MODERNIDADE E CONTEMPORANEIDADE NA ARQUITETURA PÚBLICA DE BOA VISTA -RR

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I SAMA – Seminário de arquitetura moderna na 17, 18 e 19 de fevereiro de 2016.

Amazônia

MODERNIDADE E CONTEMPORANEIDADE NA ARQUITETURA PÚBLICA DE BOA VISTA - RR NASCIMENTO, CLAUDIA H. C. (1); PINHEIRO NETO, ALMERIZIO O. (2); BORGES JUNIOR, ARAMURU S. (3); AMANTINO, CAROLINE(4); OLIVEIRA, DANIEL L. (5) 1. Mestre em Arquiteta e Urbanismo, com ênfase em Patrimônio; Especialista em Semiótica e Artes Visuais; Bacharel em Arquitetura e Urbanismo; professora da linha de Teoria e História da Arte, Arquitetura e Urbanismo do curso de bacharelado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima /UFRR. Avenida Ene Garcêz, 2413, Bloco V, CCT, Arquitetura e Urbanismo-Bairro Aeroporto-Boa Vista/RR E-mail: [email protected]. 2.

Discente do curso de bacharelado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima – UFRR. E-mail: [email protected].

3.

Discente do curso de bacharelado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima – UFRR. E-mail: [email protected]. 4.

Fisioterapeuta. Discente do curso de bacharelado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima – UFRR. E-mail: [email protected]

5. Mestre em Agronomia; Engenheiro Florestal; Discente do curso de bacharelado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima – UFRR. E-mail: [email protected]

RESUMO O presente trabalho visa analisar os principais traços e influências do movimento moderno na Arquitetura e Urbanismo da cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima. Para isso, buscou-se a fundamentação teórica sobre o modernismo brasileiro e principais aspectos que o caracterizam, identificando os elementos e atores que imprimem à cidade a linguagem do Modernismo, através de pesquisa documental e de campo. Com base nas características observadas das obras analisadas, nota-se que grande parte das obras públicas presentes na Cidade de Boa Vista datam sua construção durante a década de 1970 e, embora o mundo estivesse discutindo conceitos do pósmodernismo, pode-se concluir que a arquitetura predominante em Boa Vista possui conceitos relacionados à Arquitetura Moderna, reflexo dos anseios de uma modernidade, da recepção de padrões, de modelos e de projetos exógenos no então Território Federal de Roraima, ao que se soma a forte presença da intervenção militar no processo de produção da região, a partir do 6º. Batalhão de Engenharia de Construção que, indicamos como hipótese para outros estudos, influenciou incisivamente no processo de produção do espaço construído das edificações públicas deste período, que coincide com o do regime militar e da política de integração da Amazônia ao restante do país. Palavras-chave: Boa Vista/RR; Décadas 1970-1990; Arquitetura moderna brasileira.

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1.

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INTRODUÇÃO A cidade de Boa Vista é a capital do Estado de Roraima e está localizada na Região

Norte do Brasil (Figura 1), estando situada em sua totalidade no hemisfério norte do planeta. Tendo o ano de 1890 como o marco na sua criação, Boa Vista possuía cerca de 314.900 habitantes em 2014, de acordo com dados do IBGE, com uma densidade demográfica de aproximadamente 50 habitantes para cada quilômetro quadrado.

Figura 1 – Localização da área de estudo, Cidade de Boa Vista, Estado de Roraima, 2015. Fonte: IBGE, adaptado.

A ocupação do território hoje conhecido por Boa Vista se deu por volta de 1858 por remanescente da força militar aquartelada na fortaleza de São Joaquim, dando origem a formação da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo do Rio Branco (SILVA, 2007). Com o Decreto Estadual nº 49, a Freguesia foi elevada à categoria de vila e, dois anos depois já fazia parte oficialmente dos municípios do estado do Amazonas (SEPLANRR, 2010 apud. SILVA, 2011). Posteriormente, através da Lei Estadual amazonense nº 1.262, no ano de 1926, a sede da Vila foi elevada à categoria de cidade. Nesse período, a cidade de Boa Vista era constituída por três ruas paralelas ao rio, contava com poucas unidades construídas, sendo os edifícios públicos, as casas comerciais e a igreja os principais estabelecimentos situados próximo ao porto fluvial (OLIVEIRA, 2008).

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Durante a década de 1940 foi idealizado o Plano Urbanístico pelo engenheiro Darcy Aleixo Derenusson para a cidade de Boa Vista, sendo implantado aos poucos. O Plano Urbanístico da cidade, idealizado na década de 1940, é caracterizado pela forma semicircular com as principais vias no sentido radial onde, segundo Silva (2011), esse modelo atingiu sua estagnação na década 1980, período onde começa a criação de novos bairros (Figura 2) que culminam na descaracterização do traçado radial do plano. Segundo o mesmo autor, é a partir desse momento, quando Boa Vista começa a receber migrantes de diferentes partes do país, pelo incentivo de ações do Governo Federal para integrar a Amazônia ao país, o que a cidade de Boa Vista recebe grande incremento econômico e um aumento exponencial da população no período entre as décadas de 1980 e 1990, que fez com que começasse uma descaracterização do traçado urbanístico planejado.

ÁREA

CORRESPONDENTE

AO PLANO URBANÍSTICO ORIGINAL

Figura 2 – Traçado Urbanístico de Boa Vista, dividido pela década de implantação. Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Estadual de Roraima, adaptado.

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Em um cenário global, no período em que marca a implantação do Plano Urbanístico de Boa Vista a arquitetura moderna estava consolidada e o Movimento Moderno atingiu um ponto de inflexão a partir dos anos 1940. No Brasil, à política desenvolvimentista se associa a consolidação da linguagem do Modernismo, que floresce a partir da construção do conjunto arquitetônico da Pampulha, por Oscar Niemeyer, como ícone que integra a relação arquitetura e urbanismo. O Modernismo já apresentava-se em um cenário de crise nos campos acadêmicos nesse período: os problemas lançados pela reconstrução das cidades europeias e a grande expansão das cidades americanas no pós-guerra levariam ao questionamento, no próprio seio dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna CIAM, de alguns postulados que haviam norteado a arquitetura moderna na década de 1920 (DE PAOLI, 2008). Esse momento de crise, segundo Abascal (2005), foi denominado de pós-moderno, onde o retorno ao indivíduo emergiu nas preocupações com o espaço percebido e a ideia de lugar, rivalizando com o conceito abstrato e despersonalizado de espaço. Tendo em vista que o processo de ocupação e de crescimento de Boa Vista é recente se comparado com outras capitais da Amazônia e, considerando que o traçado da capital foi concebido inicialmente por um Plano Urbanístico seguindo um modelo progressista, espera-se que esses fatores reflitam nas características arquitetônicas da cidade. Dessa forma, objetivou-se com este trabalho caracterizar a arquitetura dos prédios públicos de Boa Vista, em Roraima, quanto aos movimentos moderno e contemporâneo, a partir dos elementos e conceitos construtivos das edificações, bem como relacionar o contexto da arquitetura local com o que vinha se trabalhando em nível de Brasil e Mundo. A importância do reconhecimento da influência da modernidade em Roraima insere e consolida o perfil progressista da ideia de Moderno que se manifesta a partir da implantação do Plano Urbanístico, caracterizando como lugar de memória (RAMALHO, 2012), gerando e influenciando a produção do espaço em Boa Vista. O presente trabalho visa analisar os principais traços e influências do movimento moderno na Arquitetura e Urbanismo da cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima. Para isso, buscou-se a fundamentação teórica sobre o modernismo brasileiro e principais aspectos que o caracterizam, identificando os elementos e atores que imprimem à cidade a linguagem do Modernismo, através de pesquisa documental e de campo. Desta forma, objetivou-se com este trabalho caracterizar a arquitetura dos prédios públicos de Boa Vista, em Roraima, quanto aos movimentos modernos ou contemporâneos, a partir dos elementos e conceitos construtivos das edificações, bem como relacionar o contexto da arquitetura local com o que vinha se trabalhando em nível de Brasil e mundo.

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2.

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Cidade e arquitetura Foi durante o período de implantação e descaracterização do plano urbanístico da

cidade, que corresponde a cerca de trinta anos, que a maioria dos prédios públicos de Boa Vista foram construídos na região central da cidade. Eles visavam suprir as demandas administrativas da nova condição, de ex-território federal para a de estado autônomo. Nesse período há também a transição entre as linguagens arquitetônicas do Modernismo e da Arquitetura Contemporânea, entendida nesse período ainda sob o título de pósmodernidade – entre as décadas de 1970 e 1990 – no Brasil. Essa fase profícua para a produção do espaço da cidade de Boa Vista recebe também o incremento dos ganhos advindos do ciclo do garimpo de diamantes, o que atrai olhares, valores e desejos desenvolvimentistas, dos quais a Arquitetura é testemunha e expressão no contexto de sua história. Confirmando essa hipótese, corresponde a essas décadas os principais edifícios de caráter público da capital roraimense. Esses imóveis encontram-se, sintomaticamente, na área central, correspondente ao Plano Urbanístico de Darcy Aleixo Derenusson e reafirmam esse diálogo simbólico e estético.

Figura 3 – Distribuição geográfica dos prédios públicos selecionados para este estudo. Fonte: Google Earth (adaptado).

Dessa forma, para a análise deste trabalho, foi selecionada uma amostra de prédios públicos (Figura 3), construídos dentro do recorte temporal proposto, para análise formal e conceitual-histórica, de modo a subsidiar este estudo. A opção pelos edifícios buscou uma

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amostra que, embora pequena, visasse ser representativa no que se refere aos seus agentes produtores e usos, tentando abarcar as décadas anteriormente apresentadas. Assim sendo, na Tabela 1 estão listadas as edificações selecionadas para a presente análise amostral, com sua respectiva década de construção e a principal função de uso do prédio. A coleta de informações sobre estes foi realizada a partir de trabalhos acadêmicos anteriormente desenvolvidos para a disciplina de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo IV do curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Roraima, entre os anos de 2013 a 2015 sendo acrescidas análises dos autores e levantamentos capazes de subsidiar as discussões que se apresentam. Nome da edificação

Ano de construção

Função de uso

Catedral Cristo Redentor

1972

Religioso

Receita Federal

1974

Serviço

Escola Estadual Gonçalves Dias

1977

Educacional

Palácio da Cultura Nenê Macaggi

1993

Entretenimento

Tabela 1 – Edificações selecionadas para a presente análise

3.

Signos em período de transição Segue-se, a partir desse ponto, às análises individuais sobre as edificações

elencadas para o presente estudo. Para tal intento, cada edificação, analisada individualmente, será exposta nos seus aspectos históricos, formais e estéticos, partindo-se, como critério de avaliação quanto à sua filiação ao movimento moderno da arquitetura, dos cinco pontos da nova arquitetura, preconizados por Le Corbusier (1984): planta livre, fachada livre, pilotis, terraço jardim e janelas em fita. Aqui é necessário esclarecer que esses pontos são paradigmas que foram incorporados como referenciais para delimitar a arquitetura moderna que, a partir dos mesmos, tidos como elementos da sintaxe, foram reelaborados de várias formas nesse contexto. Assim sendo e a título de exemplo, a planta livre, que é independente de sua função estrutural, permite à estrutura da edificação assumir visibilidade, visto que não se oculta em camadas de revestimento ou de um decorativismo supérfluo, conforme defendia Adolf Loos, sendo possível a adoção do valor plástico da própria estrutura, em sua verdade estrutural, característica do Brutalismo (ZEIN, 2007). Então, os aspectos que compõem os canônicos cinco pontos le corbusianos, que se interdependem, também são potencialmente identificáveis, de uma forma ou outra, nos vários momentos da Arquitetura Moderna: desde Loos até as interpretações de vanguarda.

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Busca-se, com essa avaliação individual estabelecer um quadro referencial para análise dos aspectos da arquitetura produzida em Boa Vista, estabelecer correspondência com o contexto geral e identificar os diálogos e fronteiras da Arquitetura Moderna e Arquitetura Contemporânea, no contexto local. Também buscar-se-á o diálogo com outros paradigmas do modernismo, especialmente, a fim de reconhecer, ou não, os elementos que justificam e qualificam as concepções em análise.

3.1.

Catedral Cristo Redentor

Localizada no entorno da Praça do Centro Cívico, numa das quadras lindeiras à avenida Ville Roy, principal via de expansão do projeto original de Darcy Aleixo Derenusson, a Igreja Catedral Cristo Redentor foi construída no período de 1967 a 1972 em terreno onde havia o antigo cemitério da cidade, a fim de atender às necessidades de um novo templo católico na cidade, devido à positiva taxa de crescimento populacional incrementado graças ao incentivo das políticas de povoamento da Amazônia.

Figura 4 – Projeto, construção e conclusão da Igreja Catedral Cristo Redentor.

Fonte:

Prefeitura Municipal de Boa Vista (2011)

O projeto da igreja (Figura 4) foi elaborado pelo engenheiro italiano Padre Mário Fiameni, seguindo os traços da década de 1960, com forte influência da estética que norteava a arquitetura moderna àquela época, com o uso profuso do concreto armado associado ao vidro. Deve-se destacar que as dificuldades para se produzir obras de grande

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porte nesses rincões fez da Catedral um signo de superação da técnica frente às adversidades locais, tanto materiais quanto mão-de-obra especializada. Assim sendo, muitos materiais, além do próprio projeto, foram importados, tendo sido muitos perdidos no meio das viagens; o domínio tecnológico exíguo, associado à ausência de mão-de-obra e matéria prima exigiu dos responsáveis eclesiásticos a necessidade de capacitação e busca de alternativas técnicas adequadas. Por se tratar do primeiro projeto de Roraima com o uso do concreto armado, de difícil execução, a construção da Catedral funcionou como escola técnica e qualificou mais de 100 construtores, atuando de forma teórica e prática (PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA, 2011). Dificuldades que se apresentam no território roraimense em escala semelhante àquela enfrentada por Gregori Warchavchik, na década de 1920, ao produzir a primeira casa modernista no Brasil, na rua Itápolis, cidade de São Paulo. A arquitetura moderna da Catedral sugere três símbolos: a Harpa, a Canoa e a Maloca Indígena. A Harpa o instrumento musical utilizado para adoração na igreja; o Barco representa as pescarias milagrosas de Jesus e seus apóstolos; e as Malocas indígenas, com forma circular, representando as habitações predominantes em Roraima. Existem associados, como elementos que complementam a ideia do projeto, vitrais com representações de peixes e folhas. Apesar de não apresentar uma clara relação com os cinco pontos da arquitetura moderna de Le Corbusier, a Igreja Catedral Cristo Redentor se assemelha com outra obra desse arquiteto, a Chapelle de Notre Dame du Haut no interior da França, por sua plasticidade e verdade estrutural. Podemos observar que, apesar de ser um projeto de autoria italiana, a Catedral se enquadra em um cenário de Arquitetura Moderna Brasileira, pois além do uso do concreto armado aparente, explorando a plasticidade desse próprio material, o diálogo da implantação livre no seu sítio e sua perspectiva escultórica, transformando a obra num ornamento da própria paisagem, exige que sua apreciação e fruição em sua dimensão escultórica, isso é, que se dê além de seus componentes internos, podendo-se observar no diálogo da arte plástica com a arquitetura, visto sua locação privilegiada na Praça do Centro Cívico, centro irradiador do Plano Urbanístico, muito característico nas edificações brasilienses, entre outras. A vinculação e diálogo com outras linguagens plásticas surge com força no Movimento Moderno a partir do diálogo entre a forma e a função, contudo essa opção de incorporação de expressões artísticas na arquitetura moderna tem como influência a opção da equipe envolvida no Palácio Gustavo Capanema (antigo Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro), em incorporar obras de arte e associações simbólicas de caráter

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cultural a esse edifício, o que se expressa na Catedral no uso de vitrais artísticos e de elementos de referência local e regional, conforme os já anteriormente citados.

3.2. Receita Federal Localizado na esquina da rua Agnelo Bittencourt com a Praça do Centro Cívico, a construção do edifício da Delegacia da Receita Federal em Boa Vista/RR começou em 1974, executada pelo 6º Batalhão de Engenharia de Construção – 6º BEC, obedecendo ao projeto arquitetônico elaborado em novembro de 1972, devido ao disposto no Decreto nº. 63.595, de 12/11/1968, que previa a instalação desta instância em Boa Vista/RR (Peres; Balbinot & Alencar, 2014). O edifício foi inserido em um terreno de pouca profundidade e longa extensão, e se constitui de um grande bloco retangular em concreto aparente e revestimento de pedra regional em todo o seu perímetro, marcado por linhas retas e ortogonais e com apenas uma única cobertura. O destaque nas fachadas, principal e na posterior, se dá pelos pilares prismáticos de base triangular que marcam e dão ritmo, compondo verticalmente as mesmas, junto com grandes janelas em fita que se estendem pelos dois pavimentos (Figura 5). Características evidentes constituem a arquitetura moderna.

Figura 5 – Projeto arquitetônico e vista geral do edifício da Delegacia da Receita Federal em Boa Vista/RR. Fonte: Peres, Balbinot e Alencar (2014)

Neste edifício é possível identificar com maior clareza alguns dos cinco pontos da arquitetura moderna. A planta livre proposta, permite flexibilidade de distribuição de usos que se manifesta nas adaptações posteriores, garantida iluminação em consequência da fachada livre. O prédio tem seu acesso acima do nível do terreno por conta de um estacionamento no subsolo, o que se tornou uma opção ao uso dos pilotis no processo que

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passou, ao longo das décadas de revisão de sua função como área de circulação (LE CORBUSIER, 1984, p.30) para espaço de seu maior ícone, o automóvel. Os acessos ao imóvel se dão tanto por rampas quanto por escadas. Pode-se observar o uso da janela em fita, que se desenvolve na vertical, tendo as colunas função incompleta de brise solleil fixo. O equívoco, entretanto, se faz quanto ao dimensionamento dos elementos que teriam a função de proteção solar que, pela implantação do edifício e reduzida dimensão de projeção, não cumprem efetivamente a função por desenvolvimento de projetos em cenários e com recursos e condições climáticas diferentes da realidade local;. Embora a arquitetura moderna buscasse seguir a sintaxe lecorbusiana, muitos dos edifícios modernistas refletem mais força em sua expressão plástica que na eficiência desses princípios, o que vai em sentido oposto ao apanágio modernista de Louis Sullivan, em que a forma devesse seguir a função.

3.3. Escola Estadual Gonçalves Dias Localizada na Av. Getúlio Vargas, bairro Canarinho, no município de Boa Vista e tendo como órgão responsável a Secretaria de Educação, Cultura e Desporto – SECD, abriga uma unidade habitacional que atende o ensino de nível médio e médioprofissionalizante . Seu sistema estrutural é de concreto armado aparente, que permite a existência de grandes vãos e possibilita a existência de áreas espaçosas para a grande circulação necessária num ambiente escolar, com um pé direito acima dos 3,00 m usualmente adotados nas edificações da época (Mattos et al.,2014). O projeto, atribuído ao arquiteto Severiano Mário Porto, possui predominância retangular de seus ambientes, havendo uma sala em formato hexagonal, divergindo das demais. A principal característica do projeto é a distribuição em blocos que se distribuem em níveis, com espaços exteriores arborizados que se integram ao ambiente interno e coberto do edifício através de elementos vazados, possibilitando maior ventilação e renovação de ar, além de iluminação dos espaços de circulação. A edificação, cujo projeto é atribuído ao arquiteto Severiano Mário Porto, segue a linguagem da arquitetura moderna brasileira, com adoção de elementos da arquitetura bioclimática amazônica, onde podemos destacar: o domínio do sistema estrutural em sua concepção como elemento definidor da volumetria; distribuição da planta baixa setorizando as áreas de acordo com sua função; o uso de concreto armado e a ausência de elementos ornamentais na fachada; busca por integração harmoniosa da construção com a paisagem, considerando clima, economia de espaço e de energia. Na fachada principal, podemos notar a ideia da modulação das aberturas de vãos de janelas adornadas por venezianas e o uso

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de cobogós estabelecendo uma repetição harmônica e favorecendo a ventilação natural cruzada (Figura 6).

Figura 6 – Construção e Foto atual da Escola Estadual Gonçalves Dias. Fonte: Mattos et al. (2014) O fator clima influencia para a adequação da arquitetura brasileira na região norte. Diferente dos outros edifícios analisados que apresentavam uma arquitetura moderna imposta, a Escola Estadual Gonçalves Dias possui uma conjuntura arquitetônica que leva em consideração as condições locais. A Escola é uma obra que retrata a arquitetura moderna brasileira, não apenas nos princípios que a direcionam, mas na preocupação com o conforto ambiental devido ao clima da região, resultando num importante exemplar da arquitetura moderna regional.

3.4. Palácio da Cultura Nene Macaggi O Palácio da Cultura está localizado no entorno da Praça do Centro Cívico, assim como a Catedral Cristo Redentor e o prédio da Delegacia da Receita Federal, entre outras instituições públicas. É uma edificação que foi construída em 1993, projeto da equipe local composta pela arquiteta Otília Natália Pinto Latgê, filha do então governador de Roraima Ottomar Pinto, e pelos arquitetos Antero Sá Neto e Maruem de Castro Hatem.

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O partido volumétrico do edifício (Figura 7) é composto de formas básicas: dois paralelepípedos (um maior – onde funciona a biblioteca e um auditório, e um menor – onde funciona a recepção, a biblioteca infantil, os banheiros e os acessos para os outros andares) coroados e interligados por uma pirâmide de aço e vidro, que funciona como uma claraboia iluminando o segundo pavimento. O subsolo semienterrado é iluminado quase que totalmente de forma artificial, pois a iluminação natural se dá somente por janelas basculantes que contornam esse piso. Lá estão localizados ainda alguns auditórios e salas de função administrativa (Cordeiro et al. 2014),

Figura 7 – Palácio da Cultura. Fonte: http://boavistaja.com

Como esta seria a primeira edificação no município de Boa Vista com função de atender às demandas da recém-criada Secretaria de Cultura do Estado de Roraima – SECULT/RR, a equipe uniu elementos referenciais da cultura local (paredes com painéis artísticos em cerâmica, temas indígenas e do imaginário local) com elementos que fazem referência ao poder e ao conhecimento: pirâmide e o obelisco. Em análise, o Palácio da Cultura Nene Macaggi é caracterizado pela liberdade de criação e uso de formas e matéria prima até então não usuais na arquitetura local. Desprendido dos cinco pontos que caracterizaram a arquitetura moderna, o projeto do Palácio da Cultura é uma reinvenção desse movimento tanto na forma e materiais quanto na utilização

do

seu

conceito

em

referência

à

pirâmide

e

ao

obelisco.

Soma-se a isto os espaços (chamados praças) que se articulam com o edifício, para garantir

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a apropriação destes pela população, independentemente do foco objetivo em relação Às funções inerentes ao órgão público, que também é espaço cultural. Segundo Cordeiro et al. (2014) o projeto do Palácio da Cultura apresentou não apenas um enfoque funcional, mas que se preocupou com o impacto que a edificação pudesse causar na época, quebrando os rígidos padrões da arquitetura moderna ainda vivida na época, caracterizando o prédio então em um conceito contemporâneo.

4. Conclusões Podemos identificar, a partir dos exemplos estudados, que a linguagem arquitetônica em Boa Vista apresenta vários elementos que fazem da produção arquitetônica localizada na área central signos da modernidade e do desejo de reafirmação de uma imagem de cidade progressista. Apesar das dificuldades geográficas e de possuir há apenas dez anos um curso de bacharelado em Arquitetura e Urbansmo, existem edificações anteriores que agregam atributos de suficiente qualidade e força sígnica. O recorte temporal abarca justamente a fase de transição na produção arquitetônica brasileira e, a despeito do real e inquestionável problema de acesso e trânsito de informações e materiais desse período, o incremento provocado pelas políticas de desenvolvimento da Amazônia e de consolidação do Estado de Roraima garantiram um influxo importante de profissionais e recursos, que permitiram importantes obras de caráter público. Com base nas análises individuais dos imóveis elencados, foi possível analisar, de forma ampliada, que grande parte das obras públicas presentes na cidade de Boa Vista desse período possuem características típicas do Movimento Modernista, embora o mundo estivesse vivenciando e discutindo questões da pós-modernidade. Deve-se destacar a relevância da presença militar em Roraima nesse período que, seja por intervenção direta, através da execução de edifícios (como a exemplo o da Delegacia da Receita Federal) ou de forma indireta (sob a égide do governador Ottomar Pinto, brigadeiro da Aeronáutica e governador por quatro períodos, entre 1979 e 2007) foram agentes promotores desse desenvolvimento. Cabe a hipótese, para pesquisa futura mais profunda, da influência das posturas de repressão ideológica na manutenção de uma expressão modernista na Arquitetura local. A inserção de uma discussão arquitetônica mais atualizada deve-se às questões de ordem local, especialmente daquela adequada ao clima, inserida através da presença da obra de Severiano Mário Porto e Sérgio Bernardes no estado, sendo o farol para novas iluminações. Entretanto também deve se tratar com maior atenção acadêmica essas avaliações.

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De uma forma geral, a arquitetura no estado de Roraima e, em especial em sua capital Boa Vista, possui forte influência da Arquitetura Moderna, refletindo em parte o acesso restrito â informações que a população do então Território Federal de Roraima possuía. Por outro lado, muitas edificações públicas presentes na cidade datam do período do regime militar, no qual foi marcado por uma política de integração da Amazônia ao restante do país. Em relação ao Palácio da Cultura nota-se um rompimento da linguagem, em relação aos demais prédios analisados, tanto no uso dos materiais quanto na sua concepção formal e conceitual, exercitando a liberdade dos cânones modernistas, e dando valor a percepção de um edifício como instrumento de construção de uma identidade local, já exercitada de forma pioneira na Catedral. Apesar da linguagem, cada projeto tem características próprias que os torna únicos, não apenas por aquilo que possuem de singularidade intrínseca e diálogo artístico com o Modernismo, mas pelo diálogo que estabelecem com a cidade de Boa Vista, sendo referenciais e geradores de uma cultura arquitetônica que induziu à criação do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Roraima, em 2005. Portanto, as questões que a própria arquitetura provoca na cidade passam a ser elemento referencial para formação de uma identidade local. A partir de trabalho de campo executado entre 2013 e 2015, foi possível observar características comuns a estas edificações quanto ao uso de materiais, especialmente o concreto armado aparente, plantas livres e vãos amplos garantindo grandes espaços para circulação, a preocupação com a iluminação e ventilação natural no ambiente interno, a relação com o entorno próximo, o uso de formas de geometria simples e, em alguns casos, janelas em fita, consolidando em alguns desses edifícios, a expressão dos cinco pontos paradigmáticos de Le Corbusier. A tais características somam-se elementos de caráter regional, podendo citar a Arquitetura Bioclimática Amazônica de Severiano Mário Porto, que espelham o movimento da arquitetura moderna brasileira já consolidada em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, bem como expressões que exercitam a linguagem contemporânea, a exemplo do Palácio da Cultura (1993), como fronteira que vai consolidar, através de suas formas e materiais, até então inéditos na cidade, trazendo elementos da cultura local, referenciais e citacionismo, estabelecendo diálogos mais amplos.

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Referências ABASCAL, E. H. S. Fontes e diretrizes da arquitetura contemporânea: uma reflexão crítica a respeito desta genealogia. Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. v. 5, n. 1, 2005. CORDEIRO, L. P. et al. Palácio da Cultura. 2014. 15f. Trabalho acadêmico (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Roraima, Boa Vista. DE PAOLI, P. A Crise do Movimento Moderno: Reflexões sobre a Identidade da Profissão do Arquiteto. Anais: Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. v. 10, n. 2, 2008. FONSECA, Roger Pamponet da; PONTES, Daniel Lins Falcone; SANCHÉZ, José Emanuel Morales. Brutalismo Amazônico: a obra de Severiano Mario Porto. In: X SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL, ARQUITETURA MODERNA E INTERNACIONAL: CONEXÕES BRUTALISTICAS 1955-75, Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2013. Disponível em: www.docomomo.org.br/seminario%2010%20pdfs/CON_31.pdf. Acesso em jan.2016. FUÃO, Fernando Freitas. Brutalismo: A última trincheira do movimento moderno. Arquitextos,

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. Acesso em fev.2016. LE CORBUSIER, Planejamento Urbano. São Paulo: Perspectiva, 1984. (Coleção Debates: Urbanismo). 3ª edição MATTOS, C. C. A. et al. Escola Estadual Gonçalves Dias – GD. 2014. 20f. Trabalho acadêmico (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Roraima, Boa Vista. OLIVEIRA, Rafael da Silva. Do rio ao traçado urbano, e novamente ao rio: alguns apontamentos para pensar a cidade de Boa Vista/RR. Revista ACTA Geográfica, Boa Vista/RR, Ano II, n°3, p. 93-106, 2008. PERES, K. N. M.; BALBINOT, P. F.; ALENCAR, R. G. A arquitetura da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Boa Vista – 2º R.F. 2014. 18f. Trabalho acadêmico (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Roraima, Boa Vista. PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA. Igreja Catedral Cristo Redentor. Boa Vista: Gráfica Ióris, 2011. RAMALHO, Paulina Onofre. Lugar de Memória: o plano urbanístico de Boa Vista – RR. 2012. 99f. (Dissertação). Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural. Instituto do Patrimônio Artístico Nacional.

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SILVA, E. A. Migração e (Re)Estruturação Urbana de Boa Vista/RR nas Décadas de 1980 e 1990. 15f. 2011; Monografia-TCC (Bacharelado e Licenciatura em História) – Universidade Federal de Roraima, Boa Vista. SILVA, Paulo Rogério de Freitas. Dinâmica Territorial Urbana em Roraima - Brasil. (Tese Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana. Universidade de São Paulo, 2007. ZEIN, Ruth Verde. Brutalismo, sobre sua definição (ou, de como um rótulo superficial é, por isso mesmo, adequado). Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 084.00, Vitruvius, maio 2007 . Acesso em fev.2016.

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