pode ser verdade que o antecedente é verdadeiro e o conseqüente é falso. O adjetivo “material” ocorre para distinguir esta implicação do conceito de implicação lógica, ainda a ser visto. Analisemos o exemplo: “Se Pedro é rico, então possui um bom carro.” Esta frase certamente é falsa no caso de Pedro ser rico mas ainda assim não possuir um bom carro. Por outro lado, também parece verdadeira se Pedro for rico e de fato possuir um bom carro. Entretanto, o que ocorre caso Pedro não seja rico? Embora possa soar estranho dizer que a frase é verdadeira, nos parece mais confortável do que afirmar sua falsidade, devendo uma destas possibilidades ser escolhida se considerarmos este um conectivo verofuncional. Assim, sua tabela-verdade é a tabela 5. Uma interpretação que garante maior naturalidade é a deste tipo de afirmação como uma promessa. Caso o antecedente do condicional não se realize, não diríamos que o promitente desrespeitou a promessa, a despeito de se o conseqüente ocorreu ou não.

9

Isto é, aquele que associa o valor falso à frase na hipótese de dúvida.

30 φ F F V V

ψ F V F V

φ →ψ V V F V

φ F F V V

ψ F V F V

φ ↔ψ V F F V

Tabela 5 - Implicação material

Tabela 6 - Equivalência material

Outra afirmação de linguagem natural que concede maior naturalidade a tal interpretação é: “Se este homem é honesto, então sou o Coelhinho da Páscoa!” O conseqüente desta afirmação é claramente absurdo. Além disso, quem afirma está supondo veracidade da frase condicional. O único modo do condicional ser verdadeiro e do conseqüente ser falso é pela falsidade do antecedente. Portanto, quem afirma tal condicional quer dizer que o antecedente, “este homem é honesto”, é falso. Isto corresponde ao significado que damos ao uso desta frase. (TARSKI, 1995, pp. 26-27) Também deve ser notado que não se deve interpretar a implicação material como sinônimo de causalidade. Pelo princípio da composicionalidade, apenas a verdade das partes é relevante para a verdade da implicação material. Uma expressão como “A causa B” pode ser falsa ainda que A seja verdadeiro e B também. Outras expressões de linguagem natural cujo sentido é capturado pela implicação material são: “Em caso de A, B”, “B se A”, “A apenas se B”, “A é condição suficiente para B” e “B é condição necessária para A”.

1.3.5 Equivalência material

Por fim, há a equivalência material, representada pelo símbolo “↔”. Ela quer dizer o mesmo que uma implicação material bilateral; isto é, se duas proposições materialmente implicam uma na outra, então são materialmente equivalentes. A tabela-verdade deste conectivo é a tabela 6. Modos de expressar esse conceito em linguagem natural são “A se e somente se B”, “A exatamente quando B”, “A é necessário e suficiente para B”.

31 p V V V V F F F F

q V V F F V V F F

r q → r p ∧ (q → r) V V V F F F V V V F V V V V F F F F V V F F V F

Tabela 7 - Exemplo 1.3

Vamos agora ver uma frase concreta e analisá-la pelos nossos métodos. Exemplo 1.3. Formalize e monte a tabela verdade para “João está processando a empresa e, se for necessário, Pedro também”. Podemos utilizar p para representar “João está processando a empresa”, q para “É necessário (que Pedro esteja processando a empresa)” e r para “Pedro está processando a empresa”. Antes, podemos notar que o fim da frase é “se for necessário, Pedro [irá processar a empresa]”, então podemos formalizar isto como q → r. Já o início da frase é “João irá processar a empresa” e as duas partes são conectados pelo “e”. Assim, ficaremos com p ∧ (q → r). Por fim, a tabela verdade: Condensamos a tabela-verdade de q → r e p ∧ (q → r) em uma só, colocando uma na 4a coluna e a outra na 5a . Para q → r, construímos exatamente tal como definido antes, notando que a verdade ou falsidade de p é irrelevante. Assim, essa coluna só apresenta F nas linhas em que q possui o valor V e r possui o valor F. Já a tabela-verdade de p ∧ (q → r), na 5a coluna, é feita com seguindo a tabela de φ ∧ ψ, notando que aqui p toma o papel de phi e q → r, o de ψ. Portanto, p ∧ (q → r) apresenta valor V exatamente nas linhas em que p e q → r o fazem. Voltando à frase em si, a segunda linha da tabela, por exemplo, nos diz que “João está processando a empresa e, se for necessário, Pedro também” é falsa se João está processando a empresa (p: V ), é necessário que Pedro também esteja (q: V ), mas Pedro não está (r: F).

1.3.6 Definição formal

Podemos, então, consolidar o que discutimos de modo mais rigoroso. Antes de tudo, iremos pressupôr a existência de um conjunto de fórmulas atômicas A, que comporá o conjunto

32 de símbolos disponíveis. Qual conjunto tomará o papel de ser A pode variar de acordo com o interesse de trabalho e, de fato, usaremos símbolos distintos no lugar de A em determinados momentos. Assim, quando falarmos a respeito da lógica (proposicional) definida a partir do conjunto X, queremos dizer que X será usado no lugar de A como o conjunto de fórmulas atômicas. Se A não estiver especificado, iremos pressupôr que A = {p, q, r, ..., p1 , p2 , p3 , ...}, isto é, um conjunto infinito de fórmulas atômicas. Assim, de modo formal, a linguagem LP é definida do seguinte modo: Definição 1.4. Supomos dado um conjunto A de fórmulas atômicas. O conjunto de símbolos disponíveis é A∪S, onde S = {¬, ∨, ∧, →, ↔ (, )}. A linguagem proposicional LP é o menor conjunto X tal que: 1.4.1 A está contido em X, isto é, A ⊆ X 1.4.2 Se φ é elemento de X, então (¬φ ) é elemento de X 1.4.3 Se φ e ψ são elementos de X, então (φ ∧ ψ), (φ ∨ ψ), (φ → ψ) e (φ ↔ ψ) são elementos de X Nos referiremos a um elemento de LP como uma proposição.

Por conveniência, por vezes omitiremos os parênteses, quando isto não prejudicar a interpretação das fórmulas. Exemplo 1.5. Vamos usar a definição 1.4 para mostrar que, se p, q, r, s ∈ A, então (p → q) ∧ (r ∨ s) é uma fórmula da lógica: Como p, q, r, s ∈ A, então p, q, r, s ∈ LP, pela regra 1.4.1. Daí, como p, q estão em LP, (p → q) também está, pela regra 1.4.3. Pela mesma regra e por r, s ∈ LP, temos que (r ∨ s) ∈ LP. Por fim, como (p → q), (r ∨ s) ∈ LP, pela regra 1.4.3 concluímos que (p → q) ∧ (r ∨ s) é uma proposição de LP.

1.4 Semântica - A noção de verdade

Agora queremos definir formalmente a semântica da linguagem. Uma semântica é um modo de interpretar as fórmulas da lógica, dando-lhes sentido. A rigor, em Lógica matemática, isso é feito a partir de um modelo matemático. Isto é, a lógica é uma linguagem-objeto capaz de descrever um modelo matemático (preciso), de forma que as propriedades do modelo definem as noções de verdade e falsidade. As tabelas-verdade como construímos já constituem um modelo, pelos valores-verdade de V ou F. Porém, pela sistematicidade reapresentaremos aqui de modo

33 um pouco diferente: Definição 1.6. Uma função v : LP → {F,V } (isto é, que leva cada elemento de LP a um elemento de {F,V }) é uma função de valoração se e somente se (sse), para quaisquer φ e ψ elementos de LP: 1. v(¬φ ) = V sse v(φ ) = F 2. v(φ ∧ ψ) = V sse v(φ ) = V = v(ψ) 3. v(φ ∨ ψ) = V sse v(φ ) = V ou v(ψ) = V 4. v(φ → ψ) = V sse não for verdade tanto que v(φ ) = V quanto que v(ψ) = F 5. v(φ ↔ ψ) = V sse v(φ ) = v(ψ)

Não é difícil conferir que essa definição corresponde diretamente às tabelas-verdade. Isto é, cada linha de uma tabela verdade corresponde a uma função de valoração. Perceba também que não há qualquer restrição sobre as fórmulas atômicas: estas podem ser avaliadas como verdadeiras ou falsas sem qualquer restrição. Com efeito, uma vez decidido o valor-verdade de cada fórmula atômica, a definição 1.6 define unicamente uma função de valoração que respeite tais valores-verdade. Portanto, o valor-verdade de uma fórmula complexa depende unicamente do valor-verdade das fórmulas simples, tal como exigido pelo princípio da composicionalidade. Uma nota: O leitor atento perceberá que símbolos como “φ ”, “ψ”, “v”, “V ” e “F” não estão no mesmo nível que “p”, “q”, “→”, “∧” e “¬”. Os últimos são símbolos que fazem parte da nossa linguagem proposicional LP, que é nossa linguagem-objeto. Por sua vez, os primeiros são usados para falar sobre a linguagem-objeto, sendo então símbolos da meta-linguagem. Por exemplo, na afirmação “Seja φ um elemento de LP”, “φ ” é uma meta-variável, pois está no nível da nossa meta-linguagem (que é o português, ainda que com maior rigor e com símbolos para nos auxiliar) e é uma variável que representa expressões da linguagem-objeto LP, como “p → q”, “(p ∨ q) ∨ r”, etc.

1.4.1 Satisfabilidade, validade e conseqüência lógica

Agora que já definimos quais são as proposições possíveis para a nossa análise e a relação de verdade, trataremos de proposições cuja relação com a verdade é, em certo sentido, absoluta. As proposições válidas ou tautológicas são sempre verdadeiras, em qualquer valoração possível. De modo oposto, as proposições insatisfatíveis ou contraditórias são sempre falsas, em qualquer valoração possível.

34

Definição 1.7 (Satisfabilidade). Uma proposição φ é dita satisfatível sse existe uma função de valoração v tal que v(φ ) = V . Caso contrário, é dita insatisfatível ou contraditória.

Definição 1.8 (Validade). Uma proposição φ é dita válida sse para toda função de valoração v, v(φ ) = V . Alternativamente, ela é chamada de uma tautologia.

Exemplo 1.9. Mostraremos que p ∨ ¬p e ¬(p ∧ ¬p) são tautologias. Basta montarmos nossa tabela-verdade. Vejamos que ¬p tem exatemente o valor oposto a p. Assim, p ∨ ¬p tem o valor V exatamente nos casos em que algum dos dois entre p ou ¬p possui o valor V , o que sempre ocorre. Essa tautologia é chamada de lei do terceiro excluído (ou tertium non datur). Por outro lado p ∧ ¬p tem o valor V exatamente quando p e ¬p possuem o valor V , o que nunca ocorre: seu valor é sempre F. Perceba que isto quer dizer que p ∧ ¬p é insatisfatível. Portanto, ¬(p ∧ ¬p) possui valor sempre V . Essa tautologia é chamada de princípio da não-contradição. p ¬p p ∨ ¬p p ∧ ¬p ¬(p ∧ ¬p) V F

F V

V V

F F

V V

Em particular, o exemplo do ¬(p ∧ ¬p) também ilustra um teorema mais geral: Teorema 1.10. Uma proposição φ é uma tautologia se e somente se ¬φ for contraditória. Agora, podemos nos voltar para o que queríamos analisar inicialmente: a relação entre as proposições em si. Em nossa introdução, dissemos que um argumento é válido se e somente se, sempre que as premissas forem verdadeiras, a conclusão também o for. Através das funções de valoração, podemos definir isso de modo rigoroso pela noção de conseqüência lógica: Definição 1.11 (Consequência lógica). Seja Γ um conjunto de proposições e φ uma proposição. Dizemos que φ é conseqüência lógica de Γ (alternativamente, que Γ logicamente implica em φ , ou, de modo simbólico, Γ  φ ) se e somente se toda função de valoração v satisfizer a seguinte condição: Se para qualquer proposição γ pertencente a Γ tivermos que v(γ) = V , então v(φ ) = V. Ou seja, φ é conseqüência lógica de Γ sempre que, sendo todas as proposições de Γ verdadeiras, não houver como φ ser falsa. Portanto, a noção de conseqüência lógica reflete o que queríamos capturar para argumentos.

35 Talvez cause estranhamento o fato de que não definimos formalmente o termo “validade” como uma relação entre proposições, mas como uma propriedade que pode ser possuída por uma proposição. Isso pode ser justificado pelo teorema abaixo: Teorema 1.12. Seja Γ = {γ1 , γ2 , ..., γn } um conjunto finito de proposições e φ uma proposição. Temos que Γ  φ se e somente (γ1 ∧ γ2 ∧ ... ∧ γn ) → φ for uma proposição válida. Tal teorema também apresenta uma razão para usarmos a terminologia “ ψ” no lugar de “ψ é uma tautologia”. Uma conseqüência direta de tal teorema é o corolário abaixo: Corolário 1.13.  φ ↔ ψ se e somente se {φ }  ψ e {ψ}  φ . Por fim, apresentaremos uma lista útil de algumas proposições válidas10 : Tautologia

Nome da tautologia11

((φ → ψ) ∧ φ ) → ψ

Modus ponens (sintático)

(¬(φ ∧ ψ)) ↔ ((¬φ ) ∨ (¬ψ))

Negação da conjunção (Lei de De Morgan)

(¬(φ ∨ ψ)) ↔ ((¬φ ) ∧ (¬ψ))

Negação da disjunção (Lei de De Morgan)

((φ ∧ ψ) ∧ ρ) ↔ (φ ∧ (ψ ∧ ρ))

Associatividade da conjunção

((φ ∨ ψ) ∨ ρ) ↔ (φ ∨ (ψ ∨ ρ))

Associatividade da disjunção

(φ ∧ ψ) ↔ (ψ ∧ φ )

Comutatividade da conjunção

(φ ∨ ψ) ↔ (ψ ∨ φ )

Comutatividade da disjunção

((φ → ψ) ∧ (ψ → ρ)) → (φ → ρ)

Transitividade da implicação material

(¬¬φ ) ↔ φ

Lei da dupla negação

(φ → ψ) ↔ (¬ψ → ¬φ )

Contraposição

(φ ∧ ¬φ ) → ψ

Princípio da explosão ou ex falso sequitur quodlibet

Podemos então finalmente retomar nossos exemplos de argumentação em linguagem natural do início deste capítulo. Continuação do exemplo 1.1. Podemos representar “o contrato é válido” por v e “Tício deve pagar R§1000,00 a Mévio” por p. Assim, o esquema argumentativo do advogado seria v→ p v

p Para sabermos se o argumento é válido, basta checar se é verdade que p é conseqüência lógica

10

Ou melhor, esquemas de proposição, pois, como dissemos, φ , ψ e ρ são meta-variáveis, podendo ser substituídas por proposições quaisquer.

36 de {v → p, v}. De fato, ((v → p) ∧ v) → p é válida, pela tautologia modus ponens. Ou seja,  ((v → p)∧v) → p. A partir daí, pelo teorema 1.12, concluímos que, realmente, {(v → p), v}  p. A conclusão de fato é conseqüência lógica das premissas. Continuação do exemplo 1.2. Seja f representativo de “Paulo é filho de João” e h, de “Paulo é herdeiro”. O esquema de argumento é: f →h ¬f

¬h Montemos a tabela verdade: f

h ¬f

V V F F

V F V F

F F V V

f →h V F V V

Podemos notar que as únicas linhas nas quais tanto f → h e ¬ f são ambas verdadeiras são as última e penúltima. Entretanto, na última h é falsa. Ou seja, há um modo de termos todas as premissas verdadeiras com a conclusão sendo falsa. Isso significa que o argumento não é válido: talvez haja algum modo de Paulo ser herdeiro sem ser filho. De fato, é assim em diversos ordenamentos jurídicos atuais. Por exemplo, talvez seja cônjuge ou ascendente.12

1.5 Maxi-conjunções

Por ser um modo sucinto de apresentação de alguns conjuntos de fórmulas, seguiremos aqui Makinson (1986 apud SERGOT, 2013, p. 364) e usaremos as notações de esquema de escolha e de maxi-conjunções.   φ Supondo que φ e ψ são fórmulas, é um esquema de escolha: podemos escolher ψ entre φ ou ψ. Podemos pensar nisto como uma notação para o conjunto {φ , ψ}. Além disso, se X e Y são esquemas de escolha (ou melhor, conjuntos de fórmulas), então XY é o esquema de escolha de escolher uma entre as opções de X e uma dentre as opções de Y . Pensando como

12

A título de ilustração, no Código Civil brasileiro, art. 1.829. (BRASIL, 2002)

37 conjuntos, XY é o conjunto de todas as fórmulas que podem ser formadas com uma fórmula de X seguida por uma fórmula de Y . Por fim, (±) é um esquema de escolha onde se pode escolher entre afirmar (que na realidade, é não colocar símbolo algum) e negar (inserindo o símbolo de negação ¬). Para um exemplo, podemos estar querendo falar sobre dois eventos, p e q, desejando ter uma notação sucinta para as possibilidades de afirmar ou negar um dos eventos. Podemos dizer que estas possibilidades são o esquema de escolha abaixo:   p ± q Há 4 fórmulas que se encaixam neste esquema: p, q, ¬p e ¬q. As maxi-conjunções se utilizam dessa notação e vão mais além. Se Φ é esquema de escolha (ou um conjunto de fórmulas), então uma conjunção α de elementos de Φ é dita maximalmente consistente quando não é possível aumentá-la com alguma outra fórmula de Φ que já não esteja presente em α. Ou seja, α é uma conjunção de fórmulas de Φ de modo que α é consistente e, para cada fórmula φ de Φ, ou φ está em α, ou φ é inconsistente com α. Supomos também que não há repetições de elementos em α. Uma conjunção nesse formato é chamada uma maxi-conjunção. Já JΦK é o conjunto de todas as maxi-conjunções de Φ: isto é, o conjunto de todas as conjunções maximalmente consistentes formadas a partir de Φ. Por vezes será realizado um abuso de notação em que JΦK será o conjunto das conjunções obtidas a partir das maxiconjunções removendo as redundâncias lógicas das mesmas. Para um exemplo da utilidade disto, suponha que desejamos falar sobre algumas possibilidades de cometimento de crime. Falaremos então sobre furtar ( f ), cometer homicídio (h) e estelionato (e). Assim, o conjunto de crimes será C = {e, f , h}. Uma pessoa em particular pode cometer um desses crimes, dois deles, os três ou nenhum. Por exemplo, caso a pessoa tenha cometido estelionato mas não furto nem homicídio, descreveríamos tal situação como e ∧ ¬ f ∧ ¬h. O conjunto de todas as possibilidades é, exatamente, J±CK: J±CK = {e ∧ f ∧ h, e ∧ f ∧ ¬h, e ∧ ¬ f ∧ h, e ∧ ¬ f ∧ ¬h, ¬e ∧ f ∧ h, ¬e ∧ f ∧ ¬h, ¬e ∧ ¬ f ∧ h, ¬e ∧ ¬ f ∧ ¬h}

Portanto, não precisaremos listar todas as possibilidades, mas poderemos nos referir a elas por J±CK. Essa idéia de listar todas as possibilidades sugere uma verdade mais geral, que será afirmada na forma de um teorema, que não será provado: Teorema 1.14. Há uma correspondência biunívoca entre as funções de valoração possíveis de um conjunto finito de fórmulas atômicas X e J±XK.

38 1.6 Aplicações em sistematização

Pretendemos agora fazer brevíssima apresentação de duas possibilidade de aplicação da lógica proposicional à organização do conhecimento jurídico. Uma delas será a sistematização de conceitos jurídicos por Jeremy Bentham, tal como apresentado por Lindahl (1977). A outra será uma noção de como poderia ser montada uma ordenação de conceitos ou ontologia.

1.6.1 A teoria de relações jurídicas de Jeremy Bentham

Jeremy Bentham considerava que a explicação de conceitos como direito, dever, liberdade e poder cabia ao que chamava de “universal jurisprudence”. (BENTHAM, 1970 apud LINDAHL, 1977, p. 3) Uma das tarefas de tal área do conhecimento seria criar uma ordenação lógica explícita desses conceitos em termos uns dos outros. Assim, Bentham propôs uma conceituação facilmente tratável em uma linguagem lógica formal, como feito por Lindahl (1977). Aqui, o conceito básico será o de obrigação. A partir dele, dois tipos de direito serão definidos: os direitos a um serviço e as liberdades. Para tratar disso, consideraremos os seguintes conjuntos de objetos: i) um conjunto P de pessoas; ii) um conjunto A de ações. Se p for elemento de P e a for elemento de A , entenderemos a p como a realização da ação a pela pessoa p. De acordo com Bentham, obrigações são impostas pelo legislador através de atos de comando ou de proibição. A obrigação criada por um comando seria violada pela não-execução da ação comandada, enquanto a obrigação criada por uma proibição seria violada pela execução da ação comandada. Além disso, Bentham considera que cada comando ou proibição sempre possui alguém a quem se busca favorecer por tal ato legislativo. Assim, embora considere possível que uma lei não seja útil a ninguém, considera impossível uma lei a qual não se tem ao menos a intenção de que seja útil a alguém, um beneficiário13 . (BENTHAM, 1970 apud LINDAHL, 1977, p. 13) Assim, para a afirmação “É proibido que qualquer mãe deixe seus filhos morrerem de fome.”, entenderia-se ser sinônimo de “Toda mãe tem a obrigação de não deixar seus filhos morrerem de fome.” e, entendendo-se isso como tendo um beneficiário, seria natural dizermos que isto é o mesmo que “Toda mãe tem, em favor de cada um de seus filhos, a obrigação de não deixá-lo morrer de fome.”. A notação que usaremos para “p tem, em relação a q, a obrigação

13

Talvez prefereríamos dizer um “titular”, para abarcar o caso em que a obrigação é devida a alguém mas quem se beneficiará do ato é um terceiro. Contudo, essa é a terminologia utilizada por Bentham.

39 de fazer a p ” será Obrigacao(p, q, a p ). Todas as obrigações são, assim, direcionadas a alguém. Isto não exclui a possibilidade de se poder dizer que alguém simplesmente possui uma obrigação, sem dizermos a quem ela se dirige. Porém, diríamos isso apenas quando existisse alguma segunda pessoa tal que a primeira tem, em relação à segunda, a obrigação de realizar o ato. Portanto, diremos que Obrigacao(p, a p ) se e somente se há algum q tal que Obrigacao(p, q, a p ). O direito a um serviço será simplesmente o correspondente a uma obrigação. Desse modo, a criação de uma obrigação criará simultaneamente um direito a um serviço. Portanto, diremos que “Toda mãe tem, em favor de cada um de seus filhos, a obrigação de não deixá-lo morrer de fome.” significa o mesmo que “Todo filho tem contra sua mãe o direito de não ser deixado morrer de fome por ela.”. Por simplicidade, usaremos a notação de DireitoServ(q, p, a p ) para dizer que q tem um direito contra p de que (p realize a ação) a p . Por fim, para a liberdade, Bentham considera que este é o caso no qual há o direito de realizar uma ação em razão da ausência de obrigação de deixar de realizá-la. Para a afirmação de que “p tem a liberdade de realizar a p ” a notação será Liberdade(p, a p ). Interessante é que, para o autor, há dois tipos de liberdade: nua ou assegurada 14 . A liberdade nua é aquela combinada com a liberdade de outras pessoas impedirem a ação em questão. Por sua vez, a liberdade assegurada é aquela combinada com a obrigação de outros não impedirem a ação. (BENTHAM, 1970 apud LINDAHL, 1977, pp. 17-18) Enfim, para colocar na forma de lógica proposicional, consideraremos quais as proposições possíveis: O conjunto de fórmulas atômicas A é exatamente aquele composto por Obrigacao(p, q, a p ), Obrigacao(p, a p ), DireitoServ(q, p, a p ), Liberdade(p, a p ), bem como por Obrigacao(p, q, ¬a p ), Obrigacao(p, ¬a p ), DireitoServ(q, p, ¬a p ) e Liberdade(p, ¬a p ), para cada p e q elementos de P e cada a elemento de A . Na notação de esquemas de escolha, temos: ! Obrigacao A = DireitoServ (P, P, ±AP ) Liberdade Agora, basta fazermos um conjunto de axiomas sobre esta linguagem, onde axiomas são proposições aceitas sempre como verdadeiras. Serão eles, para cada p, q e a: (Ax.1) ¬(Obrigacao(p, a p ) ∧ Obrigacao(p, ¬a p )) (Ax.2a) Obrigacao(p, q, a p ) → Obrigacao(p, a p ) (Ax.2b) Obrigacao(p, q, ¬a p ) → Obrigacao(p, ¬a p )

14

Em inglês, naked and vested liberty.

40 (Ax.3a) Se p for diferente de q, DireitoServ(q, p, ¬a p ) ↔ Obrigacao(p, q, a p ) (Ax.3b) Se p for diferente de q, DireitoServ(q, p, ¬a p ) ↔ Obrigacao(p, q, ¬a p ) (Ax.4a) Liberdade(p, a p ) ↔ ¬Obrigacao(p, ¬a p ) (Ax.4b) Liberdade(p, ¬a p ) ↔ ¬Obrigacao(p, a p ) Supondo p, q e r elementos distintos de P, podemos montar a seguinte imagem, onde a seta representa conseqüência lógica: DireitoServ(q, p, a p )

Obrigacao(p, q, a p )

Obrigacao(p, a p )

¬Liberdade(p, ¬a p )

¬Obrigacao(p, ¬a p )

Liberdade(p, a p )

¬Obrigacao(p, r, ¬a p )

¬DireitoServ(r, p, ¬a p ) Esse sistema é mais rudimentar que a lógica deôntica a ser vista no capítulo seguinte, mas de interesse. (LINDAHL, 1977, pp. 20-21)

1.6.2 Ontologias e bases de conhecimento

Apesar de controvérsia quanto ao significado da palavra15 , adotaremos aqui a definição de ontologia como uma descrição formal de conceitos, de modo a representar as relações entre os mesmos de modo não-ambíguo. Uma ontologia seria uma espécie de base de conhecimento.16 O que desejamos aqui é sugerir um como poderíamos usar a lógica proposicional para

15

Casellas (2011, pp. 17-26) apresenta 13 definições diferentes presentes na literatura.

16

Por exemplo, usando o conceito de Guarino e Giaretta (1995), uma base de conhecimento seria uma teoria lógica: um conjunto de axiomas qualquer. Por sua vez, uma ontologia seria um conjunto de axiomas que de alguma forma capturasse o significado dos termos ou os elementos invariantes entre todas as possibilidades de mundo.

41 fazer ontologias rudimentares. Tomaremos como exemplo o conceito de “crime”, central no Direito Penal. Um modo de conceituar “crime” bastante usual neste ramo do Direito é como “ação típica, antijurídica e culpável”. (BITENCOURT, 2012, p. 348) Essa conceitualização pode ser incorporada em nossa lógica proposicional de modo bastante direto. Faremos nosso conjunto de fórmulas atômicas ser A = {acao, acao_tipica, acao_anti juridica, acao_cul pavel, crime}. Queremos um conjunto Γ de axiomas, fórmulas que retratem nosso conhecimento sobre esses termos. Pelo significado das expressões, parece bastante natural adicionar os seguintes axiomas: acao_tipica → acao ; acao_anti juridica → acao ; acao_cul pavel → acao. Afinal, ser uma “ação” é necessário para ser uma “ação típica”, por exemplo. Agora, seguindo o conceito analítico tripartido de crime, podemos adicionar ao nosso conjunto de axiomas: crime ↔ (acao_tipica ∧ acao_anti juridica ∧ acao_cul pavel). Ou seja, ser um crime implica em ser uma ação típica, uma ação antijurídica e uma ação culpável, bem como algo ser ação típica, ação antijurídica e ação culpável implica que tal algo é um crime. Ou seja, estamos afirmando que o conceito de crime é equivalente à conjunção de ação típica, antijurídica e culpável, exatamente como no conceito tripartido usual de crime. Note que, por esse conjunto de axiomas Γ, todo crime é uma ação; isto é, uma conseqüência lógica de Γ é crime → acao. Não há nada que nos obrigue a parar por aqui. Essa conceitualização de crime não é de grande utilidade se, por exemplo, não soubermos o que é uma ação típica. Nesse caso, o conceito de tipicidade deve ser explorado. Seguindo a visão finalista, separaríamos o tipo em tipo objetivo e tipo subjetivo. (BITENCOURT, 2012, p. 444) O tipo objetivo seria aquele que descreve os elementos objetivos da conduta a ser considerada criminosa. O tipo subjetivo são os elementos subjetivos relacionados à conduta objetiva. Daí, já poderíamos adicionar, digamos, acao_ob jetivamente_tipica e acao_sub jetivamente_tipica em nosso conjunto de fórmulas atômicas A. A primeira fórmula representaria ações que possuem o elemento objetivo da tipicidade, enquanto a segunda, o elemento subjetivo. Daí, afirmamos na nossa lista de axiomas Γ que uma ação é típica se e somente se é objetivamente e subjetivamente típica. Na nossa linguagem proposicional: acao_tipica ↔ (acao_ob jetivamente_tipica ∧ acao_sub jetivamente_tipica). Isto vale pois os elementos objetivo e subjetivo são necessários (e, juntos, suficientes) para caracterizar a tipicidade. Daí, é claro, poderíamos tomar um dos modos pelos quais uma ação pode satisfazer o critério objetivo. Por exemplo, adicionamos homicidio em nossa linguagem e o axioma homicidio → acao_ob jetivamente_tipica. Tal fórmula representa a informação de que, se uma ação for um homicídio, então ela cumpre o requisito objetivo da tipicidade. O interessante é que, apenas a partir destes axiomas, podemos confirmar que é verdadeiro que (homicidio ∧ acao_sub jetivamente_tipica ∧ acao_anti juridica ∧ acao_cul pavel) → crime. Ou

42 seja, se queremos provar que determinado homicídio é, realmente, um crime, já não precisamos lidar diretamente com o conceito geral de tipicidade, nem com o elemento objetivo da mesma, mas apenas com o elemento subjetivo, a antijuridicidade e a culpabilidade. Aliás, um computador poderia checar rapidamente que esta é realmente uma conseqüência lógica dos axiomas que afirmamos. O processo de aprofundamento dos conceitos poderia ser desenvolvido com cada vez mais detalhes, de modo a incluir diversas categorias e conceitos relacionados ao conceito de crime, possibilitando uma avaliação mais completa de o que é crime ou não. A partir daí, desde que limitado ao vocabulário formal, verificar se algo pode ou não ser um crime se torna uma questão procedimental. É importante notar que isso não elimina subjetividades ou controvérsias. As controvérsias conceituais são extremamente comuns no Direito, de modo que diferentes doutrinadores possivelmente fariam ontologias distintas. O interessante nesse caso seria a possibilidade de criação de métodos mais precisos e sistemáticos para avaliar em que pontos e de que modo dois doutrinadores discordam – isto é, quais as diferenças entre as conceitualizações propostas por cada um. Por exemplo, uma outra corrente do Direito Penal diria que crime é simplesmente ação típica e antijurídica, ou seja, crime ↔ (acao_tipica ∧ acao_anti juridica). Não estaria nas conseqüências lógicas do sistema montado a partir de tal corrente doutrinária a tese de que crime → acao_cul pavel. Outro modo pelo qual as subjetividades podem emergir é pela dificuldade em se classificar um objeto ou caso concreto em alguma das categorias da linguagem formal. Por exemplo, se adicionarmos o conceito de “ação dolosa”, talvez tenhamos dificuldades em determinar se um caso concreto é ou não de dolo (por exemplo, em razão da controvérsia entre dolo eventual e culpa consciente)17 . Uma abordagem formal não está imune a estes problemas, mas ela permite identificá-los mais rapidamente e com maior precisão, de modo que possam ser melhor atacados e compreendidos.

17

Isso é o que no capítulo 3 nos referiremos por “lacuna de reconhecimento”.

43

2 LÓGICA DEÔNTICA

2.1 Introdução

Até o momento, construímos um sistema lógico para lidar com modos bem simples de argumentação, utilizados em diversos ambientes da comunicação humana. Devido a essa generalidade, esse sistema não é de modo algum específico ao ambiente jurídico. O que queremos, então, é avaliar com mais detalhes o que é exclusivo - ou quase - a tal ambiente. Portanto, aumentaremos a nossa linguagem lógica de modo a incluir conceitos tradicionalmente utilizados no discurso jurídico, nomeadamente, obrigação, permissão, faculdade e proibição. Por ser ligada à idéia de dever, essa é chamada uma lógica deôntica. O termo vem do grego δ ε´ oν, ‘déon’, significando ‘aquilo que é vinculante’, ‘devido’ ou ‘adequado’. Evidentemente, esses conceitos são compartilhados com o discurso moral, de modo que o trabalho com a lógica deôntica envolve também este tipo de expressão. Entretanto, essa interpretação da lógica não será o foco da nossa discussão. Nós nos limitaremos aqui à apresentação de um único sistema lógico, mas não é de modo algum a fronteira da área. Foram criados numerosos sistemas lógicos para incorporar diferentes conceitos, como noções axiológicas gerais (e.g. “bom”) ou sobre um agente (e.g. “repreensível”, “elogiável”), ou para reinterpretar os tradicionais, como lógicas imperativas18 , diferentes interpretações de permissões19 ou normas prima facie20 . Aqui, apenas introduziremos o assunto pelo modelo mais tradicional, que é a base para discussões posteriores. A análise lógica de conceitos normativos possui uma longa história no conhecimento humano, mas em geral de modo difuso, sem uma continuação sistemática até o meio do século XX. Alguns filósofos medievais discutiram idéias relacionadas, enquanto Gottfried Leibniz antecipou desenvolvimentos modernos. (HILPINEN; MCNAMARA, 2013, pp. 5-9) A primeira tentativa de se criar um sistema deôntico baseado em lógica simbólica foi de Ernst Mally, em 1926, inspirado pelo desenvolvimento de sistemas axiomáticos de lógica, em particular do Principia Mathematica de Russell e Whitehead. Infelizmente, seu sistema possuía um defeito grave: Karl Menger demonstrou que era possível demonstrar que "p é obrigatório se e somente se p é o caso”, ou seja, tudo que ocorre é obrigatório e tudo que é obrigatório, ocorre. (HILPINEN; MCNAMARA, 2013, pp. 15-17)

18

cf. Hansen (2013)

19

cf. Hansson (2013b)

20

cf. Goble (2013)

44 Apenas na década de 50, então, von Wright (1951) criou um novo sistema de lógica deôntica com maior sucesso. A partir de algumas alterações do mesmo, surgiu o principal sistema lógico da área, a SDL, que apresentaremos aqui.

2.2 SDL - Standard Deontic Logic

SDL significa lógica dêontica padrão (do inglês, Standard Deontic Logic). A SDL é a abordagem mais usual na área de Lógica Deôntica. (HILPINEN; MCNAMARA, 2013, p. 36) Isto não significa, contudo, que tal sistema é amplamente aceito como uma representação fiel e completa das intuições sobre normatividade. Muito ao contrário, Hilpinen e McNamara (2013, p. 39) consideram razoável afirmar que a maioria dos pesquisadores discorda de alguma das teses lógicas da SDL. Entretanto, é um modelo bem estudado, mais amplamente conhecido e bem utilizado como comparativo histórico. Não é, porém, um sistema sem suas defesas. Apresentaremos a SDL, bem como os argumentos de Lindahl (1977) a favor da mesma. Posteriormente, faremos uma definição sistemática. Além das fórmulas da linguagem proposicional, representaremos os conceitos de obrigatório, permitido, proibido e facultativo a partir dos seguintes símbolos especiais, respectivamente: OB, PE, PR, FA. Por exemplo, se d significa “o livro é devolvido”, então “É obrigatório que o livro seja devolvido” pode ser representado por OB(d)21 . Estes símbolos são aplicados a outras fórmulas, de modo que são usualmente referidos por operadores modais deônticos).22 Agora, observemos duas frases de exemplo: É obrigatório pagar os tributos. É obrigatório que o rio esteja limpo. Há uma diferença notável entre as duas frases: na primeira, se está deonticamente qualificando uma ação - a de pagar tributos; já na segunda, o que se está qualificando é um estado

21

Usualmente, em inglês, OB é usado apenas o símbolo O para representar “ought”. Apesar de tal expressão também ser traduzida como “dever”, usaremos aqui “é obrigatório que” e partiremos da idéia de que são sinônimos, ou com nuances que podem ser simplificadas. Contestando essa simplificação, Hansson (2013a) usa o exemplo da frase “Everybody ought to be happy” e pouco após afirma que “it would not make much sense to say (. . . ) that it is obligatory that everyone be happy”.

22

Lógicas deônticas são consideradas um caso mais particular das chamadas lógicas modais: lógicas criadas para aumentar a expressividade da lógica clássica, adicionando operadores modais – símbolos que de algum modo qualificam uma proposição. O exemplo tradicional de modalidade é o dos conceitos de “possibilidade” e “necessidade”, mas também há outros, como modalidades relativas às noções de tempo, conhecimento, provabilidade, etc. (HILPINEN; MCNAMARA, 2013, p. 5)

45 de coisas - o rio estar limpo. Apesar de o estado de coisas poder ser gerado por uma ação, não necessariamente há uma conexão. Talvez o mesmo estado de coisas seja gerado por diferentes ações, por uma combinação de ações ou talvez até mesmo seja impossível alcançar o estado de coisas por qualquer ação. Isso pode, então, gerar uma primeira dúvida: a que tipo de entidade os modais deônticos podem ser aplicados? De fato, há uma distinção filosófica entre esses usos da expressão: o obrigatório-ser (ough to be, Seinsollen) e o obrigatório-fazer (ought to do, Tunsollen). (FØLLESDAL; HILPINEN, 1971, p. 97) A escolha de qual conceito deve ser representado gera debates na área e produção de modelos distintos. Por exemplo, no primeiro artigo de von Wright (1951), foi escolhido representar o obrigatório-fazer: ações eram representadas de modo análogo a proposições (sendo considerado que combinações verofuncionais de ações também seriam ações) e, desse modo, seriam o objeto dos modais deônticos. Entretanto, como ações não seriam, filosoficamente, proposições, elas não poderiam possuir valor-verdade, de modo que expressões como “p → OB(p)” não teriam sentido – apenas modais contendo ações formariam verdadeiras proposições; p não poderia possuir valor-verdade. Posteriormente, por vezes adotou-se a idéia contrária: a lógica deôntica deveria permitir as chamadas “fórmulas mistas” (fórmulas contendo subfórmulas “puramente proposicionais” e subfórmulas deônticas, como “p → OB(p)”), de modo que assim se sugeriu que, nesse caso, se deve interpretar OB como obrigatório-ser. (HILPINEN; MCNAMARA, 2013, p. 97) Por vezes, é utilizado um método para se incluir o obrigatório-fazer no obrigatório-ser: basta fazer uma ação corresponder à proposição de que tal ação é feita. Por exemplo, se m representa “matar”, podemos associar também m à proposição “a ação de matar é realizada”. Ou, se d p representa a ação de Pedro devolver o livro, podemos usar o mesmo símbolo para representar o estado de mundo no qual Pedro devolve o livro. Assim, diríamos que alguém deve fazer tal ação exatamente quando deve ser o caso que a pessoa faça tal ação. Iremos utilizar tal construção sem maiores discussões, apesar de não ser sem críticas.23 Desse modo, permitiremos as ditas “fórmulas mistas” e a aplicação dos operadores deônticos a proposições em geral. Isto não exclui a interpretação como obrigatório-fazer em alguns casos, mas permite a ampliação destes casos também a obrigatório-ser, de modo que poderemos fazer referência às duas possibilidades. Caso haja alguma dúvida a respeito da interpretação como obrigatóriofazer, basta interpretar a fórmula que trata de tal ação como uma proposição sobre o estado de mundo no qual a ação foi executada. Há uma última questão a respeito da sintaxe da nossa linguagem deôntica: podemos aplicar os modais deônticos a expressões que já contenham algum modal? Por exemplo, são

23

cf. Hansson (2013a, p. 455)

46 possíveis fórmulas como OB(PE(m)) ou OB(OB(p) → p)? Nestes casos, dizemos que são fórmulas com operadores aninhados (nested operators). Apesar de por vezes tais fórmulas serem aceitas24 , há dificuldades de interpretação a respeito de tais proposições, de modo que decidiremos por excluí-las.25 Passemos, então, à apresentação da lógica. Sabidas as fórmulas que podemos montar, iniciaremos afirmando que qualquer proposição que pode ser vista como uma tautologia de lógica proposicional será verdadeira na nossa lógica. Por exemplo, sabemos que toda proposição da forma (φ ∧ ψ) → φ é válida, quaisquer que sejam as fórmulas φ e ψ. Isso não se alterará aqui. Por exemplo, OB(p) ∧ PR(q) → OB(p) é válida em SDL. Até então, não adicionamos nada de interessante em nosso poder de fazer inferências. Antes disso, há um passo fundamental: colocaremos todos os conceitos deônticos em termos de um só. Aqui, escolheremos o conceito de obrigatoriedade – portanto, de OB. Reduzir os modais deônticos a apenas um é usual na área, desde seu início.26 Diremos que PE(φ ) ↔ ¬(OB(¬φ )), isto é, algo é permitido se e somente se não é obrigatório que tal não seja. Assim, esse conceito de permissão não é um conceito forte ou que implique em indiferença, mas simplesmente na ausência de obrigação do contrário. Por exemplo, se é permitido vender uma casa, então por certo não é obrigatório que não se venda a casa. De modo interessante, por simples operações de lógica proposicional, vemos que a definição de PE em termos de OB pode ser revertida, de modo que OB(φ ) ↔ ¬(PE(¬φ )). Portanto, dizemos que esses operadores são interdefiníveis: a partir de um, definiremos o outro. Assim, dizer que é obrigatório pagar os tributos, então, nada mais é que afirmar que não é permitido que se deixe de pagar os tributos. Considerações análogas valem para o modal PR. A obrigação de não fazer é sinônimo da proibição de fazer; portanto, PR(φ ) ↔ OB(¬φ ). Não há dificuldades em verificar que isto equivale à definibilidade contrária: OB(φ ) ↔ PR(¬φ ). Por fim, há a faculdade a respeito de uma ação quando não há nem obrigação de fazer, nem a de não fazer. Ou seja, é a maior liberdade possível. Formalmente, FA(φ ) ↔ ((¬OB(φ )) ∧ (¬OB(¬φ ))). Podemos, então, desenvolver as propriedades do nosso operador OB. Partiremos de dois

24

Cf. Lindahl (1977, p. 68) e Hilpinen e McNamara (2013, pp. 36, 42)

25

Como afirmado por Hansson (2013a, p. 450), operadores aninhados trazem dificuldades ainda maiores para a interpretação de obrigatório-fazer. Além disso, os operadores aninhados não foram tão bem estudados quanto fórmulas sem os mesmos. No caso jurídico, poderíamos interpretar, por exemplo, OB(PE(m)) – “É obrigatório que seja proibido que m” – como uma obrigação dirigida ao legislador para que faça valer a permissão de que m. Entretanto, não investigaremos esse tipo interpretação aqui.

26

Em seu primeiro artigo sobre lógica deôntica, von Wright (1951, p. 3) já fez o mesmo, mas usando a permissão como conceito primitivo. Mais modernamente, por todos, cf. Hansson (2013b, pp. 204-205). Tal artigo também discute outras possibilidades de sentido para o termo “permissão”.

47 axiomas e uma regra de inferência27 : (KD) ` OB(φ → ψ) → (OB(φ ) → OB(ψ)) (DD) ` OB(φ ) → ¬OB(¬φ ) (RND) Se ` φ , então ` OB(φ ) Quanto ao símbolo ` apenas diremos por hora que pode ser lido como “é uma tese de SDL que . . . ”. Assim, por ` φ estamos simplesmente afirmando que φ é uma verdade lógica de SDL. Usaremos também a regra do modus ponens, que nada mais é que um modo distinto de afirmar o modus ponens que vimos em lógica proposicional: (MP) Se ` φ e ` φ → ψ, então ` ψ Para justificarmos nossos três postulados, partiremos de duas afirmações que, na realidade, são conseqüências lógicas destes postulados. Partiremos do princípio de que estas duas afirmações são intuitivamente justificadas e a partir daí mostraremos como, aceitando-as, assumir que algum dos nossos três postulados não são válidos levaria a conseqüências indesejáveis para uma lógica das obrigações. Nas argumentações a seguir, estamos seguindo o trabalho de Lindahl (1977, pp. 78-82). As duas idéias de base para a defesa dos postulados são: Se ` φ ↔ ψ, então ` OB(φ ) ↔ OB(ψ). ` OB(φ ∧ ψ) → OB(φ )

(I) (II)

Por (I), estamos dizendo que, se duas proposições são equivalentes, então necessariamente uma ser obrigatória leva a outra também a sê-lo. Com efeito, como uma é verdade exatamente nos casos em que a outra o é, postular a obrigatoriedade de uma situação é também postular a obrigatoriedade da outra (na realidade, a mesma situação). Já por (II), dizemos que a obrigação de uma conjunção é suficiente para a obrigação de um dos seus constituintes. Dito de outro modo, se é postulada a obrigação de satisfazer duas propriedades, então podemos inferir, em separado, a obrigação de satisfazer cada uma das propriedades, simplesmente. Por exemplo, se por um contrato de transporte de coisa é estipulado que é obrigatório guardar a coisa e levá-la de um local a outro, então pelo contrato é

27

Na realidade, esses são esquemas de axioma (axiom schema), pois, para cada fórmula φ e ψ que pode ser substituída nestas expressões, teremos um axioma distinto, uma fórmula distinta que é aceita nessa lógica. Desse modo, na realidade são infinitos axiomas, mas que podem ocorrer destas duas formas. Já uma regra de inferência é apenas uma afirmação de que, a partir da aceitação de algumas teses, podemos inferir a aceitação de outras. Neste caso, pela aceitação de φ , SDL também aceita que OB(φ ).

48 obrigatório guardar a coisa. Uma propriedade útil é que, usando (MP) e lógica proposicional, (I) e (II) juntas são equivalentes à seguinte regra (RMD): (RMD) Se ` φ → ψ, então ` OB(φ ) → OB(ψ) Então, iniciaremos nossas justificações pela regra de inferência (RND). Podemos formulála de outro modo, equivalente: Se φ é absurdo, então também é absurdo que seja permitido que φ . De modo formal, se ` ¬ψ, então ` ¬PE(ψ). A equivalência é vista pela interdefinibilidade de PE e OB e, como φ em (RND) pode ser uma proposição qualquer, escolhendo uma da forma ¬ψ. Para defender esta nova formulação, faremos um argumento em dois passos. O primeiro consiste em afirmar que não pode ser uma verdade lógica que tudo seja permitido. Isto é, se o conceito de PE for tal que, para todo φ , temos PE(φ ), então isto está errado, não se associando à idéia intuitiva de permissão tal como usamos em linguagem natural. Para o segundo passo, podemos deduzir de (I) e (II) que: Se ` ¬ψ, então ` PE(ψ) → PE(φ ).

(20)

Vejamos a dedução: Por hipótese ψ é logicamente absurdo, ou seja,

` ¬ψ

(21)

Por lógica proposicional,

` ¬ψ → (ψ → φ )

(22)

Por 21, 22 e (MP),

`ψ →φ

(23)

Por lógica proposicional,

` (ψ → φ ) → (¬φ → ¬ψ)

(24)

Por (MP) e pelas duas afirmações acima,

` ¬φ → ¬ψ

(25)

Por (RMD),

` OB(¬φ ) → OB(¬ψ)

(26)

Por lógica proposicional, ` (OB(¬φ ) → OB(¬ψ)) → (¬OB(¬ψ) → ¬OB(¬φ )) Por (MP) nas duas fórmulas acima,

(27) ` ¬OB(¬ψ) → ¬OB(¬φ )

(28)

E, como vimos, ¬OB(¬ψ) nada mais é que PE(ψ). Portanto, temos que ` PE(ψ) → PE(φ ). Isto quer dizer o seguinte: se ψ é absurdo, então a permissão de ψ implica na permissão de qualquer outra proposição φ . Se de fato assumimos que não podemos ter que absolutamente qualquer proposição é permitida, então devemos ter que nenhum absurdo é permitido, que é a nossa regra (RND). Para (KD), podemos usar (I) e a definição de OB por PE para mostrar que a negação de

49 (KD) é equivalente a PE(φ ) ∧ ¬PE(φ ∧ ψ) ∧ ¬PE(φ ∧ ¬ψ) Agora vamos tomar d e c, significando “dirigir” e “usar cinto de segurança” no lugar de, respectivamente, φ e ψ. A afirmação acima equivale a dizer que é permitido dirigir, ao mesmo tempo em que é não é permitido dirigir usando cinto de segurança, bem como não é permitido dirigir não usando cinto de segurança. Oras, como toda vez que dirigimos estamos usando ou não usando o cinto de segurança, a permissão original de dirigir não passa de uma ficção, está em contradição com o que vem logo em seguida. Como, então, negar (KD) leva a tal conseqüência absurda, afirmaremos (KD). Por fim, (DD) é o mesmo que dizer que OB(φ ) → PE(φ ) – se algo é obrigatório, então é permitido. Se isto não parecer intuitivo o suficiente, há ainda um argumento. A partir de (RMD) e de (KD), podemos mostrar que OB(φ ) ∧ OB(¬φ ) → OB(φ ∧ ¬φ ) Como por lógica proposicional temos que (φ ∧¬φ ) → ψ, para qualquer ψ, então usando (RMD) chegaremos a OB(φ ∧ ¬φ ) → OB(ψ) e daí concluiremos que (OB(φ ) ∧ OB(¬φ )) → OB(ψ). Portanto, assumir que algo é obrigatório e que sua negação também o é implica que qualquer coisa também é obrigatória. Como todas as proposições serem obrigatórias viola nossas intuições sobre o conceito de obrigação, assumiremos que não é o caso que algo é obrigatório e sua negação também o é: isto equivale a (DD).

2.2.1 Definição formal

Começaremos definindo o fragmento puramente deôntico da linguagem. Definição 2.1 (Fragmento puramento deôntico). O conjunto de símbolos disponíveis é A ∪ S ∪ {OB, PE, PR, FA}. O fragmento puramente deôntico FD é o menor conjunto X tal que: 1. Se φ é elemento de LP, então OB(φ ), PE(φ ), PR(φ ) e FA(φ ) são elementos de X. 2. Se φ é elemento de X, então (¬φ ) é elemento de X. 3. Se φ e ψ são elementos de X, então (φ ∧ ψ), (φ ∨ ψ), (φ → ψ) e (φ ↔ ψ) também são elementos de X.

50

Definição 2.2 (Linguagem deôntica). O conjunto de símbolos disponíveis é o mesmo que os do fragmento puramente deôntico. A linguagem deôntica SDL é o menor conjunto Y tal que: 1. A linguagem proposicional LP está contida em Y , isto é, LP ⊆ Y . 2. O fragmento deôntico FD está contido em Y , isto é, FD ⊆ Y . 3. Se φ é elemento de Y , então (¬φ ) é elemento de Y . 4. Se φ e ψ são elementos de Y , então (φ ∧ ψ), (φ ∨ ψ), (φ → ψ) e (φ ↔ ψ) também são elementos de Y . Na lógica proposicional, definimos a noção de verdade a partir de um modelo matemático externo, pelas funções de valoração. Isto é, como dissemos antes, uma semântica. Entretanto, o desenvolvimento histórico da SDL foi axiomático e isto seguimos na nossa discussão até aqui. Não apresentamos até então nenhum modelo matemático para espelhar o significado de nossas fórmulas, e por hora apenas apresentaremos de modo sistematizado o que até então fizemos. Definiremos as verdades da SDL como sendo qualquer proposição que possa ser inferida a partir das regras apresentadas. Após isto, daremos uma interpretação semântica para a SDL. Sendo φ é uma fórmula da linguagem SDL, usaremos a notação ` φ para indicar que φ é uma tese de SDL. Uma tese é uma fórmula considerada verdadeira na lógica. Definição 2.3. Seja φ uma fórmula de SDL. Sendo também ψ uma fórmula de SDL, substitua cada subfórmula de φ que seja do modo OB(ψ), PE(ψ), PR(ψ) ou FA(ψ) por uma fórmula atômica nova da linguagem proposicional, de modo que subfórmulas iguais sejam substituídas por fórmulas atômicas iguais. Chamaremos o resultado dessa substituição de φ prop , que é uma fórmula de LP. Exemplo 2.4. Em uma dedução acima, em (27), afirmamos que (OB(¬φ ) → OB(¬ψ)) → (¬OB(¬ψ) → ¬OB(¬φ )) é uma tese de lógica proposicional. Chamemos tal fórmula se α. Temos então que: α prop = (p → q) → (¬q → ¬p) Tudo que fizemos foi substituir OB(¬φ ) por p e OB(¬ψ) por q. De fato, α prop é válida em lógica proposicional (é a contraposição, em nossa lista de tautologias).

51

Definição 2.5. O conjunto de teses de SDL é aquele definido por todas as fórmulas φ da linguagem deôntica SDL tais que ` φ , onde: (TAUT) Se φ prop é uma tautologia em lógica proposicional, então ` φ (KD) ` OB(φ → ψ) → (OB(φ ) → OB(ψ)) (DD) ` OB(φ ) → PE(φ ) (DF-PE) ` PE(φ ) ↔ ¬OB(¬φ ) (DF-PR) ` PR(φ ) ↔ OB(¬φ ) (DF-FA) ` FA(φ ) ↔ (¬OB(φ )) ∧ (¬OB(¬φ )) (MP) Se ` φ e ` φ → ψ, então ` ψ (RND) Se ` φ , então ` OB(φ ) Além disso, não há nenhuma outra fórmula ψ tal que ` ψ.

Reafirmando, uma conseqüência interessante do axioma (KD) unido com a regra (RND) é a regra (RMD): (RMD) Se ` φ → ψ, então ` OB(φ ) → OB(ψ)

2.3 Semânticas

Como dissemos, até então fizemos uma caracterização axiomática da lógica SDL. Entretanto, a formulação de semânticas é de grande valia para capturar melhor intuições a respeito do sistema formal, bem como fornece meios diferentes para verificar se uma proposição é ou não uma tese do sistema. Também a lógica proposicional possui uma caracterização axiomática, mas usualmente o método semântico (pelas tabelas-verdade) é tão mais difundido e direto que o outro modo de apresentação é omitido, como fizemos.

2.3.1 Os mundos deonticamente perfeitos

Na semântica da linguagem proposicional, simplesmente usamos uma função de valoração v para indicar se uma fórmula é verdadeira ou falsa. O modelo usual para lógica deôntica é diferente, se utilizando da chamada semântica de Krikpe ou semântica de mundos possí-

52 veis. (HILPINEN; MCNAMARA, 2013, pp. 45-46) Aqui vamos supôr a existência de diversos “mundos possíveis”. Podemos entender um mundo possível como um estado possível de coisas, ou seja, um estado o qual o mundo pode assumir. Assim, consideramos um conjunto de diferentes cenários possíveis. Em algumas possibilidades, João paga todos os seus tributos, enquanto em outras sonega alguns deles. Em um mundo possível, Caim mata Abel, enquanto em outro, não o faz. A partir disso, selecionamos alguns mundos como mundos deonticamente perfeitos ou mundos deonticamente aceitáveis. Tais mundos são aqueles nos quais todas as obrigações são cumpridas. Por outro lado, todos aqueles que desrespeitam alguma das obrigações são tidos como inaceitáveis. Portanto, o mundo em que Caim mata Abel pode ser visto como um mundo inaceitável, enquanto aquele em que não o faz, como aceitável. Do mesmo modo, todas as possibilidades em que João deixa de pagar algum tributo possuem a violação de alguma obrigação, são inaceitáveis, enquanto aquele estado de coisas no qual todos os tributos são pagos é considerado aceitável. Usualmente, a semântica de Kripke é definida de modo que os mundos sejam aceitáveis em relação a outros. Ou seja, dizemos que, em relação ao mundo w1 , o mundo w2 é aceitável (notando isso por w1 Aw2 ). Seguiremos esse costume aqui. Em abstrato, uma relação é uma associação ou ligação entre objetos. Este é um conceito imediato, de modo que dificilmente é definido, no máximo ilustrado com exemplos.28 Uma relação é binária quando ela pode valer ou não valer entre dois objetos. Por exemplo, a relação “ser diferente de” é uma relação binária, como notamos pelo exemplo de “Mônica é diferente de Cebolinha”. Definição 2.6 (Frame de SDL). F é dito um frame de SDL sse F é um par ordenado (W, A) = F tal que: 1. W é um conjunto não-vazio, dito um conjunto de mundos (worlds). 2. A é uma relação binária entre elementos de W , a relação de aceitabilidade. 3. A é serial, isto é, para cada mundo u (isto é, elemento de W ), existe um mundo w tal que é aceito por u: uAw.

Em cada mundo, uma proposição pode ser verdadeira ou não. Portanto, o que faremos é fornecer para cada mundo w uma função de valoração vw , de modo que vw associe cada fórmula

28

Assim, (MACBRIDE, 2016) afirma que “It’s doubtful whether the distinction between properties and relations can be given in terms that do not ultimately presuppose it – the distinction is so basic.”. Em tradução livre: “É questionável se a distinção entre propriedades e relações pode ser dada em termos que em última instância não a pressupõe – a distinção é tão básica.”

53 atômica ao valor verdadeiro (V ) ou ao falso (F). Depois, estenderemos o valor-verdade para todas as fórmulas da linguagem SDL, observando que essa extensão depende não apenas de w, mas também do próprio modelo M (pois depende dos frames ou, melhor dizendo, da relação de aceitabilidade entre os mundos). Portanto, essa extensão será a função de valoração vM,w . 29 Definição 2.7 (Modelo de SDL). M é dito um modelo de SDL quando M = (F, v), onde F é um frame de SDL e v é uma função que faz corresponder, a cada fórmula atômica p e a cada mundo w, um valor-verdade vw (p) ∈ {V, F}.

Definição 2.8 (Valor-verdade). Sendo M = ((W, A), v) um modelo de SDL, u um mundo que pertença ao modelo M (isto é, a W ) e φ e ψ fórmulas de SDL, a função de valoração vM,u é definida por: 1. vM,u (a) = vu (a), se a for uma fórmula atômica. 2. vM,u (¬φ ) = V sse vM,u (φ ) = F. 3. vM,u (φ ∧ ψ) = V sse vM,u (φ ) = V = vM,u (ψ). 4. vM,u (φ ∨ ψ) = V sse vM,u (φ ) = V ou vM,u (ψ) = V . 5. vM,u (φ → ψ) = V sse não for simultaneamente verdade que vM,u (φ ) = V e vM,u (ψ) = F. 6. vM,u (φ ↔ ψ) = V sse vM,u (φ ) = vM,u (ψ). 7. vM,u (OB(φ )) = V sse, para todo w ∈ W tal que uAw, tivermos que vM,w (φ ) = V . 8. vM,u (PE(φ )) = V sse existir algum w ∈ W tal que uAw e vM,w (φ ) = V . 9. vM,u (PR(φ )) = V sse, para todo w ∈ W tal que uAw, tivermos que vM,w (φ ) = F. 10. vM,u (FA(φ )) = V sse existirem w1 , w2 ∈ W tais que uAw1 , uAw2 , vM,w1 (φ ) = V e vM,w2 (φ ) = F. Se para todo w ∈ W tivermos que vM,w (φ ) = V (ou seja, se todo mundo atribuir o valor V φ ), diremos que vM = V . Caso contrário, diremos que vM = F.

29

Na realidade, para nossa linguagem deôntica na qual não há operadores aninhados (isto é, fórmulas nas quais um operador deôntico apareça dentro do escopo de outro operador deôntico), esta definição semântica completa é desnecessária. Ao invés de definir uma relação de aceitabilidade, seria suficiente que cada frame tivesse um subconjunto de mundos perfeitos do conjunto de mundos. Daí, OB(φ ) seria verdade se e somente se φ fosse verdade para todos os mundos perfeitos. (HANSSON, 2013a, p. 459) Entretanto, optamos por apresentar a definição completa pois este é o modo pelo qual lógicas modais (e entre elas, as deônticas) são usualmente apresentadas.

54

Observe o que fizemos aqui: o valor-verdade de todas as proposições sem operadores deônticos foi definido exatamente como nas funções de valoração da lógica proposicional. O que merece mais cuidado são as expressões nas quais ocorre um operador deôntico. Analisemos o caso para OB(φ ). Dissemos que essa proposição é verdadeira em um mundo u se e somente se φ for verdadeiro em todos os mundos aceitos por u. A interpretação disso é a seguinte: considere que estamos no mundo u, e então consideramos alguns mundos como deonticamente aceitáveis, e outros não. Evidentemente, queremos estar em um mundo aceitável. Se uma proposição é verdadeira em todos os mundos aceitáveis, não teremos escolha: é necessário para chegarmos a um estado aceitável que façamos tal proposição ser verdadeira. Portanto, tal proposição é obrigatória. Para os outros operadores deônticos, podemos justificar as definições apelando para a interdefinibilidade acima. É possível, porém, justificar diretamente: uma proposição é permitida quando existe algum mundo perfeito no qual tal proposição é verdadeira. Ora, se há como estar em uma possibilidade ideal na qual φ é verdade, então φ não é incompatível com a manutenção de todos os deveres. É, assim, permitido. Já a proibição de φ ocorre quando em nenhum mundo perfeito φ é verdade – se não há nenhum modo de fazer φ ser verdade se mantendo em alguma situação deonticamente aceitável, então parece razoável dizer que φ é incompatível com a perfeição deôntica. Por fim, FA(φ ) é verdadeiro quando há tanto uma possibilidade ideal na qual φ é verdade quanto uma na qual φ é falso: a ocorrência ou inocorrência de φ por si não é decisiva para se saber se uma situação é ou não perfeita. Exemplo 2.9 (Verdade em um modelo). Imaginemos a seguinte situação: Tício foi convidado para uma festa na casa de seu amigo. Tício possui um carro e sabe que ir de carro é mais rápido e confortável. Por outro lado, na festa serão servidas bebidas alcóolicas. Assim, existem quatro possibilidades para Tício, a depender se vai à festa dirigindo ou não, e se bebe ou não: não beber e não dirigir; não beber e dirigir; beber e não dirigir; e, por fim, beber e dirigir. Apesar disso, pelo Código de Trânsito, apenas uma situação não é normativamente aceitável: aquela na qual Tício dirige e bebe. Consideremos as afirmações: (i) “É proibido beber e dirigir”; (ii) “É permitido beber”; (iii) “Se é permitido dirigir e é permitido beber, então é permitido beber e dirigir”. Vamos propôr um modelo para essa situação. Tomemos d para simbolizar “dirigir” e b, “beber”. Podemos considerar cada uma das possibilidades como um mundo. Assim, consideremos W constituído por 4 elementos, de modo que cada um associe um valor-verdade para cada

55 d e b: b

d

w1 F F w2 F V w3 V F w4 V V Para as relações de aceitabilidade, podemos considerar que os mundos aceitos são todos exceto w4 , em que Tício bebe e dirige. Assim, para qualquer w em W , wAw1 , wAw2 , wAw3 e não é verdade que wAw4 . A primeira afirmativa podemos simbolizar como PR(b ∧ d). Vamos verificar se ela é verdade em w1 , ou seja, o valor de vM,w1 (PR(b ∧ d)). Os mundos deonticamente perfeitos em relação a w1 são o próprio w1 , bem como w2 e w3 . Em todos eles, a proposição b ∧ d é falsa; ou seja, essa proposição é falsa em todos os mundos deonticamente aceitos por w1 . Pela definição de valor-verdade, isto implica que PR(b ∧ d) é verdadeira em w1 . Na realidade, como todos os mundos têm como aceitáveis os mesmos mundos perfeitos, temos que PR(b ∧ d) é verdadeira em todos os quatro mundos. Isto faz com que seja verdadeira no modelo: vM (PR(b ∧ d)) = V . Para a segunda, PE(b), basta acharmos um mundo deonticamente perfeito no qual b seja verdade. Com efeito, w3 é um mundo perfeito no qual b é verdade: há uma situação ideal na qual se bebe. Portanto, é permitido beber: vM (PE(b)) = V . Por fim, podemos formalizar (iii) como (PE(d) ∧ PE(b)) → PE(p ∧ d). Em um mundo w, ela é verdadeira exatamente quando (PE(d) ∧ PE(b)) é falsa ou PE(p ∧ d) é verdadeira. Já vimos que PE(b) é verdadeira em todos os mundos. Pelo mesmo argumento, PE(d) também o é, pois há um mundo perfeito no qual d é verdadeira. Portanto, (PE(d) ∧ PE(b)) é verdadeira. O que resta é verificar se o conseqüente também o é. A proposição PE(p ∧ d) é verdadeira se e somente se há um mundo aceitável no qual p ∧ d é verdadeira. Entretanto, não há nenhum mundo assim: apenas w4 satisfaz tal condição, mas não é um mundo perfeito. Logo, o conseqüente é falso, e então a proposição (PE(d) ∧ PE(b)) → PE(p ∧ d) também tem o falso como valor-verdade. Ou seja, fazemos a avaliação das proposições deônticas através de considerações dos estados de mundo que podem ser aceitos. Isto é um modo de pensar diferente do método axiomático. Ademais, perceba que a avaliação de (iii) mostra a falsidade do seguinte argumento: “Uma ação é permitida. Uma segunda ação também é permitida. Portanto, é permitida a situação em que as duas são realizadas.”. Aliás, este argumento é aquele expressado na Introdução, pelo esquema argumentativo (9). Neste modelo que demos, a proposição condicional correspondente a tal argumento é falsa, o que mostra que o argumento não tem validade geral. De fato, esse é o conceito que definiremos a seguir.

56 Uma proposição é uma verdade lógica quando é verdade em qualquer situação, em qualquer possibilidade. O modo mais geral pelo qual podemos definir isso é fazendo com que uma proposição seja uma verdade lógica se e somente se for verdadeira em qualquer modelo e em qualquer mundo: Definição 2.10 (Verdade lógica). Seja φ uma fórmula da linguagem de SDL. Dizemos que φ é uma verdade lógica (de SDL) (alternativamente, que é válida (em SDL) ) se e somente se para todo modelo M de SDL tivermos que vM (φ ) = V . Sendo o caso, usaremos a notação D φ .

Vamos fazer um exemplo para verificar se este conceito é razoável: Exemplo 2.11. Verificaremos que o axioma (KD) é uma verdade lógica: OB(φ → ψ) → (OB(φ ) → OB(ψ)), para quaisquer proposições φ e ψ. Seja M = ((W, A), v) um modelo de SDL. Tomemos um mundo qualquer w ∈ W . Pela definição de frame, A é serial, de modo que sabemos que existe um mundo y ∈ W tal que w aceita y, isto é, wAy. Pela definição de valor-verdade, sabemos que o axioma (KD) só pode ser falso em M e w se OB(φ → ψ) for verdadeiro em tal modelo e tal mundo, enquanto (OB(φ ) → OB(ψ)) for falso. Assim, suponha que vM,w (OB(φ → ψ)) = V . Pela nossa definição, isto significa que em todos os mundos aceitos por w, φ → ψ é verdadeira. Em particular, y é aceito por w, logo temos que vM,y (φ → ψ) = V , o que implica que vM,y (φ ) = F ou vM,y (ψ) = V . Agora, para gerarmos uma contradição, tome por hipótese que (OB(φ ) → OB(ψ)) é falso, isto é, vM,w (OB(φ ) → OB(ψ)) = F. Pela nossa definição, isso garante que vM,w (OB(φ )) = V e vM,w (OB(ψ)) = F. Ou seja, em todos os mundos aceitos por w, φ é verdadeiro e ψ é falso. Novamente podemos olhar para o caso de y e aí concluiremos que vM,y (φ ) = V e vM,y (ψ) = F, e isto contradiz exatamente o que dissemos no parágrafo anterior. Portanto, nossa hipótese de que (OB(φ ) → OB(ψ)) era falsa estava incorreta, isto é, tal fórmula é verdadeira. Portanto, a verdade de OB(φ → ψ) em um mundo qualquer de um modelo qualquer garante a verdade de (OB(φ ) → OB(ψ)), o que significa que é impossível ter a primeira fórmula verdadeira com a segunda falsa. Em outras palavras, estabelecemos que, para qualquer M e qualquer w, vM,w (OB(φ → ψ) → (OB(φ ) → OB(ψ))) = V , exatamente como queríamos demonstrar. Neste exemplo, escolhemos o que chamamos de um axioma de SDL e demonstramos que ele é verdadeiro na semântica de mundos possíveis. Isso é, mostramos a corretude do axioma. O fenômeno é mais geral: o que nos permite dizer que essa semântica é, realmente, uma semântica de SDL é que tal fenômeno é generalizado: não só todos os axiomas, mas todas

57 as teses de SDL são verdades lógicas nessa formulação, bem como as únicas verdades lógicas da semântica são as teses de SDL. Isto é o que afirma o teorema seguinte: Teorema 2.12 (Completude e corretude da semântica de mundos perfeitos). Seja φ uma fórmula de SDL. Tal fórmula φ é uma tese de SDL se e somente se φ é uma verdade lógica de SDL.

2.3.2 Semântica de preferências

Uma outra maneira de definir a semântica de SDL é feita a partir das chamadas relações de preferência. As relações de preferência são um ferramental extremamente comum na teoria atual da Decisão Racional (com alcance principalmente na Economia, mas também na Psicologia, na Ciência Política e em áreas afins). A motivação por trás desta formulação alternativa está na idéia de que os conceitos (morais e jurídicos) de “obrigação”, “permissão” e “proibição” se originam (ou podem ser definidos a partir) dos conceitos de “melhor” ou “pior”. No campo da moralidade, esta formulação pode ser relacionada a éticas conseqüencialistas maximizadoras: é obrigatório fazer o melhor possível. Um modo de formular a ética utilitarista, por exemplo, é pela afirmação de que a ação obrigatória é aquela que gera o maior bem possível. Entretanto, esta não é a única possibilidade. É plausível imaginar que estamos fazendo avaliações deônticas a partir de um valor (digamos, a liberdade) e que tal valor seja um critério de avaliação das possiblidades entre melhores ou piores (ou que aponte para um). Se objetivamos maximizar um valor, é plausível imaginar que algo é obrigatório quando é necessário para concretizar algum dos melhores estados de mundo possíveis, de acordo com tal critério. Nos mantendo na formulação de estados de mundo, ou mundos possíveis, podemos pensar, então, em mundos que são piores ou melhores do que outros; de outro modo, em mundos que preferimos a outros. Assim, ao menos em um primeiro momento, dispensamos a formulação de mundos alternativos perfeitos (ou aceitáveis) como parâmetro de conduta para então utilizar o conceito de melhores mundos. Então, afirmaremos que algo é obrigatório quando é verdadeiro em todos os melhores mundos possíveis. Naturalmente, estes são aqueles em relação aos quais não há opção melhor, de acordo com a preferência tratada. Outra forma de se chegar à idéia de preferência está pelo conceito de vontade. Nos parece aceitável afirmar que, a partir de uma vontade, podemos comparar duas opções: se ela quer uma das opções, então tal opção é a preferida. Caso contrário, não quer nenhuma, então é indiferente entre elas. Desse modo, uma vontade nada mais faz do que expressar uma preferência. Porém nem toda vontade basta, como nem toda relação é aceita como uma preferência, como veremos logo a seguir. A vontade terá de ser racional. Com efeito, a idéia de vontade da lei ou vontade do legislador é recorrente na Teoria do Direito e mesmo no discurso da dogmática

58 jurídica e do operador do direito. Esta concepção era particularmente mais acentuada no século XIX, em especial com a idéia de “legislador racional”30 . Por exemplo, de acordo com Larenz (1997, p. 34): (. . . ) WINDSCHEID vê o Direito como algo histórico e simultanemante racional; (. . . ) como a «vontade racional» do legislador. É pois, um positivismo legal racionalista, moderado pela crença na razão do legislador, o que se exprime em WINDSCHEID e na geração dos juristas por ele influenciados: se o Direito é, sem dúvida, essencialmente equiparado à lei, esta compreende-se como expressão, não já do puro arbítrio, mas da vontade racional – nas ponderações racionais que a orientam e nas perspectivas racionais em que se apoia – de um legislador histórico e, ao mesmo tempo, idealizado.31 Enquanto Windscheid atribuiria a vontade racional a um legislador empírico, uma vontade subjetiva e histórica, outros autores da época manteriam a idéia de “racionalidade” na lei dispensado a referência a tal figura histórica. Assim, continua Larenz (1997, p. 41), apresentando as visões dos autores Binding, Wach e Kohler: Enquanto [a interpretação histórico-filológica] procura descobrir nas palavras o sentido que o autor lhes ligou, o fim da interpretação jurídica será patentear o sentido racional da lei olhada como um todo do ponto de vista da significação (. . . ) A lei é, na sua essência, a «vontade racional» da comunidade jurídica (. . . ) (grifos nossos) Também em algumas doutrinas do Direito Natural o conceito de “vontade” se apresenta com tal sistema normativo sendo considerado oriundo da “vontade de Deus” ou da “vontade

30

Cf. Maranhão (2013a, pp. 218-219). Segundo o autor, a idéia de “lógica material” dos juristas esteve presente na dogmática alemã do século XIX ao se investigar os métodos da interpretação jurídica, como cânones interpretativos e esquemas argumentativos como a simili ou a contrario. Tais métodos não seriam resumidos à lógica dedutiva aristotélica da época. Além disso, afirma o autor: Esse «método» ou «técnica» de interpretação, sem discutir sua fundamentação teórica, na prática continua a ser empregado nas disciplinas dogmáticas a partir do pressuposto de um «legislador racional» por trás dos textos normativos. Em casos de indeterminação recorre-se a um raciocínio sobre qual seria a intenção (contrafática) de um legislador ideal que respeite determinadas máximas de competência como consistência, precisão, coerência entre meios e fins, ao emitir o comando com aquela formulação. Não estamos afirmando que a formulação em semântica de preferências é suficiente para capturar por completo a idéia de um legislador racional, apenas que esta figura pode ser utilizada como modo de apresentar uma intuição para proposta de preferências racionais subjacentes a um conjunto de proposições deônticas.

31

Apesar de tal comentário sobre um “positivismo” de Windscheid, Larenz (1997, p. 40) admite que o apelo a um legislador racional cuja vontade empírica deveria ser descoberta era “muito mais determinado pelo racionalismo do que pelo historicismo ou até pelo positivismo”.

59 natural”. (CRUZ, 2008, pp. 53-54) (EDWARDS, 2008, pp. 94-95) (BIX, 2010, p. 212) Contra esta idéia, vemos a teoria positivista, como de Kelsen (2005, p. 45), ao afirmar que: Numa análise mais rigorosa, torna-se patente que as regras de Direito são “comandos” apenas num sentido bastante vago. Um comando, no sentido próprio da palavra, existe apenas quando um indivíduo em particular estabelece e expressa um ato de vontade. E ainda, Em resumo, dizer que uma norma é “válida” para certos indivíduos não é dizer que certo indivíduo ou certos indivíduos “querem” que outros se conduzam de certa maneira; porque a norma é válida para certos indivíduos também quando tal vontade não existe. (KELSEN, 2005, p. 52) Isto não deve ser uma surpresa, visto o objetivo da Teoria Pura do Direito de Kelsen de descrever os sistemas normativos, não havendo, portanto, espaço para uma figura de uma vontade da lei ou de um legislador ideal que não realmente existem e não podem ser verificados empiricamente. De todo modo, estas são apenas formas distintas pelas quais se pode motivar a abordagem de preferências para a construção da lógica. Apesar disso, não se deve tomar tal motivação de modo excessivamente enfático. Talvez as conclusões a respeito de uma preferência racional tal como aqui construídas sejam vistas como demasiadamente humildes. Após tais considerações, podemos iniciar a sistemática. A relação de preferência é uma relação binária. A idéia de preferência é expressa por frases como “Prefiro sorvete de chocolate a sorvete de creme , “Estudar Direito Civil é ao menos tão bom quanto estudar Direito do Trabalho”, “Sou indiferente entre ganhar este apartamento ou receber um milhão de reais” ou “Matar é pior do que roubar”. O último exemplo pode causar estranhamento, por se tratar da relação ”ser pior que”, mas intuitivamente há uma correspondência direta entre preferir X a Y e considerar X melhor do que Y . Com efeito, esta correspondência será aceita e utilizada ao longo do texto. O uso do termo “preferência” e essa substituição de termos não implica em compromissos ontológicos a respeito dos conceitos de “bom”, “melhor” ou “pior”. Por exemplo, ao nos utilizar dessa terminologia, não sugerimos que a idéia de “melhor” é necessariamente relativa por a idéia de “preferência” também o ser. Um conceito absoluto de “melhor” poderia simplesmente corresponder a uma preferência absoluta (por exemplo, a “vontade de Deus”, a “vontade da sociedade”, etc). Desse modo, então, conectamos as idéias de preferência e a de valor. O que utilizaremos como noção fundamental é a relação “ser ao menos tão bom quanto”, a ser representada pelo símbolo “
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.