Modernização de Partidos Políticos segundo Carlos Matus

July 22, 2017 | Autor: Aristogiton Moura | Categoria: Political Theory, Political Science
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OS PARTIDOS POLÍTICOS E A BAIXA CAPACIDADE DE GOVERNO O drama da representação política brasileira – para que servem os partidos políticos? 20/03/2005 Strategia Consultores Ltda Aristogiton Moura

OS PARTIDOS POLÍTICOS E A BAIXA CAPACIDADE DE GOVERNO1

(O drama da representação política brasileira – para que servem os partidos políticos?)

Carlos Matus, em entrevista a TV argentina, em maio de 1998 2, trata do tema “Descrédito da população com os partidos e os políticos”i. Segundo ele esse descrédito não pode ser explicado por uma única causa, são cinco as causas desse fenômeno: 1. A política na América Latina está desfocada dos problemas da cidadania. Essa política gera os seus próprios problemas e os políticos se dedicam a resolver os problemas da política e não das pessoas. 2. Os dirigentes políticos crêem que basta a improvisação, a experiência, o bom senso e sua formação acadêmica para governar. Não basta, um bom médico não é necessariamente um bom ministro da saúde e um bom economista não é necessariamente um bom ministro da fazenda. Tem um elevado I2 (ignorância ao quadrado = não sabem que não sabem, e assim sendo, pensam que sabem), desconhecem que para governar tem que conhecer Ciências e Técnicas de Governo. 3. Nos países latino-americanos domina um sistema de baixa responsabilidade – ninguém cobra conta por desempenho a ninguém – portanto tanto faz, no governo, fazer bem, fazer mal ou até mesmo, não fazer! Isto facilita a ascensão ao poder da mediocridade, da falta de ética e principalmente abre as portas à corrupção. Neste ponto de vista a corrupção não é um problema em si mesmo, mas um subproduto da mediocridade. 4. Os partidos políticos são clubes eleitorais. Só estão estruturados para ganhar eleições e manter-se no jogo político eleitoral, afora disso não participam do enfrentamento dos problemas sociais que afetam as pessoas. Portanto sua estrutura está montada para esse fim, não tem ferramentas para agir de outra forma pois não tem centros de formação de seus dirigentes , não se preocupam com a formação de seus líderes, não tem centros para pensar seu país no longo prazo. 5. São sistemas ultra-centralizados, muito distantes das pessoas e seus problemas. Esses sistemas cegam os dirigentes tradicionais, fazendo com que suas agendas só tenham rotinas, emergências, administração e crises. Os temas estratégicos são aqueles relacionados a manutenção no poder pelo poder. Existe nesse item um grande problema de democratização que passa pela 1 2

Artigo baseado em texto de Carlos Matus, desenvolvido para o projeto ESCOLAG – Escola Latino Americana de Governo. Programa “Dialogando”, entrevistado pelo Dr. Ricardo Dealecsandris, dia 21 de maio de 1998 para o Canal Plus Satelitel.

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descentralização profunda do sistema político que deve ser abordado com urgência. No entender de Matus, essas são as principais causas do elevado descrédito que a população latino-americana está sentindo em relação à política. Os partidos políticos brasileiros vivem um drama recorrente. Por que existem? Para que existem? E por que lutam? Esse drama tem três vertentes básicas: a primeira é fundamentalmente ideológica, vinculada às transformações por que passa a representação política desde a democratização no Brasil – da definição de qual é o

papel político que os partidos devem cumprir ante a sociedade democrática e por que tipo de sociedade lutam para construir – é um campo que ainda não foi preenchido. O que se tem visto é uma continuidade de um modelo ideológico ultrapassado, calcado no fisiologismo, unido a uma aliança com os interesses privados que vem, paulatinamente, se sobrepondo aos interesses de Estado. Aliança essa que não deixa nenhum processo ideológico renovador aflorar e que tem esvaziado esse importante componente na estruturação dos partidos políticos brasileiros. Vivemos hoje um governo com uma agenda empresarial, não uma agenda de Estado aonde os problemas da nação conduzem à boa prática de governo.

Essa realidade é o indicador mais significativo das conseqüências que vivemos: um país sem rumo, uma sociedade desarticulada politicamente, uma sobreexposição da falência do estado traduzida em problemas como elevada violência urbana e no campo, desemprego acentuado, crescimento econômico insuficiente, acumulação de renda e poder em uma elite descompromissada com a democracia e um “sem rumo” que nos entorpece. Uma brilhante analogia com essa situação foi construída por Fábio Konder Comparato em artigo denominado “Brasil, um País em busca de futuro ” publicado na Folha de São Paulo de domingo, 27/11/2005:

“Uma das lições mais importantes da moderna biologia é que a vida constitui essencialmente um projeto; é um movimento rumo ao futuro. Como explicou François Jacob, prêmio Nobel de medicina, "um organismo só está em vida na medida em que vai viver ainda, nem que seja um instante. [...] Respirar, comer, andar significam antecipar. Ver é prever. Cada ação ou pensamento nosso se confunde com aquilo que será". Os indivíduos ou sociedades que perdem interesse pela sua projeção no amanhã já se encontram às portas da morte. A força vital de uma nação se apóia sempre na consciência coletiva de que existe um objetivo comum a alcançar. Sem essa prospectiva, inicia um processo de 3

decomposição nacional, mais ou menos retardado pela capacidade gerencial dos governantes em fazer com que todos continuem a viver sem pensar no futuro. Quando uma nação já não define um horizonte histórico a ser perseguido com denodo e esperança, se instala no estado de consciência infeliz de que falou Hegel: a impossibilidade de situar-se harmonicamente na vida. A ação política autêntica é sempre de natureza dialética e desenvolve-se em torno de três questões fundamentais: Quem somos? O que queremos? Contra o que lutamos? Na nossa história recente, vivemos dois momentos importantes, durante os quais se afirmou a consciência de um objetivo comum a ser alcançado. Nos anos que transcorreram do término da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 60, graças à atuação de notáveis brasileiros, a começar por Celso Furtado, propusemo-nos a desencadear um amplo processo de desenvolvimento nacional que lograsse, em médio prazo, estimular o crescimento econômico e reduzir a fabulosa desigualdade na distribuição da renda. Os adversários desse projeto eram todos aqueles, no país ou no exterior, que viviam da exploração do nosso atraso político, econômico e social. O processo foi bruscamente interrompido pelo golpe militar de 1964, que engajou o nosso país, com armas e bagagens, na Guerra Fria. Contra os abusos e crimes do novo regime político não tardou, felizmente, a se formar a consciência de que o objetivo nacional imediato consistia na instauração de um Estado democrático de Direito. Sucedeu, porém, que, liquidado o regime militar, sucumbimos, desde logo, ao assalto da globalização capitalista e perdemos de vista toda idéia de projeto nacional. Instalamo-nos num estado depressivo de geral desconfiança em relação aos homens públicos e de crescente desinteresse pelo bem comum do povo e o futuro da nação”. A segunda vertente é a que se reporta à qualidade de jogadores do jogo social dos partidos políticos, remete a capacidade de orientação da grande estratégia nacional, da condução do jogo político, na definição da agenda nacional de prioridades e de estabelecimento de consensos. Essas atribuições, em geral, são frustrantes pois suas agendas não apontam para o alvo dos reais problemas da sociedade e estão cheias de problemas gerados na própria prática política. A qualidade dessa condução é baixa e estacionária e não dá suporte de qualidade para que esses joguem o jogo social que estão inseridos. Isso faz com que essas participações, quando ocorrem, sejam de meros espectadores do jogo político, institucional e social.

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Ainda com Fábio Konder Comparato, no seu artigo “Brasil, um País em busca de futuro”:

“Que fazer, então? A rigor, os objetivos fundamentais do Estado brasileiro já se acham definidos no art. 3º da Constituição Federal: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos e discriminações de qualquer espécie. Acontece que essa norma constitucional é totalmente desconsiderada pelos órgãos do Estado brasileiro, como se se tratasse de simples proclamação retórica. Falta um projeto concreto para pô-la em execução, prevendo os mecanismos jurídicos que submetam todos os poderes públicos ao seu rigoroso cumprimento, sob pena de graves sanções. Para a elaboração desse macroprojeto político com a mais ampla participação popular, não poderemos, como é óbvio, contar com os atuais partidos políticos, que, salvo algumas personalidades sérias e competentes neles inscritas, são desacreditados por 90% dos cidadãos brasileiros, segundo recente pesquisa de opinião pública conduzida pelo Ibope. Temos, assim, que pensar, para a realização dessa tarefa, na criação de um núcleo inicial de entidades de prestígio na sociedade civil, como a OAB, a CNBB e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, núcleo esse ao qual iriam aderindo os diferentes movimentos e instituições representativas da legítima consciência nacional. Não tenho dúvidas em pensar que, uma vez construído esse projeto nacional, ele acabaria por se impor, preenchendo o vácuo político em que vivemos e suscitando uma nova consciência republicana e democrática. É sabido que o verbo governar deriva do latim "guberno", correlato ao "kuberno" grego, e que ambos têm o sentido de pilotar um navio, isto é, dirigi-lo ou guiá-lo com um rumo determinado. O Brasil se encontra atualmente à deriva, e nunca é demais relembrar o sábio ditado popular: "Marinheiro sem rumo nem vento ajuda".” A terceira vertente é aquela que trata da questão conjuntural – o papel que os partidos políticos desempenham na democratização da gestão pública. Quiçá o maior deles, o da responsabilidade de preparar seus quadros para o “Bom Governo”, aquele que vai propiciar o equilíbrio político e social dos brasileiros através do apoio à verdadeira democratização por que anseia a população brasileira. Não é qualquer processo e qualquer discurso, a democratização

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pretendida tem que ser capaz de atender os avanços que a sociedade brasileira tem conquistado nesses novos tempos de liberdade cidadã. Hoje em dia não há como governar sem que haja a participação efetiva da sociedade, encontramo-nos em um momento muito importante para a vida política brasileira. Estamos em um processo de migração de um modelo de democracia representativa3 para o de democracia participativa4. Essa mudança implica em um esforço adicional de formação de quadros e de inteligência para os partidos políticos, esse esforço adicional deve-se à incorporação da sociedade organizada nas questões de governo. Essa mudança impacta significativamente na função de governar pela elevada cobrança por resultados que esse fenômeno social causa. Isso se deve ao fato de que se na Democracia Representativa não havia cobranças diretas da população por resultados, devido a distância entre os representantes e os representados, no caso da Democracia Participativa essa distância desapareceu e hoje o dirigente político é obrigado a prestar contas por resultados, e poucos deles estão preparados para essa nova realidade. No entanto a realidade hoje é outra, os partidos políticos são meras organizações eleitorais, especializaram-se em ganhar eleições e preparar-se para as próximas. Apesar de ter uma estrutura burocrática pesada, institutos de formação política e recursos públicos para seu financiamento não formam seus quadros em ciências e métodos de governo, não elaboram grande estratégia e conseqüentemente não apontam rumos e nem alternativas aos grandes problemas de âmbito internacional, problemas nacionais, problemas regionais e problemas municipais. Nem no âmbito

Democracia representativa: Quando as decisões são tomadas por representantes eleitos pelos membros da comunidade ou grupo com direito a eleger ou votar. Cada membro do grupo vota em representantes, que adquirem o poder de decidir em nome do conjunto de seus representados. O voto, não é para decidir, mais sim para eleger quem deverá decidir. O poder fica nos representantes do demos. Os representados não têm nenhum controle direto sobre seus representantes e participam do processo decisório de forma indireta, única e exclusivamente por meio de seus representantes eleitos. Quando falamos de democracia no sentido moderno a primeira imagem que aparece em nossa mente é o dia das eleições: cidadãos esperando sua vez para dar seu voto a favor de um determinado candidato ou partido político. Homens e mulheres exercendo o direito e cumprindo a obrigação de eleger seus governantes. 4 Democracia Participativa: O Poder é uma faculdade que se radica tanto nos representantes como nos representados. O poder no demos e nos representantes do demos. Para os representantes (governantes) é uma faculdade que impõe obrigações de atuar ou de abster-se de atuar nos limites precisos que indicam as normas. Para os representados (governados) esta condição é um direito e um dever, que implica condutas positivas de ação e controle que coadjuvem com o comprimento das finalidades do coletivo (por exemplo: “as finalidades sociais do Estado”). Os pobres resultados das democracias representativas e o desencanto pelos governos e os políticos nos últimos vinte anos, transformou-se num reclamo por uma maior participação da sociedade civil em áreas tradicionalmente monopolizadas ou centralizadas pelos Estados e Governo. A demanda por uma maior participação se apresentou inclusive fora das esferas tradicionais da política e o governo como nas universidades, escolas e administração dos serviços públicos, etc. O auge da democracia participativa, a revisão do papel do Estado, a liberalização econômica e a descentralização político-administrativa caminharam juntos nos últimos vinte anos nos países latino-americanos. 3

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macroeconômico, muito menos no microeconômico, nem no âmbito privado e nem no âmbito social. Aliás, em âmbito algum. A explicação disso está na falta de boa teoria de governo5, métodos e técnicas estratégicas que estão ausentes dos partidos políticos e das universidades de um lado e por outro, as ciências que avançam enquanto os problemas sociais se acumulam. As ciências, tal como estão sendo tratadas pelo mundo acadêmico, não parecem ter impacto relevante no enfrentamento dos problemas sociais e na qualidade da gestão pública, dos partidos, dos sindicatos e dos movimentos sociais. Há um abismo entre o atraso na política e no avanço das ciências. A primeira ignora as segundas. Por sua vez, as ciências progridem de um modo que ignora a ação prática de enfrentamento dos problemas coletivos da vida cotidiana. Aportam pouco à qualidade das gestões públicas e sociais. Existe hoje, no nível macropolitico, uma crise de capacidade de governo6. Crise que se intensifica em contraste com um avanço impressionante das ciências naturais. A complexidade e intensidade dos problemas estão cada vez mais distantes desse desafio. Com o fim da guerra fria, a democracia ganhou terreno frente ao autoritarismo, entretanto essa se debilita por seus resultados pobres e desiguais. Desiludido, o cidadão comum se afasta da política e esta se encerra cada vez mais em pequenos círculos. O governo e as ciências estão de costas um para o outro. A democracia perde seu atrativo, entretanto não tem até o momento, regimes competidores viáveis. Os defensores da democracia não sabem defendê-la. Essa sobrevive ante o vazio de outras opções. Propõe-se nesse artigo discutir que hoje existe um grande problema de teoria da prática que deveria fundamentar a estruturação e a orientação dos partidos políticos, 5

Governo, nesse artigo, não se remete ao âmbito político administrativo, mas a toda organização que joga no jogo social, tem projeto e maneja recursos. Cabe, entre outros atores, à sindicatos, organizações sociais e ao movimento estudantil. 6

CAPACIDADE DE GOVERNO é a capacidade de liderança, ponderada pela experiência e os conhecimentos em Ciências e Técnicas de Governo. É uma capacidade de condução ou direção que se acumula na pessoa do líder, em sua equipe de governo e na organização que dirige. Apóia-se no acervo de técnicas, métodos, destrezas e habilidades de um ator e sua equipe de governo requeridas para conduzir o processo social, dadas a governabilidade do sistema e o compromisso do projeto de governo. Capacidade de governo é sinônimo de perícia para realizar um projeto. O domínio de teorias, métodos e técnicas potentes de governo e planejamento são uma das variáveis mais importantes na determinação da capacidade de uma equipe de governo. Quando falamos de teorias, técnicas e métodos de governo e planejamento nos referimos, por conseguinte, a alterar ou melhorar a capacidade de governo. Na capacidade de governo, seja pessoal, da equipe ou da organização, convergem três elementos: experiência, conhecimentos e liderança. Na experiência se acumula a arte que o conhecimento científico é incapaz de prover. Embora a arte, sem a companhia das ciências, é arte em bruto. Nenhum componente desta tríade vale por si mesmo. O que vale é o produto inseparável suas interações. Os conhecimentos sem experiência e a experiência sem conhecimentos valem pouco, e ambos ficam muito diminuídos diante da carência de liderança. O mesmo ocorre com esta última, se não estar associada aos conhecimentos e a experiência pertinente. A experiência só vale em relação ao capital cognitivo com o qual se acumula, e esse capital cognitivo está imaturo sem a dose de experiência necessária.

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a formação de suas lideranças políticas e sociais e principalmente, a formação dos quadros que aporta aos governos. Até agora estamos acostumados enxergar as ciências isoladas da prática política e consideramos que cada departamento das ciências é uma especialidade vertical que pode ser aplicada diretamente na prática social. É um contra-senso, porque a prática da gestão social cruza horizontalmente todas as especialidades e gera seus próprios problemas, a aplicação de uma disciplina vertical para resolver um problema horizontal é uma impropriedade teórica. Na relação da teoria com a prática há dois casos de distintas dificuldades. O primeiro aponta à prática do profissional que exerce suas atividades no âmbito de sua especialidade. A universidade e as ciências tradicionais respondem razoavelmente bem a este primeiro caso. O segundo, se refere ao dirigente que exerce uma função pública ou social, como é o caso de um dirigente político. Estas últimas são práticas sociais que transpõem as fronteiras da formação tradicional especializada por universidades e faculdades e apresentam problemas comuns, muito particulares, que as ciências não reconhecem. A prática social ultrapassa a formação profissional e acadêmica e, qualquer que seja seu âmbito, exige entre outras questões explicar a realidade, identificar e processar problemas e causas críticas, calcular sobre o futuro incerto, formular e avaliar apostas sobre produtos e resultados de ações concretas na realidade, resolver conflitos cognitivos, fazer análise estratégica para construir viabilidade, estudar outros atores que participam do jogo social, monitorar a evolução e mudança da realidade que sofre intervenção, e desenhar ou modernizar organizações públicas e sociais. Estes e vários outros problemas são comuns à prática social, e não se trata de problemas simples que podem ser resolvidos pela intuição ou pelo bom senso na própria prática. Tampouco se trata de problemas horizontais abstratos da prática. Por sua natureza, qualquer problema social tem um conteúdo transdepartamental que não são reconhecidos pelas faculdades ou pelos departamentos das universidades e das ciências. Essa inter-relação transdepartamental obriga a análise de causas e efeitos entre os departamentos das ciências. É o caso mais comum das relações entre a política e a economia. Por exemplo: quando vemos um economista que formula políticas econômicas e um médico que faz políticas de saúde no âmbito público, ambos com sua formação em faculdades universitárias verticais nos parece que cada um deles está em seu campo de competência, apesar da freqüência de seus fracassos na gestão pública e na social. Entretanto não é assim. Eles somente têm competências para realizar uma

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prática profissional intradepartamental. Não têm a formação necessária para exercer a prática social horizontal. Sabemos que um problema de saúde não é apenas um problema de medicina, senão que ao mesmo tempo é político, econômico, organizativo, ecológico, etc. Entretanto, atuamos como se o senso comum pudesse processar essas interações transdepartamentais. Não pensamos que qualquer prática social é transdepartamental e apresenta problemas teóricos comuns, repetitivos e complexos . Não pensamos em uma ciência da ação e caímos no simplismo da interdisciplinaridade. Debatemos-nos entre as especialidades e a interdisciplinaridade, ignorando a praxiologia. Quase sempre nos escapa que a prática política tem problemas comuns com qualquer prática social horizontal. E que essa prática, com seus problemas comuns exige uma teoria da prática social, válida para qualquer problema relacionado com qualquer especialidade. Seguimos crendo que há uma relação óbvia e simples entre a teoria social e a prática social. A prática profissional individual se apóia verticalmente na teoria departamental, graças a um esforço especial de teorização sobre a prática intradepartamental que faz a própria universidade. É o caso da relação entre a biologia, a medicina e a prática privada do médico. O gráfico (1), a seguir, representa este tipo de relação entre a teoria e a prática. Gráfico 1 – Caso Vertical Depto.1 Depto.2

Depto.3

Gráfico 2 – Caso Horizontal Depto.1 Depto.2

Depto.3

Teoria Prática

Teoria Prática

A B

Entretanto, a prática social horizontal, que é realizada no âmbito político, cruza os departamentos das ciências em dois sentidos:

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a) Gera relações transdepartamentais de conteúdo (seta A), que obriga a análise do intercâmbio de problemas entre os distintos departamentos: por exemplo, valorizar a eficácia política versus a eficácia econômica, avaliar os efeitos políticos da ação econômica e vice-versa; e b) Produz problemas comuns que são inerentes à prática social (seta B), a qual não reconhece a divisão vertical por departamentos; somente distingue problemas. Este segundo aspecto é exatamente o tema da teoria da prática e se refere a avaliar situações e processar problemas, fazer apostas sob incerteza, lidar com as surpresas, manejar crises, fazer análise estratégica, formular e avaliar planos, estudar os atores do jogo social, acompanhar e avaliar a mudança da realidade do jogo, desenhar ou reformar organizações, explorar novos caminhos de desenvolvimento, etc. Com quais teorias se enfrentam estes problemas da prática? Ou é de se supor que a prática e o bom senso são auto-suficientes? A prática profissional vertical compartimentaliza nossa vida cotidiana. A prática social horizontal comunitariza nossos problemas. Em outras palavras, a prática social é horizontal no sentido que gera os mesmos problemas para todos. Entretanto, esses problemas comuns da prática horizontal reclamam também por teorias. As ciências tradicionais e as universidades oferecem a formação vertical e ignoram os problemas da prática horizontal e os partidos políticos nem isso, ignoram o que seja formação de quadro político e de alta direção política. Quando muito treinam seus quadros em metodologias próprias do mercado. É hora de pensar que a política prática, seja ela partidária, governamental, social ou mesmo comunitária, exige o apoio de uma nova ciência horizontal e compreender que a ação prática não pode ser fundada diretamente em cada ciência vertical especializada. É hora de reconhecer também, as limitações da interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade é um diálogo entre especialista de distintos departamentos, sem teoria transdepartamental e sem teoria sobre a prática. É um agregado de partes cognitivas sem visão global. É útil para identificar as contradições transdepartamentais e inútil para resolvê-las. Temos considerado a arte, a experiência e a intuição como algo natural no enfrentamento dos problemas sociais da vida cotidiana, sem compreender que os espaços que ocupam, em alguma medida, são intromissões indevidas causadas pelo desencontro entre a prática e a teoria social. Necessita-se, pois, de uma teoria da prática no jogo social. A arte e o juízo intuitivo têm ocupado demasiado espaço na 10

relação com as ciências e com o juízo analítico. Não se trata de negar espaço aos primeiros, senão de ampliar os campos dos últimos. Essa é a explicação que cabe às enormes dificuldades de se conduzir um partido político que sofre as conseqüências de que seus líderes são formados na mesma estrutura verticalizada e departamentalizada que querem transformar. Por falta de bons instrumentos de governo esses se deparam com as enormes dificuldades de jogar o jogo político institucional e a saída são gestões fracas e desvinculadas das necessidades políticas. Normalmente, para superar essas dificuldades, apela-se para modos de gestão informais, ou seja, naquele que a responsabilidade, a direcionalidade e a governabilidade são elididas por modelos “participativos” que buscam mascarar a falta de resultados e rumos para o movimento. Devido a estrutura cognitiva das universidades e da forma como que elas tratam o conhecimento, alguns pensam que não há diferenças entre as ciências naturais e as sociais. Que as ciências são uma só. Posição que pode fortalecer-se perigosamente na medida em que as ciências naturais vem reconhecendo o indeterminismo e a posição do observador, afastando-se do determinismo puro, e assim se aproximam em sua complexidade às ciências sociais. Agora é a ocasião para perguntarmos se é possível avançar nas ciências sociais pelo mesmo erro das ciências naturais. Nossa posição enfatiza a idéia de diferenciá-las, fundado no princípio de que as ciências sociais se interessam tanto pelo porquê como quanto o como dos processos que estuda. O porquê se refere aos atores e suas motivações. O como as relações causais. A carência de respostas de consenso sobre estas interrogações tem isolado a universidade do coração dos problemas da vida pública cotidiana. Não tem podido aprofundar-se no campo dos problemas sociais, tal como estes são vistos e experimentados pelo homem de ação. Há um divórcio entre teoria e ação, divórcio que se reproduz entre a universidade e a prática social. Há um privilégio excludente da arte e da experiência. É também um divórcio que coloca a universidade de costas para a grande política, e essa situação pode a vir a relegá-la a uma posição de reles fábrica de profissionais. Até onde os partidos políticos e seus governos valoram o apoio das universidades que financiam? A reflexão teórica que guia esse documento tem que ver com a ponte que deveria existir entre as ciências e a ação prática no âmbito público. Trata da Teoria da Produção no Jogo Social. Começa com estas três perguntas:

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Primeira: Por que as ciências sociais tradicionais aportam tão pouco a política e ao processo de governo? Não é comum o cientista social que renega sua teoria quando alcança posições no governo7? Com a teoria econômica pode se fazer política econômica? Com a medicina política de saúde? E com a arquitetura se faz política de desenvolvimento urbano? Segunda: Por que a ação prática na política e no governo combinam a arte e o juízo intuitivo em uma proporção tal que quase exclui o juízo analítico apoiado nas ciências? Por que a prática política é feita sem teoria? Por que os intelectuais são inoperantes em funções de governo? Terceira: O estilo tradicional das ciências sociais permite uma relação direta de aplicação da teoria à prática sem se socorrer do complemento hiperdominante do senso comum, o bom juízo e a intuição? Por que há um divórcio entre a universidade, os partidos e os governos? São três grupos de perguntas que respondem a uma mesma origem. Algo está mal tanto no lado das ciências como no lado da política. E não se trata de um mal intranscendente. Toda nossa vida cotidiana está submetida pela baixa qualidade de nossos governos e esses à baixa qualidade dos partidos que os sustentam, o estilo primário e medíocre de fazer política e a carência de resposta das universidades aos problemas de governo. Propõe-se discutir que estas deficiências têm sua origem no divórcio entre a política e as ciências, ou seja, entre a prática e a teoria. Propõe-se fundamentar a política prática em uma nova disciplina horizontal que podemos chamar Ciências e Técnicas de Governo. Estas novas ciências devem contribuir para elevar a qualidade da arte de fazer política e governar. Permitiriam, ademais, aproximar as universidades da prática do processo social e dar instrumentos de governo e direção aos movimentos sociais, dentre eles, os partidos políticos e suas organizações. Não se pretende negar que a condução política é uma arte. Só afirmar que ali há muito mais espaço para as ciências, se aprendemos 7

FHC “esqueçam do que escrevi”.

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a teorizar sobre as práticas. Propõe-se o fim da política tradicional. Ainda que seja lento, um processo equivalente àquele pelo qual os médicos substituíram parcialmente os bruxos e os curandeiros na prática vertical da medicina. Os bruxos ainda não estão extintos, entretanto hoje dominam os médicos. O político do futuro tem que ser mais profissional e menos ignorante, ou a democracia não sobreviverá conduzida pelos “curandeiros” da política, sejam eles de esquerda ou de direita. Até agora, os “curandeiros” dominam a cena política de um extremo ao outro, e mantêm uma disputa puramente ideológica cada vez mais indiferenciada, que não tem relação alguma com o problema central de modernizar as ferramentas de governo. A esquerda, sem ferramentas modernas de governo, é tão inefetiva como a direita sem projeto para enfrentar os problemas sociais. A prática da política tem criado seus próprios problemas. E eles são em grande parte alheios aos problemas da gente e da sociedade. Assim, os problemas da sociedade e do homem comum não coincidem significativamente com os problemas da política e dos políticos. Os políticos se dedicam principalmente a resolver os problemas internos que eles mesmos criam na luta pelo poder. A competição para ser o bruxo da tribo chega a ser mais importante que a capacidade de curar. Supõe-se que a competição política está a serviço do cidadão e da sociedade, entretanto ela pode gerar mais problemas do que pode resolver e desviar o foco de atenção até questões secundárias. É como uma fábrica que dedica mais tempo a manutenção de suas instalações que a produção pelo qual justifica sua existência ou as intermináveis discussões sobre o processo de condução da luta política, feita nos partidos políticos em detrimento da real condução desses. A atividade política está atraída pelos dois extremos polares de pesos desiguais: o pólo de acumulação de poder e o pólo do uso do poder no enfrentamento dos problemas sociais. O primeiro é o pólo do poder como fim, pelo poder mesmo. É o pólo “Chimpanzé”ii da política. O segundo é o pólo do poder como meio, como instrumento de um projeto, como capacidade para enfrentar os problemas sociais. É o pólo “Machiavel-Ghandi” que enfatiza o uso do poder para realizar um projeto social. Aqui há um desequilíbrio vicioso. A competição para liderar e acumular poder pelo poder, tanto ao nível partidário como pessoal é mais forte que a competição para governar com eficiência, eficácia e aceitabilidade. O estilo chipanzé domina a micropolítica e deixa pouco espaço para a macropolítica. A primeira competição é tão simples como esgotadora, e ocorre com intensidade diária e direta. Refere-se a luta interpessoal e interpartidária. É a micropolítica distante 13

das ciências e distante dos interesses dos cidadãos, que é feita nos bastidores, gabinetes e nos pequenos grupos dirigentes. Seus temas obsessivos são os projetos pessoais e os problemas internos do partido. A segunda é complexa, refere-se aos problemas do sistema social, é avaliada somente em épocas de eleições e está distante do cidadão que avalia. A atividade política combina ambas as competições em proporção muito desigual. Assim como a cultura política dominante se forma em base a experiência e a prática simples da micropolítica interna, caracterizada pelo imediatismo, o pragmatismo, a tensão, a urgência, a operacionalidade e o individualismo. Cultura de competição que é eficaz e operante na micropolítica interna, entretanto altamente ineficaz no enfrentamento dos problemas de governo. Desta maneira, a micropolítica interna domina por duas vias: a da ocupação do maior espaço de tempo na agenda do político, e a de criação de um estilo superficial de fazer política que cruza todas as ideologias. Muita micropolítica com pouca macropolítica. Muita manipulação com pouca direção. Muito esforço para ganhar o poder e pouco para governar com eficácia e aceitabilidade. Deste híbrido surge a personalidade pragmática e microativa do político tradicional, que depois transfere às funções de governo. O estilo micropolítico, gestado na atividade partidária, domina no momento do enfrentamento dos problemas de governo. Os métodos primitivos da política, com letra minúscula, que operam na competição simples empobrecem a Política, com p maiúsculo, que se exerce na competição superior mais complexa. A competição micropolítica é uma competição entre profissionais. A competição macropolítica é entre aficionados. Não é, pois estranho que os partidos políticos sejam bons para ganhar eleições e maus para governar. A distinção entre esquerda e direita, válida para qualificar o projeto de governo, se dissolve quando se trata de julgar a capacidade de governo. Neste aspecto todos são conservadores ou tradicionais. A baixa capacidade macropolítica é uma carência generalizada. Todos ignoram as ciências e técnicas de governo. Todos querem governar com ferramentas muito pobres. Os novos políticos se convertem em velhos e se auto-satisfazem com a droga do poder. Não há renovação do estilo de fazer política. Esta cultura política primária produz resultados pobres. Os problemas se acumulam e se repetem até formar parte da paisagem social. A ineficácia macropolítica produz

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assim, inevitavelmente, o menosprezo das pessoas pelo político, a política e a democracia. Pode parecer que a liberdade é incompatível com a eficácia, e daí surgem as tentações autoritárias. E enquanto a democracia acumula os grandes problemas, não os processa e nem os enfrenta, o cidadão se distancia da política ou abraça a alternativa da violência. A credibilidade do governante ante seus governados tem chegado a níveis baixíssimos. Se bem que em neste deterioro sempre contam a falta de vontade, a violação da ética e os interesses cruzados, mais além desses limites está a incapacidade do estrato político superior para processar os problemas reais. A cabeça não tem cabeça para governar. Da esquerda até a direita se governa sem métodos, a pulso. Com a mesma segurança que cega ao que “não sabe que não sabe”. E isto parece natural, sem alternativas. Quando os problemas se agravam, as declarações se fazem mais radicais, enquanto as capacidades de governo permanecem constantes. Voga esta metáfora: o governante é um ciclista eventual e montado em uma bicicleta de ginástica. Tem que sair de um ponto inicial (começo do governo) e chegar a uma meta pré-determinada (fim da gestão) pensa que pedala uma bicicleta de corrida, quando começa a não obter os resultados que pretendia se desespera. Não tem capacidade de governo, não sabe desenhar e escolher seu projeto de governo e como não sabe modernizar sua bicicleta (a organização), se acomoda à ineficiência do aparato público que comanda. Sua modernização é de forma, não tem nem teoria e nem métodos de governo, pinta a bicicleta da cor de seu partido e coloca um cartaz dizendo “bicicleta reformada”. E como não sabe que não sabe, tampouco sabe escolher sua equipe de governo e seus assessores. Quando a situação se faz mais crítica seu esforço é como pedalar a mesma bicicleta de ginástica de maneira mais forte. Perde peso e não avança. Desta maneira, quando triunfam eleitoralmente as forças políticas possuidoras de ética, vontade e peso para dominar os interesses minoritários, fracassam de um modo diferente, entretanto fracassam. Quando falta a vontade e dominam os interesses das minorias, os resultados são pobres por omissão. Quando há vontade e domina o povo na democracia, os resultados são pobres por incompetência. Entretanto o fracasso das forças progressistas é maior e mais transcendente, porque mostra uma incapacidade que deixa indefesa a maioria excluída, enquanto que a omissão faz forças conservadoras não ameaça de imediato seus próprios privilégios, só aumenta hoje o descontrole sobre a tensão social que amanhã se combaterá com o controle da repressão. 15

As lideranças políticas não reconhecem sua baixa capacidade de governo e não acertam sobre as causas de seu desprestigio. O atribuem exclusivamente ao projeto de governo e a governabilidade. E, as vezes, mais simplesmente, às deficiências de comunicação. O argumento de consolo é: “eu faço bem, entretanto comunico mal”. Assim, como resposta à falta de bons índices de aceitabilidade, as forças conservadoras adotam o populismo aberto, enquanto a esquerda se “direitiza” moderando suas propostas de mudança. Ninguém aponta à capacidade de governo como a causa principal do deterioro da política. Todos se autoqualificam de capazes porque não sabem que não sabem. Deste modo os opositores se aproximam com suas propostas e são semelhantes por suas incapacidades. A indiferenciação política aumenta. O cidadão responde com indiferença pela política. É imperativa uma revolução na capacidade de governo e no estilo de fazer política. Existe um divórcio entre o que a sociedade e os cidadãos demandam da política, e o que a política e os políticos oferecem. Este não é só um divórcio causado por interesses desencontrados e falta de vontade. É também o produto de um abismo entre a política e as ciências sociais, entre a prática e a teoria. É também um divórcio entre a capacidade de governo e a complexidade dos problemas de governo. Os problemas da prática não coincidem com os departamentos e as faculdades das Universidades. Os problemas da prática não estão previamente identificados e formulados, não pertencem a uma ciência específica, não são especializados, nem são bem estruturados. A baixa capacidade de governo que domina a política é baixa capacidade para processar os problemas reais, significa dizer, para processar problemas quase-estruturados. O imediatismo e a improvisação política, sob o disfarce da experiência, a arte e a intuição, trabalham com mal estares imprecisos e com soluções pré-concebidas, geralmente copiadas de outras experiências. O governante tradicional não trabalha com problemas. Trabalha com soluções. O político prático não processa tecnopoliticamente os problemas sociais. Não sabe como fazê-lo. Tampouco tem método para identificá-los. Trabalha diretamente com soluções. Confunde mal estares com problemas e os primeiros lhe parecem óbvios e desnecessária sua explicação sistemática. São lideranças vaidosas que não sabem que não sabem. Trata-se de um desconhecimento sem dúvidas e sem rachaduras. Vêem a ignorância abaixo; não em suas próprias cabeças. Existe uma causa teórica por detrás do fracasso prático. Os problemas da prática política e os problemas das pessoas cruzam horizontalmente os departamentos verticais do conhecimento que aporta a ciência tradicional. Atravessam as faculdades das Universidades. Por seu lado, as ciências sociais estão de costas aos problemas 16

práticos da política, dos partidos e do governo. Colocam-se na mesma posição que as Universidades. Dividem artificialmente a realidade em compartimentos verticais que não existem na prática. A fronteira de cada ciência é uma necessidade relativa a uma imposição analítica exigida pela pesquisa científica. Entretanto, essa fronteira é um limite convencional que não existe na prática do jogo social. Essa fronteira, que só está traçada na mente do pesquisador, dificulta a compreensão e a ação sobre os problemas da prática social. Um problema científico não é um problema da prática social. E, até agora, na concepção tradicional das ciências verticais e determinísticas, um problema social não é um problema científico. O primeiro é um desafio cognitivo. O segundo é um desafio para a ação. Para formular um problema científico, um pesquisador isola uma variável e estuda seus efeitos para atribuí-los a essa variável. A interrogação científica trata de compreender uma parcela de um fenômeno, e pergunta pela sua relação pura e livre de outros efeitos contaminantes, entre duas variáveis que se supõe relacionadas. Como exemplo podemos verificar nos gráficos a seguir. A variável 2 do gráfico é causadora de uma perturbação na variável B. Trata-se de conhecer um efeito de uma variável sobre outra variável, dentro de um espaço departamental de análise convencionalmente limitado. Não se trata de calcular o impacto causal de uma ação pública na realidade do jogo social. A causalidade científica é uma causalidade limpa, de laboratório, intradepartamental, que não é correspondente com a causalidade transdepartamental do processo social. São dois tipos de causalidades distintas. Uma coisa é calcular um efeito tal como visto pelos cidadãos na vida prática, e outra distinta é calcular o efeito de uma variável sobre outra variável, sob o suposto de ceteris paribus8, para compreender a natureza pura das relações entre elas.

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Página: 17 A frase ceteris paribus é Latim para “(tudo o mais permanecendo constante)”

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Variável causadora Variável causadora Variável causadora

ANÁLISE DE UM PROBLEMA CIENTÍFICO Sobre a variável A Sobre a variável B Sobre a variável C 1 Irrelevante irrelevante irrelevante 2 irrelevante

RELEVANTE

irrelevante

3 irrelevante

irrelevante

irrelevante

Um problema político existe e se formula pela interação conjunta de múltiplas variáveis em uma situação repleta de problemas, e se estuda para compreender e calcular um resultado de conjunto sobre a situação, a fim de se tomar uma decisão sobre os problemas. Trata-se de multiefeitos originados por multicausas. Integração de variáveis e efeitos, em vez de isolamento de variáveis e efeitos. Esta multicausalidade ocorre na prática não só dentro de um departamento convencional das ciências cercado por fronteiras analíticas e não reais, senão que ocorre entre os departamentos das ciências, dentro da unidade do jogo social. Trata-se de um vetor transdepartamental de causas que gera um vetor transdepartamental de efeitos na totalidade do espaço do jogo. As ciências para aprofundar o conhecimento especializado não são as mesmas ciências necessárias para atuar na prática social. As primeiras têm uma demanda puramente cognitiva, estão nas Universidades e alimentam a prática profissional vertical. As segundas são uma necessidade social ainda insatisfeita. Todavia não tem demanda na prática social horizontal.

Variável 1 Variável 2 Variável 3

ANÁLISE DE UM PROBLEMA POLITICO Efeito Âmbito 1 Efeito Âmbito 2 RELEVANTE RELEVANTE RELEVANTE RELEVANTE RELEVANTE RELEVANTE

Efeito Âmbito 3 RELEVANTE RELEVANTE RELEVANTE

A falta de suporte de ciências para fazer política tem gerado a improvisação, o imediatismo e a incapacidade para processar tecnopoliticamente os problemas sociais. As ciências sociais estão de costas para a política e a política está de costas para as ciências. Assim é como domina o pragmatismo das soluções sem planos. A compartimentalização vertical das ciências cria uma barreira entre o técnico e o político, estimula a ideologia determinística, enfatiza os mitos da predição e da medição quantitativa, facilita a amputação de variáveis na construção de modelos 18

sociais pouco representativos, ao mesmo tempo em que fomenta os barbarismos extremos. Por eles tem lutado no jogo social tanto o barbarismo político como o barbarismo tecnocrático. A carência da visão horizontal transdepartamental nos atrapalha em uma decisão trágica: obriga-nos a escolher entre o barbarismo político do populismo ou o barbarismo tecnocrático neoliberal, fundamentalmente porque essas ciências verticais ignoram a razão tecnopolítica e o intercâmbio de problemas (troca de problemas) entre seus diversos compartimentos. Assim é como a departamentalização das ciências impede analisar com rigor científico os efeitos políticos da ação econômica, e os efeitos econômicos da ação política. Trata-se, de forma inequívoca, de um problema da maior importância que deve abordar-se cada dia no processo de governo. E essa interação transdepartamental acaba submetida ao acaso da intuição. Não há ciências para sua análise. Há dois esforços de teorização horizontal que merecem consideração por sua antiguidade, difusão e importância: a análise de sistemas e as chamadas políticas públicas. A análise de sistemas surgiu como um esforço para compreender horizontalmente as estruturas teóricas comuns a processos de distintos conteúdos. Desde seu início, foi muito influído pelas ciências naturais clássicas, de modo que ignorou a incerteza como regra geral e não reconheceu a influência do observador humano, muito menos do ator, na explicação dos processos. Tampouco se preocupou pela relação da teoria com problemas próprios da prática. Por conseguinte, a análise de sistemas ficou limitada a um esforço horizontal inadequado para captar a complexidade do processo social e da intervenção sobre o mesmo. Pelo seu lado, as políticas públicas nasceram nos países anglo-saxões como uma alternativa ao planejamento tradicional, vista por eles com uma conotação política indesejável. A visão parcial das políticas públicas resultou assim menos comprometedora e mais aceitável para a mentalidade cientificista. Na prática, é uma alternativa deficiente ao planejamento ainda que permita tratar com mais flexibilidade os problemas de tomada de decisões que o enfoque do planejamento tradicional. Assim, se ganhou em flexibilidade e se perdeu em visão global. Entretanto, em todos aqueles casos onde o planejamento se converteu em uma má palavra, as políticas públicas permitiram um espaço de reflexão sobre a gestão pública e social. Trata-se de um esforço horizontal que diferencia da análise de sistemas e que não tem pretensões globais e se concentra em problemas concretos da gestão pública e social.

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Diferencia-se também da nossa proposta sobre ciências e técnicas de governo no aspecto que se limita a enfoques parciais e limitados e, por conseguinte, é útil para iluminar cortes e aspectos específicos da gestão pública e social, entretanto impotente para abordar em profundidade os problemas que coloca o governo no jogo social. É um enfoque sem teoria global. Deve ser considerado, ademais, que sob o conceito de políticas públicas, e também de sua parenta Policy Sciences, aportam análise teórica de qualidade muito desigual, segundo sejam seus autores. Deve ser enfatizado que o problema teórico sugerido neste artigo não se refere a um problema de políticas. Aponta a um problema mais muito mais complexo: o da teoria social capaz de fundamentar as políticas, pensar o desenho de sistemas e projetos sociais e abordar a diversidade possível de estilos de governo. Em síntese, o enfoque de políticas públicas tem, em geral, a vesguice do antiplanejamento, da atomização dos problemas e políticas e, em vários casos, segue uma certa imitação da teoria econômica positivista. Apesar disto, em alguns autores como Dror, as Policy Sciences tem sido inovadoras e feito aportes notáveis à teoria social. Aproximam-se bastante ao que poderíamos chamar de uma ciência horizontal capaz de sustentar a relação da teoria com a prática. A tarefa de construir uma ciência social horizontal é a base para reconstruir uma teoria de governo capaz de fundamentar os métodos de governo. É a base para o desenho de uma Escola de Governo capaz de superar a mera interdisciplinaridade que se expressa em uma mera “oferta de supermercado” de cursos, que mostra, ao gosto do consumidor, toda a variedade das disciplinas do mundo. Sem métodos é impossível governar com eficácia e preservar o valor da democracia ante os cidadãos. Devemos resgatar o significado e o valor da palavra governo. Este resgate deve ser feito primeiro na teoria ao mesmo tempo que na prática. A arte da política, do governo e da condução necessita da ciência horizontal, sem fronteiras departamentais de pesquisas e só demarcadas pelos problemas comuns à prática social em qualquer âmbito do jogo social. Por exemplo, o abismo que separa a biologia e a psicologia das ciências sociais tem permitido que o homem econômico seja tratado na teoria econômica como agente – uma máquina sem emoções e sem mundo interno; por conseguinte, incapaz de criatividade, solidariedade e convicções na tomada de decisões. Algo similar a esta distinção entre ciência vertical e horizontal foi proposta pelo psicólogo Lev Vygostsky, por volta de 1930. Diz Vygostsky:

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“A psicologia, que pretende ser um estudo dos sistemas globais complexos, quer substituir o método de análise de elementos pelo método de análise de unidades”. Aqui está a oposição entre análise de elementos ou variáveis versus a análise de unidades ou situações. “Em última instância, este tipo de análise, que nos conduz a resultados nos quais se

perdem as propriedades do todo, não pode chamar-se análise no sentido próprio da palavra”. E referindo-se ao método de isolar elementos ou partes de uma análise sem a visão global da unidade real que observamos na prática, assinala: “Pode se comparar com a análise química da água por decomposição em

hidrogênio e oxigênio, nenhum dos quais possui as propriedades do todo e cada um dos quais possui propriedades não presentes no dito todo. O estudioso que aplicar este método buscando a explicação de alguma propriedade da água (por que extingue o fogo, por exemplo) descobriria para sua surpresa que o hidrogênio arde e o oxigênio alimenta o fogo”.

Levado a este extremo absurdo da metáfora, poderíamos dizer que no reino das ciências verticais, o hidrogênio e o oxigênio são estudados cientificamente, enquanto a água é objeto de uma simples análise intuitiva. Aproximadamente é isto que se passa com as relações transdepartamentais entre a política e a economia. A teoria de governo e a condução só se podem construir-se a partir de uma nova ciência horizontal, na cabeça de cada ator envolvido e comprometido com uma posição no jogo social. Podemos começar com este enunciado complexo. Governo ou condução é a arte e a ciência do ator político para mobilizar organizações e cidadãos no jogo social, processando problemas conflitivos que cruzam todos os compartimentos das ciências, a partir de variáveis imprecisas, incertas e mutantes, com o propósito de construir possibilidades no seu projeto de jogo. Esta proposta teórica precisa a palavra governo, como sinônimo de condução, destacando os conceitos de ciência, arte, ator, organização, jogo social, problema conflitivo e variáveis imprecisas e incertas. Palavras que resumem a complexidade e conteúdo deste discurso teórico.

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Trata-se de uma arte, porque a teoria e os métodos da política e o governo só podem complementar e dominar, entretanto não podem substituir o juízo intuitivo, o talento, a experiência e as capacidades inatas. Trata-se de ciências, porque é necessário compreender teoricamente as variáveis e complexidade do jogo social, entretanto não qualquer ciência, trata-se de ciências horizontais orientadas para a ação. As ciências verticais ou departamentais, próprias do pesquisador, visam apenas complementá-las. Trata-se de atores, porque a dinâmica do jogo social é criativa e conflitiva e é realizada por dirigentes criativos, guiados por motivações pessoais e sociais, capazes de ter condutas impredizíveis e ser protagonistas reflexivos e inovadores do processo de produção social. No jogo social existem conexões de sentido9, além de conexões causais, não existem agentes, existem atores. Trata-se de organizações, porque a ação dos atores só em parte é individual e se complementa necessariamente com a ação coletiva coordenada a partir de uma organização. Nesse jogo, eu e o outro estamos ligados em uma competição e submetidos pelo cálculo interativo; é um jogo no qual os atores lutam pelos diversos tipos de poder que são próprios da lógica de cada jogo componente do grande jogo social. É um jogo que concilia as desigualdades com a carência de relações organizativas de hierarquia entre os jogadores. As relações de força geram desigualdades. Entretanto nem todas as desigualdades se estruturam em relações formais de hierarquia. Não são formalmente organizativas e não criam obrigações de obediência entre os jogadores. Os jogadores, se são realmente jogadores, são independentes, e tal dependência é um requisito para a existência do jogo social. Essa independência permite que todos os jogadores lutem por construir possibilidades a suas jogadas, orientados pelo propósito e enfrentar os problemas que declaram. Trata-se de problemas conflitivos e de problemas quase-estruturados, porque eles surgem da competição no jogo, da desigualdade de seus resultados, e da nebulosidade das relações causais e das conexões de sentido próprias do futuro criativo. É um jogo onde se desenvolve o conflito cognitivo, emocional e de 9

Para Max Weber, a explicação sociológica precisa mostrar adequação tanto no plano do sentido (Sinnhaft adeqüat) quanto no causal (kausal adeqüat). O fato de a problemática do sentido não ser mero acréscimo ornamental não desvaloriza a atividade voltada para o estabelecimento de nexos causais. A captação de sentido e a identificação de uniformidades detêm cada uma a seu modo, poder elucidativo.

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interesses. Cada jogada produz um intercâmbio de problemas que beneficia a uns e prejudica a outros. Trata-se de variáveis imprecisas e incertas, porque assim são as variáveis próprias da unidade da prática social, onde se cruzam as complexidades e incertezas da quantidade e a qualidade da criação do futuro, ligadas por relações causais e conexões de sentido. O jogo social não só tem a incerteza que gera a natureza, como jogo cego, ao acaso e pré-programado, com tem a incerteza própria do mundo interno do homem, com a capacidade de fazer e mudar seus programas de jogo. O homem não está programado. É capaz de criar constantemente seu próprio programa de jogo. O método PES – Planejamento Estratégico Situacional surgiu como resposta às complexidades anotadas. Tem obtido êxito em superar o planejamento tradicional, em exceder os limites do âmbito econômico para constituir-se em planejamento da ação, e em superar também o espaço do mero planejamento, impondo gradualmente suas ferramentas como método de governo. Isto é, está inaugurando uma nova disciplina. Tem demonstrado alta eficácia na prática e boa capacidade de resposta ante as interrogações teóricas. Refutou desde seu nascimento, o planejamento determinístico e o desvalorizou teoricamente. Esta inovação emudeceu o planejador tradicional que, ante ao medo do desconhecido preferiu ignorar o avanço das ciências. Entretanto a fortaleza do PES e seu continuo enriquecimento dependem de um desenvolvimento teórico mais profundo, que o defenda das interpretações simplistas e mecânicas, além das amputações arbitrarias geradas pela incompreensão. A Teoria da Produção no Jogo Social persegue esse propósito: constituir-se na teoria social capaz de sustentar os métodos de governo e as Ciências

e Técnicas de Governo.

Esse artigo tem por principio o de reconhecer que os pobres resultados dos governos, de qualquer coloração política, não se devem tanto a seus projetos e nem a governabilidade do sistema, senão que a baixa capacidade de governo. Esta baixa capacidade de governo, por sua vez, tem sua origem no desconhecimento dos governantes sobre as ciências horizontais, em geral, e em particular, das Ciências e Técnicas de Governo. Esse desconhecimento tem sua raiz na incapacidade que os partidos políticos tem de preparar seus quadros para as funções de governo. Faltam a eles teoria e formação nessas ciências. Esta falta de domínio sobre as Ciências e Técnicas de Governo incide em problemas práticos de enorme importância: desenho deficiente dos gabinetes dos dirigentes políticos; sistemas de planejamento desativados ou tecnocráticos e altamente 23

polêmicos por seu atraso; carência de monitoramento e avaliação por resultados na gestão pública e social; incapacidade para processar problemas; descoordenação da gestão pública e social; equipes de governo incoerentes; quase total incapacidade para modernizar o aparato público; aceitação de cooperação técnica internacional de baixa qualidade; insensibilidade ante o avanço das ciências indeterminísticas; elevada cegueira nos intentos frustrados ao atacar as deficiências mencionadas e total cegueira para distinguir o que vai bem do que vai mal na condução do governo. Conclusão: baixa capacidade para corrigir; domínio do conformismo; frustração devido à inércia da rotina cotidiana na gestão de governo e medo das mudanças. A insegurança intelectual se refugia no dogmatismo tradicional, prefere o atraso e rejeita a inovação. A mentalidade determinística, inconsciente da polêmica negativa em que sobrevive e de seu desprestigio, se atemoriza ante a mudança que desata uma polêmica construtiva de progresso. A causa principal deste atraso está no fato de que os métodos dominam independentemente da reflexão teórica. Também influi o círculo fechado em que se movimentam os profissionais do determinismo tecnocrático. Só discutem com outros profissionais que padecem das mesmas limitações teóricas. Devemos nos voltar a teoria. Nada é mais prático que a teoria sobre a prática. E, para fazer prática a teoria social se requerem três mudanças que exigem uma reflexão crítica profunda: a) Complementar as ciências verticais com as ciências horizontais, para construir uma teoria da prática; b) Sair do determinismo particular e aceitar o indeterminismo geral dos processos sociais, para reconhecer a incerteza como caso geral; c) Teorizar na cabeça do ator social e sair da cabeça do pesquisador, para reconhecer a dimensão subjetiva dos processos sociais e valorizar o conceito de situação. Nisto consiste a revolução científica que está em marcha nas ciências sociais. Esta é a base em que repousa a teoria da produção no jogo social que sustenta o método PES. Sobre esta base se constrói as Ciências e Técnicas de Governo.

Concluindo: 1. A ação social é inevitavelmente horizontal; 2. Não se pode fundamentar a ação social exclusivamente em: a) no conhecimento vertical; e 24

b) na intuição e na experiência; 3. A prática gera seus próprios problemas que não se resolvem naturalmente no exercício da prática.

Como conseqüência: 1. É necessário uma teoria da prática; 2. A teoria da prática é uma ciência horizontal.

Esta nova ciência deve: 1. Complementar as ciências verticais com as ciências horizontais; 2. Desenvolver a teoria do indeterminismo social; 3. Abordar a teoria das situações para incorporar a dimensão subjetiva dos processos sociais; 4. Teorizar sobre os problemas comuns da prática. O raciocínio que segue abordará sistematicamente as três primeiras questões. A quarta referida às relações substantivas transdepartamentais e aos problemas comuns da prática horizontal exigem uma precisão imediata para reconhecer concretamente a natureza dos ditos problemas. As relações transdepartamentais exigem uma teoria do intercâmbio de problemas. Os problemas comuns a qualquer prática horizontal formam parte de uma teoria da ação prática. O INTERCÂMBIO DE PROBLEMAS A idéia de solução de um problema esconde o contrabalanço dos efeitos colaterais indesejáveis. A operação ou a ação realizada para solucionar um problema gera efeitos colaterais não procurados e não desejados pelo ator que intervém sobre a situação. Um problema pode ser considerado solucionado se pago um custo de gerar outro maior? Quando um Presidente da República opta por um plano de ajuste macroeconômico, por exemplo, faz um balanço de custos e benefícios. Estes custos e benefícios podem ser de diversas ordens: políticos, econômicos, cognitivos, éticos, organizativos, de segurança, etc. Assim, em um plano de ajuste macroeconômico, é necessário comparar, entre outros, os benefícios do saneamento econômico e a redução da taxa de inflação, em relação com o custo político do desemprego e do ajuste restritivo das remunerações. O que vale mais? Os problemas atenuados ou os problemas gerados ou incrementados? Nesta avaliação também conta o tempo em que ocorrem os custos e os benefícios, e se eles são estáveis ou transitórios.

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Não podemos impedir, ao menos transitoriamente, os efeitos colaterais indesejados. Existe, pois um intercâmbio de problemas. A ação pública gera efeitos positivos e negativos em relação às metas anunciadas. É um truque entre o benefício da meta alcançada e o custo de criar problemas novos ou intensificar os antigos. O ato de intervenção não é limpo, gera outros problemas. Fazer política é intercambiar problemas. Um projeto de governo é uma proposta de intercâmbio de problemas. Trata-se de um balanço que tem em seus créditos os benefícios da ação e em seus débitos os custos que representam os efeitos colaterais. Quando um ator decide sobre algo, o faz porque em seu critério político faz um intercâmbio favorável de problemas. Bolívar, com amargura expressa o dramático intercâmbio de problemas que protagonizou e que, ainda assim, estima favorável: “A

independência é o único bem que temos alcançado ao preço de todos os demais”.

Helmuth Schmidt, chanceler da Alemanha, com mais frieza e cálculo, quando enfrentou a crise de petróleo, declarou sua posição sobre o intercâmbio de problemas que lhe parecia conveniente e necessário, com esta frase: “Mais vale cinco por cento de inflação que cinco por cento de desemprego”. Pelo contrário, o plano de ajuste macroeconômico do Presidente Fernando Henrique Cardoso no Brasil tem preferido menos inflação e está disposto a pagar o custo transitório do desemprego. Daniel Cohn-Bendit, principal protagonista do maio francês, com certa ironia e agudeza, declara assim sua negativa por aceitar o intercâmbio de problemas entre o capitalismo e o socialismo real: “Não queremos deixar de morrer de fome para morrer de aborrecimento”. Independência a qualquer custo, inflação por desemprego, fome por aborrecimento. Trata-se de valorações diferentes em diferentes circunstâncias. Este balanço de intercâmbio combina o valor dos problemas com a magnitude da mudança, positivo ou negativo, dos marcadores dos mesmos. Esta comparação de custos e benéficos refere-se a um período bem definido de tempo. CUSTOS (tempo to) Valor atribuído ao problema 1

Magnitude da mudança negativa indesejada

BENEFÍCIOS (tempo tj)

 

Valor atribuído ao problema 2

Magnitude da mudança positiva desejada

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Assim, o balanço, favorável ou desfavorável, depende: a) da magnitude da mudança nos marcadores dos problemas; b) do valor ou importância que o ator atribui aos problemas componentes do balanço em uma situação concreta; c) do tempo considerado pertinente para a avaliação; e d) da seqüência ou ordem em que ocorrem os custos e os benefícios; primeiro os custos e depois os benefícios, ou a seqüência inversa. A magnitude da mudança é verificável por indicares objetivos. É um problema de monitoramento da mudança situacional que pode ser feita com rigor e objetividade. O valor, por outro lado, é um juízo humano. Essa valorização depende e varia segundo seja o ator que avalia o balanço e seus propósitos no jogo. É um juízo político, um juízo de valor, um juízo de aceitabilidade. O tempo o define convencionalmente cada jogador segundo seja o horizonte de sua análise, o qual, por sua vez, depende do tempo do projeto político de cada ator. A seqüência caracteriza o tipo de balanço. No populismo, os benefícios antecedem os custos: primeiro a festa e depois a conta. No tecnocratismo, primeiro são os custos e depois são os benefícios. Os benefícios são pagos com as poupanças. No situacionismo, por outro lado, se busca, pela via da compensação interdepartamental, o equilíbrio no tempo entre custos e benefícios. O valor e o tempo podem originar apreciações altamente conflitivas sobre o intercâmbio de problemas que gera uma decisão ou um projeto de governo que soma e anuncia muitas decisões. O plano de ajuste macroeconômico pode estabelecer, a juízo do Presidente, um intercâmbio favorável de problemas e, a juízo dos sindicatos e da população, representar um intercâmbio desfavorável de problemas. Tudo depende das valorações e do tempo de avaliação. Detrás de cada avaliação há, evidentemente, um problema cognitivo complexo, que surge das diferenças entre os atores sobre o acesso à informação; a credibilidade atribuída à informação; os modelos teóricos que fundamentam a leitura da realidade; os modelos normativos de política; e a diversidade de valores aplicáveis. Devemos considerar, ademais, que o intercâmbio de problemas não afeta por igual a todos os cidadãos. Os problemas colaterais que geram os problemas centrais componentes do balanço serão também distintos para os diversos e possíveis avaliadores. Se uma pessoa perde seu emprego em um plano de ajuste macroeconômico, certamente faz um intercâmbio de problema mais desfavorável que outra, que só perde transitoriamente algum poder de compra de seu salário. Sofrem, 27

em distintos graus, o impacto de problemas colaterais distintos. Uma terceira pessoa que não paga nenhum custo e obtém ganhos, faz um intercâmbio totalmente favorável do problema. Finalmente, a mesma definição de problema central enfrentado e problemas colaterais é situacional, pois o que é central para uns pode ser colateral para outros, e vice-versa. Este conceito de intercâmbio de problemas é chave no planejamento moderno e na análise estratégica. Não pode ser esquecido quando pensamos na reforma do aparato público, pois desde muitos aspectos, qualquer mudança nas regras, nos sistemas e nas práticas de trabalho, gera intercâmbio de problemas entre os participantes do jogo organizativo: cidadãos, empresários, executivos públicos e dirigentes políticos. Por esta razão, todo desenho ou redesenho do aparato público tem tanto aspectos políticos como técnicos. É uma questão tecnopolítica. O intercâmbio de problemas pode realizar-se dentro de uma divisão cognitiva vertical, por exemplo, dentro do âmbito econômico, ou entre as divisões convencionais, como é o caso entre benefícios e custos econômicos, políticos, ecológicos, etc. Neste último caso surge a questão teórica mais complexa: o intercâmbio transdepartamental de problemas. PROBLEMAS COMUNS DA PRÁTICA HORIZONTAL O jogo social não constitui uma prática auto-suficiente. Requer uma teoria para jogar com efetividade. Essa teoria se refere a processos e problemas comuns a qualquer tipo de prática, em qualquer âmbito do jogo social. A prática horizontal destaca problemas teóricos que não são óbvios, ainda que sejam muito comuns e repetitivos. Estes problemas, comuns a qualquer atividade prática, que reclamam teoria, são os seguintes: Problema 1: Compreender a realidade global como protagonista, dentro do jogo, como ator participante de um jogo conflitivo e cooperativo. Os jogadores estão motivados por distintas visões sobre o presente e o futuro. Entender o jogo social exige lidar com as subjetividades, admitir várias explicações sobre uma mesma realidade, reexaminar o conceito de diagnóstico, e incorporar o conceito de situação como categoria central da explicação de um ator. Este problema só se torna evidente quando o pesquisador acostumado ao uso do diagnóstico trata de aplica-lo às complexidades de um jogo, e constata ali suas limitações.

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Somente ante essa alternativa compreende que não pode haver uma só explicação da realidade compartilhada com o outro a partir de posições distintas. A explicação do outro é válida porque fundamenta sua ação, e não pode enquadrar-se nos critérios de verdadeira ou falsa. Assim surge a necessidade da análise situacional. Entretanto, esta compreensão da realidade implica apropriar-se das ferramentas das ciências verticais como instrumentos de mensuração externa e compreender a realidade inserido nela, para dissolver as ilusões do conhecimento. As ciências verticais, a partir de sua visão externa, proporcionam o fundamento científico da apreciação situacional. Entretanto essa visão externa, vertical e anônima, sem a visão interna, subjetiva, horizontal e com autor explícito, jamais poderia compreender a realidade da dinâmica do jogo social. Seria uma explicação ilusória. Como disse Habermas: “A dissolução crítica de tais ilusões é o ponto central da emancipação de restrições prévias inconscientes. Esta auto-reflexão é a chave para a liberação do conhecimento”. Essa liberação exige o complemento do diagnóstico com a explicação situacional. Problema 2: Compreender o papel da linguagem na ação prática e as conversações do jogo social. A linguagem é um meio de dominação e é a ferramenta privilegiada para acumular conhecimentos. Entretanto, para isto, a linguagem deve estar depurada de mitos. Para participar das conversações do jogo social requer-se competência lingüística, competência comunicativa e poder comunicativo. A competência lingüística refere-se a produzir frases gramaticalmente bem formadas. É o requisito mais elementar. A competência comunicativa aponta a produzir atos de fala exitosos, tal como foram precisados por Austin e Searle. O poder comunicativo se refere ao controle dos processos de amplificação ou amortecimento da ação comunicativa. A teoria da ação conduz a perguntar-se pelos atos de fala que geram as ações e produzem a interação humana. Implica compreender que as palavras não só dizem coisas, senão que também fazem coisas. Logo, a linguagem é parte do processo de produção social. Quando um homem fala com outro, declara, se compromete, ordena, afirma e expressa posições que movem o mundo da ação prática. Atrás de cada jogada há atos de fala. Como é esta relação entre a linguagem e a ação prática? Como é que se fazem coisas com as palavras, para usar a frase de Austin? Ao emitir um ato de fala, o sujeito que fala assume que o que disse é: a) inteligível; b) 29

verdadeiro em seu conteúdo propositivo; c) correto no componente performativo; e d) sincero em suas intenções. Como disse Habermas: “ essas

quatro demandas de validação constituem um consenso nos jogos de linguagem”. Entretanto, na prática as conversações sociais são opacas e controladas. Não são sempre entendíveis, se falsifica seu conteúdo propositivo, se aplicam a atos incorretos e se ocultam as intenções. Ademais, segundo sejam os interesses dos jogadores e o controle que tem sobre o sistema de conversações, estes as amplificam e amortizam de acordo com suas conveniências. Problema 4: Identificar possibilidades de ação em um jogo criativo. Em um sistema criativo as possibilidades não estão dadas, nem estão à vista. Estão em constante criação. O futuro não está dado, se cria. Os atores do jogo criam possibilidades e contribuem para criar o futuro. Entretanto, como se pode enumerar possibilidades que, no momento da análise, só estão em processo de gestação na cabeça criativa dos atores sociais? Ninguém pode enumerar todas as possibilidades, porque a palavra todas é inaplicável. Contudo, para tomar decisões é necessário identificar possibilidades e avalialas. O jogo social não permite a enumeração completa de possibilidades. Sempre haverá possibilidades criativas que escapam a nossa capacidade de imaginação. Porém, o conceito de profecia autocumprida ajuda a abordar parte deste problema. Enquanto mais força tem a criação e o ator que a produz, maior é a possibilidade de enumerar uma parte significativa do futuro. Problema 5: Avaliar a eficiência e eficácia das possibilidades técnicas de ação. No jogo social, a ação dos jogadores está limitada por múltiplos recursos escassos de diversas naturezas: poder político, recursos econômicos, conhecimentos e capacidades organizativas. Não existe coisa como um só recurso escasso homogêneo. Os conhecimentos aportados pelas diversas ciências verticais também são variados, heterogêneos e escassos. Trata-se de um vetor de recursos escassos que origina múltiplos critérios de eficiência e eficácia, que podem ser contraditórios. Como se avalia e decide quando os critérios de eficiência e eficácia aportados pelo compartimento A das ciências contradizem os critérios aportados pelo compartimento B? Que pesa mais em uma decisão, a eficácia econômica ou a política? A eficácia ecológica ou a produtiva? A rentabilidade de um hospital ou a eficácia médica? Problema 6: Avaliar a possibilidade estratégica e negociada da ação. Se uma ação é tecnicamente factível, isso não assegura que seja politicamente viável. É necessário analisar se a ação negociadora é capaz de produzir o 30

acordo, ou se se requer da ação estratégica para vencer a resistência de oponentes. Até onde o benefício técnico-econômico justifica o custo político de uma decisão? Qual é o limite da construção de viabilidade? Em que consiste a capacidade de jogar de um ator? Como pode aumenta-la ou perde-la? Problema 7: Lidar com a incerteza e as surpresas. No jogo social a capacidade de predição dos jogadores sobre os resultados de sua ação é muito baixa, pois prevalece a interação entre os atores sociais e não uma simples relação do homem com a natureza. A incerteza passa a ser o geral e a certeza um caso particular. É necessário teorizar sobre o modo de lidar com a incerteza e as surpresas. Como tomar decisões cujos resultados são altamente sensíveis a variáveis incertas? Como decidimos sobre uma aposta social? Que vale mais, o benefício de um resultado brilhante, mas incerto, ou o produto de um resultado certo, mas medíocre? Problema 8: Exercer o juízo humano para avaliar a conveniência ou aceitabilidade das possibilidades no plano dos valores. O que é tecnicamente possível pode ser inaceitável, de acordo com os valores dominantes na sociedade. O juízo humano deve jogar um papel para adequar o possível com o desejável. Como se analisa o intercâmbio de problemas que gera uma decisão ou jogada. Qual é a relação entre a aceitabilidade, a eficácia e a viabilidade? Como analisar e calcular com valores? Como tomar decisões que implicam valores contraditórios? Como abordar as decisões trágicas, ou seja, aquelas que nos obrigam a escolher entre dois males? Problema 9: Experimentar e ensaiar para simular a realidade antes de atuar. Quando domina a incerteza, não pode haver segurança sobre os cálculos que antecipam resultados, reações e jogados os outros atores. Convém ensaiar e simular o jogo, para verificar mediante esse tipo de experimentação social as possibilidades mais plausíveis e os resultados mais prováveis associados a elas. É necessário desenvolver a teoria da simulação humana. Como se pode fazer experimentação social? Que deduções permitem a simulação humana? Problema 10: Acompanhar o impacto da ação sobre a realidade e corrigir. Não é possível se apoiar só no calculo de previsão e confiar que os resultados se aproximarão das metas. É indispensável monitorar, corrigir e aprender dos erros. O cálculo deve estar acompanhado do ensaio, a verificação do erro e a correção pertinente. E este circuito cálculo-ação-correção deve realizar-se sob pressão do tempo e na tensão do jogo, não na tranqüilidade de um laboratório. O ator, muitas vezes está obrigado a decidir e corrigir sob 31

extrema pressão de tempo, e em condições de stress. Que se deve monitorar? Como se pode monitorar? Quais são as dificuldades para corrigir em condições de incerteza? Problema 11: Organizar-se para a ação. A ação nem sempre é individual. Muitas vezes se requer uma organização para coordenar muitas pessoas em uma ação coletiva. A teoria da organização, e especialmente a teoria das macroorganizações são partes defasadas do desenvolvimento científico e, na medida que fazem aportes aceitáveis padecem das mesmas limitações das ciências verticais. Quando a ação coletiva justifica uma organização? Como se desenha uma organização? Como se reforma e moderniza uma organização atrasada? Problema 12: Explorar o futuro para fundamentar a ação presente, a fim de participar com inteligência na criação do futuro. Para participar ativa e criativamente na construção do futuro se requer planejamento. A teoria do planejamento tem que ser reconstruída a partir da visão dos atores em um jogo livre de final aberto. Nisso consiste a proposta a proposta da teoria e do método PES. Não basta com as chamadas políticas públicas, que evitam a maioria dos problemas teóricos que reclama a teoria da prática. Detrás das políticas públicas não há ciência horizontal. Só há fragmentos de traços horizontais, carentes de visão global. São a negação da teoria geral do jogo social e estão restringidas a simples análise parcial interdisciplinar. As ciências e técnicas de governo, como nova disciplina, só se pode construir a partir de uma nova teoria do planejamento. Trata-se, naturalmente do planejamento da ação, capaz de integrar a diversidade dos jogos componentes do grande jogo social. O enfoque das políticas públicas é a negação da teoria geral do jogo social. Renunciam à visão global do processo social e evitam o problema de fundo das ciências horizontais. Os doze temas mencionados são comuns a qualquer atividade prática. São as frentes de contato da relação do homem com a ação. São do tipo de questões que deve resolver o médico no papel de Ministro da Saúde; o advogado na defesa de um caso no tribunal; o arquiteto que desenha uma cidade; o economista que propõe um plano de ajuste macroeconômico; o administrador que reforma o aparato público; o político que luta em uma campanha eleitoral; e o Presidente que dirige a equipe de governo. Estas frentes de contato erigem interrogações que não tem uma resposta óbvia. Devem ser objetos de reflexão teórica, ainda que só adquirem uma complexidade digna da teoria na prática social complexa que exige a interação humana. Nenhum destes temas está bem desenvolvido nas ciências verticais 32

departamentais. Limitadas, ademais, deterministicamente e fora desta.

para

compreender

a

realidade

Estes doze problemas conformam a estrutura cotidiana da prática. São comuns em qualquer atividade de interação humana e destacam conceitos não valorados pelo enfoque científico tradicional. São conceitos que a teoria do jogo social demanda e deve precisar. Eles surgem naturalmente quando a reflexão teórica se situa na perspectiva de um ator comprometido com a praxis horizontal (prática horizontal). Nossa proposta consiste em entregar esta responsabilidade, no plano científico, à teoria da produção no jogo social. Esta teoria, como o centro das ciências da ação, cumpriria a função de alimentar na prática as disciplinas, métodos e técnicas capazes de elevar a qualidade da prática horizontal. Propomos que esse seja o suporte teórico metodológico que compita com a improvisação na prática política e de governo, até agora dominada pelo pragmatismo mais simples. Deste modo, podemos esperar na prática política um melhor equilíbrio entre juízo intuitivo e juízo analítico, em favor deste último e com as vantagens conseqüentes. No quadro a seguir pode ser visto a relação entre os doze problemas que o homem de ação está obrigado a resolver, com ou sem teoria, e os conceitos básicos que propõe a teoria do jogo social. OS DOZE PROBLEMAS DA PRÁTICA HORIZONTAL PROBLEMA CONCEITO 1. Compreender a realidade global de ATOR, SITUAÇÃO, JOGO SOCIAL, dentro desta, como ator participante num PRODUÇÃO SOCIAL, AÇÃO SOCIAL. jogo. 2. Compreender o papel da linguagem ATOS DE FALA, CONVERSAÇÕES. na ação prática. 3. Identificar e analisar problemas quase MAL ESTARES, PAISAGEM SOCIAL, estruturados. PROBLEMAS QUASE ESTRUTURADOS. 4. Identificar problemas da ação. JOGO NEBULOSO, CRIATIVIDADE, JOGO ABERTO LIVRE. 5. Avaliar possibilidades técnicas de EFICIÊNCIA E EFICÁCIA TÉCNICA OU ação. DEPARTAMENTAL, VETOR DE RECURSOS ESCASSOS. 6. Avaliar viabilidade da ação. ESTRATÉGIA, TÁTICA, REFORMA E REVOLUÇÃO DO JOGO. 7. Lidar com a incerteza e as surpresas. INDETERMINISMO, INCERTEZA DURA,

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SURPRESAS. 8. Exercer o juízo humano para avaliar a JUÍZO HUMANO, VALOR DE UM conveniência das possibilidades. PROBLEMA, TROCA DE PROBLEMAS (INTERCÂMBIO DE PROBLEMAS). 9. Experimentar e ensaiar para simular a SIMULAÇÃO HUMANA, realidade antes de atuar. CONFIABILIDADE DE UMA APOSTA. 10. Acompanhar o impacto da ação MONITORAMENTO DA GESTÃO. sobre a realidade e corrigir desvios. 11. Organizar-se para a ação. JOGO MACROORGANIZATIVO, ORGANIZAÇÃO. 12. Explorar o futuro para fundamentar a APOSTA ESTRATÉGICA, PLANEJAMENTO ação presente. ESTRATÉGICO, CRIAÇÃO DO FUTURO. Os conceitos enumerados na coluna direita do quadro constituem as unidades básicas de trabalho da proposta teórica do jogo social. São conceitos cujo significado preciso e função teórica irão se aclarando na medida que avance a apresentação do discurso teórico. Esta proposta teórica não pode esquecer, entretanto, que ainda que a teoria se formule com o propósito de refletir sobre a prática, não deixa de ser teoria. Não se converte por si mesma, em atividade prática. A esta teoria destinada a servir uma prática a chamaremos de ciências da ação, e a suas aplicações concretas as denominaremos disciplinas. A teoria do jogo social que propõe esta obra é uma ciência da ação. Os métodos e técnicas concretas de governo que aqui se mencionam e que tem sido desenvolvidas pelo método PES, são disciplinas. Logo, uma Escola de Governo, em vez de ser um supermercado de variada oferta interdisciplinar, dever ter como espinha dorsal de sua atividade de formação, a teoria do jogo social, e, em torno a esse eixo teórico, destacar um conjunto de disciplinas que respondam aos doze problemas básicos comuns a qualquer tipo de prática social. PROPÓSITOS

ELEVAR A CAPACIDADE DE GOVERNO No processo de governo, seja de um país, de uma organização, de uma força social ou de qualquer grupo motivado pela ação se cruzam três variáveis: capacidade de governo, projeto de governo e governabilidade do sistema sobre o qual se atua.

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Podem ser definidas da seguinte maneira: Projeto de Governo (Proposta de ação) – Está relacionada com o conteúdo da proposta de governo. Representa a posição visível do posicionamento político da força social, começa pelo posicionamento ideológico traduzido pela sua seleção de problemas que devem ser enfrentados no seu âmbito de governo e define a maneira de enfrentá-los. Governabilidade (Dificuldade dos objetivos) – É a variável relacionada ao jogo social, implica na análise da participação de outros atores no âmbito estabelecido pelo projeto de governo. Pode ser definida como a relação entre o peso das variáveis que o ator que anuncia o projeto de governo controla e as que não controla. Capacidade de Governo (Teorias, metodologias e ferramentas de governo que dão suporte ao ator). A governabilidade e a capacidade de governo são uma restrição inicial ao projeto de governo e se constituem em uma meta de mudança. Está relacionada ao capital intelectual ponderado pelo capital de experiência do ator, sua equipe e de sua organização, tendo como síntese à perícia de governo – capacidade pessoal e institucional de governo. Este projeto destaca a idéia de criar capacidade de governo mediante uma formação adequada dos líderes, e, sobretudo do extrato técnico-político da sociedade. Os líderes políticos se fazem na prática segundo as exigências da competição políticodemocrática. Entretanto o extrato técnico-político de uma sociedade se forma em escolas e, no longo prazo, eleva as exigências da competição política com o conseqüente efeito positivo sobre a formação prática dos líderes. Por esta razão, a criação de equipes técnico políticas de alto nível teórico e boa experiência prática estimula o crescimento do nível qualidade dos políticos e da ação política prática. Desafortunadamente, o nível tecnopolítico é um estrato pouquíssimo desenvolvido na América Latina. Nossa principal tarefa hoje é criar essa capacidade tecnopolítica a fim de elevar a eficácia do governo em situações complexas de poder compartilhado. Isto não se consegue formando planejadores do desenvolvimento econômico e nem gerentes públicos, embora se reconheça que tanto uns quanto outros também são imprescindíveis para elevar a capacidade de governo.

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O planejador econômico e o gerente são analistas de um âmbito situacional limitado, que atuam sob restrições de direcionalidade previamente estabelecidas; seu treinamento está orientado a resolver problemas parciais, em casos onde os objetivos superiores estão previamente estabelecidos pela direção política. O tecnopolítico, por outro lado, não presume por conhecido os objetivos e, pelo contrário, seu âmbito de trabalho o move a fazer o diálogo entre a política e a técnica para discutir tanto a direcionalidade (objetivos) como as diretivas (operações e meios). Seu âmbito de ação é toda a sociedade. Este enlace entre o político e o técnico é necessário para que os conhecimentos de ambos atores interatuem vetorialmente na explicação situacional. O tecnopolítico não necessita dos dotes carismáticos do dirigente, porque sua atividade pode estar na sombra, concentrada na observação aguda do processo social. Por outro lado, deve possuir outras capacidades especiais que o líder político não necessita cultivar com profundidade. O tecnopolítico é um cientista social voltado para a ação, sem complexos, para explorar diretamente o futuro, capaz de compreender que a ação não espera o desenvolvimento das teorias, atento para evitar os desvios do sociólogo que se deleita em analisar e estudar exclusivamente o passado, alerta para compreender que o economista tende a raciocinar unidimensionalmente a partir de uma função de produção econômica onde existe um só recurso escasso e um só critério de eficácia: o econômico. A escassez de poder, de conhecimentos, informação, liderança, capacidades organizativas, etc. não entram nas contas do economista acadêmico. Também deve estar preparado para enfrentar o planejamento político, entendido como um cálculo situacional no interior de processos criativos e incertos, para o qual deve evitar nos desvias que às vezes cai o cientista político. A medula teórica do tecnopolítico está centrada no cálculo que precede e preside a ação prática. Se este se refugia exclusivamente nas ciências e técnicas parciais evita o problema central do cálculo situacional a serviço das práticas de governo e do homem de ação. Na realidade, o tecnopolítico está obrigado a distinguir entre processos abertos e fechados, repetitivos e criativos; como conseqüência disso deve ter consciência das diferenças entre os métodos pertinentes para analisar e solucionar "problemas bem estruturados" daqueles adequados para tratar com "problemas quase estruturados". Essa formação lhe possibilita evitar ter que adaptar teorias e técnicas de decisão que só são pertinentes no caso de processos fechados e enumeráveis, típicos dos sistemas mecânicos. No sistema social vive-se uma prática onde as possibilidades finitas não existem, elas são criadas por nós ou pelos outros e, por conseguinte, não são simplesmente enumeráveis e nem se pode decidir aplicando-se critérios unirracionais. 36

O tecnopolítico é um homem que busca uma metaciencia social e enquanto ela não existe, não se sente obrigado a permanecer cego e preso nas fronteiras de uma ciência parcial. Compreende que o aparente rigor da ciência parcial se debilita ante a mera intuição de um espaço teórico maior que a compreenda e rompa com os supostos de sua fronteira artificial. O tecnopolítico é, simplesmente, um cientista social com sentido prático, sem ânimo de teorizar sobre outras teorias e estimulado a teorizar sobre a realidade em que vive, obcecado por criar métodos e técnicas a serviço do homem de ação, que não se submete à ciência oficial. Entretanto é humilde diante da complexidade dos fatos, mas atento ao desenvolvimento das fronteiras em cada ciência e das zonas fronteiriça entre elas. É um homem consciente de que sua prática de produção social existe num mundo de múltiplos recursos escassos, múltiplos critérios de eficácia, muitas racionalidades e diversas autorreferencias explicativas. Só assim pode superar o reducionismo a qualquer critério único e monótono de eficácia ou produtividade. Esta nova capa técnico-política é dramaticamente requerida nas estruturas governamentais, nos partidos políticos e nas forças sociais em geral. A capacidade de governar é só um dos elementos de um triângulo de liderança que condiciona inevitavelmente os dirigentes. A governabilidade do sistema e o projeto de governo conformam um sistema junto com a capacidade de governo. Sua aplicabilidade à realidade é instintiva para a maioria dos políticos, pro exemplo, uma baixa capacidade de governo, junto a uma alta governabilidade do sistema, causada por abundância de recursos próprios e facilitada por uma elevada desorganização das forças sociais opositoras, permite um projeto de governo pouco conflitivo e pouco renovador, entretanto suficientemente eficaz para manter a estabilidade do sistema. Numa situação contrária, onde se tem também uma baixa governabilidade, a baixa capacidade de governo resulta num fator severamente limitante no caso de sistemas pouco governáveis por sua escassez de recursos ou pela natureza de suas estruturas políticas. Naturalmente, a limitada capacidade de governo é mais restritiva quando o líder tenta, nessas circunstâncias, projetos de transformação social muito exigentes. As considerações prévias ajudam a compreender que a governabilidade de um sistema é um conceito relativo. Com efeito, ela não é a mesma em uma democracia que em um sistema totalitário, num projeto de administração que em outro de transformação social. Cada elemento do triângulo de liderança é relativo aos outros, de maneira que a governabilidade do sistema é relativa à capacidade de governo e 37

às exigências que coloca o projeto de governo. Tampouco é um conceito estático, porque na mudança situacional o sistema pode ganhar ou perder governabilidade. Governar é cada vez um problema mais complexo. E o é mais governar na democracia. O líder que governa na direção do progresso social enfrenta exigências maiores que aquele que só aspira, no governo, manter sob controle a magnitude dos problemas. De maneira que ante objetivos menores estes têm, ademais, restrições menores. Os problemas do futuro requerem excepcionais equipes de governo para enfrentá-los, ou a democracia será impossível. Podemos perdê-la por estar desiludidos sobre seus benefícios ou desesperados por não saber transformá-la. O drama mais grave de nossa época se refere à brecha entre nossa capacidade para governar os sistemas sociais e a complexidade crescente que estes oferecem para ser conduzidos até objetivos assumidos democraticamente. Esta brecha é crescente, e quiçá continue crescendo por muito tempo, porque nós temos nos preocupado muito mais sobre o avanço das ciências naturais para ganhar capacidade de governo sobre a natureza e muito pouco das ciências, técnicas e artes da ação no sistema social, para conquistar novas fronteiras de eficácia na arte de governar nossos países. Os elétrons de hoje, e o mundo físico em geral, tem a mesma complexidade que há milhões de anos atrás, entretanto nossos países têm hoje sistemas sociais infinitamente mais complexos que os da antiguidade. O sistema social não somente é muito mais complexo que os sistemas naturais, senão que tem uma complexidade crescente e de natureza distinta. O sistema social não somente segue leis, como também cria leis. É um sistema criativo. Entretanto, o homem tem concentrado seu esforço de pesquisa no desenvolvimento de teorias que melhoram cada vez mais sua capacidade de governar o mais simples e estável, a natureza, enquanto descuida do desenvolvimento de sua capacidade para governar o crescentemente mais complexo, a sociedade. Para governar não só se requer arte, como também uma dose crescente de ciências. Mas não quaisquer ciências e sim aquelas capazes de abordar os processos criativos e os problemas quase-estruturados, onde conhecer nem sempre é sinônimo de encontrar leis que regem os processos, e a objetividade deve ceder vez à rigorosidade. Este é o principal desafio que se coloca em governar na democracia. Aqui surgem varias interrogações: estamos aproveitando nosso tempo nos preparando melhor para conduzir e participar em processos de mudança, desde os mais modestos até os mais 38

transcendentes? os partidos políticos da América Latina estão conscientes que necessitam de algo muito mais complexo que suas escolas de administração pública para preparar as novas gerações de dirigentes? temos sido capazes de compreender que manejamos mal a economia, fazemos mau uso dos recursos de poder, desperdiçamos tempo e recursos ociosos e somos geralmente incapazes de organizar com eficácia e eficiência, em vez de culpar o destino, o mundo exterior ou a crise econômica internacional? Temo compreendido que para modernizar o Estado se necessita primeiro modernizar os modernizadores? sabemos agora, pela experiência de nossos fracassos, que governar não só é uma arte e que governar com o signo do progresso e da democracia requer mais do que uma maior dose de ciência e técnica? compreendemos agora as limitações do enfoque de planejamento do desenvolvimento que nos guia há vinte ou trinta anos? Certamente não se trata de tecnocratizar a política e a arte de governo, senão de reconhecer que em todas as atividades humanas, incluídas as de governar, existem e se desenvolvem constantemente ciências e técnicas que não podemos ignorar. Ainda mais, devemos contribuir para sua criação segundo nossos meios.

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ENTREVISTA DE MATUS À TV ARGENTIA

D - Atualmente é Presidente de uma Fundação que se chama ALTADIR (Alta Direção) que tem sua sede em Caracas, Venezuela, e que assessora governos sobre algo que nos chama muito a atenção: Planejamento para governar. Carlos Matus é economista pós graduado em Harvard. Obrigado por estar conosco. M - Muito obrigado pelo convite. D - Como se pode entender isto de Ministro de Allende pós graduado por Harvard? M - Bom, são as aparentes contradições da vida. Eu me eduquei na Universidade do Harvard com um espírito crítico, sempre com uma visão de servir, com vocação de servir às pessoas mais humilde de meu país. De maneira que o que assimilei em uma universidade tão famosa como ela, sempre trato de pô-lo ao serviço das grandes maiorias. É uma questão de valores, de convicções. D - Há três ou quatro meses atrás tivemos um bate-papo privado com Carlos Matus, em uma visita sua a Buenos Aires, sobre a qual já passamos um fragmento dois programas atrás, e naquele momento Matus se referia a algo que podia ser entendido de que, naquele momento histórico, “Salvador Allende e os seus ministros eram os iluminados, os melhores dirigentes políticos do

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mundo que podiam resolver a problemática do Chile”. Passaram-se muitos anos daquilo. Seguem pensando que eram os melhores? M - Não, passaram muitos anos e eu me dediquei a uma reflexão constante sobre o que foi nosso governo, nosso governo foi um governo muito honesto, muito sacrificado e com grande seriedade no sentido de que não evitar os problemas, enfrentá-los, enfrentar minorias muito poderosas. Mas eu acredito com a visão de hoje que em primeiro lugar nosso projeto não era correto, era muito estatizante. Nós acreditávamos que fundando uma grande área de propriedade social nós democratizávamos a economia, passamos por cima de nossos problemas, menosprezamos o mercado. Em realidade para nós o mercado era algo que tínhamos quase que substituir, era também um sinal daquele tempo... não? Em geral, naquela época os projetos políticos não eram nativos e sim trazidos de fora. E eu acredito que agora temos uma nova oportunidade não só pelo fato de que já ocorreram vários ensaios novos na América Latina, com a gente progressista, mas também pelo fato que afundou esse projeto socialista europeu, esse fato trouxe uma crise profunda do ponto de vista ideológico, o que hoje nos deixa um espaço de liberdade pela primeira vez na história da América Latina para nos pensar por nós mesmos, o que é um projeto progressista. Eu me dediquei a isso, mas mais fundamentalmente a um aspecto relacionado com essa nova realidade. Caso tivéssemos um bom projeto, Como se pode governar? Pode-se falar improvisadamente? Os projetos políticos podem seguir sendo como são? Ou realmente temos que dar-lhes teoria e métodos para governar. D - O novo político está formado? Você crê que o político deve ser professor universitário ou a intuição deve ser o fator fundamental para que ele seja um representante dos problemas da sociedade? Porque a gente pensa que os políticos muitas vezes entram em discussões de toda natureza e se esquecem dos problemas das pessoas. Onde esta o tema de fundo? Porque vocês dizem: planejar, governar, mas por outro lado o político diz: sou eu que represento! Eu sei o que as pessoas querem, eu os interpreto e nada mais faz falta. Por isso chamo os especialistas e tecnocratas e lhes digo “façam isto porque eu sei o que quero fazer”. M – Bom, aí está a explicação do desengano e da insatisfação que as pessoas tem com os políticos, em geral na América Latina; todos os políticos e os partidos estão desacreditados. Então eu quero aproveitar esta entrevista para usar uma linguagem dura para contrapor um estilo anestesiado de muitos políticos. Os políticos normalmente não reagem a estas críticas, acredito que temos que usar a linguagem dura o necessário para que eles sintam. Primeiro: O que caracteriza o atual estilo de se fazer política na América Latina? – a mediocridade! – essa que gera a inatividade das pessoas. Este estilo medíocre de se fazer política não pode dar resultados. A conseqüência dele é que as pessoas esperam que alguém venha e solucione os seus problemas, para isso escolhem seus governantes. D - Quando diz mediocridade refere-se a um tema intelectual ou à incapacidade para resolver os problemas? M - Não é um problema intelectual, eu creio que na América Latina sobra inteligência. Se me permitir, queria centrar em cinco pontos o que quero comunicar. Não é um problema de capacidade intelectual, são cinco problemas: Primeiro: A política em nossos países está desfocada dos problemas da gente. A política gera seus próprios problemas e os políticos se dedicam a resolver os problemas da política, não os problemas da gente. Segundo: A alta direção política acredita que basta com a improvisação, a experiência, o bom senso e a profissão que se adquire na universidade para governar. Acreditam que um bom médico pode ser um bom ministro da saúde, que um bom economista pode fazer uma boa política econômica, falso. Há ciências e técnicas de governo que venho desenvolvendo ao longo dos últimos anos, e que em geral os políticos ignoram e nisto existe o que chamamos uma disfunção de segunda ordem: Não sabem que não sabem e não podem aprender, daí que estão anestesiados, não atendem aos chamados da razão. Terceiro: Em nossos países domina o que poderíamos chamar sistemas de baixa responsabilidade. Ninguém lhe cobra contas por desempenho a ninguém. Por conseguinte, dá no mesmo fazer bem quanto fazer mal. Isso facilita a falta de ética, a corrupção e a mediocridade. Em meu conceito a corrupção não é um problema do corrupto, é um subproduto da mediocridade do sistema político. Quarto: Os partidos políticos são meros clubes eleitorais. Não têm centros de formação de seus dirigentes, não se preocupam com a formação de seus líderes, não têm centros para pensar seu país. Por exemplo, O partido conservador inglês tem um think tank para pensar a Inglaterra nos próximos 30 a 40 anos e tem centros de formação de líderes. Eu pergunto qual partido político na América Latina tem algo similar? Nenhum! São meros clubes eleitorais. Cinco: Os governos são sistemas ultracentralizados. Estão muito distantes das pessoas. O grande avanço nesse campo é a municipalização da política. Isso é uma simplificação. Tome como exemplo Guayaquil no Equador. É uma cidade com dois milhões de habitantes, os problemas que tem que resolver esse prefeito numa cidade como essa...

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Quanto vale para esse prefeito um buraco em uma rua? Ou seja, há um problema de democratização que passa pela descentralização profunda do sistema político que tem que ser urgentemente abordada. Eu creio que aí estão as cinco causas fundamentais do descrédito que a política e os políticos sofrem atualmente. D - Pode-se separar a mediocridade do político, da mediocridade dos governantes no país? M - Já disse de antemão que ia exagerar, porque quando um sistema está anestesiado não se pode usar palavras suaves. Admito o exagero. Há um círculo vicioso, quando a política está anestesiada, a melhor gente do país não entra na política. Entende? Há uma auto seleção para baixo, é tremendo. As pessoas se afastam da política, quem é honesto se afasta da política, quem pensa se afasta da política. Eu estou convencido que não é um problema de nível intelectual. Eu tenho muitos amigos no campo da política e acredito que seria uma séria uma calúnia se eu dissesse que o problema é de nível intelectual. Não, é de uma convicção muito profunda de que a política não exige nem teoria nem métodos, que basta com a experiência, o sentido comum; que a política é quase arte pura. Eu acredito que fazer prática política tem problemas muito complexos sobre os quais nossas universidades estão de costas. Quando digo que a corrupção não é um problema fundamentalmente de valores ou de gente corrupta, faço-o com a convicção de ter estudado o problema em vários seminários que fiz para a Transparência Internacional (TI), para dissolver este mito de que a corrupção é um problema de ética. É um problema de mau desenho das regras do jogo social que incitam à corrupção. De maneira que se houver desonestidade na política, e há menos honestidade do que a gente crê, não estou exagerando, esse é um subproduto da mediocridade do estilo de fazer política. Mau desenho das regras. Em um sistema alfandegário mal desenhado, com taxas absurdas, sem controles adequados faz com que as pessoas procurem encontrar a forma de evitá-los e daí vai surgir a corrupção. Ou se eu ignorar o mercado e fixo os preços, isso é um convite à corrupção. Nossa América Latina está infestada de maus desenhos de sistemas que convidam a corrupção. D - Isto é o que se sustentou na Argentina de que tínhamos alguns esquemas de política econômica que geravam corrupção de maneira estrutural. O controle de preços, por exemplo: preços máximos, limites, gente autorizada para autorizar os preços gerava corrupção... M - Eu quero dizer isto, não creio que os suecos ou os noruegueses sejam mais honestos que nós; o que há lá é que eles têm sistemas de alta responsabilidade, melhor desenhados, que deixam menos espaço à corrupção. Não quero reduzir a zero o problema da ética, agora, com respeito ao segundo ponto de vista é óbvio que eu não vou sustentar um ponto de vista tecnocrático sobre a política. Isso está longe do que eu quero propor. A política é uma arte que ainda não entendemos bem. Tem-na certa gente e não o tem outra gente, isso gera liderança. Mas não há nenhuma arte no mundo, nem a pintura, nem a música, nem a dança, nem nada, que não tenha um aspecto de técnica. O que eu creio é que nossos políticos carecem totalmente da dose de ciência necessária. E isto responde a algo muito mais profundo, a como que se faz ciência de governo e em qual universidade, porque se não se faz ali se educam os políticos. A universidade tem departamentos, está departamentalizada. Eu estudo economia, Medicina, Ciências Políticas, mas a realidade não reconhece departamentos, a realidade tem problemas que cruzam todos estes departamentos. E trabalhar com problemas, na prática, cria problemas teóricos que estas ciências verticais não resolvem. Então há um problema profundo de teoria e de método que é a base do meu argumento, aquilo que estou chamando ciência e técnica de governo, que a universidade ignora e os políticos ignoram. Eu acredito que há um ponto fundamental para entender por que a política é medíocre e entender que isso não é um problema de coeficiente intelectual. Hoje não creio que haja ciências que lhe dêem bom suporte à política, não as há. Há um grupo de gente no mundo, muito pequeno, que esta fazendo um esforço muito grande por criar esta ciência horizontal. Um exemplo, Como se analisa um problema quase estruturado na realidade? Um problema de saúde é um problema onde não tem nada a ver como nos ensinaram as coisas. As variáveis não são precisas, as relações entre as variáveis são imprecisas, a solução dos problemas são situacionais, bom para uns, mau para outros. Com quais métodos resolvemos isso? Ou seja, não é por acaso que um excelente médico fracassa como ministro da saúde ou que um bom economista fracassa redondamente fazendo política econômica. Porque não tem como analisar o intercâmbio de problemas que se gera quando eu tomo uma decisão econômica e pagamos um custo político ou pagamos um custo ecológico ou pagamos um custo ético... Como se analisa tudo isso? Como processo esses problemas? Como trabalho com a incerteza? Como trabalho quando acontecem surpresas? Como avalio as apostas que implica cada decisão política? Não é um cálculo preciso nem técnico, é um cálculo tecno-político, incerto, nebuloso. Tudo isso requer teoria e método não se encontram em nossa universidade. D - Mas o problema é de gestão ou técnico?

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M - Não é propriamente de gestão nem tampouco técnico, usamos a palavra tecnopolítico. Falta-nos o raciocínio tecnopolítico, o integrador horizontal de todas estas ciências verticais. Não é por acaso que todas as tentativas de reforma ou modernização do aparelho público na América Latina sejam um completo fracasso. Eu acredito que os governos não querem fracassar nisso. Há um vazio profundo na teoria da administração; quem quer modernizar foi formado na escola tradicional de administração pública, não sabe de análise estratégica, não sabe de planejamento moderno, não sabe de teoria das macroorganizações, não sabe como enfrentar o problema de criar sistemas de alta direção potentes. Então, quando não sabem os técnicos menos podem saber os políticos. D - No currículo das universidades, todos os aspectos que você assinalou, os programas relacionados com a ciência política os têm em seus programas. M - Permito-me duvidar D - Bom o convido à universidade... M - Eu gostaria de aceitar esse convite e analisar o seguinte: Um: Há uma disciplina que se chame análise estratégica? Dois: Há uma disciplina que se chame avaliação e monitoramento de gasto público? Três: Há uma disciplina que se chame desenho do gabinete do governante? Etc., etc... eu poderia citar vinte disciplinas mais. Só há uma que eu escutei que se chama estratégia e técnicas de negociação, a única... Não há nenhuma universidade na América Latina onde se aprenda teoria das macroorganizações!!! Como vão modernizar o aparelho público? Ou seja, há um problema de universidade, não convém que a gente da universidade só se defenda, tem que haver uma reflexão crítica. A universidade está de costas aos problemas das pessoas. O que é esta ciência horizontal? Porque não está na universidade? Um sistema político centrado nos problemas que gera a política gera muitos politiqueiros e poucos lideres e quase nenhum estadista. Se o que domina é a micro política e os problemas da política...há “lideranças”, pessoas que são capazes de organizar 200, 300 pessoas, têm energia, trabalham, respondem, entretanto são meros serviçais. Líder é uma pessoa que vê além da curva, quando eu vou caminhando por uma rua todos os seres normais vêem até onde há uma curva, mas o líder tem a obrigação de ver além da curva. E o estadista tem a obrigação de ver além de onde há caminhos. Então qual é a exigência para que se formem líderes? Baixa, porque são sistemas de baixa responsabilidade. Não há exigência, a gente em lugar de exigir qualidade se retira da política, abstém-se da política, transformam-se em independentes, dizem: eu não tenho nada a ver com a política. D - Mas não andam reclamando cada vez mais para que os políticos sejam responsáveis? M - Sim senhor há reclamação, mas não ação. Reclamação: queixo-me, mas não entro na política e digo, “eu vou substituí-los”, ou “eu vou formar um partido político”. É um mundo no qual “se eu não tenho como entrar, abstenho-me”. Em meu conceito não bastam as eleições, que é o único mecanismo que temos agora para que a gente avalie os políticos. Em primeiro lugar cada vez vota menos gente, há países onde vota menos de 20% da população. O que faltam são sistemas de cobrança de conta por desempenho. No sentido que se eu político disser: “vou construir 50.000 moradias populares”, alguém lhe cobre contas sobre isso. Ou se eu for Ministro da Saúde e digo “vou fazer tal coisa”, o presidente não me cobra conta, eu não lhe cobro conta meu diretor. Tudo dá no mesmo, fazer ou não fazer. D - Algo bastante geral é que o político na campanha eleitoral diz que vai fazer muitíssimas coisas e depois encontra com que a realidade é outra e então tem que começar a tocar seus esquemas. Porque “agora que estou do outro lado, não tenho os recursos com os quais pensava fazer as moradias... não posso aumentar o salário dos professores como prometi que ia fazer porque não tenho dinheiro”. Não há uma distorção entre a realidade do político que está fora tratando de incorporar-se ao poder e do exercício efetivo do poder através do governo? M - Eu creio que infelizmente em nossos países, como em quase todo mundo, há uma certa dissociação entre o momento eleitoral e o momento de governo. Onde no momento eleitoral nos sentimos na obrigação de prometer tudo, com absoluta irresponsabilidade. E no momento do governo nos encontramos com duas coisas: Primeira – que há muitas restrições, que não tenho os recursos para fazer, mas, além disso, nos encontramos com a incapacidade de processar problemas concretos no político que não domina ciências e técnicas de governo: não sabe como fazer as coisas. Então, encontra-se com duas restrições: sim sabe ganhar eleições, sim sabe competir com o outro. O que é o que quero dizer com isto? Que até agora a

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política esteve pautada pela competição entre os que jogam o jogo eleitoral e não está ainda pautada pela competição por quem vai resolver os problemas das pessoas. (…) Quando falam de planejamento, falam de planejamento determinístico. Esta idéia de que quando eu faço um cálculo, “eu faço tal coisa, eu obtenho tal resultado”. Isso não existe no jogo social, não se pode fazer, o jogo social é nebuloso e complexo. São cálculos imprecisos. Estou obrigado a trabalhar com variantes, estou obrigado a trabalhar com cenários. Há um texto em um livro de Tolstoi que se chama “Guerra e Paz” que é muito ilustrativo sobre um modo de raciocinar de forma politicamente correta. Um modo não determinístico de raciocinar, que infelizmente não estão em nossos gabinetes de planejamento. Ali cita uma passagem onde o Príncipe Andrei, um general russo, que se tem que se defender das tropas de Napoleão e não sabe por onde o inimigo vai atacar, incerteza! Como um Ministro da Economia tem muita incerteza sobre o preço de muitos produtos, sobre muitas coisas, sobre a reação das pessoas às suas decisões. Então, ele não raciocina dizendo: “suponhamos que”... raciocina como raciocinam geralmente os economistas que sempre se equivocam. Príncipe Andrei raciocina: “Se o inimigo atacar pelo centro eu faço esse plano, se o inimigo atacar pelo flanco direito eu tenho outro plano, ou seja, enumera possibilidades e se prepara para todas elas. Isso se chama cálculo de previsão sob incerteza. Eu me pergunto: quantas unidades de planejamento…, das que restaram – porque a maioria desapareceu, e felizmente desapareceram, porque com esse planejamento tradicional não se vai a nenhum lugar. Mas, das que restaram, quantas trabalham com cálculo de previsão... nenhuma! seguem fazendo projeções quantitativas e ainda por cima com dois dígitos, um absurdo! Então, o político com senso comum, porque a única coisa que não podemos dizer é que o político não tem senso comum, tem! Ao político com senso comum agudo, esse planejamento, como lhe soa? Inútil. Completamente inútil. D – O senhor quer dizer que o planejamento tem seu papel e é parte fundamental nos aspectos de política ou de governo, mas sem dúvida não estamos falando do planejamento tradicional, mas sim de um planejamento que mudou totalmente. M - Planejamento Estratégico da ação, posso assim chamá-lo. D - Por exemplo, um caso como Cuba. M - Não é planejamento, é um sistema rígido, imperativo, determinístico e economicista, curioso.... marxismo economicista não se planeja tecnopoliticamente. Eu não tenho nenhuma simpatia com esse planejamento, zero! D - E com o plano qüinqüenal argentino? M - Não o conheço. Mas não preciso conhecê-lo. Não me vou equivocar se disser que não trabalha com cenários, que tem cálculos de projeções deterministas e que provavelmente tenha cálculos pelo menos com dois digitos. Então não preciso conhecê-lo. Esta é a cultura da planificação que existe na América Latina, oxalá me equivoque. A palavra planejamento é má palavra para os políticos, porque a identificam com esse planejamento que, em meu conceito, para usar a linguagem que lhe corresponde, não serve para nada. Temos que refletir sobre como melhorar ou, melhor dizendo, revolucionar, o aparelho público de nossos países. D - Explique-me então como se faz? Em um de seus livros chamado “Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi, estratégias políticas” o senhor trata desse assunto. M - Esse é um livro que trato de como fazer análise estratégica sem falar besteiras. Métodos concretos para responder à pergunta: Isto é viável? Isto não é viável? Posso construir a viabilidade política ao meu plano? Em que base? Porque esse cálculo é diferente no estilo chimpanzé, é diferente no estilo Maquiavel e é diferente no estilo Gandhi?: O estilo Chimpanzé é o típico ditador do Caribe, que digamos está em decadência, mas vamos supor que em todo dirigente político há 2 ou 3 % de Chimpanzé. Em que consiste este estilo? Eu e eu. Não há projeto. Tudo para mim. O poder para mim. O poder pelo poder. Esta idéia se apóia em um livro fantástico de um grande primatólogo holandês que se chama Frans de Waal que escreveu um livro que se chama “A política dos chimpanzé”. Estudou por anos os chimpanzés nos zoológicos e uma das conclusões desse livro é que os chimpanzés fazem política, fazem coalizões, fazem alianças e governam para si. E se diferenciam dos ditadores porque não são tão sanguinários. Ou seja, o chimpanzé derrotado, na maioria das vezes, tem garantida sua vida. O chimpanzé que faz oposição tem garantida sua vida. De maneira que são mais humanos que os ditadores. O estilo Maquiavel, no que se apóia? Há projeto, mas tudo se sujeita ao projeto, não importa o consenso. Se não houver consenso, como tenho a razão, eu lidero e faço o que tenho que fazer e a maioria da população não sabe, e por conseguinte eu tenho o direito de impor meu projeto. Típico de um líder autoritário do estilo Maquiavel. Há uma frase de Maquiavel em o “Príncipe” que diz: “Custa muito fazer com que as pessoas acreditem e quando deixarem de acreditar terá que lhes fazer acreditar na força”. O estilo Maquiavel é muito especial, mas tem projeto, diferente do estilo chimpanzé em que o projeto é o líder.

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O estilo Gandhi é o contrário desses, há projeto, mas o projeto só vale se houver consenso. E o líder não tem nenhum direito maior que o que tem o mais humilde dos cidadãos. É o primeiro nos sacrifícios e o último nos benefícios. O exemplo é o que dá o líder. O estilo Gandhi é muito interessante de se estudar. Então, em todo dirigente político há uma mescla disto: um pouquinho de chimpanzé, muito de Maquiavel e um pouquinho de Gandhi. D - Os três tipos estariam dentro do político atual. Tomando alguns exemplos, os nossos políticos. transformações que se fizeram na Argentina nos últimos anos com consenso total da população?

Poderiam ter feito as

M - Se eu tiver a razão eu tenho o direito a fazê-lo, e só é uma questão de força não de consentimento. Ou seja, é uma questão de viabilidade política, não de aceitabilidade. Se tiver viabilidade política, ainda que tenha baixa aceitabilidade, eu devo fazêlo. É muito difícil dizer se tenho ou não tem razão. Eu estaria inclinado a dizer que por muitos anos esse raciocínio esteve correto e que é muito difícil dar o salto a um estilo de política tipo Gandhi, onde o conceito de tempo é completamente distinto. Gandhi dizia: Eu não reconheço inimigos, não reconheço oponentes só reconheço a gente que pensa diferente de mim. E só tem estabilidade uma solução quando eu compartilho o que tenho com o outro, embora tome o tempo que tome. É assumir outro tipo de homem. Eu creio que temos que lutar um pouco nesta combinação. Não devemos abandonar a dose de Gandhi, mas tampouco devemos cair na ingenuidade de que há certas coisas que nós temos que fazer contra certos interesses criados que são muito fortes e são minoritários e provavelmente a eles não os vamos convencer. (…) ii

Carlos Matus trata do tema “Estilos de se Fazer Política” em seu livro (Estratégias Políticas – Chimpanzé, Maquiavel e Ghandi –– Coleção Ciências e Técnicas de Governo – Edições Fundap). Nesse, fundamenta teoricamente como os atores políticos jogam o jogo político e social, enquadrando-os em três estilos, a saber: Estilo Chipanzé: o fim sou eu! Nesse estilo Matus baseou sua definição nos estudos que Frans de Waal realizou com chimpanzés, primatólogo e autor de uma série de livros – muitos dos quais voltados para o público não-especializado sobre os “nossos primos mais próximos”: Chimpanzee politics (1982), Peacemaking among primates (1989), Bonobo: the forgotten ape (1997), The ape and the sushi master (2001) Our inner ape (2005), onde chegou a conclusões que o levaram a afirmar que esses animais tem comportamentos similares aos dos humanos, entre esses o de fazer política, primária, entretanto política. O objetivo dessea política é o de ser o chefe para que, entre outros benefícios, ter mais comida e fêmeas. Usando esse fato como metáfora, Matus criou os fundamentos desse estilo no qual enquadrou, como exemplo, os ditadores sul americanos sanguinários e cheio de medalhas autoconcedidas. Denominou-o de estilo Chimpanzé. Nesse o objetivo principal está focado no próprio dirigente, o projeto é pessoal e qualquer meio para conquistar e manter o poder é válido, há o predomínio da interação conflitante onde sempre se disputa algo. Algumas características básicas, observadas por de Waal, desse estilo:   

Individualismo extremo na competição pelo poder, e alto valor da rivalidade individual; Hipervalorização da força e da agressão como critérios de superioridade e na definição de quem é o chefe; Alto valor da ameaça de outros em um sistema altamente competitivo;

 

Reparação do dano causado ao derrotado mediante reconciliação; Alta tensão na comunidade apesar do sistemático uso da reconciliação.

Estilo Maquiavel: O Projeto define o jogo Matus fundamentou sua definição em Nicolau Maquiavel, um dos mais conhecidos filósofos políticos de todos os tempos, que se tornou famoso por defender a visão de que um governante, se necessário, deveria ser cruel e fraudulento para obter e manter o poder. Seus críticos o denunciam como um homem que foi desprovido de moralidade, porém, seus admiradores afirmam que ele foi um dos únicos realistas que verdadeiramente entendiam o mundo político e que teve a coragem de descrevê-lo como ele realmente é. Em sua obra “O Príncipe” inaugurou um estilo de liderança que perdura até os dias atuais. Nesse o fundamento da busca e manutenção do poder é que “o fim justifica os meios”. Há uma total subordinação dos meios à superioridade dos fins, diferente do estilo anterior, nesse estilo há sim um projeto social, o projeto justifica a violência e com isso há um alto valor para competir por objetivos conflitivos; Alto valor para a ameaça que o outro representa; uso da violência em defesa dos objetivos considerados superiores; desigualdade no exercício dos direitos individuais. O poder é a fonte de privilégios. Matus ainda classifica em dois sub-estilos: 1.

Oposição política (medição política de forças); uma das partes deve vencer ou ganhar algo frente à outra. No jogo de oposição procura-se o desgaste do adversário e a fraqueza do outro. Predomina a lógica eu e meu adversário. No jogo de oposição, minhas opções e jogadas devem restringir as possibilidades do outro. Aqui as condições do êxito são a força e o primado da desconfiança.

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2.

Confronto violento (medição bélica de forças); procura anular a força do outro para impor-lhe nossa vontade. Predomina a lógica amigo-inimigo. No jogo de confronto violento, minhas opções e jogadas devem anular as possibilidades do outro. A condição do êxito aqui é a maior capacidade de violência; predomina a animosidade.

O Estilo Gandhi: A não violência Matus fundamenta esse estilo em Mahatma Ghandi, (Mohandas Karamchand Gandhi, mais conhecido como "Mahatma" (grande alma) Gandhi, liderou mais de 250 milhões de hindus na independência da Índia do jugo dos ingleses, baseou sua luta pela não violência, um exemplo dessa política aconteceu em 1930 contra as leis que proibiam os indianos de fazer seu próprio sal. Gandhi informou ao vice-rei, de que a desobediência civil em massa iniciaria no dia 11 de março. "Minha ambição é nada menos que converter as pessoas britânicas à não violência, e assim lhe faz ver o mal que fizeram para a Índia. Eu não busco danificar as pessoas.".. Nesse estilo no qual Matus destaca a força moral, o consenso e o jogo de coordenação e cooperação e profetiza que é o estilo de se fazer política no futuro, para que se tenha sucesso nesse jogo é imperioso que as partes colaborem para alcançar objetivos compatíveis ou propor um objetivo comum que sacrifica, no presente, algo dos objetivos particulares. No jogo de cooperação prevalecem a persuasão, as negociações de soma positiva, os acordos, a criação de instâncias de prevenção de conflitos e o ânimo de abrir espaços que eliminem os conflitos potenciais. Domina a lógica eu e o outro. O outro deve ser ganho, não vencido. O jogo cooperativo exige que minhas opções e jogadas mostrem ao outro possibilidades de benefício mútuo. A condição do êxito na cooperação é a confiança. Algumas características básicas são: 

É um estilo difícil de imitar. O próprio líder é o exemplo, ele não só é um servidor do povo que renuncia a todo privilégio,



como também se priva de tudo para poupar suas energias para o projeto político; A credibilidade da palavra é sustentada pelo exemplo pessoal do líder;

  

Baixo valor às ameaças dos outros; Proibição da violência e do engano; Abolição do conceito de inimigo;

  

Alto valor para o projeto; Alto valor para o consenso e para a cooperação; Domínio da força dos valores humanos e das grandes maiorias;



O líder é o primeiro entre os iguais, só declara o que pratica.

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