Modernização crítica, crítica social e a naturalização na urbanização contemporânea. 1

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Modernização crítica, crítica social e a naturalização na urbanização contemporânea.1 Anselmo Alfredo2 Trabalho, desenvolvimento das forças produtivas e crise da reprodução A modernização funda-se na formação do trabalho, tanto em sua acumulação primitiva, como em sua formação crítica sob as determinações da terceira revolução industrial fundada na generalização da microeletrônica em sua absoluta dispensa de trabalho perante o processo produtivo e cuja expressão histórica alguns autores chamaram, a partir de Marx, de “colapso” do capital (Henryk Grossman, Ernest Mandel, Robert Kurz...). Lembremos que Marx reconheceria a realização do capital em seu conceito, na medida em que coincidissem realização e desenvolvimento das forças produtivas como condição e resultado da reprodução social capital. Assim, o “capital em seu conceito”, como considerou nos Grundrisse, coincidiria com a forma social capitalista na qual a produção de mais valia não seria o objetivo da reprodução social, dada a mais valia relativa que atingiria tal desenvolvimento das forças produtivas de modo que a exploração do trabalho não mais seria capaz de produzi-la. Deste ponto de vista, desenvolver as forças produtivas para desenvolver as forças produtivas constituir-se-ia o sentido conceitual historicamente realizado da forma social capital que Marx, então, consideraria como a “grande indústria”. Entretanto, a modernização se fundaria sob as contradições tanto históricas quanto lógicas da relação capital trabalho. Assim, localiza-se, do ponto de vista histórico, como formação do trabalho, contudo, determinado pela lógica imanente do aumento das forças produtivas sociais e gerais do capital, mas cujo resultado seria a crise da produção do valor. Marx, em vários escritos tanto dos Grundrisse, como os do Capital, chama a atenção a respeito da redução do tempo de rotação do capital, cuja soma entre tempo de produção e tempo de circulação do capital teria como resultado o negativo, isto é, a redução do tempo social de trabalho e, cada vez mais, a formação do trabalho se daria seguindo os preceitos de maior capacidade de produção desde que isto coincidisse com a redução do trabalho necessário social para tal. O aumento das forças produtivas, 1

Texto apresentado na Semana de Geografia da Universidade Sumaré, sob o título Modernização, crítica social e a naturalização na urbanização contemporânea, em 14.10.2016. 2 Professor Doutor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo.

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na crítica de Marx, levaria, entretanto, à ruptura nas relações sociais de produção. Sob as determinações lógicas do capital (contradição capital trabalho) a ruptura se daria na passagem das determinações da produção de mais valia, para as do consumo como forma de reprodução social (Marx, Lefebvre...). Num primeiro momento, recorramos ao problema da produção capitalista, pois na não produção de mais valia, produzir mercadorias torna-se o nonsense em segundo grau, isto é, produzir por produzir, contudo, sem ter como resultado a valorização do valor. A resultante lógica disto, como sabemos, é o excedente de capital, na medida em que haveria mais capital a ser investido na relação capital trabalho do que pode esse mesmo capital explorar devido, justamente, ao seu desenvolvimento das forças produtivas no qual a dispensa de trabalho passaria a ser determinante, em relação a sua incorporação no processo produtivo. Ao mesmo tempo, a produção de mercadorias manter-se-ia, a partir da crítica de Marx, como a questão em aberto, não resolvida, do ponto de vista da produção de valor, já que tal produção estaria negada no invólucro do capital da grande indústria. A passagem do capitalismo produtivo para o da circulação monetária ou “fictício”, na expressão de Marx de O Capital, resultaria numa inversão das determinações entre consumo e produção mercantil, no sentido de que esta última mediaria a realização do consumo, contudo, não de mercadorias, mas especialmente do excedente monetário. Na produção negativa de valor, ou na desvalorização do valor, a mediação social passaria a se constituir na disputa pelo acesso à dívida, mais do que o controle, por parte do capital, de acesso a cantões de mão de obra. A partir disto, teríamos certa diferença qualitativa na reprodução social em que as figuras jurídicas de indivíduos e/ou empresas se constituiriam pela concorrência no acesso a montantes cada vez maiores de crédito ou dívidas. Nesta medida, a reprodução crítica do capital, a partir do último quartel do século XX, teria como resultante de sua produção a massa crescente e generalizada de endividamento, seja de Estados nacionais, empresas ou de indivíduos que, na forma do capital fictício (sem produção de valor), ficcionalizariam, no dinheiro, o próprio valor. A mera circulação do dinheiro - representante do valor, mas não o valor – substituiria o valor, a partir da consciência naturalizante inerente ao próprio dinheiro.

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A equação de equivalência em Marx, a partir da relação entre “forma relativa” e “forma equivalente”, fundamentaria sua crítica à economia política justamente pela diferença entre “valor” e “forma valor”. A forma valor, entretanto, possibilitaria a consciência a respeito da quantidade de trabalho existente em cada mercadoria, contudo, uma consciência fetichista, na medida em que a forma equivalente naturalizaria o valor, já que nela o valor (tempo social de trabalho) aparece como que da condição natural do produto do trabalho. Ressaltemos que a gênese lógica da forma valor, ou da forma da equivalência, refere-se explicitamente ao dinheiro, isto é, a forma do equivalente geral que passa a aderir nele aquilo que é estritamente o reflexo do valor, ou seja, refletir o valor (tempo de trabalho) no dinheiro coincidiria com a compreensão ilusória de que o dinheiro é o valor. Crítica social e metafísica, as determinações metafísicas, sociais. Para o que nos concerne, considere-se que Marx estaria sob a fundamentação hegeliana relativa à essência e à aparência em que o fenômeno, ao ser expressão da essência, não coincidiria com ela, mas a esconderia tornando a natureza (o valor se posicionando como natural da mercadoria) forma estrita de consciência e inevitavelmente consciência a respeito da sociedade. A partir daqui a unidade entre natureza e fetichismo seria inerente à crítica de Marx, de modo que o ser em si do natural se constituiria estritamente em forma de consciência própria do indivíduo, socializado pelo capital. A natureza e a naturalização, ao mesmo tempo em que coincidiriam entre si enquanto forma de consciência, colocar-se-ia sob a contraposição inexorável para com a sociedade. Nesta medida, naturalizar, na crítica de Marx, seria fundamentalmente, naturalizar a sociedade e, assim, o valor ou a valorização. Não sem motivos, na crítica ao fetichismo, fundamento da crítica de Marx, a phisis ou natureza, seria forma de consciência de determinações “puramente sociais”, o que colocaria a natureza como forma estritamente social e de consciência, nesta medida tanto o social quanto o natural colocar-se-iam, na crítica de Marx, como estritamente social. A natureza, naturalização, se poria como forma de consciência a ser superada, aquela da existência em si de algo (valor, na crítica social de Marx) e que, no entanto, existiria independente de qualquer forma de consciência. Sendo isto a consciência identitária de natureza, a mesma passa a se constituir num pensamento, numa consciência e, portanto, uma noção ou conceito que não subsiste a sua própria lógica

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identitária, na medida em que existir independente de qualquer pensamento seria já forma do pensar e, assim, razão, não natureza. A naturalização social estaria, como já nos referimos, na forma monetária, no dinheiro, expressão naturalizante do valor. Para Marx, isso teria de levar à consideração da contradição entre física e metafísica, no sentido de que as determinações sociais seriam metafísicas e não deteriam absolutamente nada de naturais, a não ser que se considere, como na verdade considera, a natureza enquanto forma social de consciência, dada a universalidade da mercadoria composta por sua forma de equivalência (forma relativa X forma equivalente). Diante da forma crítica a que se chegam historicamente as determinações lógicas do trabalho, com a consequente crise da forma social, tornar-se-ia operante a necessidade da consciência natural para além da naturalização social através do dinheiro. A crise da reprodução social capitalista atingiria os ditames de substituir a consciência naturalizante do trabalho (em sua crise categorial) e do valor pela própria natureza como mediação social. Diante disto, o deslocamento da consciência passaria da naturalização do valor e do trabalho para a naturalização da própria natureza. Nesta nova forma crítica de consciência, haveria unidade entre contradições sociais e equilíbrio natural. Não obstante esta mobilização da consciência sob o colapso da modernização, considere-se que o equilíbrio naturalista tomado como consciência genérica do indivíduo socializado pelo capital, a partir dos anos 70 até atualmente, se veria sob o invólucro das catástrofes ambientais, o que demonstraria certa insuficiência do fetichismo natural, na medida em que a reprodução social crítica careceria presentificar o futuro catastrófico do capital para mobilizar a sociedade sob a contradição capital trabalho. Tal naturalização social desloca a consciência da contradição para a de equilíbrio e identifica equilíbrio natural com equilíbrio social. Crise do trabalho e a crítica desenvolvimentista verde ecológica. Romantismo e totalitarismo. Lukacs, em seu Assalto à Razão, reconheceria a relação entre romantismo e capitalismo na medida em que tanto o retorno passadista, como o salto tecnológico para frente seriam formas de evitar a consciência de contradições presentes em nome de um destino (para trás ou para frente) inexorável. Justamente por isso, para Lukacs, teríamos de considerar a unidade entre romantismo e totalitarismo, no sentido de estabelecer-se aí uma relação de necessidade, em que a consciência social seria ocupada por um

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intuicionismo que indicaria uma contínua e cada vez mais acentuada redução de nossa capacidade de refletir o real, quanto maior o desenvolvimento crítico da reprodução social capitalista. Para Lukacs, o extremo desta relação estaria nos discursos de Hitler, quando, por um romantismo eugênico, convenceria a sociedade alemã ao holocausto, como forma de manutenção de sua unidade genética. Considere-se nesse mesmo percurso, o argumento de Moishe Postone a respeito do totalitarismo do III Reich e o fetichismo naturalizante da raça pura germânica que, contra o capitalismo – que estaria no Judeu – fundamentava o desenvolvimento do capitalismo monopolista de Estado, pós segunda guerra mundial, na Alemanha. Assim, também para Postone teríamos unidade entre romantismos e totalitarismo. No entanto, é Adorno, em sua Dialética Negativa, que nos atenta para a desgermanização do totalitarismo na medida em que o mesmo se constituiria em forma genérica de sociabilidade sob o capital. A luta e emancipação social fundada na igualdade jurídica, para Adorno, levaria a igualdade formal que coincidiria com a morte, já que nesta igualdade, onde todos somos iguais, não haveria falta de nenhum de nós, porque seríamos substituíveis e, na concorrência de todos contra todos, a eliminação física do outro passaria a ser generalidade social. Para Adorno, portanto, o holocausto seria o dia-a-dia do modo de produção capitalista em todos os lugares e tempos de sua existência. O totalitarismo, enfim, se faria como forma universal de sociabilidade sob o capital. A morte cotidiana no trânsito, nas lutas do trafico, na vigilância da polícia, dos pobres, dos moradores de áreas de risco, das vítimas de rompimento de barragens, dentre outras expressariam sobremaneira a determinação totalitária da reprodução social capitalista em cuja igualdade formal a eliminação física é a resultante. Inclua-se aí o holocausto adorniano representado pelas mortes em cidades que sofrem pela pulverização de plantações agroindustriais nos seus arredores. A forma mercantil e sua inerente concorrência traria tal fenômeno no plano genérico da sociedade, mas que apareceria estritamente como problemas ambientais ou questão ambiental, cujo fundamento estaria na contradição cidade campo. Natureza e totalitarismo romântico. Aspectos da atual contradição campo cidade.

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A atual capacidade produtiva social do capital, como sabemos, envolve o próprio pensamento

como

força

produtiva.

N’O

Capital,

Marx

observara

que

o

desenvolvimento das forças produtivas desenvolveria, cada vez mais, a circulação do dinheiro que, na crise expressa pelo capital fictício, a produção ficaria a reboque desta mesma circulação monetária, condição e finalidade da reprodução social. Justamente por isso, produzir passaria a ser condição para acessar créditos não pagáveis, jamais pagáveis, dado o grau de produtividade a que o capital teria alcançado, seja na agricultura, seja na indústria, de modo que o capital da empresa passaria a coincidir com o seu montante de dívida. A expressão recente desta contradição capital trabalho na agricultura se faz na redução a praticamente zero dos cortadores de cana, substituídos pela mecanização do corte. Considere-se, ainda, que o setor sucro alcooleiro, desde o Proálcool até os dias atuais, é deficitário e se repõe com subsídios financeiros e rolagem de dívidas (Fábio Pitta; Antonio Thomas Jr., diferenças à parte). O acesso a créditos, portanto, se daria pela hipoteca de safras futuras sob a condição de aumento da produção e da produtividade como forma de garantir tais empréstimos. Do ponto de vista da contradição campo cidade, teríamos tanto em um como em outra a unidade pela dispensa de trabalho do processo produtivo unido na desvalorização do valor. Nisto, a produção agrícola passaria a ser concorrente aos capitais urbanos na aquisição de montantes cada vez maiores de riqueza monetária. A expansão agroindustrial do capital estaria vinculada, assim, à redução da remuneração do capital total ou àquilo que Marx considerou ser a “queda tendencial da taxa de lucro”. Nesta medida, a redução do lucro industrial e urbano buscaria compensação em sua expansão agrícola devido ao sobrelucro que se adquiriria através da renda da terra. No entanto, a “metamorfose do sobrelucro em renda da terra” pressuporia a produção de valor social para que pudesse ser distribuído a capitais agrícolas pela forma preço e pela taxa média social de lucro no que a “renda absoluta da terra” sintetizaria a contradição em questão. No entanto, na medida da concorrência da agricultura com a produtividade geral do capital, caberia também nesta o desenvolvimento das forças produtivas para o ganho na concorrência, mas cujo resultado seria investimentos cada vez maiores em que a produtividade não evitaria que os mesmos passassem a resultar em meros custos não pagos pela produção, desembocando na “subprodutividade crescente” da renda da terra e na renda da terra negativa, a ponto de a taxa de lucro ter uma queda em relação aquilo

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que o sobrelucro pudesse compensar. A isto (redução da produção de valor e expansão do capital) Marx denominaria de “enigma do capital”, cuja expansão mistificaria sua crise. A produtividade industrial na agricultura também estaria sob os ditames do capital financeiro, fictício, que demanda a produtividade média mínima para que os investimentos se realizem. Contudo, considere-se que a partir da revolução industrial baseada na micro eletrônica (Mandel e Kurz), mesmo a agricultura atingiria seu ponto de encontro com a produtividade sem produção do valor, igual a todos os capitais. A forma desta contradição entre taxa de lucro em queda e expansão agroindustrial, devido à renda da terra, seria a nunca antes vista expansão do capital financeiro na produção agrícola buscando, cada vez mais, maior produtividade e maior extensão de sua produção. Apenas situemos aqui que tal expansão agroindustrial se deu por investimentos de capitais ociosos norte americanos, na década de 1950, nos cinco continentes, incluindo-se, obviamente, investimentos em laboratórios para o desenvolvimento das forças produtivas no campo, o que passou a ser conhecida por Revolução Verde. Para ficarmos, disso tudo, somente no Proálcool, lembremos que o Brasil está como o maior produtor de cana de açúcar do mundo, em cuja concorrência toda força produtiva será colocada a trabalho. País

Área colhida (10 ha)> 6,153 Brasil 4,200 Índia 1,220 China 0,668 México 0,936 Tailândia 0,907 Paquistão 0,426 Colômbia 0,415 Austrália 0,370 Indonésia Estados Unidos 0,364 4,713 Outros 20,372 Total

Produção (10 t)% Área colhidaProdutividade (t/ha) 455,3 281,2 100,7 50,6 47,7 44,7 39,8 38,2 30,2 26,8 276,2 1.391,4

30,2 20,6 6,0 3,3 4,6 4,6 2,1 2,0 1,8 1,8 23,1 100,0

74,0 67,0 82,5 75,7 51,0 51,0 93,4 92,0 81,6 73,6 58,6 68,3

Fonte: https://www.novacana.com/cana/producao-cana-de-acucar-brasil-e-mundo

Diante desta combinação teríamos produtividade com a não necessidade de trabalho e de pessoas, de modo que a produção agrícola, diante da necessidade de rendimentos monetários sempre crescentes, teria a eliminação de vidas, por intoxicação ou outras formas faria parte da condição prescindível de todos diante do processo produtivo.

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Contudo, fiquemos com a naturalização do processo e da crítica, em que a consciência se faz como proteção ambiental, proibição de queimadas e não poluição do solo, como se tais termos se referissem à crítica social necessária. A concorrência capitalista de empresas e negócios, então, realizaria sua expansão sob a égide da eliminação de tudo o que ameaçaria suplantar sua expansão crítica, expressando-se no totalitarismo inerente à forma social capitalista. Considerações finais A unidade entre desenvolvimento industrial da agricultura e revolução industrial do terceiro milênio seria, portanto, a urbanização da sociedade determinada pela ficcionalização da reprodução social. As cidades produzidas na franja expansiva da reprodução capitalista na agricultura se fazem como pressuposto para a expansão agroindustrial do capital. Sérgio Martins, em sua dissertação a respeito de tal expansão no Mato Grosso, analisa Chapadão do Sul como expressão da “cidade sem infância”, onde a mobilização do mercado imobiliário e a chegada de bancos e empreendimentos de apoio à tal expansão agroindustrial constituir-se-iam na forma e conteúdo de tal urbanização e na qual outros conteúdos não caberiam. Assim, a questão ecológica e a defesa incondicional da natureza passariam a ser forma de consciência totalitária em nome do quê a eliminação do outro se daria como inerente ao processo. Lembremos, ainda, de Amélia Damiani, em sua tese de livre docência a respeito do rodoanel de São Paulo, em que, em nome da natureza, milhares de pessoas são expulsas de tempos em tempos, para a criação de parques, mas cujo conteúdo é a precificação imobiliária. Nesta medida, a crítica social, para além da naturalização, se daria pela unidade entre acumulação e crise, de modo a não naturalizar a forma econômica social capitalista, ao mesmo tempo em que a crítica ao capital deveria coincidir com uma crítica à natureza e não uma defesa incondicional desta, cujo resultado é morte... Obrigado e espero ter contribuído com algo!!!! Abraço, Anselmo.

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