Modernidades, mídia e transição política: reflexões sobre os processos no Brasil e na Rússia

October 11, 2017 | Autor: Rousiley Maia | Categoria: Espaço Publico, Transição Democrática, Sistema de Mídia
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Modernidades, mídia e transição política reflexões sobre os processos no Brasil e na Rússia Jari Ekecraritz, Rousiky C. M. Maia e Maria Ceres P.S. Castro

RESUMO Neste artigo, partimos de estudos da história comparativa da mídia aplicada às chamadas sociedades de transição. Exploramos dois casos exemplares, o Brasil e a Rússia, representando diferentes trajetórias em direção às modernidades midiáticas, expressando processos peculiares de transição democrática. Nossa pretensão é apresentar algumas perspectivas do estudo comparativo de sistemas de mídia - no contexto recente de pôsautoritarismo e de pós-comunismo, respectivamente - a partir de uma orientação histórica, que recoloca o problema da mudança versus permanência e de uma abordagem comparativa, que direciona o foco da análise para a diferença versus similaridade.

ABSTRACT In lhe preseni paper, we set out from lhe study of com parative media his(ory as applied to so-called iransilional societíes. Two paramouni cases, Brazil and Russia, are examined, representing different roads to media salurated modernilies, or media "modernilies", and peculiar processes of democratic transilion. The focus is on lhe com parative study of media systems - in recenl pos-authoriiarian and pos-communiSm contexis respectively -, through a historical orientalion lhat actualizes lhe problem of change vs. permanence and a com parative approach that directs lhe focus to difference vs. similarity.

*Jan Ekecrantz, doutor em Sociologia pela uppsala university em 1971, é professor titular e diretor do Programa de Pesquisa Media Societies Around the Baltic Sea", na University Coilege of South Stockholm, Suécia; Maria Céres P. S. Castro, doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP em 1993, é coordenadorachefe do Centro de Comunicação da UFMG e integrante do Núcleo de pesquisa sobre midia e espaço publico, do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFMG, na condição de professora aposentada; Rousiley C. M. Maia, doutora em Ciência Política pela University of Nottingham (Inglaterra) em 1992,é professora e pesquisadora do CNPq, no Departamento de Comunicação Social da UFMG. Atualmente coordena o Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFMG.

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Introdução: história comparativa da mídia na era da globalização

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A história contemporânea oferece um vasto material que nos permite abordar criticamente teorias sociais e estudos sobre mídia, originados numa era de impérios relativamente, estáveis e dós Estados-nações. Termos como pós-comunismo, pós-colonialismo, pós-autoritarismo e pós-naciona-lismo expressam mudanças sociais, transformações políticas e mudanças culturais significativas, colocando indagações fundamentais concementes à relevância das teorias correntes sobre a mídia. Transformações progressivas prepararam o caminho para uma intensa proliferação de teorias sobre a modernidade ou a globalização. Culturas midiáticas globais, ou reflexivas, e a produção de significados e de discursos na modernidade (tardia) são alguns dos temas na nova agenda de pesquisa. Neste artigo, partimos de algumas suposições gerais presentes nos estudos comparativos da história da mídia, aplicados às chamadas sociedades de transição. Exploramos, então, dois casos exemplares, Brasil e Rússia, representando diferentes trajetórias em direção às modernidades saturadas pela presença da mídia, as chamadas "modernidades midiáticas". Nossa pretensão, neste texto, é apresentar algumas perspectivas do estudo.comparativo de sistemas de mídia (ou modernidades como conjunto de práticas sociais, no qual a mídia desempenha um papel central), sendo que a orientação histórica recoloca o problema da mudança versus permanência, e a abordagem comparativa direciona o foco para a diferença versus similaridade.

Comparando o que e por quê? Uma abordagem histórico-comparativa pode nos auxiliar a evitar algumas das limitações inerentes a muitas das pesquisas sobre a globalização da mídia, pesquisas que são ou a-históricas ou estão por demais centradas na mídia ou, mesmo, numa perspectiva eurocêntrica. O historiador Pe'ter Burke dá voz à nossa ambição de "... mostrar a relevância do passado para o presente através do processo de trazer a história para os estudos da mídia e a mídia para a história" (Briggs & Burke, 2002:ix). Deve ficar claro, desde o princípio, que não pretendemos escrever a "história", nem mesmo a história da mídia, nem tampouco estamos perseguindo "estudos regionais", embora nosso enfoque esteja localizado nas regiões da América Latina e da Rússia PósSoviética, O contexto disciplinar do qual partimos atém-se, principalmente, à mídia e à comunicação. Dentro desse , contexto, entretanto, referências à história concreta e comparações entre sociedades realmente existentes podem representar um acréscimo ao estoque de conhecimento sobre as relações entre mídia, cultura e sociedade - trazendo a história para os estudos da

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mídia. De modo recíproco, isso também pode significar contribuições à história ou à sociologia comparativas - trazendo a mídia para os estudos da história. Existem bons exemplos, é claro, de estudos comparativos da mídia (alguns deles também historicamente orientados), embora algumas vezes limitados por seus enfoques geográficos, os quais, freqüentemente, adotam uma perspectiva ocidental inerente. Esta limitação é óbvia, por exemplo, na abordagem feita por Ken Ward (1989), quando compara EUA, Inglaterra e Alemanha. Urna outra tentativa de estender os horizontes para a realização de comparações internacionais entre sistemas midiáticos é feita por Curran e Park, em De Weslernizing Media Siudies (2001). Esses autores partem de uma perspectiva que desafia os modelos universalizados baseados em experiências anglo-americanas restritas, até certo ponto "paroquiais", caracterizando algumas nações como transnacionais e/ou sociedades "mistas". Este tipo de exercício classificatório, entretanto, não abrange urna conseqüente perspectiva histórica em todas as contribuições singulares - algo que dificulta uma problematização dos diferentes caminhos que conduzem às modernidades midiáticas de hoje. Além disso, esse "nacionalismo metodológico", nas palavras de Ulrich Beck, traz problemas, porque tende a entender a nação apenas como um receptáculo dos efeitos da globalização. De tal sorte, ficamos com um modelo de equilíbrio ou uma idéia de soma-zero da força relativa do estado-nação (diversamente nomeado, também, como "sociedade", "economia nacional" etc.) versus o sistema global. A perspectiva comparativa depende, então, de um conjunto de suposi- ções sobre o objeto de pesquisa. Estas diferentes suposições são, elas mesmas, parte da modernidade ocidental e deveriam, preferencialmente, ser estudadas como tal (Mignold, 2000). Modernidades recentes e tardias, assim como posições diferentes no sistema mundial atual, produzem, fundamentalmente, diferentes entendimentos e conceituações distintas acerca dos relacionamentos entre mídia e sociedade. Num mundo mais ou menos globalizado, comparações entre países podem ser mais ou menos significativas, dependendo do que é comparado e como se dá o processo, mesmo, da comparação. Comparações baseadas em nações tendem a isolar seus objetos uns dos outros, em detrimento de análises sobre as tensões criadas entre os Estados-nação e o mundo externo. Em nossa abordagem, o enfoque é dado à interação entre esses (e outros) conjuntos de fatores, como iremos explicar brevemente nesta introdução. Consideramos frutífero apresentar três abordagens que representam as muitas controvérsias nos estudos culturais e sociais da mídia e da comunicação. 1. Tecnologia midiática/sociedade; modernização/modernidade. Nessa abordagem, tende-se a considerar as formas tecnológicas como contraponto às culturas nacionais; busca-se delinear a especificidade

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do social e da organização institucional (i.e. das modernidades) e o encaixe das formas tecnológicas nessas. 2. Universalização versus particularismo; global versus nacional/local. Nessa abordagem, tende-se a considerar a apropriação global ou a aniquilação do nacional em termos de domesticação do local / nacional pelo global. 3. Modelos explicativos diacrônicos versus modelos sincrônicos; história versus sistema contemporâneo. Nessa abordagem, entende-se o fator histórico em termos de estruturas perenes, heterogêneas, de modo que as mentalidades podem ou não neutralizar as tendências globalizantes de homogeneização. Essas dicotomias estruturam discursos sobre a mudança cultural, a mídia e a globalização tanto em análises acadêmicas quanto em abordagens populares ou outros relatos do gênero. Primeiro, tais dicotomias produzem a expectativa de que há sempre a necessidade de se fazer uma escolha entre o determinismo tecnológico e o determinismo social quando, no mundo real, tecnologias e sociedades não são externas uma à outra. Segundo, na questão global versus local/ nacional, as condições globais ou são tomadas de maneira muito abrangente e abstrata, ou elas não alteram realmente o 'local' em nenhum sentido fundamental, já que resistências são detectadas em todo lugar, em culturas locais ou em ambientes subculturais específicos, conforme os pesquisadores reiteradamente evidenciam. Terceiro, nessas versões extremas ou se adota uma posição historicista, presumindo-se que a história explique tudo (supondo-se que a continuidade ou as tradições reinam), ou adota-se um modelo explicativo baseado em sistemas, o qual focaliza as relações no mundo contemporâneo (supondo-se que o presente impera). Estas são as três oposições principais, presentes na literatura existente, em relação à globalização cultural. Uma análise metadiscursiva das narrativas acadêmicas, artísticas, literárias ou populares não deveria, é claro, tomar esses pólos opositores como dados. Nossa proposta é associar tais pólos com questões empíricas, quer estudemos os sistemas da mídia quer busquemos um quadro teórico explicativo da mudança progressiva dos discursos sobre amídia. Mídia enquanto tecnologia e sociedade Os meios de comunicação, antigos e novos, estão sempre duplamente envolvidos nos processos sociais, de transição. Enquanto tecnologias da comunicação, eles são parte da modernização geral das sociedades, em alguns casos históricos (por exemplo, a imprensa), estreitamente associados às mudanças civilizatórias e, em outros casos, apenas promovem a compressão do tempo e do espaço. Como aparato de produção de sentido, a mídia contribui para a emergência da modernidade, enquanto experiências públicas de

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modernização, utilizando-se a terminologia de Perry Anderson, na qual modernismo seria a expressão cultural dessas experiências (Anderson, 1992:40s). De um lado, os media são tecnologias e, como tais, são parte de um processo de modernização "geral", em termos de industrialização e urbanização, contribuindo para urna racionalização da ordem social. E, por outro lado, enquanto produtores sociais de sentido, eles são parte de uma forma específica de modernidade (isto é, de uma sociedade específica inserida numa conjuntura histórica peculiar). Por exemplo, a notícia, como forma de conhecimento e de comunicação social, está intimamente ligada tanto aos aspectos tecnológicos da modernização (da qual, por exemplo, a velocidade é constitutiva) quanto aos projetos de construção da nação e de urna experiência coletiva do novo mundo, experiência essa caracterizada pela fragmentação e pela simultaneidade dos eventos. Assim, discursos a respeito da globalização cultural ou da chamada globalização midiática estão freqüentemente organizados a partir do enfoque acerca de condições e de transformações da infra-estrutura, acerca de experiências sócio-culturais ou, ainda, a partir da configuração institucional das mudanças tecnológicas. Esta distinção entre modernização - conceituada como aspecto tecnológico da modernidade e implicando um fator universal de desenvolvimento material - e modernidade - enquanto categoria sociológica que abarca experiências coletivas e respostas institucionais - será, em conseqüência, tornada como ponto de partida para estudos comparativos. No centro dessa abordagem estão as tensões criadas pelos dois lados da moeda: entre o tecnológico (modernização) e o social (modernidade), ou, ainda, utilizando outros termos, entre as forças e as relações da produção cultural. O modo pelo qual tais tensões são examinadas nas sociedades produz diferenças (ou similaridades) através do tempo e do espaço. Esta problemática geral é amplamente tratada em vários estudos. De acordo com Raymond Williams, a mídia é vista como nada menos que o primeiro motor da história cultural. Mais recentemente, e seguindo Williams, Donovan sugeriu que a imprensa (no final do século XIX) fazia a mediação entre modernidade e modernismo (escritores modernistas como James Joyce foram profundamente impressionados, positiva ou negativamente, pelas novas mídias, antes e durante a Primeira Guerra Mundial). A mídia projeta a experiência do mundo moderno para dentro da cultura ("modernismo") - e, mais que isso, ela mesma produz essa experiência (Donovan, 2001). Em outra perspectiva, ligeiramente distinta, a modernidade é vista corno uma experiência típica do capitalismo moderno, a mídia criando uma demanda extra para ela mesma; por exemplo, "introduzindo um tempo progressivamente rápido na leitura" (Terdiman, 1985). Para autores como o historiador Francis Terdinian, que tratou da imprensa na França no início da modernidade, a mídia não só

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intermediava uma experiência encontrada em outro lugar— a experiência urbana - como, também, ela era parte constituin-te dessa experiência. A cidade e o jornal construíam-se mutuamente. Esta linha de argumentação é encontrada também em autores que tratam de-talhadamente do assunto, tais como John Hartley (1996), John B. Thompson (1995) e Wuthnow (1989). As modernidades podem ser vistas como configurações específicas de tempo/espaço. A modernidade, como um todo, está em algum lugar e tem um começo eum fim. Essas estruturas espaciais e temporais mais ou menos sólidas (imaginadas ou não) aparecem de formas diversas dentro de diferentes tipos de discurso. Elas ganham ou perdem relevância caso apareçam em primeiro plano ou no pano de fundo das dimensões espaciais e temporais, respectivamente. O global e o local

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Realizar estudos histórico-comparativos da mídia sempre envolve um duplo enfoque. Por um lado, se há o interesse em comparações nacionais e restritas a um determinado período, tal enfoque metodológico coloca, automaticamente, a nação como centro do palco. O pesquisador tende a encontrar diferenças e, portanto, a concluir que o nível nacional é importante - isso tende a funcionar como uma "metodologia auto-realizadora". Por outro lado, se há o interesse em reconhecer as dependências dos sistemas mais abrangentes, tal enfoque implica num risco de depreciar a nação. O pesquisador irá, assim, se deparar inevitavelmente com similaridades, derivadas da presença da mídia global e, em conseqüência disso, perderá o foco na nação. Várias suposições sobre o global/local são freqüentemente elaboradas em estudos de recepção de telenovelas, séries e programas de formatos diversos. As telenovelas brasileiras - de produção dependente da cultura, que aborda, com freqüência, o contexto da vida cotidiana do país - são exportadas para diversos países e assistidas por milhões de pessoas, em configurações histórico-culturais distintas. Esse é um fato por si só significativo, conforme a opinião de muitos críticos. No entanto, não faz muito sentido contrapor o nacional e o global se alguém deseja descobrir por quais modos esta interação funciona e o que ela significa numa sociedade específica dentro de um período de tempo mais extenso. O jornalismo, enquanto gênero midiático peculiar, regularmente domestica ou nacionaliza eventos estrangeiros ou mundiais, sendo que o entendimento jornalístico está fortemente identificado com uma cultura política nacional pré-existente. Uma imagem mais completa de como elementos culturais circulam entre os níveis global e local precisaria, também, incluir a apropriação global de elementos locais, tais como narrativas, modas ou melodias locais, como no caso da "world music". Para estudar as trocas, a interpenetração e a natureza da relação entre o global e o nacional/local, é necessário qualificar, em termos gerais, o que é entendido como culturas "globais" e "locais". Anthony D. Smith sugeriu

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uma distinção útil, ainda que problemática, baseada em sua rejeição da possibilidade da emergência de uma cultura global "híbrida", a qual seria "universal, récnica e atemporal" (Smith, 1995:20). Mesmo os grandes impérios ou civilizações, argumenta ele, estavam enraizados no tempo; uma cultura global, pelo contrário, não possui tempo. Portanto, a efemeridade de uma cultura global, sua obsessão com o "aqui e agora", impedem a emergência de uma comunidade fundada numa base que não deveria, e nem poderia, gerar memórias compartilhadas, mitos da descendência, ou sentidos do tipo "de onde viemos" - elementos essenciais para a formação de qualquer identidade coletiva. Contudo, a conceituação da dupla global/local não deve ser tomada como distinção geográfica, mas, sim, como fenômeno relacional, como tem sido apontado com detalhes em obras como, por exemplo, as de Morley e Robins (1995). Doreen Massey também escreveu extensivamente sobre o objeto em questão e, num seminário recente, intitulado "Globalização como geometrias do poder", salientou que nem o "local" nem o "global" são politicamente progressivos ou regressivos por eles mesmos. Ao contrário, o que está em questão não é se iremos ou não ter um mundo mais interconectado, mas sim qual será a forma dessa interconectividade. Nem o local, nem o global, mas a forma e a natureza da geografia das relações de poder (que se tornam entrelaçadas) é que devem ser matéria de investigação.' Que tipo de semelhanças poderiam existir entre o Brasil e a Rússia, levando-se em consideração suas diferentes histórias nacionais? Essas histórias fazem diferença hoje? São elas - a russa e a brasileira - sociedades "modernizadas", nas quais alguma "modernidade" generalizada possa ser sobreposta às memórias e aos efeitos de um passado urbano nacional ou local, às estruturas sociais ou às hierarquias culturais herdadas do início da modernidade, ou mesmo da pré-modernidade?

O passado no presente A história oferece muitos exemplos de novas tecnologias que não estão sendo adotadas na sociedade só porque existem. Uma vez introduzidas, elas podem servir a necessidades diversas em diferentes situações históricas. O historiador Peter Burke tece comentários sobre as mudanças "civilizatórias" historicamente variáveis. Por exemplo, a introdução da imprensa foi retardada por duzentos anos na Rússia e, mesmo após a primeira casa de impressão ser inaugurada, uma produção, em larga escala, da imprensa demoraria ainda um longo tempo para existir (Briggs & Burke, 2002). As chamadas sociedades de transição podem oferecer oportunidades únicas para estudar tipos de relacionamentos da mídia com a sociedade, com apolítica e com a cultura - através dos tempos. A metáfora do laboratório, ou do "experimento natural", tem sido aplicada a países que passaram por uma

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série de transformações políticas e econômicas dentro de um período histórico relativamente curto.' Em épocas de revolta social, a atividade dos maquinários ideológicos é intensificada. Esta é a tese de Robert Wuthnow, desenvolvida amplamente em sua obra Communities ofDiscourse (1989). A Revolução Francesa, por exemplo, produziu um aumento drástico no número de panfletos (Hartiey,1996). Isso nos lembra a explosão da mídia nos países pós-comunistas no início de 1990, para se fazer uma comparação com o nosso próprio tempo. Booms precoces nessa parte do mundo ocorreram, por exemplo, por volta da Revolução Russa em 1905-6. Na Suécia, assim como em muitos outros países comparáveis, o maior número de periódicos foi alcançado em 1920, um período caracterizado por lutas ideológicas relativamente intensas. A experiência da América Latina é, de algum modo, diferente, pois muitos dos regimes autoritários não fecharam seus países (entretanto impuseram uma severa censura política) às comunicações internacionais, nem tampouco obstruíram mudanças técnicas na mídia. Uma agenda de pesquisa Há, sempre, assim, uma relação dialética entre o global e o local, mas, também, entre o passado e o presente, entre a história e as situações contemporâneas. Desse modo, não é possível admitir que a história concreta não signifique nada num mundo 'globalizado', onde as trajetórias de influência seriam supostamente horizontais (na metáfora da rede e da simultaneidade) e 14 não verticais - o espaço precedendo o tempo? Ressalte-se que não se trata de indagar qual das perspectivas sincrônica ou diacrônica - seria a mais adequada para nos auxiliar a entender o fenômeno cultural no mundo contemporâneo, mas, sim, de indagar o modo pelo qual essas dimensões interagem entre Si.

Esta é uma agenda ambiciosa para, a realização de estudos de casos numa perspectiva histórico-comparativa, não "através da teoria da globalização"(Curran et al, 2001), mas por meio de uma polarização teórica entre, de um lado, o paradigma do 'global/contemporâneo/modernização' favorecendo um enfoque em similaridades universais, e o modo de pensar baseado no 'local-nacional/histórico/modernidade', implicando uma concentração no estudo da diferença, do particular e das raízes. Preferimos ver estas questões como estímulos para o estudo empírico, ao invés de tomá-las como posições teóricas polarizadas e incompatíveis. Nesse sentido, consideramos razoável assumir que quaisquer diferenças e similaridades encontradas - ao comparar condições institucionais mutantes, aplicações tecnológicas ou adaptações, discursos dominantes ou subjugados em determinados países - irão confirmar histórias nacionais, mas, também, dependências supra-nacionais, regionalmente e globalmente, sejam elas de longa duração ou relacionadas a um período recente, isto é, à era da globalização da mídia.

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A partir dessa compreensão mais geral, diferentes estratégias de pesquisa podem ser desenvolvidas. Sugerimos urna abordagem que transforme oposições binárias em agendas articuladas e viáveis de pesquisa empírica. Em síntese, as questões que norteiarn nossos estudos de caso podem ser formuladas do seguinte modo: de que maneiras podem ser entendidas as diferenças nacionais mais salientes entre sociedades mediáticas contemporâneas, em termos de diferentes trajetórias históricas e/ou de diferentes posições no sistema mundial contemporâneo? De que modos essas dimensões interceptam nossos casos concretos e corno isso pode iluminar as dialéticas entre a modernização (como um processo histórico mais universal) e as modernidades (como experiências nacionais e organizações institucionais)? Quais são as ligações existentes entre os poderes externos e as estruturas internas? Essas questões, derivadas da abordagem baseada em três eixos, geram um número de questões concretas e de especial relevância para a comparação entre as chamadas sociedades de transição. Elas dizem respeito ao papel do estado vis-à-vis do mercado e do sistema de classes sociais e forças sociais no processo de transição do autoritarismo tradicional para as sociedades modernas. Essas são sociedades possivelmente em processo de democratização, mas são, com certeza, sociedades midiáticas com alto padrão tecnológico. Mídia e modernização no Brasil Do ponto de vista histórico, o Brasil foi inserido no mundo pelo expansionismo europeu, através de um projeto econômico colonizador, baseado na exploração e na dominação. Inicialmente na condição de colônia portuguesa e, mais tarde, como nação politicamente autônoma, o Brasil se molda, a partir do século XVI, num contexto que se funde como um misto de imposição econômica e cultural, representado pela absorção de um modelo de desenvolvimento e de civilização implantado, e pela resistência cultural dos povos nativos ou daqueles que aqui se tornaram cativos. A modernidade brasileira foi forjada a partir dos dilemas e oposições do projeto de modernidade, a partir do qual o plano nacional está construído, com suas qualidades típicas e características originais, suas contradições e conflitos. Sua inserção, na lógica do sistema internacional, se dá na condição de subalternidade e não de centralidade. Nossa formação histórica, marcada pela condição de colônia e do modelo agrário-exportador, de orientação escravista, patrimonialista e autoritária configurou uma sociedade nitidamente dual, socialmente apartada, com fortes traços de segregação. Ao longo do século XX, mas, sobretudo, no período posterior à década de 30, a sociedade brasileira passou por um profundo processo de transformações, que se manifestaram em suas estruturas de organização econômica, social, política e cultural e, ainda, em suas fonnas de estruturação espacial e territorial. Essas transformações, de grande profundidade, impactaram em definitivo as condições

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de vida e de sobrevivência, desestruturando formas de produção tradicionais, relações sociais e políticas, instituições e a própria inserção dos indivíduos num contexto cultural mais amplo. Sofrendo as influências de acontecimentos mundiais de grande importância, como a depressão econômica dos anos 30, a ascensão do nazifacismo na Europa, a Segunda Grande Guerra Mundial, a reestruturação das relações mundiais de poder, a ascensão e queda de potências mundiais, a guerra-fria, a distensão leste-oeste, a consolidação do capital financeiro e outros fatos que marcaram profundamente o século XX, a sociedade brasileira passou por um intenso quadro de transformações, que levaram a uma ruptura quase completa das estruturas tradicionais constituídas ao longo dos quatro séculos anteriores. Porém, esse processo de transformações rápidas, que parece ter alçado o Brasil definitivamente nos cenários da modernidade, tem ocorrido de forma descontínua, desigual e contraditória. E sob essas condições mais gerais que se pode pensar o desenvolvimento dos meios de comunicação social na sociedade brasileira. Sem nenhuma pretensão de fazer uma história do desenvolvimento do sistema dos mídia ao longo da história do país, buscaremos tão somente articular, de maneira breve, alguns elementos, para a compreensão do processo de transição para o período pós-autoritário mais recente, enquanto expressão possível de traços já enraizados no passado.

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De uma imprensa efêmera, panfletária e literária ao desenvolvimento da mídia nacional A atividade jornalística, até os começos do século XX, não é uma atividade regulamentada e sujeita às leis do mercado. Somente depois da Guerra Mundial é a que a imprensa começa a se desfazer do "publicismo - miiitância opinativa, que na imprensa da monarquia e da Primeira República se conjuga com a política " (Bahia, 1990:157). Na década de 20, os jornais começam a receber grande influxo, especialmente por força de iniciativas de natureza mais empresarial, que organizam a atividade com o objetivo de obter retornos financeiros, ainda que não se abandonem a crença e as práticas do publicismo, mantendo-se o jornal como fonte importante de ação política. A imprensa, nas décadas de 30 e 40, começa a assumir um caráter de empreendimento tanto pelas suas características empresariais, pelo formato moderno do jornalismo, quanto pela permanência das publicações e pelas tiragens das edições. Muitas das dificuldades do empreendimento jornalístico derivam de condições próprias do desenvolvimento social e econômico do país, com precária atividade industrial até os anos 30 (os bens de consumo durável e não durável que sustentam o investimento publicitário, elemento essencial para o financiamento dos jornais). Para tal problema, a solução encontrada é o

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financiamento público, tornando as empresas jornalísticas (e aqui tem lugar de destaque o conglomerado jornalístico denominado Diários Associados, capitaneado por Assis Chateaubriand) quase inteiramente submetidas aos interesses políticos presentes no aparelho de Estado. Derivam daí o processo de acumulação da empresa jornalística e a política estatal de subsídios, empréstimos favorecidos, verbas publicitárias e isenções fiscais. De tal sorte, os meios de comunicação de massa no Brasil, assim como na maioria dos países da América Latina, permaneceram mais intimamente associados com o Estado do que com o mercado (Waisbord, 2000:55, Skidmore,1993, Kucinski, 1991,Castro, 1997). O desenvolvimento dos meios de comunicação ganha novo impulso com a modernização da sociedade brasileira nos anos 40, particularmente após a Segunda Guerra Mundial, e que se evidencia através do crescimento da industrialização e da urbanização, da transformação do sistema de estratificação social com a expansão da classe operária e das camadas médias, do advento da burocracia e das novas formas de controle gerencial, do aumento populacional e da expansão do setor terciário em detrimento do setor agrário. Essas são novas condições para a redefinição da imprensa e para o desenvolvimento do rádio e da televisão, nos anos 50. O aparecimento da televisão foi celebrado como a grande novidade tecnológica, que alçava o país às condições de unia nação moderna. Contudo, a indústria televisiva conservou, durante toda a década de 50 e os anos iniciais dos 60, estrutura e funcionamento pouco compatíveis com a lógica comercial que o seu pleno desenvolvimento exigiria. Existiam somente alguns canais e a distribuição televisiva possuía um caráter marcadamente regional. Devido ao baixo poder aquisitivo de grande parte da população, havia uma dificuldade real de comercializar os aparelhos de televisão, que, no início, eram importados, e somente a partir de 1959 começam a ser fabricados em maior número no Brasil. É preciso lembrar que, apesar de todas as transformações políticas e econômicas que se dão nos anos 30 e 40, a sociedade brasileira da década de 50 é ainda fortemente marcada pelo localísmo. Será apenas nos anos 60, especialmente após o golpe militar de 64, que o panorama da produção televisiva - que acaba por se tornar o "carro-chefe" do sistema dos niídias - apresenta alterações de natureza significativa. (Castro, 1997: 92-121) A televisão se transformou num fator chave para a integração nacional, tal como confirmam Michéle e Armand Mattelart(l990:l9f) em seu estudo da ficção televisiva brasileira: A história da televisão nesse estado federal gigante ca,ninha de mãos dadas COm a história da integração nacional. A televisão desempenhou um papel inuito importante na transjbrmação do país numa federação. Foi a televisão, a mais recente tecnologia

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da comunicação a aparecer em cena, que progressivamente inaugurou a idéia de uma rede e de uma integração nacional na agenda das estratégias comerciais e estatais.

A mídia nos anos 70: o conflito entre a sociedade política e a sociedade civil O autoritarismo no Brasil é parte de um projeto de modernização sistêmica. Os detentores do poder que tomaram o controle do governo em 1964 entendiam, como sua missão, a complementação da modernização do país, em nome de sua população, mesmo contra a vontade expressa por ela (Alves, 1984; Avritzer, 1995; Dagnino, 1994). Através do mercado e do Estado, a elite autoritária produziu rápidas mudanças para criar um país moderno: um país urbanizado e com um amplo parque industrial interno. O governo teve o papel de centralizar o fluxo informativo e de construir uma ampla infra-estrutura de comunicação que abarcasse a imensa área geográfica do país, numa escala continental. Nesse contexto, o sistema da mídia foi considerado como recurso fundamental para a elite militar alcançar sua autolegitimação, servir interesses geopolíticos, implementar causas nacionalistas e efetivar a integração nacional. A implantação do sistema INTELSAT cria um "sistema de rede", interconectando, por meio de satélite, as capitais de estados e as grandes cidades (Amaral e Guimarães, 1994:26; Meio e Souza, 1984; 1986). Seguindo a lógica da concentração de capital, as principais companhias de mídia foram 18 instaladas notadamente na região sudeste do país. Com a modernização tecnológica, a produção do eixo Rio-São Paulo assume caráter nacional e começa a substituir a produção local. O moderno sistema comunicativo, que surge nos anos 70, concebe o mercado em termos nacionais, mantém uma administração altamente centralizada, planeja suas atividades a longo prazo, adota uma política de re-investimento dos lucros, altera suas relações com o mercado de anunciantes através dos chamados "pacotes de horários" e busca criar no telespectador, mediante a operação da "grade de programação", o hábito de audiência. Neste período, o país estava marcado, por um lado, por um enorme progresso nos setores de telecomunicação e, por outro lado, pela abolição radical dos direitos civis e políticos dos cidadãos. O governo, através do então criado Ministério das Comunicações, comandou a reestruturação do setor de Comunicação, enquanto, por meio do Ministério da Justiça, detinha o controle sobre o conteúdo da programação. O escopo de ação das estações radiodifusoras estava restrito à produção das notícias locais, conformadas pelas determinações estritas da censura oficial ou de autocensura. Com o crescimento econômico extraordinário, no período do chamado "milagre econômico brasileiro", a organização dos veículos de comunicação respondeu às demandas de inovação tecnológica do mercado e, também, às imposições

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políticas da censura, numa relação mútua que torna o período único no tipo de modernização que foi executado no país.' Por vinte anos (1964-1984), as políticas de comunicação do governo autoritário concentraram mais de 400 canais nas mãos de poucas corporações. A despeito do fato de que a legislação formalmente desencorajava o monopólio de propriedades emissoras (radiodifusoras),' o governo e os burocratas não pareciam interessados em fazer cumprir tal lei (Amaral e Guimarães, 1994:28). Não havia nenhum impedimento a que os empresários controlassem um grande número de estações, através da propriedade de diversos veículos e nenhuma sanção quando eles quebravam as normas legais mais básicas. Geralmente, o sistema de rede sustentado pela ação do regime autoritário não estava sujeito a nenhum controle público ou social. Tendo muitos recursos para regular a mídia, os detentores do poder autoritário deram continuidade às práticas clientelístícas, tradicionais, de modo ainda mais intenso: restrição ou favorecimento de empréstimos em bancos nacionais, definição de taxas de câmbio especiais para a importação de equipamentos ou, mesmo, ações de intimidação, de suborno e de censura aos jornais e às revistas, durante os anos mais severos da ditadura. Ainda que houvesse forte resistência e manifestações contra a censura, o cultivo usual da relação de clientelismo e a colaboração entre radiodifusores e a elite política exacerbaram a tão conhecida utilização do poder do Estado para adquirir vantagens públicas (Schwoch, 1993:46; Cavalcanti, 1995:81). Os meios de comunicação de massa sustentaram o golpe militar e aplaudiram seu programa econômico, sendo que a maior emissora brasileira, a Rede Globo, funcionou como uma máquina de propaganda pró-governo. À interdição da política e da cidadania correspondeu o apelo à participação individualizada e à integração, apenas no nível imaginário, numa comunidade que constrói sua identidade a partir da esfera do mercado. Aos excluídos do mercado de bens materiais e simbólicos eram oferecidas as "imagens", a forma possível de integração a imaginária que lhes restava (Kehl, 1986). isso pode ser típico das chamadas sociedades de transição num mundo globalizado e ocorreu na Rússia contemporânea como evidenciaremos a seguir.

Os públicos democratizantes no período de transição Estreita zona de autonomia para iniciativas jornalísticas foi relegada ao mercado e à indústria privada, considerados como espaços privados onde o comando poderia ser livremente exercido. O último período do autoritarismo no Brasil foi caracterizado por um crescimento progressivo dos movimentos sociais e dos protestos da sociedade civil, desafiando a ordem legal autoritária e, também, a organização econômica da vida cotidiana. Três fortes movimentos sociais surgiram no final dos anos 70, fazendo objeções ao modelo de modernização implantado no país. O movimento sindical começou a se

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organizar com grandes dificuldades, a fim de criar uma livre zona de negociação entre patrões e empregados. A retirada da Igreja Católica da aliança autocrática e a fundação de comunidades eclesiais de base (as CEBs), nos arrebaldes das grandes cidades, no país, alavancam movimentos urbanos diversos associações de bairro, clubes de mães e organizações seculares dos partidos tradicionais de esquerda - recusando a exclusão a eles imposta nas esferas econômica e política (Avritzer,1995:252; Dagnino,1994). Finalmente, muitos movimentos de classe média emergiram no final dos anos 70 e, rapidamente, se expandiram durante os anos 80, juntamente com fortes entidades da sociedade civil tais como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) (Doimo, 1995; Carvalho, 2001, Avritzer, 2002). Todos esses novos personagens que entravam na cena pública (Sader, 1988) demandavam novas relações democráticas com o mercado e com os atores estatais; criaram novos canais de solidariedade com setores mais pobres da sociedade, num esforço conjunto para conquistar direitos civis e cidadania e fazer avançar o projeto de redemocratização. Tais movimentos punham à mostra o ônus da modernização econômica, técnica e administrativa, que se revelava intolerável para a grande maioria dos grupos da sociedade. O processo de transição para a democracia não ocorreu através da queda do regime, mas, sim, através da negociação entre atores políticos e os detentores do poder autoritário. O processo de democratização envolveu a 20 construção de uma investida recíproca entre a elite militar e a elite política, através da institucionalização de um sistema quase-democrático para garantir uma transição gradual para o governo civil. Na eleição para Câmaras Legislativas que ocorreu em 1974, os candidatos do partido de oposição (MDB) estavam autorizados a falar de uma maneira relativamente livre, divulgando suas idéias em espaços políticos na televisão. O resultado surpreendeu a todos, uma vez que o partido do governo (ARENA) perdeu a maioria das cadeiras no Senado, enquanto o partido de oposição aumentou sua representação de maneira significativa no Congresso Nacional. Nessa situação, o governo autoritário retrocedeu no processo de liberalização e estabeleceu medidas autoritárias,' incluindo diversas regulamentações nas campanhas eleitorais e, sobretudo, limitou o uso da televisão pelos candidatos políticos. No processo de transição, a democratização das comunicações foi vista como medida crucial para a construção de espaços públicos, em vez de arenas impessoais e decisões autoritárias impostas aos atores sociais. Um dos mais importantes jornais nacionais, a Folha de S. Paulo, de 1975 em diante engajouse de maneira decisiva na contestação política contra o regime autoritário. Outros jornais, como o Estado de S. Paulo, enraizados na alta elite financeira e industrial, criticaram a política oficial de intervenção do Estado na economia,

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mas defenderam o autoritarismo do regime, a exclusão dos cidadãos do processo de tomada de decisões políticas e econômicas. Já jornais corno O Globo e o Jornal do Brasil também desempenharam um papel tradicional, favorecendo o governo, ou "passaram por diversas mudanças políticas, coincidindo habitualmente com a substituição do membro da família proprietária encarregado pela administração do veículo" (Cavalcanti, 1995:82). Na arena cívica, associações de profissionais, movimentos sociais e redes cívicas criaram espaços interativos para negociações e tornada de decisões sobre condições de trabalho e políticas urbanas. Contudo, tais atores tiveram meios extremamente restritos para produzir e disseminar material com mensagens políticas explícitas. Não obstante, é preciso ressaltar que a produção cultural deste período foi amplamente politizada. Como apontou Arrnand Mattelart, a organização popular e os movimentos sociais, durante a década de 70 e 80, utilizaram cada vez mais os meios de comunicação de uma maneira política, sobretudo através da produção cultural e de textos para a mídia, para provocar mudanças na cultura política e na forma tradicional de concebê-la (Mattelart, 1983:151; Kucinski, 1991). A trajetória para a redemocratização no Brasil apresenta um problema de importância crucial para a discussão sobre as transições: as rotas contraditórias seguidas pelos atores da sociedade civil e pelos representantes formais do sistema político (Avritzer, 1995:257; Durhan, 1984). A redemocratização brasileira foi iniciada dentro da própria sociedade, através da ação de grupos que demandavam direitos econômicos e sociais básicos. Isso pode ser visto essencialmente como "o processo de constituição de pessoas e grupos na esfera pública, através do reconhecimento mútuo que ocorre internamente na prática da comunidade" (Durhan, 1984:30). Contudo, a comunidade política - que lutou contra o governo militar - não estava no mesmo passo com a modernidade radical dos novos atores da sociedade civil e suas demandas por autonomia, auto-realização e autodetenninação expressas sob a mais diversas formas no processo de redemocratização. Em 1984, o movimento de clamor pelas eleições diretas para a eleição presidencial (Campanha das Diretas Já) tornou-se a maior mobilização popularjá acontecida na história do país. Partindo das iniciativas dos cidadãos e dos grupos organizados da sociedade, as passeatas pacíficas que percorreram o país, chegando a reunir 500 mil pessoas no Rio e um milhão em São Paulo, tornaram-se um fato "noticiável" de maior magnitude. Receberam, de maneira progressiva, uma extensa cobertura de toda a mídia, incluindo a Rede Globo. Como se sabe, a reforma que favorecia a eleição direta para presidente não obteve êxito. Ao invés disso, naquele momento, decidiu-se que a eleição seria realizada por uni Colégio Eleitoral, dominado pela representação do governo no Congresso Nacional. A pressão popular sobre os congressistas do governo se mostrou vigorosa: Tancredo Neves (de

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expressão moderada, mas naquele momento de oposição ao regime militar) saiu vitorioso no Colégio Eleitoral. O período do governo militar chegava ao seu fim.

No setor das telecomunicações, a cultura clientelista que organizava o sistema de radiodifusão foi mantida. Até os anos 90, o sistema de mídia foi caracterizado por um mercado altamente centralizado, hierárquico, nacionalmente integrado e estável, e dominado por uma organização midiática única, de larga escala e que se posicionava a favor do governo.

Redemocratização nos anos 80: continuidade e mudança para o período contemporâneo

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Os anos 80 podem ser vistos como um período de mudanças profundas no panorama do sistema da mídia, com a globalização do mercado e com a criação de corporações globais; com a promoção das relações pós-fordistas de produção e a emergência das TVs a cabo/via satélite (Castells,1996). Em termos gerais, as condições para o surgimento da mídia transnacional são decorrentes de vários fatores, como as mudanças tecnológicas (transmissão via satélite; fibra ótica; TV paga; rede de computadores e internet); reestruturação política e econômica da informação e do sistema de comunicação, através da criação de conglomerados e da fusão de grandes grupos privados; políticas macroeconômicas gerais, que buscam a abertura dos mercados e optam pela redução dos gastos públicos, com mínima regulação do Estado e a adoção de políticas monetárias e taxativas fortes. O desenvolvimento dos mercados da nova mídia e a orientação macroeconômica criaram fortes pressões para alterar a organização do sistema de mídia brasileiro. Em termos de desenvolvimento tecnológico, houve uma grande expansão do videocassete, da TV a cabo e a criação de uma rede de antenas servindo a quase todos os países da América Latina (César Ramos, 1997). Em termos de estruturas básicas, a produção de TVs independentes cresceu e os primeiros passos foram dados em direção à segmentação do público. "A internacionalização é uma importante característica da TV brasileira dos anos 80, mas isso não significa ( ... ) uma nova fase do sistema de mídia"(Bolafio,1999:21). As tendências de monopólio, com suas raízes no período autoritário, permaneceram, mesmo após o fim do período dos militares. O processo de redemocratização no Brasil envolveu dois conflitos pela reestruturação do sistema midiático. Em primeiro lugar, a elite tradicional tentava preservar suas influências no sistema político, estabelecendo mecanismos que iriam sustentar a sobrevivência, num ambiente democrático, de práticas tradicionais reguladoras da indústria da mídia. Além disso, houve uma polarização do bloco de oposição militar que havia participado no processo de renovação política, com enfraquecimento dos grupos da sociedade civil. Em contraposição à crença liberal de que maior liberdade de

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mercado, com a pulverização do capital oligopolista, iria, conseqüentemente, levar a maior competição e diversidade entre as empresas da mídia, há no Brasil uma grande concentração no mercado da mídia nos anos oitenta, e os grandes investidores permaneceram ocupando posições dominantes. A concentração das empresas midiáticas nas mãos de poucas famílias e a política clientelista do beneficio recíproco não foram interrompidas. Particularmente, o sistema de televisão aberta tornou-se altamente monopolista neste período. O Estado permaneceu corno o ator central na indústria de propaganda, sendo uma de suas fontes principais de rendimento (Waisbord, 2000:55). Em segundo lugar, apareceram novos investidores externos, como o mercado de TV paga, os quais demandavam normas mais justas e estáveis, com a alegação de que a regulamentação deveria ser orientada por princípios econômicos, ao invés de princípios políticos. As pressões vindas da globalização dos mercados e da expansão de novos setores da mídia (Cabo! TV via satélite) tornaram os mecanismos nacionais de regulamentação (programação através de cotas, restrições no funcionamento da rede) extremamente caros ou, simplesmente, obsoletos. Contudo, as mudanças de ordem tecnológica e!ou administrativa não desempenharam um papel decisivo no realinhamento do poder. Nem os grupos sociais que demandavam a democratização das comunicações nem as forças do novo mercado foram capazes de alterar substancialmente a organização e a regulamentação do sistema da mídia no contexto pós-autoritário. Comparado a muitos países do Oeste Europeu, em particular aos escandinavos, onde a propriedade do Estado e o controle parlamentar têm sido estáveis e constantes, os princípios do serviço público nunca foram plenamente implementados na maioria dos países latino-americanos. Se na Europa Ocidental as reformas macroeconômicas liberais e a desregulamentação do mercado provocaram uma onda de privatizações durante os anos 80 e 90, as forças do mercado estavam já entrelaçadas ao Estado em muitos dos países da América Latina. Apesar de um mesmo conjunto de mudanças tecnológicas e pressões macroeconômicas comuns, diferentes países latino-americanos responderam de maneira distinta e própria. No Brasil tem havido urna reconfiguração das políticas de telecomunicações de um modo proto-competitivo, e o quadro normativo tem sido modernizado lentamente. Vários esforços de regulação têm também sofrido restrições em seu escopo ou não têm efetividade legal. A nova Constituição Brasileira, implementada em 1988 (depois de duas décadas de regime militar), tentou restringir práticas de clientelismo político, através da demanda de aprovação parlamentar das concessões distribuídas pelo Executivo. Em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou um decreto instituindo um leilão de todas as concessões de radiodifusão (Galperin, 2000:184). Contudo, as práticas convencionais e a influência da

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autoridade do poder local tenderam a guiar as decisões políticas e democráticas. A distribuição das primeiras licenças de TV a cabo em 1989, e de estações de retransmissão do sinal de TV em 1996, seguiram exatamente o modelo paternalista e monopolista prévio. Uma nova Lei de Telecomunicação foi finalmente implementada em 1997 (incluindo TV a cabo, serviços de MItvISD e DBS). Entretanto, a TV terrestre tem sido excluída das novas aplicações legais. Este setor permanece sob a antiga regulamentação do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, um período em que a TV estava no seu início absoluto. O setor mais dinâmico da TV paga (cabo, serviços de MMSD e DBS), que cresceu rapidamente em todo o território brasileiro, oferece um quadro diferente. A lei de TV a cabo implementada em 1995 representa uma ruptura com o modelo antigo de radiodifusão em vários sentidos. Essa lei encoraja a competição entre as companhias de telecomunicação; ela delega um poder substancial a grupos locais de franquias e tem sido, ela mesma, resultado de um debate amplo e ativo - algo raro na definição das políticas de telecomunicação no país. Como apontado por Galperin (2000:184), a TV multicanal estava ainda em sua infância quando as pressões por reforma na radiodifusão começaram. Além disso, relativamente poucos interesses tiveram de ser acomodados no novo quadro legal e um corpo de regras independente pôde proporcionar relações distintas com os atores do mercado e da sociedade. 24

A multiplicidade de canais da mídia Em 1995, o domínio absoluto da TV aberta no Brasil é quebrado pela "multiplicidade de canais" oriundos da TV a cabo/via satélite. A última tem competido efetivamente no mercado nacional de audiências e publicidade. Em menos de uma década, o cenário de organização da mídia mudou de um mercado fechado, com poucas grandes companhias, operando de um modo limitado, sob o rígido controle do estado (setor de televisão com sinal terrestre), ou sem competição (setor de telecomunicação), para uma estrutura do sistema de mídia relativamente aberta, internacionalizada e competitiva. Companhias globais e locais estabeleceram muitos arranjos para coprodução e participação conjunta em organizações de cabo e satélite. Por meio de um processo de diversificação horizontal, a Rede Globo criou uma complexa estratégia de ação em três mercados diferentes (TV de massa, TV a cabo/via satélite e telecomunicações). A Editora Abril tornou-se um conglomerado nos anos recentes. Ao lado da Globo, outros canais de televisão estão se tornando mais expressivos em termos de audiência e mercado da propaganda (Bandeirantes, Record e SBT). O jornal A Folha de S. Paulo, líder no país, diversificou seus negócios em telecomunicações e outras indústrias (Waisbord, 2000:59). Essa reestruturação institucional

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obrigou as companhias a estabelecer alianças flexíveis, almejando alcançar mercados nacionais e internacionais (Bolafio, 1999:28).' Seria um erro assumir que essa dinâmica representa urna mudança radical em relação ao passado. De certa maneira, tem havido um aprofundamento das tendências já existentes. Os atores do mercado tradicional assumiram um posição dianteira na rápida expansão do mercado de TV a cabo/via satélite. Por exemplo, a Rede Globo controla mais de 50% dos negócios envolvendo TV a cabo/satélite. A TV a cabo/ via satélite e a TV de sinal terrestre se intersectam mutuamente, no contexto globalizado, produzindo um duplo movimento em direção à segmentação e massificação. Devido ainda ás altas taxas de analfabetismo ou semi-analfabetismo da população, a televisão permanece como fonte principal de informação. De um lado, poucas pessoas têm acesso ao material midiático mais sofisticado e diversificado oferecido pela TV a cabo/ via satélite, que favorece audiências corri rendimento econômico médio e alto, sendo tal poder aquisitivo o mais valorizado pelos publicitários. Por outro lado, a maior parte da população, que tem acesso somente á TV de sinal terrestre, torna-se mais exposta a programas estandardizados, os quais conferem pouca atenção às necessidades de grupos sociais particulares ou a áreas geográficas particulares. Além disso, o clero evangélico aumentou significativamente a adoração devota nos canais de televisão e estações de rádio (Fonseca, 1998:6 1). Não se pode desconhecer, contudo, o boom de estações de "rádios comunitárias na segunda metade dos anos 90. Os números são controversos: algumas estatísticas apontam de 5.500 a 7.000 estações no país, enquanto outras calculam 10.000 estações (Peruzzo, 2000:2). Essas estações de rádio têm servido a vários interesses: comunitários, religiosos e serviços comerciais; ação coletiva relacionada a grupos minoritários e movimentos sociais; grupos almejando simplesmente difundir programas alternativos, entre outros. Rússia: transição do que para o quê? 9 Ou uma trajetória russa para a modernidade? Na Rússia, duas transfonTiações sociais principais em direção ao fim do século 20 se entrelaçam - a queda da União Soviética e a explosão das comunicações globais - criando uma condição combinada de "póscomunimo" e de mundo "globalizado". A Rússia serve certamente como um imenso laboratório natural para estudos de niídia sociais e culturais num sentido mais amplo. No período que compreende a transição comunista, a cena niediática na Rússia foi caracterizada por todos os tipos de lutas: entre mídia e entre mídia e poderes políticos e econômicos, em que os dois últimos foram freqüentemente inseparáveis. Para alguns autores, a mídia se configura como a agência mais central, encampando os conflitos dentre e entre os grupos de magnatas, oligarcas e pessoas ligadas à administração do Kremlin.

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Falando de mídia na Europa Oriental, pós-comunista, Colin Sparks conclui que a situação não é única; ao invés disso, "realça o fato de que na maior parte do mundo, há uma relação íntima, e freqüentemente de interpenetração, entre capital e política. (..) Aqueles que administram a política e aqueles que administram a mídia não são inimigos naturais, nem são eles, obviamente, as mesmas pessoas. Pelo contrário, normalmente são componentes diferentes da mesma classe governante (..) eles compartilham o mesmo universo de dominação elitista" (Sparks, 2000:47). A isso pode ser somado que, no caso da Rússia, as elites políticas e aquelas que gerenciam a mídia têm sido, em anos recentes, as mesmas pessoas, como discutiremos abaixo (Hallin, 2000). O sociólogo Gõran Therborn propõe, em uma conceituação ideal-tipo das "quatro rotas para/através da modernidade", que as experiências russas e latino-americanas são fundamentalmente diferentes, refletindo duas rotas distintas de transformação histórica. A Rússia pertence ao "portão europeu de revolução ou reforma, quer dizer, de mudança endógena" (1995:131 todos os itálicos em original). A Europa também era um lugar onde a resistência à modernidade foi gerada, foi "o local de nascimento não só do liberalismo e do socialismo, mas também do(..) fascismo" (Therborn, 1995:132). Igualmente, o socialismo soviético foi visto tanto como um projeto de modernização quanto como uma revolta contra a modernidade (Pietilãinen, 2002). Therborn diz que, "como parte dos Novos Mundos das Américas, a América Latina representa a segunda rota, através da independência (..) Neste caso, a tradição era 26 basicamente externa, os impérios europeus que foram lançados literalmente no oceano. (..) a ordem sociopolítica mais aberta conduziu a configurações mais complexas da política que a coligação política européia, de reforma contra resistência". Outros chegaram à conclusão de que há muitas características de modernidade que são mais ou menos idênticas em uma comparação feita entre a América Latina e a Rússia. Isto insinua uma convergência histórica na qual as diferentes trajetórias, cedo ou tarde, caminham juntas. Tal percepção é derivada do paradigma de modernização determinista, segundo o qual a modernidade significa uma e a mesma coisa, pelo menos nestas regiões mundiais particulares. Larrain lista as seguintes características da "modernidade latino-americana": (1) clientelismo ou personalismo cultural e político; (2) tradicionalismo ideológico, no qual grupos da elite aceitaram e promoveram mudanças necessárias para o desenvolvimento na esfera econômica, mas rejeitaram mudanças requeridas para tal processo em outras esferas; (3) autoritarismo; (4) racismo disfarçado; (5) falta de autonomia e desenvolvimento da sociedade civil; (6) despolitização relativa da sociedade (uma característica relativamente recente durante as ditaduras militares), e (7) reavaliação da democracia política e interesse renovado nos direitos humanos pelos intelectuais e pela maioria da população." Muitas das imbricações

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anteriores foram documentadas acima, em nossa revisão da história da mídia brasileira. Conforme alguns autores russos, Pietilâinen (2002) por exemplo, a maioria desses traços também caracterizam a modernidade russa. Mas quais são as diferenças existentes e como elas podem ser entendidas junto às experiências históricas respectivas: da Rússia, com seu passado imperial e revolucionário e do Brasil corri seu processo histórico de descolonização? E quanto à especificidade pós-comunista? As contradições da cultura midiática Ocidental na modernidade tardia também reverberam no pós-comunismo. Beverly Jarnes interpreta isso como urna característica específica da cultura pós-comunista, como fica evidente na seguinte citação: Do ponto de vista de certos marcadores fundamentais como o desenvolvimento industrial, seções da Europa Oriental Central podem ser caracterizadas com precisão como modernas. Afinal de contas, a principal crença do planejamento central comunista era essencialmente modernista em sua busca pela libertação da escassez através da aplicação de recursos científicos e tecnológicos e em sua adoração da idéia de progresso (Harvey, 1989:12). Mas (.) o comunismo foi enxertado sobre sociedades onde componentes centrais de modos modernistas de pensamento (.) eram e são opostos, devido a padrões de pensamento conservado,; como tendências para superstição, utopia e dogmatismo (James, 1997:21). A história mais moderna do sistema atual de mídia evidencia diversas contradições entre tendências autoritárias e democráticas do século 20» Porém, a situação presente deve ser relacionada com a transfonnação contínua da ,nodernidade e como ela, por sua vez, se relaciona ao processo de modernização global. Para discutir mídia e comunicações na Rússia contemporânea é necessário, aqui, especificar três relações principais entre comunicação global e ,nodernidade no contexto histórico da Rússia. Primeiro, o comunismo também foi um movimento modernista no final do século 19, celebrando a era do nascimento da máquina e, com o passar do tempo, sua liderança de partido também adotou o Taylorismo e o Fordismo corno princípios dirigentes da organização industrial. Na comemoração de 150 anos do Manifesto Comunista, muitos comentaristas caracterizaram o Manifesto como a primeira expressão literária do pensamento modernista, com sua linhas utópicas e futuristas, além da ênfase dada ao potencial revolucionário das comunicações modernas e mundiais. Este universo intelectual ecoou na famosa frase de Lincoln Steffens, depois de uma visita à Rússia no início dos anos 1920: "Eu estive no futuro e ele funciona". A queda daquele futuro não reduz a relevância de teorias sobre a modernidade para as análises de transição pós-comunista tal como ela se relaciona com as comunicações globais. CONTRACAMPO

Segundo, e muito relacionado ao primeiro ponto, há o discurso histórico mais amplo sobre impérios, tempo-espaços e comunicações. Nenhuma análise de transformações geopolíticas depois de 1989 pode omitir a relação dialética existente entre as instituições políticas e as construções culturais, respeitando-se as dimensões espaciais e temporais de cada região, numa maior ou menor escala.` Terceiro, comunicações globais encontram-se entrelaçadas com respostas culturais locais ou com formas de adaptação. Por exemplo, Lauristin (1998) e outros documentaram versões do pós-comunismo locais e nacionais (algumas vezes nacionalistas), os quais emanaram de contextos próprios. Ademais, temos que assumir, através de diversos conhecimentos consagrados, a diversidade de alternativas existentes." Assim, é preciso estar atento não só a contextos nacionais diferentes, mas, também, a culturas urbanas diferentes dentro de um mesmo país. Na Rússia, as cidades de Moscou e St. Petersburg são tomadas para representar, respectivamente, a modernização "de cima e a de baixo" (Berman 1982; cap. "St. Petersburg: O Modernismo do Subdesenvolvimento").

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O Global: uma nova modernidade? A mídia encontra-se envolvida em várias concepções do global. Em primeiro lugar, os sistemas de mídia modernos operam, por causa de tecnologias de satélite atuais, em mercados globais ou macrorregionais. Na Rússia, a globalização tem sido vista, com freqüência, como processo de expansão geográfica das telecomunicações, com saltos quantitativos nos anos oitenta e noventa, como simbolizada pela World Wide Web. Nesse sentido, os anos oitenta foram também uma década de inovação para a televisão, como em todo mundo. O número total de horas de TV assistidas no mundo quase triplicou de 1979 a 1991 e o mercado europeu de comerciais de TV dobrou, entre 1980 e 1987 (Herman & McChesney,1997:39). Na Rússia a despesaper capita com propaganda aumentou de 0.20 USD em 1990 a 3.70 USD em 1995 e analistas da mídia comercial sofreram outros 319% (!) de aumento por dez anos, desde 1992 (Pankin, 1998: 28-30). Em segundo lugar, estudos numa perspectiva macrossociológica, concebendo globalização num concreto tempo-espaço histórico mundial, buscam estabelecer as relações entre a globalização da mídia e o colapso do comunismo soviético (Sparks, 1997, 2000). É óbvio, até o momento, que a Rússia e o resto do antigo bloco soviético (e também a China) construíram um mercado real e potencial para os conglomerados de mídia transnacional. Porém, não é possível estabelecer, de modo simplório, relações causais entre esses processos, menos ainda correlações num nível geral. É verdade que vastas regiões novas se abriram repentinamente para a exploração capitalista mundial - depois de estarem fechadas durante setenta anos. "Para anunciantes

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e os investidores ocidentais, toda a região era um novo e emergente mercado que se abriu num período em que a recessão se espalhou pela Europa e pelos Estados Unidos. Tudo isso poderia explicar por que a mídia atraiu dinheiro dos consumidores, investidores e anunciantes para se tornar uma das indústrias mais lucrativas em toda Europa Oriental e Central" (Pankin, 1998:29). É igualmente verdade que o fim do regime soviético foi precipitado pela chegada, nestes regiões, de radiodifusões especialmente originados em metrópoles Ocidentais, processo acelerado durante o período daPerestroika e da Glasnost) 4 A mídia ocidental exerceu um tremendo impacto no curso de eventos na Europa oriental, na Rússia e nos países Bálticos e, ainda, na percepção desses desenvolvimentos em tais regiões. Não obstante, é dificil dizer, com precisão, qual tem sido o papel que a mídia global desempenha durante as sucessivas fases das "transições". Diretamente, houve diversas adaptações (ou resistências) do sistema de mídia nacional à nova ordem midiática mundial) 5 Quanto aos efeitos indiretos da difusão de mídia global no então império soviético, eles (quaisquer que forem) podem ser inferidos, ao menos parcialmente, também da canalização dos fluxos de imagens do ocidente para os sistemas nacionais de mídia. Não cabe desenvolver aqui uma discussão detalhada do modo pelo qual a globalização se relaciona aos eventos de 1989 e ao período posterior, mas as palavras de John B.Thompson servem para ilustrar essa questão: Parece improvável que os motins revolucionários de 1989 aconteceriam tal como acontecera,n - com a impressionante velocidade e com resultados semelhantes em diferentes países - se não tivessem recebido uma ampla e contínua cobertura de mídia. Não só a televisão proporcionou aos indivíduos na Europa Oriental um fluxo de imagens do Oeste, retratando as condições de vida, as quais contrastavam nitidamente com as suas próprias, mas, também, ofereceu aos europeus orientais uma explicação virtualmente instantânea do que estava acontecendo nos países vizinhos (.) Conseqüentemente, as ações e reações que foram estimuladas pela mídia podem ser unidas intimamente no tempo enquanto permanecem separadas no espaço, incluindo uma cadeia de eventos que pode transcender os limites de determinados Estados-nação e ficar rapidamente, sem controle. (Thompson, 1995:115-117).

Nesta conjuntura histórica particular, pode ser que a chamada "ação à distância" (Giddens, 1991) seja, de fato, politicamente mais efetiva que a ação em proximidade. Na maioria dos países da Europa Oriental não foi a televisão nacional que inspirou a ação (por razões óbvias), mas, sim, as radiodifusões estrangeiras. Este foi o caso, por exemplo, em Praga (Johnson, 1995). Contudo, não se pode exagerar o contexto global no plano econômico, político, cultural e midiático, seja numa perspectiva histórica a longo prazo CONTRACAMPO

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ou a curto prazo. Como mencionamos anteriormente, o papel que a mídia exerce nas transformações não pode ser entendido como uma negação dos processos históricos existentes por trás dessas ações mais dramáticas e "de interesse jornalístico". Ao invés disso, o desafio mais premente é descobrir o modo pelo qual tais processos estão interrelacionados. Nesse contexto, as formas de enquadramento internacional dos eventos da transição na Rússia são de fundamental importância. Em primeiro lugar, e seja talvez este o aspecto mais óbvio, a mídia ao redor do mundo moldou os eventos e os processos que nós (no Ocidente) agora rotulamos como "transição pós-comunista" (Downing, 1996:189). A expressão é ela mesma carregada de pressuposições, metáforas espaço-temporais e outros. O termo "pós-" dá a entender que certas condições foram substituídas por outras condições (como pós-modernidade, ou pós-colonialismo, deixando para trás o significado de modernidade e de colonialismo). O que era antigamente "comunista" é agora qualquer outra coisa. Ao mesmo tempo "transição" (ou, no caso, "transformação") sugere que a troca qualitativa alegada realmente não aconteceu, mas está a caminho. O termo pressupõe dois estados definidos e algum tipo de viagem de um para o outro. "Comunismo" e "capitalismo" não são entidades muito claramente definidas, nem mesmo polarizações políticas ruidosas que servem para obscurecer outras diferenças históricas, para não falar de semelhanças, entre os dois super poderes acima citados. De um lado, havia o comunismo, o 30 socialismo, as economias planejadas, ou as ditaduras subsumidas pelo rótulo "oriental". De outro lado, tivemos, ou temos (não está claro se o "primeiro" mundo está ainda presente) o capitalismo, o mercado livre, ou o mundo das democracias. Esta grande e ofuscante dicotomia ainda opera com bastante freqüência em narrativas dominantes de notícias, mais do que em outros gêneros jornalísticos e literários. A questão, aqui, é assinalar que a mídia mundial, não importa se operando num nível global ou nacional, proporciona definições públicas e interpretações sobre a série de eventos e processos, caracterizados genericamente de "transição". Em geral, os mídia produziram uma imagem da Rússia como um país que se desloca em linha reta de um ponto a outro, o primeiro ponto etiquetado como "ditadura comunista" e o outro como "mercado livre" e "democracia". Desnecessário dizer que essas construções de realidade são largamente produzidas a partir dos pontos de vantagem de observadores ocidentais e ideólogos. Porém, isso não implica que não haja uma gama de perspectivas e narrativas que circulem na periferia da mídia, fora de sua produção principal. A mídia mundial produziu, mais ou menos em concerto, uma imagem estereotipada desta grande transformação social, política e cultural. Não sabemos de que maneira esta imagem global afetou processos e eventos dentro do mundo pós-soviético, ou a construção midiática nacional e local

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de realidades e das auto-identidades dos sujeitos. O que sabemos é aquela mídia russa foi drasticamente "modernizada" nos muitos sentidos dessa palavra. Isto significa competição, fias, também, concentração de poder dentro da estrutura da mídia. Além disso, significa novas formas de controle governamental da mídia nacional e regional, em veículos de televisão ejornal impresso.

O nacional: em direção a uma modernidade "póspolítica"? O que podemos dizer sobre as contradições entre modernização geral e a forma russa contemporânea de modernidade no campo da mídia e das comunicações? No momento, um número pequeno de oligarquias, bancos e companhias de petróleo parecem controlar os principais jornais e canais de TV, freqüentemente através de investimentos financeiros ou de ações compartilhadas estratégicas. Nós nos restringiremos a alguns exemplos reveladores. Ao longo dos anos noventa existiram tentativas mais ou menos bem sucedidas de ganhar o controle de mídias independentes ou de oposição. Como resultado, a MOST Mídia (Banco MOST e Viadimir Gusinskij, associadas ao Sr. Tjubajs) controla o canal NTV, a partir de 1997 também o NTVPIus, o canal via satélite, a rádio Echo de Moscou e o importante jornal Sevodnja. Bons Berezovskij, secretário anterior no conselho de segurança do presidente Yeltsin, deténi uma parte estratégica de ações da ORT e também controla jornais como Ozanjuk e Nezavisimoja. Izves(ija, e seu Russkij Te/egraf, pertencem a Lukoil, a maior companhia de petróleo e um banco principal em Moscou. A segunda companhia de petróleo, Yukas, possui diversas ações no conglomerado das Mídias Independentes (o Moscou Times, Playboy russa e Cosrnopolitaii). O jornal popular Komsomo/skaya Pra vda (com uma tiragem acima da casa dos milhões), tradicionalmente portador de unia voz relativamente independente, resistiu a várias tentativas de compra, o que foi feito, por exemplo, pelo monopólio de gás Gazprom (onde o Sr. Tjernomyrdin fez sua fortuna), que já era um dos principais donos daNTV Outra tentativa de aquisição foi feita pelo Unexim Bank, dirigido por Vladimir Potanin, que ocupou o cargo de vice-primeiro-ministro durante algum tempo (McNair, 1996; Pankin, 1998). No que diz respeito à imprensa, há diferenças em todos os níveis. Os partidos comunistas ainda publicam jornais, mas agora eles têm que competir nuni amplo e fragmentado mercado - processo iniciado na Rússia por voltados anos 1990. O resultado global, visto à luz desses desenvolvimentos, revela que o novo sistema é realmente uma combinação dos lados mais negativos do comunismo soviético e do capitalismo ocidental: autoritarismo político e comercialismo bruto. Essa situação nos remete à recente caracterização feita por Alexei Paiikin em ternos de dois modelos: "mídia para o lucro econômico"

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e "mídia para o lucro político". O sistema, na Rússia, encontra-se submetida "ao suborno, ao patronato e à intimidação, que são ainda muito comuns. O pagamento em dinheiro vivo, a promessa de conceder empregos para parentes, o fazer vistas grossas para o crescimento dos monopólios e a pressão financeira, ou outros tipos de pressão exercidas sobre os veículos concorrentes, são todos negociados por aqueles que estão no poder para que haja cobertura positiva nos meios de comunicação de massa" (Nivat, citado emPankin, 1998:30). Este novo sistema de mídia foi testado em algumas eleições, resultando na reeleição do titular, apesar de este gozar de baixo índice de popularidade, conforme pesquisas de opinião veiculadas nas semanas que precederam as eleições. No momento anterior às eleições parlamentar e presidencial em 2000, a luta entre o atual establishment do Kremlin e a mídia de oposição se intensificaram. Putin venceu as eleições no primeiro turno com a ajuda do planejamento avançado do PR. 16 O antigo FSB oficial (sucessor da KGB), uma figura verdadeiramente apolítica, prometendo restabelecer a grandeza anterior da Rússia, obteve êxito em sua autopromoção como um expoente de estabilidade, dentro dos parâmetros da lei e da ordem. Este é a fase em que o país está a ponto de ingressar, conforme a ampla avaliação histórica, realizada por Zassoursky (2000), dos vários estágios das estruturas da política e da mídia, através do século 20, na Rússia. Os primeiros-anos da década de 90 são caracterizados por uma mídia independente, que opera como um "quarto 32 poder" (199 1-1995). A partir daí, segue-se um período em que o sistema de mídia torna-se altamente politizado, que opera, nos termos de Zassoursky, em uma sociedade "transformada em espetáculo" (1996-2000). Tal processo promoveu uma fragmentação no "sistema político da mídia", que passa a funcionar em um ambiente comercial, como já discutido. Desde 2000, há, conforme Zassoursky, o aparecimento da "Grande Rússia", um sistema no qual a mídia é largamente controlada pelo Estado, mas que opera, ainda, com estruturas comerciais. O desenvolvimento de uma ideologia nacional favorece um Estado forte e o capitalismo. O poder simbólico permanece intensamente concentrado no Estado e a mídia de oposição sofre pesadas pressões, sobrecarregadas, freqüentemente, por exemplo, com pesadas políticas tributárias.

Considerações finais A pesquisa comparativa, ao lidar com diferentes sociedades de transição e ao problematizar tanto a similaridade quanto a diferença, a continuidade e a mudança, sempre traz à tona um amplo leque de questões. A partir da combinação das perspectivas sincrônica e diacrônica que buscamos desenvolver, as tendências globalizantes e a modernização dos sistemas da mídia devem ser entendidas em termos de projetos nacionais peculiares e seus

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concomitantes conflitos sociais e políticos. As tecnologias mediáticas têm um papel central no processo de transforniação social, mas elas são freqüentemente enquadradas e institucionalizadas - e, algumas vezes, impelidas por interesses hegemônicos nacionais. O que pode ser apreendido desses esboços gerais em termos do desenvolvimento histórico recente no Brasil e na Rússia, sob o enfoque da relação entre a mídia e a sociedade? Que similaridades possuem? Podem tais traços ser entendidos em tern-ios de um modelo geral "pós-autoritário", de transição e de democratização? Quais as diferenças existentes e como elas podem ser explicadas? Como podemos entender o papel da mídia a partir das estruturas de poder herdadas, ou igualmente reformadas ou obliteradas nesses países? Uma primeira lição a ser extraída de semelhanças óbvias é que, contrariando a teoria liberal corrente, a democracia parlamentarista, um sistema multipartidário e de mercado, uma mídia supostamente plural e moderna não são condições suficientes para estabelecer uma comunicação democrática e impulsionar, na sociedade, o desenvolvimento de esferas públicas, com espaços públicos midiáticos democráticos e não-excludentes. Tampouco tais condições são suficientes para incluir uma nação no amplo sistema de comunicação global, mesmo quando seus efeitos "modernizadores" são plenamente visíveis. Urna segunda lição é que experiências coletivas e esforços sociais em um passado recente (constitutivos de um tipo específico de modernidade) são fenômenos que carregam em si testemunhos de tensões estruturais, tensões essas também reproduzidas na niídia. O surgimento de várias mídias alternativas faz parte desse quadro de desenvolvimentos recentes - tanto no Brasil quanto na Rússia - e clama por uma comparação que vai muito além do escopo do presente relato. Ao se comparar Brasil e Rússia através de uma visão panorâmica, podem ser notadas algumas similaridades gerais bastante óbvias. Estamos lidando com dois dos maiores países do mundo, com imensas diferenças regionais e conflitos em parte relacionados ao sistema de classe e às relações étnicas na sociedade. Contudo, em ambas as federações, há integração lingüística por todo o território: na Rússia devido à política leninista concernente à língua e no Brasil devido à colonização portuguesa. Isso contribui para a construção de uma imprensa nacional elitista em ambos os países, na União Soviética estritamente controlada pelo PC, no Brasil basicamente burguesa, simpática ao governo autoritário durante o regime militar, embora não aceitando censura externa. Ambos os países também estiveram relativamente isolados culturalmente, em ternios de direção política e influência cultural global, durante a maior parte do século XX - assim como outro país vasto e lingüisticamente homogêneo: os EUA. Todavia, tanto a Rússia quanto o Brasil têm sofrido impactos externos de diferentes tipos: na Rússia, majoritariamente, de ordem político/ideológico (União Soviética e suas periferias), no Brasil,

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principalmente, de ordem cultural - como um subimperialismo da mídia, o qual se expandiu em todas as regiões de língua portuguesa, tal qual a rede de TV mexicana "Televisa" nos países de língua espanhola. Além disso, processos de oposição e protestos se desenvolveram dentro da cultura popular (particularmente na música) e na religião, em ambos os países, nos períodos de autoritarismo. Na Rússia, o rock e cantores populares em geral tornaram-se importantes, já mesmo nas décadas de 60 e 70 e tal situação permitiu o surgimento posterior de alguns artistas (e poetas) que se tomaram extremamente famosos (Vladimir Vysotski, para mencionar apenas um nome). No Brasil, músicas e textos oposicionistas foram encontrados no samba, mobilizando amplos segmentos da população nas mesmas décadas do exemplo russo. A igreja foi oprimida e marginalizada durante os anos soviéticos, mas deu origem a grupos dissidentes e transformou-se, posteriormente, na principal força de oposição - como na Polônia, por exemplo. No Brasil, o maior país católico, a igreja figurava como aliada do Estado, mas, em direção ao fim do período militar, tornou-se uma entidade organizadora dos movimentos de base de oposição. Em 1984 e 1991, respectivamente, sistemas multipartidários e eleições parlamentares sucederam os antigos regimes antidemocráticos. Em ambos os casos, é possível alegar que o sistema ruiu não só por fraqueza interna, mas, também, pela incapacidade de lidar com problemas internos e externos - de diversos tipos, devemos ressaltar. Ambos os países têm experimentado 34 imensos problemas econômicos e desvalorização da moeda em anos recentes. Em ambos os países muitas das características do período de pré-transição ainda permanecem. Nota-se, por exemplo, no eixo vertical - entre elites e grupos subalternos dependentes' - um sistema clientelista, no Brasil, e sua contrapartida horizontal - dentro da elite, em diferentes níveis - ambos semelhantes aos que há, na Rússia. Muitos dos mentores de ontem têm achado ou criado novos papéis no novo sistema - como líderes de partido ou de empreendimentos comerciais. Onde a mídia, entendida como sistema, se encaixa, antes e depois da transição para a democracia? Os meios de comunicação desempenharam papéis distintos no velho sistema e, em caso afirmativo, quais seriam as transformações? A grande mídia (pertencente a corporações) ocupava a posição central anteriormente, durante e após os eventos que levaram à democratização, em ambos os países. Eles instigaram reformas radicais ou mobilizaram opiniões para suplantar o velho sistema? Certamente que não. A mídia dominante nunca esteve organizando forças nesse processo social e político. Pelo contrário, a Rede Globo, no Brasil, esteve sistematicamente ligada a um "governo paralelo" (Waisbord, 2000:59) e, na Rússia, as principais agências de notícia e redes de televisão ficaram apenas temporária e relativamente independentes do Estado (Rantanen, 2000). Em ambos os países,

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as principais empresas de comunicação se organizaram para permanecer próximas aos regimes autoritários com vistas a obter vantagens ou beneficiarem-se das oportunidades de negócios lucrativos que então emergiam - isso dizendo respeito, especialmente, aos poucos proprietários da mídia, na Rússia de 1991. Por esse motivo, as organizações da mídia contribuíram para a substituição de uma ditadura política por aquilo que talvez possa ser entendido como uma ditadura de mercado. No caso brasileiro, após tal recapitulação do esboço histórico, conclui-se que a experiência de uma democracia liberal não tem resultado na democratização da mídia. A saída dos militares do centro do poder, ou o cancelamento de sua capacidade de veto, não veio significar que os vários atores políticos passassem a coordenar, automaticamente, suas ações de maneira livre e democrática. Novas normas precisaram ser negociadas, e as práticas democráticas exigiram um longo período de reconstrução institucional. Diante das novas demandas de modernização - nos campos político, administrativo e econômico - a elite política brasileira incorporou o tradicional ismo associado à racionalização de recursos e ao desenvolvimento de tecnologia e promoveu um tipo de modernização, conforme a seus próprios horizontes, resultando em práticas elitistas, conservadoras e excludentes. O passo lento e o escopo restrito da reforma da legislação das indústrias de radiodifusão, por exemplo, demonstraram a dificuldade de destruir o padrão das práticas herdadas da antiga estrutura e de romper com a concentração de propriedade das empresas de mídia. No caso da Rússia, uma conclusão é que o avanço de uma ideologia nacionalista favorece um forte capitalismo de Estado. A mídia estatal e oposicionista desempenha um forte papel simbólico, sendo que as vozes excluídas, ou aquelas ditas 'alienadas', para utilizar termos tradicionais, encontram-se sob forte pressão. Diferenças importantes podem ser discernidas - as quais existem de fato, apesar das similaridades gerais. Elas dizem respeito ao papel da mídia nessas novas democracias formais. Tanto o recorte mais amplo da história quanto o mais a restrito revelam tais diferenças. O caminho sul-americano em direção à modernidade foi caracterizado por Therborn (acima) basicamente como uma experiência de descolonização, da mesma forma que a norte-americana. Mas deve-se também levar em conta que o Brasil deixou de ser colônia há quase 200 anos e, nos últimos 50 anos, tem vivido uma "re-colonização" cultural por parte dos EUA. De tal sorte, a presença desse passado pode ser mais significante para diferentes grupos na sociedade brasileira do que a experiência da descolonização. Isso pode explicar por que o Brasil tem vivido um longo período de maior complexidade em relação ao intercâmbio cultural e de informações com o resto do mundo do que a Rússia. O antigo império russo/soviético esteve mais exposto a uma súbita e agressiva intervenção global (ocidental) (Lockwood, 2000), o que

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impediu que a transição para a desmilitarização e para a democracia se desse de maneira relativamente calma, ou gradual, como ocorreu no caso brasileiro. A transição na Rússia implicou também em um tipo de "derrocada" social e econômica, amplamente vivenciada pela população. Tal cenário "complexifica" a costumeira distinção entre modernização e modernidade. A sofisticação tecnológica e outros avanços materiais podem ocorrer paralelamente à deterioração política e social. A recente modernidade soviética não deve ser romantizada, uma vez que milhões de pessoas, hoje em dia, em todas as antigas repúblicas soviéticas, se ressentem pela falta do pleno emprego, de habitação, de assistência à saúde, de planos de proteção à criança, etc. Essa experiência recobre a "democracia" com tons sombrios, e é percebida, muitas vezes, como uma conversa fútil e balbuciante entre políticos e intelectuais (Jagudina, 2000). Desde a década de 70 existem confrontos pela democracia no Brasil. A mídia ocasionalmente tem servido tanto como força política e social em defesa própria quanto mediadora entre interesses políticos e econômicos. Os conflitos latino-americanos, dentre e entre elites, têm engendrado um jornalismo relativamente crítico. A despeito de o comportamento político das elites perseguir estratégias antidemocráticas dentro das novas configurações democráticas, os movimentos cívicos cresceram energicamente nas últimas duas décadas, colocando exigências para que o sistema político aprofunde a democratização das tomadas de decisão, a fim de se ampliarem as 36 oportunidades de inclusão econômica e social. Tal dinâmica associativa, organizada de maneira independente do Estado, tem criado novas tensões para aperfeiçoar a representação política, aumentar a accountability das elites governantes e democratizar o estado. Mais recentemente, no Brasil, podem ser citadas as experiências democratizantes do orçamento participativo (Porto Alegre e Belo Horizonte), os conselhos e fóruns temáticos da sociedade civil, os quais visam promover inovações institucionais, através da partilha do poder de decisão. Na Rússia, a Perestroika foi conduzida de cima, em Moscou - não floresceu em protestos e movimentos populares. Além disso, não há memória coletiva de um passado democrático. Uma nova cultura pública monolítica está se desenvolvendo nos últimos dois anos e a mídia de oposição tem encontrado todo tipo de problemas. A sociedade civil, por razões históricas, é bastante débil, e as forças democráticas são quase invisíveis. Individualização, privatização e despolitização pelo alto parecem ser as principais tendências em curso. Por trás disso, há um conflito profundo e historicamente enraizado entre as elites políticas e os militares, entre os "oci dental izadores" e aqueles que se opõem a essa política moderna, os "slavists". Esse conflito parece ser o principal "esquecimento" ("non-issue") da despolitizada mídia dominante na Rússia de hoje. A crítica social, política e cultural, porém, acha Outros

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meios de emergir. Urna oposição de esquerda está crescendo de maneira lenta, incluindo sindicatos alternativos e vários grupos de intelectuais progressistas - tratados, não surpreendentemente, corno "terroristas", pela mídia dominante (Clément, 2003). Na mesma linha de velhas tradições russas, há também o surgimento de novos escritores literários, alguns deles ironicamente críticos, disponibilizando boa parte de sua produção na internet, tal como um moderno sucessor das publicações sa,nizdat. Contudo, tais discursos conflituosos em transição seriam matéria de investigação para outro projeto. Focalizamos algumas das complexidades da transição democrática em sociedades históricas concretas e o papel axial da mídia (nacional/local) e das comunicações (globais), diante das tensões entre o passado e o presente e da dialética tecnologia/sociedade. Buscamos destacar o papel crucial que a sociedade civil e os movimentos sociais desempenham no processo de democratização, ao contestarem o Estado, as elites políticas e o capital (trans) nacional. Tais lutas configuram-se, ao mesmo tempo, como enfrentamento às políticas excludentes das elites nacionais e globais, contra mitos históricos, bem como contra construções homogeneizantes da realidade na mídia contemporânea. Na medida em que urna modernização geral é induzida pela globalização (na acepção de Giddens), que tipo de modernidade (enquanto experiências e respostas coletivas) ter-se-á como decorrência? Podem seivislumbradas, nesse sentido, crescentes tensões políticas e sociais entre as elites políticas e econômicas e a mídia, em larga escala, por um lado, e, por outro, estratos e grupos marginalizados ou excluídos, e a organização de mídias alternativas. Os processos de transição democrática - de mobilização social, de construção de espaços públicos vigorosos e de inovação institucional - encontram-se articulados, através de diversas dimensões, corri a atuação dos meios de comunicação. As experiências russa e brasileira, assim apreendidas, configuram-se como uma busca tanto do universal quanto do particular, ou, nas palavras de Therborn: A história social moderna não pode ser encapsulada na fór,nula 'Ocidente e o resto Novos meios e novas formas de comunicação global, com padrões peculiares de interdependência global, evocam a necessidade de uma atenção analítica que corresponda a tais especificidades. No entanto, existe outro desafio geral, posto aos estudos comparativos, que é o de produzir unia concepção 'desocidentalizada', descentralizada, do global, para que se compreenda a diversidade do mundo moderno. Dar conta da diversidade significa, também, simplificá-la, ser capaz de encontrar algo entre

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as intermináveis ondulações do mar e de uma estrada asfaltada. (Therborn, 1995.137)

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