Modernização Periférica E Agricultura: A Transformação De Uma Realidade Agrária No Interior Do Estado De São Paulo.

July 18, 2017 | Autor: Anderson Pereira | Categoria: Geography, Human Geography
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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

ANDERSON PEREIRA DOS SANTOS

Modernização Periférica E Agricultura: A Transformação De Uma Realidade Agrária No Interior Do Estado De São Paulo.

Trabalho de Graduação Individual II

São Paulo 2013

ANDERSON PEREIRA DOS SANTOS

Modernização Periférica E Agricultura: A Transformação De Uma Realidade Agrária No Interior Do Estado De São Paulo.

Monografia apresentada ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Júlio César Suzuki

Trabalho de Graduação Individual II

São Paulo 2013

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

S237m

Santos, Anderson Pereira dos Modernização periférica e agricultura: a transformação de uma realidade agrária no interior do estado de São Paulo / Anderson Pereira dos Santos ; orientador Júlio César Suzuki. - São Paulo, 2013. 105 f. TGI (Trabalho de Graduação Individual)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de Geografia. Área de concentração: Geografia Humana. 1. Geografia agrária. 2. Citricultura - Itápolis (SP). 3. Questão agrária. 4. Agricultura. I. Suzuki, Júlio César, orient. II. Título.

Agradecimentos Uma pesquisa - independentemente de quem a faz (se geógrafo, físico ou biólogo) - significa muito mais do que a enumeração de fatos ou mesmo a análise dos resultados. O tema, por exemplo, nunca é escolhido ao acaso. Por isso, pesquisa é aptidão, gosto, desejo, anseio e comprometimento. Comprometimento

assumido

com

a

instituição

financiadora,

com

a

universidade a qual pertence o pesquisador, com o orientador e, em muitos casos, comprometimento do pesquisador para com o lugar de onde veio. Esse Trabalho de Graduação Individual não tem a pretensão de abarcar em sua totalidade as relações existentes na pequena cidade de Itápolis. Isso seria impossível. Mas, esta pesquisa pretende sanar uma dívida enorme deste pesquisador para com a sua terra de origem, uma dívida de gratidão com os seus conterrâneos, e, nesse sentido, pretendo pagar com comprometimento aos moradores de Itápolis pelos muitos anos de hospitalidade, permitindo à eles o reconhecimento da minha reflexão. Esta pesquisa surgiu, portanto, de uma angústia e de uma necessidade pessoal. Precisava dar satisfações aos mais de 40 mil itapolinos, dentre os quais muitos que me ajudaram e que deixei para trás quando vim para São Paulo em busca da minha graduação. Dessa forma, inicio meus agradecimentos: Agradeço primeiramente à Universidade de São Paulo e aos professores do Departamento de Geografia, pela formação que obtive. Agradeço ao professor Júlio César Suzuki pela orientação dedicada, pela compreensão nos momentos em que me faltava tempo e por ter me apresentado à Geografia Agrária.

Agradeço ao professor Anselmo Alfredo pelas aulas empolgantes e pelas dicas preciosas. Agradeço às Fundações, Organizações, Sindicatos, enfim, todas as formas de instituição e aos pesquisadores e autores com os quais dialoguei nesta pesquisa. Uma pesquisa é, acima de tudo, uma construção social. Agradeço aos meus pais, seu Sebastião e dona Ivone, e irmãs, Eliane, Jaqueline e Janaíne, pela preocupação e atenção que me dispenderam no decorrer de seis anos em que estive por São Paulo. Agradeço à amiga Sônia Rocha pelo fomento dado à minha formação. Sem você certamente não conseguiria ter chegado aqui. Agradeço ao Renan Carlos, meu grande amigo, pelos dias e noites em que pude passar ao seu lado jogando conversa fora. Agradeço à Rita de Cássia Santos e toda sua família, pois em vocês encontrei o apoio que precisava nesse período em que estive longe de meus familiares. E por último, agradeço aos amigos Gustavo Lisboa, Felipe Freitas, Guilherme Martins, Roberto Rosa e Noele Bianca, entre outros que injustamente possa ter me esquecido de citar aqui, pelas horas divertidas que passei com vocês e pelas conversas empolgantes que tivemos.

Resumo O município de Itápolis, localizado no interior do estado de São Paulo, é reconhecido nacionalmente como o maior produtor nacional de laranjas e, também, como o maior PIB agrícola do país. Apesar desse cenário positivo, a agricultura em Itápolis, baseada na produção de citros, vive um momento de crise e de transição. A laranja, que desde os anos 70 é seu principal produto agrícola e que foi a maior responsável por alçar Itápolis à condição de maior PIB Agrícola do país, vem perdendo, desde o fim da década de 1990, seu espaço no total da produção agrícola local, cedendo lugar, principalmente, para o mar de cana-de-açúcar. Assim, está em curso no município um processo de substituição de uma cultura menos intensiva em força de trabalho (laranja), por outra mais intensiva em força de trabalho (cana-de-açúcar). Na intersecção dessas problemáticas, tomamos como objetivo principal deste trabalho compreender a transformação da realidade agrária do município de Itápolis-SP a partir da crise da produção citrícola, gestada pelo processo de modernização periférica, compreendendo o processo de reprodução do capital, na sua acumulação e concomitante crise, como a determinante dessa transformação. Nesse contexto, buscamos compreender também quais as consequências para os trabalhadores do município, quando da introdução de uma cultura que é mais intensiva em força de trabalho.

Palavras-chave: Itápolis-SP, modernização periférica, reprodução crítica do capital, agricultura, citricultura, canavicultura, relações sociais de produção.

Peripheral Modernization And Agriculture: The Transformation Of An Agrarian Reality Within The State Of São Paulo

Abstract The municipality of Itápolis, located within the state of São Paulo - Brazil, is nationally recognized as the largest producer of oranges and also as the largest agricultural GDP (Gross Domestic Product). Despite this positive scenario, the agriculture in Itápolis, based on the production of citrus, lives a moment of crisis and transition. The orange, which since the '70s is its main agricultural product and that was largely responsible for the condition raise Itápolis to the largest agricultural GDP of the country, has been losing since the late 1990s its total space of local agricultural production, giving way for a sea of sugar cane. So, is underway in the municipality a process of replacing a less intensive culture in the labor force (orange), by which is more intensive in labor force (sugar cane). At the intersection of these issues, we take the main objective of this work to understand the transformation of the agrarian reality of the city of Itápolis - SP, from the crisis of citrus production - developed inside by peripheral modernization process -, including the process of reproduction of capital in its accumulation and concomitant crisis, as the determinant of this transformation. In this context, we also seek to understand what the consequences for employees of the municipality, when the introduction of a culture that is more intensive in workforce.

Keywords: Itápolis-SP, peripheral modernization, critical reproduction of capital, agriculture, citrus, sugar cane, social relations of production.

ÍNDICE 1. Introdução................................................................................. 01

2. Problematizando a área de estudo: a agricultura no município de Itápolis.................................................................................. 03 2.1.

A estrutura agrícola do município: citricultura e cana-deaçúcar.............................................................................................. 14

3. Produção, acumulação e crise em Marx................................... 23 3.1

O ramo citrícola............................................................................... 32

4. Mobilidade da força-de-trabalho...............................................

35

5. As relações de produção..........................................................

53

6. Citricultura: crise da produção..................................................

60

7. Considerações Finais...............................................................

88

Referências......................................................................................... 96

Anexos................................................................................................ 102 ANEXO A – Contrato de trabalho a título de experiência...........................

103

ANEXO B – Termo de rescisão de contrato de trabalho............................

105

Lista de Tabelas Tabela 01. Município de Itápolis. Empregos ocupados por grande setor de atividade econômica segundo o IBGE (1985-2003)...................

04

Tabela 02. Município de Itápolis-SP. Valor Adicionado (em %) 2003...........

07

Tabela 03. Município e Itápolis-SP: Principais explorações agrícolas........... 07 Tabela 04. Município de Itápolis-SP: Área cultivada em 2003 e 2008 (por cultura)........................................................................................

10

Tabela 05. Municípios com maior área colhida de citrus (em hectares) no estado de São Paulo em 2006 e 1997........................................ 15 Tabela 06. Municípios com maior produção de citrus (em toneladas) no estado de São Paulo, em 2006 e 1997....................................... 18 Tabela 07. Município de Itápolis – Empregos formais no cultivo de citrus em 2005 e 1998..........................................................................

19

Lista de Figuras Figura 01. Representação esquemática dos eitos da laranja......................... 58

Lista de Mapas Mapa 01: Localização de Itápolis no Estado de São Paulo e sua Ligação com a Capital Paulista...................................................................

03

Lista de Gráficos Gráfico 01. Município de Itápolis-SP - Cultura de Laranja: Área Colhida (em ha.) e Produtividade (caixas de 40,8 kg/ha) de 1990 a 2010......

67

Gráfico 02. Município de Itápolis-SP - Cultura de Laranja: Produtividade (caixas de 40,8 kg/ha) e Crédito Rural Agricultura Itapolina (em milhões de reais) de 1995 a 2010...............................................

72

Gráfico 03. Estado de São Paulo - Evolução do valor pago (em R$) ao citricultor pela caixa de laranja posta na indústria paulista (Out. 1994 - Dez. 2010)........................................................................ 81 Gráfico 04. Estado de São Paulo - Citricultura - Custo operacional médio com mão-de-obra dos pomares próprios das indústrias (caixa de 40,8 kg) - 2003-2010..............................................................

82

1. Introdução O município de Itápolis, localizado no interior do estado de São Paulo, é conhecido nacionalmente como o maior produtor de laranjas e, também, como o maior PIB agrícola do país, sendo responsável em 2002 por 0,6% de toda a produção agropecuária nacional. Já no contexto estadual, destacamos a participação de Itápolis no valor adicionado da agricultura em 2003, respondendo sozinha por 1,8% do total do valor agregado. A agricultura em Itápolis, baseada na produção de citros, vive, entretanto, um momento de crise e de transição. A laranja, que nos anos 70 se tornou seu principal produto agrícola, vem perdendo desde a década de 1990 o seu espaço no total da produção agrícola local, cedendo lugar, principalmente, para a cana-de-açúcar, fato apontado por agências de pesquisa (CATI, IBGE, EMBRAPA) e pesquisadores como Chamma (2009). Todos são enfáticos ao demonstrar a diminuição da produção citrícola e o crescimento vertiginoso da produção de cana-de-açúcar no município. Este momento representa, portanto, uma mudança brusca na estrutura econômica de Itápolis, que vê sua principal atividade agrícola gradativamente sendo substituída. Concomitantemente à modificação do perfil produtivo da agropecuária, ocorre uma forte mudança nas relações sociais de produção predominantes na cidade, tanto na área urbana quanto em sua área rural. Na intersecção dessas problemáticas, buscamos compreender a transformação, nas duas últimas décadas, da realidade agrária do município de Itápolis-SP, compreendendo o processo de reprodução do capital, na sua acumulação e concomitante crise, como a determinante dessa transformação.

Essa

reprodução

capitalista

produz

novas

espacialidades,

expressas

fenomenalmente na retração da produção citrícola e na expansão das áreas de produção cana-de-açúcar. Sendo assim, as principais questões que nos norteiam são: Como o processo de reprodução e crise do capital está determinando a retração das áreas de produção citrícola (ao passo que sua produtividade aumentou) e a expansão das áreas de produção de cana-deaçúcar no município? Quais as consequências para os trabalhadores do município, quando da introdução de uma cultura que é mais intensiva (cana-deaçúcar) em força de trabalho? Para compreender esse quadro agrícola é necessária a discussão de alguns dados econômicos, sociais e da estrutura agrária do município. Debruçar-nos-emos então, a partir daqui, à apresentação de dados secundários obtidos em pesquisa bibliográfica e em sites, visando, sobretudo, abarcar o incremento dos investimentos no setor agrícola no município num contexto temporal, dando maior visibilidade à produção citrícola. No segundo capítulo nos dedicaremos à delimitação teórica da pesquisa, apresentando os principais pesquisadores com os quais dialogaremos e destrincharemos conceitos marxianos como crise e produção. No terceiro abordaremos a migração de trabalhadores para a colheita do citros, dialogando principalmente com a teoria de Gaudemar (1977). No quarto capítulo trataremos das relações de produção na colheita da laranja, uma vez que para compreendermos a crise atual é necessário entendermos primeiramente sobre as relações que se desenvolvem no seu interior. No quinto capítulo buscaremos abordar a crise em si, tratando basicamente da busca incessante pela produtividade realizada pelo capital citrícola. Por último apresentamos as considerações finais.

2. Problematizando a área de estudo: a agricultura no município de Itápolis. O município de Itápolis, nossa área de estudo, se localiza na porção central do estado de São Paulo. Dista da capital paulista 360 km e pertence à 12ª Região Administrativa do Estado de São Paulo - Região Administrativa Central. O mapa da localização de Itápolis no estado de São Paulo está fixado abaixo. Nele podemos ver, ademais, os eixos que possibilitam o deslocamento da capital do estado até o município: SP-348 (Rodovia dos Bandeirantes) ou SP-330 (Rodovia Anhanguera), SP-310 (Rodovia Washington Luís) e SP-333 (Rodovia Carlos Tonanni).

Fonte: Extraído de Bordo (2006).

Se hoje Itápolis se destaca no contexto nacional por ser considerada, segundo as estatísticas, o município de maior PIB agrícola do país, é porque, ainda no século XIX, no contexto agrário exportador, uma força-de-trabalho de origem italiana e espanhola ali se fixou e se dedicou, inicialmente, às culturas de arroz e café. Esse último foi cultivado até a década de 80, sendo desde 1970 gradativamente substituído pela citricultura, em função de problemas econômicos e produtivos enfrentados por seus produtores. Atualmente Itápolis se destaca como um dos municípios grande produtores agrícola nacional. Segundo Bordo (2006), no ano de 2003, por exemplo, o PIB agrícola municipal atingiu a casa dos 690 milhões de reais, o maior do país. No mesmo ano, o setor agrícola respondia por mais da metade dos empregos com carteira assinada do município, como pode ser visto na Tabela 01. Tabela 01.

Fonte: BORDO (2006).

A Tabela 01 nos mostra que o número de empregos na agropecuária com carteira assinada aumentou em relação ao total de empregos no município, passando de cerca de 1% em 1989 para 52% 2003. Em 1985, 1,22% dos empregos do município com carteira assinada encontravam-se na agropecuária. Já em 2003, o setor agropecuário representava 52,46% do total de empregos formais do município. Segundo Bordo (2006), no período de 1985 a 2003 foram criados no município 4186 empregos formais no setor agropecuário, representando um aumento de 7.095%. Outros setores de atividade econômica tiveram sua participação relativa diminuída no mesmo período. Isso não significa, entretanto, que o número de empregos nesses setores tenha diminuído e muito menos que o número de empregos na produção agropecuária tenha de fato aumentado. Essas estatísticas não capitam a presença de empregos informais, ou seja, sem carteira assinada, fato que poderia indicar, por exemplo, uma participação maior do setor agropecuário nos anos anteriores a 2003. Bordo (2006) credita esse aumento significativo do número de empregos formais na agropecuária ao maior rigor na fiscalização desenvolvida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itápolis e pelo Ministério do Trabalho e Emprego a partir da década de 1990. Ademais, segundo o autor, também existe hoje no município um número maior de empresas cuja produção é ligada ao setor agropecuário, o que contribui para o aumento dos empregos nesse setor. Ainda segundo o autor, não devemos esquecer que mesmo os empregos dos setores industrial e comercial têm sua produção voltada primordialmente para o abastecimento do mercado criado pela agropecuária.

O grande número de trabalhadores na agropecuária relaciona-se ao fato de Itápolis ser o maior produtor nacional de laranja, com cerca de 10.500.000 plantas cítricas e uma produção de 659.697 toneladas da fruta no ano de 2004 (IBGE, 2006). Possui, também, vários estabelecimentos comerciais que comercializam as frutas, tanto no mercado interno, como para a exportação, e uma agroindústria de suco de laranja concentrado, filial da Sucocítrico Cutrale. [...] Ainda na agroindústria, a cidade é sede de uma destilaria de álcool (Irmãos Malosso Ltda.), uma empresa de óleos e gorduras vegetais (Triângulo Alimentos Ltda.), duas indústrias de doce de goiaba e extrato de tomate (Indústria e Comércio Xavante e Stella d’ Oro Alimentos Ltda.) e uma empresa de beneficiamento de café (Café Iguatemy Indústria e Comércio Ltda.). Mesmo os empregos industriais e comerciais, também dependem, em grande parte, da agropecuária, já que a maior parte dos empregos industriais são originados na agroindústria (laranja, cana-de-açúcar, óleos e gorduras vegetais, goiaba e tomate) e muito dos empregos comerciais originam-se dos cerca de 20 estabelecimentos comerciais, chamados popularmente de “barracões de laranja”, que empregam cerca de 200 pessoas, de acordo com estimativas da Secretaria do Comércio e Indústria de Itápolis. As empresas industriais Coberfibras, World Plastic, Citropack, Polysack e Implementos Agrícolas Brunelli também estão intimamente relacionadas com as atividades agropecuárias, pois os seus produtos são direcionados para a agricultura. A principal produção da Coberfibras é as caixas d’água. A World Plastic fabrica embalagens plásticas de produtos agrícolas, como caixas de laranja, por exemplo. A Citropack e a Polysack fabricam telas, coberturas e embalagens. Já a Brunelli fabrica roçadeiras usadas na agricultura. Os principais compradores destes produtos são os proprietários de sítios, chácaras e fazendas [...] (BORDO, 2006, pp. 142-143).

Com relação à composição da economia local, apresentamos a seguir a Tabela 02, que nos traz a contribuição relativa de cada setor da economia municipal ao valor adicionado1 total do município. Pela tabela, podemos perceber que, para o município, aproximadamente 70% desse valor provêm da produção agropecuária, enquanto que os outros setores todos somados respondem com apenas 30% do total do valor agregado.

1

O termo valor adicionado, segundo a Fundação Seade, refere-se ao “valor que a atividade agrega aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo, obtido pela diferença entre o valor de produção e o consumo intermediário”.

Tabela 02. Município de Itápolis-SP Valor Adicionado (em %) 2003 Agropecuária 67,78

Indústria 9,30

Serviços 22,92

Total 100

Fonte: BORDO (2006), modificado.

A agropecuária é, portanto, a força motriz da economia do município de Itápolis, tal como ocorre para muitos municípios do interior de São Paulo. Nas próximas linhas, destacamos algumas informações sobre o setor agrícola do município, principalmente com relação às culturas cultivadas, apresentadas a seguir nas Tabelas 03 e 04. Nessas tabelas estão presentes dados dos levantamentos realizados pela Prefeitura Municipal de Itápolis, em 2008, e pelo CATI, em 2003 e 2008. Na Tabela 03, apresentamos dados das 10 principais culturas agrícolas da cidade, em área ocupada, segundo o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável do Município de Itápolis de 2008. Tabela 03. Município de Itápolis-SP: Principais explorações agrícolas

* UPAs: Unidades de Produção Agropecuária (chácaras, sítios, fazendas etc.). Fonte: Prefeitura Municipal de Itápolis, 2008.

A Tabela 03, além de nos trazer informações sobre as 10 mais importantes culturas do município, nos informa sobre a estrutura fundiária da área rural da cidade. Nela podemos ver que, ao contrário da produção de laranja que no município se realiza numa grande quantidade de UPAs, a cultura de cana-de-açúcar representa para a estrutura fundiária local uma situação de maior concentração de terras. Assim, se na produção de laranja, aproximadamente 32 mil ha estão divididos, não igualmente, entre 1412 UPAs, na produção de cana-de-açúcar cerca de 35 mil ha estão divididos apenas entre 527 UPAs, o que denota, portanto, uma maior concentração das terras. A seguir, apresentamos uma passagem do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável de 2008, no qual seus idealizadores realizam uma pequena análise da estrutura fundiária da área rural de Itápolis. O Município de Itápolis têm uma área rural cultivada de 94.751,6 ha, dividida em 2.035 propriedades rurais, de acordo com dados do Levantamento de Unidades de Produção Agropecuária - LUPA (SAA, 2.008), que são gerenciadas em sua maioria por agricultores familiares. Há um grande número de pequenas propriedades, sendo 79,01% delas com área de até 50 ha (1.608 UPAs – Unidades de Produção Agropecuária) (PREFEITURA MUNICIPAL DE ITÁPOLIS, 2008, p. 03).

Ainda segundo o plano, existem no município de Itápolis 08 UPAs com área acima de 500 ha, e apenas uma UPA com área acima de 5.000 ha, possuindo ela uma área total de 6.050 ha. Não há informação, porém, sobre as atividades as quais se dedicaria o proprietário dessa última. Ainda na Tabela 03, vemos que as culturas de cana-de-açúcar (34.922 ha) e laranja (31.671 ha) são as de maior expressão territorial no município e que dividem espaço na economia local com as seguintes culturas, em nível de importância territorial: braquiária, milho, limão, gramas, manga, goiaba, eucalipto, tangerina etc. Além das culturas apresentadas na Tabela 03,

podemos destacar outras culturas já desenvolvidas no município, como o café, o arroz, o algodão e a pecuária (BORDO, 2006). As culturas de arroz e café já se configuraram como o principal produto cultivado no município. É importante salientar

que

essas

duas

últimas

atividades

não

deixaram

de

ser

desenvolvidas, porém deixaram de ter a importância territorial de outrora. Portanto, com base no exposto até o momento, afirmar que o município depende fundamentalmente da produção agropecuária não é um equívoco. Essa constatação se torna ainda mais verídica quando analisamos a participação do setor agrícola no total do PIB municipal. No ano de 2003, por exemplo, o município produziu uma riqueza total de aproximadamente 950 milhões de reais. O PIB agrícola municipal, no mesmo ano, atingiu a casa dos 690 milhões de reais, ou seja, aproximadamente 73% do total do PIB do município no ano de 2003 proveio da produção agropecuária. No mesmo ano, os outros setores da economia somados – indústria, serviços e comércio –, responderam com menos de 30% do total da riqueza produzida (BORDO, 2006). Se no planto nacional, o município desponta como o maior PIB agrícola do Brasil, sendo responsável em 2002 por 0,6% de toda a produção agropecuária nacional. No contexto estadual, destacamos a participação de Itápolis no valor adicionado da agricultura estadual em 2003, respondendo sozinha por 1,8% do total do valor agregado (BORDO, 2006). A forte ligação do município de Itápolis com o setor agrícola foi historicamente construída. Entretanto, a agricultura em Itápolis vive um período de mudanças e incertezas, o que procuraremos demonstrar a seguir. Para isso, apresentamos a Tabela 04, com informações de levantamentos realizados por SAA/CATI/IEA (2008) e CATI (2003, apud MIRANDA et. al. 2005), que nos traz

um compêndio das culturas desenvolvidas no município. A comparação entre as áreas plantadas para as variadas formas de produção é válida principalmente para aquelas culturas para as quais o CATI apresenta dados nos anos de 2003 e 2008. Assim, algumas culturas não possuem informação para os dois anos: algumas possuem apenas para o ano de 2003, outras apenas para o ano de 2008. Ao nos atentarmos para a análise da tabela, podemos ver a enorme quantidade de culturas agrícolas desenvolvidas em Itápolis. A área de cultivo dessas produções não atinge, entretanto, a cifra territorial alcançada pelas produções de laranja e cana-de-açúcar. Tabela 04

Fonte: SAA/CATI/IEA (2008); CATI (2003, apud MIRANDA et. al. 2005). Org. Anderson P. dos Santos

O importante a observar na tabela é a diminuição, no período de 2003 a 2008, da área ocupada por citros e braquiária e o aumento significativo da área

ocupada de cana-de-açúcar: a área de produção de citros passou de cerca de 39 mil ha, em 2003, para 32 mil ha, em 2008; também a área destinada à produção de braquiária, terceira principal atividade agrícola em extensão do município, diminuiu 11 mil 576 há; no mesmo período, a área ocupada para a produção de cana-de-açúcar aumentou aproximadamente 12 mil ha, saltando de 23 mil ha em 2003, para 35 mil ha cultivados em 2008. Além de nos atentarmos para as produções de laranja, cana-de-açúcar e braquiária devemos notar que as atividades que apresentam dados para os dois anos diminuíram em sua grande maioria a sua área cultivada: das 24 culturas que apresentam dados para os dois anos, 16 delas obtiveram uma queda na área produzida, dentre elas, além das já citadas citricultura e braquiária, temos culturas de grande expressão territorial como o milho e as gramas. Já as culturas que apresentaram aumento – 08 das 24 apresentadas –, excetuandose a cana-de-açúcar, são produções de menor expressão territorial, dentre elas podemos citar a goiaba, a manga, a tangerina e o limão. Não é difícil perceber, portanto, que há uma forte retração da área plantada de culturas como laranja e braquiárias e uma expansão significativa das áreas destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar. Como dito anteriormente, apesar do atual cenário positivo de crescimento da produção do setor agrícola no município, a agricultura em Itápolis, que é baseada fundamentalmente na produção de citros e mais recentemente cana-de-açúcar, vive um momento de crise e de transição. A laranja, que desde os anos 70 era seu principal produto agrícola e que foi a maior responsável por alçar Itápolis à condição de maior PIB Agrícola do país, vem perdendo, desde o fim da década de 1990, seu espaço no total da

produção agrícola local, cedendo lugar, principalmente, para o mar de cana-deaçúcar. O Sindicato Rural de Itápolis credita este aumento da cana sobre a laranja à crise pela qual os produtores de cítricos nacionais estão passando, causada pela incidência de doenças e pragas nos pomares (como a incidência de CVC - Clorose Variegada dos Citros, ou amarelinho -, de MSC - Morte Súbita dos Citros -, e a ocorrência de novos focos de Cancro Cítrico no norte do estado de São Paulo e triângulo mineiro), pelo alto custo da produção citrícola, pela baixa remuneração da produção e pela oferta excessiva de frutas críticas, que derruba acentuadamente os preços (ASSOCITRUS, 2005), explicação que buscaremos tencionar nesse trabalho. Paralelamente à crise interna da produção citrícola temos o desenvolvimento de políticas, nacionais e internacionais, favoráveis à expansão da produção de cana-de-açúcar2. Todos esses fatores levam hoje a produção citrícola a perder espaço no contexto agrícola municipal e nacional para culturas como a soja e a cana-de-açúcar. Tomando por referência esse cenário de crise e transição, nos dedicaremos a partir daqui a discutir a situação atual das produções citrícola e canavicultora, que, como foi visto, são as principais atividades agrícolas desenvolvidas no município de Itápolis.

2

Aguiar et al. (2009), ao analisarem a expansão da cana-de-açúcar no estado de São Paulo nas safras 2003/2004 a 2008/2009, creditam esse aumentou à alta demanda de álcool etanol para abastecimento de carros biocombustíveis. Nas palavras dos autores: “Para o período analisado houve um crescimento gradativo da área de cana-de-açúcar disponível para colheita em todas as RAs (Regiões Administrativas). As maiores taxas de crescimento anual, na maioria das RAs, ocorreram nas duas últimas safras, o que pode ser explicado pela alta demanda de etanol resultante do aumento de vendas de veículos bicombustíveis e o crescimento da exportação deste combustível. Os veículos bicombustíveis foram inseridos no mercado em 2003 e, em 2006, esse tipo de veículo atingiu 80% das vendas de automóveis e comerciais leves (excluídos os veículos com motor a diesel). Em 2008 as vendas ultrapassaram 90% e representam mais de 25% da frota nacional de veículos leves” (AGUIAR et al., 2009, p. 12).

2.1.

A estrutura agrícola do município: citricultura e cana-deaçúcar

Como dito anteriormente, o município de Itápolis se destaca no contexto nacional por ser o maior PIB agrícola do país. No entanto, Itápolis também carrega consigo a alcunha de maior produtora nacional e mundial de frutas de laranjas. Até chegar a Itápolis a citricultura atravessou um longo percurso. Originária do sul da China, exemplares de laranjas foram levados pelos árabes para o continente europeu inda na Idade Média. Após esse trajeto inicial, a citricultura foi introduzida no Brasil no período colonial e se expandiu rapidamente por todo o território nacional ao encontrar aqui melhores condições climáticas e de solo para se desenvolver (NEVES, 2010). O primeiro núcleo de efetiva produção citrícola do país se localizou nos arredores de Nova Iguaçu (Rio de Janeiro) por volta de 1920, e buscava abastecer o pequeno mercado nacional e preparar as primeiras exportações de laranjas para a Europa. Durante a década de 1940, a cultura seguiu os caminhos da cafeicultura, se projetando em direção ao Vale do Paraíba. Ao se expandir pelo estado de São Paulo atingiu a região de Araraquara e também o município de Itápolis na década de 1950 (NEVES, 2010). Já em 1970 era a principal cultura cultivada nos arrabaldes agrícolas da cidade. Nos anos posteriores, 1980 1990 e 2000, os investimentos na produção citrícola de Itápolis só fizeram aumentar. Atualmente, os laranjais são responsáveis pela geração de 80% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do município (BORDO, 2006).

Ao compararmos os dados sobre a citricultura no município de Itápolis, levantados pelas mais variadas agências (CATI, IBGE, EMBRAPA) e por pesquisadores como Chamma (2009), percebemos muitas informações destoantes, as quais apresentam variações significativas de levantamento para levantamento, principalmente quando abordam a questão da extensão territorial das culturas do município. Porém, todos são enfáticos ao mostrar a diminuição da área colhida da produção citrícola. A Tabela 05, abaixo, elaborada por Chamma (2009), apresenta a evolução da área colhida da produção citrícola para trinta municípios do estado de São Paulo que obtiveram a maior área colhida de citros nos anos de 1997 e 2006. Nela destacamos a presença do município de Itápolis. Tabela 05.

Fonte: CHAMMA (2009), modificado.

Ao nos atentarmos para uma análise da Tabela 05, percebemos que no período de 1997 a 2006 a área dos pomares colhida no município de Itápolis apresentou uma involução de cerca de 1600 ha (cerca de 1600 quarteirões de 100 metros de lado), passando de 33.184 ha em 1997, para 31.600 em 2006. A cifra, aparentemente pequena, não nos diz nada sobre a involução da área de produção de laranja, porém, devemos também considerar o fato de que no mesmo período, de 1997 a 2006, a área plantada de cana-de-açúcar no município de Itápolis passou de cerca de 20 mil ha para mais de 30 mil ha. Esse salto impressionante de cerca de 10 mil ha se deu em um período de menos de 10 anos, numa proporção de aumento de mil hectares plantado de cana-de-açúcar a cada ano (CATI, 1997, 2008). Outro fator importante a salientar na Tabela 05 é a redução da área planta de citros para a grande maioria dos municípios listados. Essa área somada em ambos os anos diminuiu de 404.956 ha, em 1996, para 325.159 em 2006. Alguns municípios, entretanto, obtiveram algum crescimento. Das 30 cidades que apresentaram grande área colhida em 1997, apenas cinco exibiram crescimento da área colhida de 1997 para 2006, são elas: Barretos, Limeira, Matão, Borborema e Tabatinga. Outras sete cidades que não figuravam entre as grandes por área colhida em 1997 passam a figurar em 2006, são elas: Aguaí, Botucatu, Guaraci, Ibitinga, Nova Granada, Pirangi e Tambaú. Do total de 37 cidades que aparecem como as maiores detentoras de área colhida de citros, tanto no ano de 1997 quanto no ano de 2006, apenas 12 obtiveram, no período, um crescimento da sua área colhida de citros; 25 diminuíram a sua área de produção. A seguir transcrevemos uma passagem

em que Chamma (2009) analisa a nova tendência de localização da cultura de citros no estado de São Paulo com enfoque na área plantada. A nova configuração para as áreas colhidas de citrus no ano de 2006 pode ser observada na figura 32, em que se comprova a redução da área ao longo dos anos, com ampliação dos espaços em branco em localidades que já se caracterizavam pela baixa produção citrícola em 1997 (figura 30), como as regiões de Marília, Presidente Prudente, Araçatuba, Registro, Sorocaba, Baixada Santista e da Grande São Paulo. Também com relação a 1997 foi mantida a concentração dos maiores cultivadores, de Colômbia a Itapetininga, abrangendo de José Bonifácio à Mococa. Contudo, o mapa de 2006 trouxe algumas mudanças: Mogi Guaçu passou para o grupo com área elevada, os municípios com elevada área passam a se concentrar ao redor de Itápolis e assim alguns cultivadores com área elevada em 1997 passam a apresentar área intermediária, como Descalvado, Brotas, Pirassununga e Botucatu. Santa Cruz do Rio Pardo, Cafelândia, Fernandópolis e Estrela D'Oeste são municípios que passaram de baixa área à área colhida intermediária. No balanço sobre a evolução da área colhida de citrus entre 1997 e 2006 houve uma redução de 19,71% para os 30 maiores colhedores, constantes em ordem decrescente de valor na tabela 67. Mogi Guaçu, que ocupou a primeira posição em 1997, teve mais da metade de sua área reduzida, o que lhe fez cair para o sétimo lugar em 2006. Mesmo Itápolis, que passou a ocupar a primeira posição em 2006 apresentou queda em sua área colhida ante os valores de 1997. Limeira e Barretos são dois municípios que apresentaram aumento de suas áreas, de tal forma que em 2006 assumiram a segunda e terceira posição, respectivamente. A importância destes trinta produtores se traduz na sua participação no total de área colhida, em ambos os períodos: em 1997 representavam 51,23% do total da área colhida de citrus e em 2006 chegaram a 52,14% (grifo nosso) (CHAMMA, 2009, p. 176-178).

Retomemos Chamma (2009), citado acima. Segundo esse autor, ao contrário da área colhida, que diminuiu entre os anos de 1997 e 2006, o total da produção citrícola do município de Itápolis aumentou no mesmo período. A seguir, na Tabela 06, listamos os municípios paulistas com a maior produção no setor citrícola nos anos de 1997 a 2006. Nela podemos ver a ascensão do município de Itápolis ao primeiro lugar geral de produção no período e uma forte queda, pela metade, da produção citrícola no município de Mogi-Guaçu.

Tabela 06.

Fonte: CHAMMA (2009), modificado.

Das 30 cidades que aparecem como grandes produtoras em 1997, apenas 09 apresentaram crescimento da produção de 1997 para 2006, são elas: Itápolis, Olímpia, Matão, Barretos, Limeira, Descalvado, Borborema, Itapetininga e Conchal. Outras seis cidades que não figuravam entre as grandes produtoras em 1997 passam a figurar em 2006, indicando, nessas localidades, um crescimento da produção de frutas. São elas: Aguaí, Botucatu, Gavião Peixoto, Ibitinga, Onda Verde e Tambaú. Do total de 36 cidades que aparecem como grandes produtoras, tanto no ano de 1997 quanto no ano de 2006, apenas 15 obtiveram um crescimento da produção; 21 diminuíram a sua produção. Segundo Chamma (2009), 314 municípios do estado de São Paulo

obtiveram uma redução da sua produção citrícola de 1997 para 2006, ou seja, 55% do total, dos quais 55 tiveram a completa erradicação de seus pomares. O novo mapa da produção de citrus, formado a partir dos valores de cada município em 2006, demonstra que a tradicional região produtora, entre Colômbia e Itapetininga, continuou a abrigar os municípios com os maiores volumes de frutas (figura 29). Itápolis e Aguaí, com 660.860 e 533.750 toneladas ou 16,19 e 13,8 milhões de caixas, respectivamente, foram os maiores produtores do estado, seguidos de municípios com produção elevada, representados por Matão, Mogi Guaçu, Barretos, Casa Branca, Limeira, Bebedouro, Olímpia e Borborema (CHAMMA, 2009, p. 166167).

Concomitantemente à modificação do perfil produtivo agrícola no município,

ocorre

também

uma

forte

mudança

nas

relações

de

trabalho/relações produtivas predominantes na cidade, tanto na área urbana quanto em sua área rural. A produção citrícola é fatalmente menos intensiva em força-de-trabalho que a cultura de cana-de-açúcar. Isso significa que na colheita dos laranjais, por exemplo, utiliza-se proporcionalmente uma maior quantidade de trabalhadores em comparação com o corte da cana-de-açúcar, estruturalmente mais mecanizado. Com

relação

ao

número

de

empregos

na

produção

citrícola,

apresentamos, a seguir, a Tabela 07, que nos traz uma comparação do número de empregos formais envolvidos na produção de laranja no Município de Itápolis nos anos de 1998 a 2005. Tabela 07.

Município de Itápolis – Empregos formais no cultivo de citros em 2005 e 1998. Número de empregos em 2005

Número de empregos em 1998

6.448

1.683

Fonte: CHAMMA (2009). Org. Anderson P. dos Santos

Esse aumento significativo do número de empregos formais na colheita da cultura citrícola deve ser pensado no contexto, como já assinalado, de uma maior fiscalização trabalhista desenvolvida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itápolis e pelo Ministério do Trabalho. Portanto, essas estatísticas não nos mostram a quantidade de empregos informais dentro da citricultura, o que poderia nos trazer um maior número de postos de trabalho para anos anteriores a 2005. Assim, no período apresentado, o número de empregos no município de Itápolis ligados diretamente à produção de citros aumentou de 1.683 em 1998 para 6.443 em 2005. Em suma esse número se refere a um aumento na contratação direta e legal dos chamados boias-frias, trabalhadores que se dedicam à colheita da laranja. É interessante notar, ainda na Tabela 07, que o aumento do número de empregos envolvidos na colheita da laranja não se deu apenas no contexto municipal, sendo significativo também no contexto estadual, ao passar de 29.693 empregos em 1998, para 89.341 empregos em 2005. Em seu trabalho que analisa, entre outras coisas, os principais municípios produtores de cana-de-açúcar do estado de São Paulo, Chamma (2009) não inclui dentre eles o município de Itápolis. Sendo assim, não pudemos captar informações exatas quanto ao total de empregos nessa cultura. No entanto, segundo o autor, no período de 1997 a 2006, não houve variação significativa no número de empregos na cana-de-açúcar em Itápolis, mantendo-se esse número constante, na casa dos 1.000. Contraditoriamente, a área de corte de cana-de-açúcar aumentou no mesmo período no município, indicando que essa cultura é, por natureza estrutural, muito mais intensiva em força-de-trabalho que a cultura de laranja.

Considerando tudo o que foi dito até agora, chegamos às seguintes e importantes considerações sobre a situação da produção citrícola no município de Itápolis: (1ª) Itápolis, no período de 2000 a 2010, diminuiu sua área colhida (de 33 mil e 184 ha colhidos em 1997, passou para 31 mil e 600ha ha colhidos em 2006) e aumentou sua produção total de citros (em 1997 colheu 632 mil e 796 toneladas, já em 2006 colheu 660 mil 860 toneladas); (2ª) Há uma expansão da área destinada à produção de cana-deaçúcar no município de Itápolis (de 2003 para 2008 essa área aumentou de 22 mil 877 ha para 34 mil 922 ha); (3ª) Há um processo, em curso no município de Itápolis, de substituição de uma cultura menos intensiva em força-de-trabalho (laranja), por outra mais intensiva em força-de-trabalho (cana-deaçúcar). Na intersecção entre essas três problemáticas, tomamos como objetivo principal deste trabalho compreender a transformação da realidade agrária do município de Itápolis-SP a partir da crise da produção citrícola, gestada pelo processo de modernização periférica, compreendendo o processo de reprodução do capital, na sua acumulação e concomitante crise, como a determinante dessa transformação. Nesse sentido, buscamos identificar a possível ligação existente entre a crise da citricultura e a expansão das áreas destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar, ou seja, compreender como o processo de reprodução e crise do capital está determinando a retração das

áreas de produção citrícola (ao passo que sua produtividade aumentou) e a expansão das áreas de produção de cana-de-açúcar no município.

3. Produção, acumulação e crise em Marx No capítulo anterior nos debruçamos sobre informações estatísticas a respeito das principais características e a situação atual das produções citrícola e canavicultora em Itápolis. Buscamos tematizar a retração da área colhida e a expansão da produção total dessas culturas no município nos últimos anos. A fim de compreender essa relação aparentemente contraditória nesse capítulo nos aprofundaremos nos conceitos de produção e de crise. Baseados nos escritos de Marx (2011), consideramos os ramos produtivos da laranja e da cana-de-açúcar como dois ramos de produção particulares, diferentes entre si pela configuração específica que assumem as categorias “capital” e “trabalho” nas suas relações no processo de produção. Ambos são totalidades dadas pela correlação diferenciada entre essas categorias. Mas eles não são somente produção particular, representam também todo o corpo social em produção, são momentos específicos da necessidade lógica e tautológica de reprodução ampliada da riqueza abstrata. Nesse sentido, ao se derivar o real até a categoria mais abstrata e geral que possui a capacidade de expressar a dinâmica dessas duas materialidades distintas (a produção de laranja e de cana-de-açúcar), teremos que ambas são formas de produção. Nossa investigação partirá, então, do processo produtivo, pois só assim temos a possibilidade de ascender à compreensão da crise do ramo de produção citrícola3. No entanto, como bem salientou Marx (2011), nosso objeto não é a produção geral capitalista, uma abstração que se gesta pela síntese de 3

Esse processo de derivação do real é exposto por Marx (2011) na Introdução dos Grundrisses, no subcapítulo “O método da economia política”.

múltiplos

determinantes.

Devemos

ter

como

objeto

mais

amplo

a

problematização de como esses ramos particulares se inserem ou não na reprodução geral da sociedade fundada no valor. Dialogamos assim com Alfredo (2008), para quem as análises do real devem ser pensadas no estudo da relação entre o particular e o geral, de modo que o primeiro seja a forma de acessar as determinações universais do capital. Nos escritos de Marx, encontramos uma primeira aproximação da sua compreensão do conceito de “produção geral” na Introdução de Manuscritos Econômicos de 1857-1858. Nela o autor afirma que toda produção se constitui como metabolismo da natureza realizado “pelo indivíduo no interior de e mediada por uma determinada forma de sociedade” (MARX, 2011, p. 43). Dessa forma, para Marx, a produção realizada pelos indivíduos é sempre socialmente determinada e, assim sendo, o ser humano se torna antes de tudo um ser social. Essa forte crítica marxiana recai diretamente sobre os postulados de economistas clássicos como Adam Smith e David Ricardo, que em suas análises tomaram indivíduos produzindo isoladamente. Ao contrário do que afirmavam esses últimos, segundo Marx, não devemos tratar do exame da produção do indivíduo isolado, pois esta ainda encontra-se no plano de uma representação caótica do todo4, e sim da análise da produção situada em determinada mediação social (NOZAKI, 2008). Uma vez socialmente determinada, a produção tem a capacidade de expressar as relações sociais gerais da sociedade na qual se insere e, além 4

Marx nos lembra ainda que um indivíduo apenas pode ser isolado se em sociedade, ou seja, não há como o ser humano se isolar se não no interior de algo maior que o compreenda (Marx, 2011).

disso, também representa a reprodução das relações sociais capitalistas. Essa compreensão é extraída de Marx (1996b) e, resumidamente, podemos observá-la na seguinte passagem: O processo de produção capitalista reproduz, portanto, mediante seu próprio procedimento, a separação entre força-de-trabalho e condições de trabalho. Ele reproduz e perpetua, com isso, as condições de exploração do trabalhador. Obriga constantemente o trabalhador a vender sua força-de-trabalho para viver e capacita constantemente o capitalista a comprá-la para se enriquecer. Já não é a casualidade que contrapõe capitalista e trabalhador como comprador e vendedor no mercado. É a armadilha do próprio processo que lança o último constantemente de novo ao mercado como vendedor de sua força-de-trabalho e sempre transforma seu próprio produto no meio de compra do primeiro. Na realidade, o trabalhador pertence ao capital antes que se venda ao capitalista. Sua servidão econômica é, ao mesmo tempo, mediada e escondida pela renovação periódica da venda de si mesmo, pela troca de seus patrões individuais e pela oscilação do preço de mercado do trabalho. O processo de produção capitalista, considerado como um todo articulado ou como processo de reprodução, produz por conseguinte não apenas a mercadoria, não apenas a mais-valia, mas produz e reproduz a própria relação capital, de um lado o capitalista, do outro o trabalhador assalariado (MARX, 1996b, p. 210-211).

Percebemos que a produção não é um ente isolado o qual pode ser analisado como algo que possui um fim em si. Ou seja, o processo produtivo não se encerra na produção da mercadoria e tampouco é somente produção desta última. O processo produtivo envolve a produção de mercadorias, de mais-valia, a reprodução das relações sociais de produção, o consumo de força-de-trabalho, de capital, de matéria-prima etc.. Nesse sentido, a produção é imediatamente consumo, distribuição e troca. Assim, Marx compreende a produção na sua interligação com o consumo, mas também incorpora na sua análise a distribuição (por exemplo, distribuição dos meios de produção) e a troca (por exemplo, a troca entre capitalista e força-de-trabalho no processo produtivo), todos os termos membros de uma totalidade, “diferenças dentro de uma unidade” (MARX, 2011, p. 53). Nesse momento, e ao contrário do que postulavam outros economistas clássicos para os quais os elementos se

interpolam de forma isolada, a análise do autor se desdobra no processo produtivo como um todo articulado, possuindo um carácter de totalidade. O resultado a que chegamos não é que produção, distribuição, troca e consumo são idênticos, mas que todos eles são membros de uma totalidade, diferenças dentro de uma unidade. A produção estende-se tanto para além de si mesma na determinação antitética da produção, como sobrepõe-se sobre os outros momentos. É a partir dela que o processo sempre recomeça. É autoevidente que a troca e o consumo não podem ser predominantes. Da mesma forma que a distribuição como distribuição dos produtos. No entanto, como distribuição dos agentes de produção, ela própria é um momento da produção. Uma produção determinada, portanto, determina um consumo, uma troca e uma distribuição determinados, bem como relações determinadas desses diferentes momentos entre si. A produção, por sua vez, certamente é também determinada, em sua forma unilateral, pelos outros momentos. P. ex., quando o mercado se expande, i.e., a esfera da troca, a produção cresce em extensão e subdivide-se mais profundamente. Com a mudança na distribuição, modifica-se a produção; p. ex., com a concentração do capital, com diferente distribuição de população entre cidade e campo etc. Finalmente, as necessidades de consumo determinam a produção. Há uma interação entre os diferentes momentos. Esse é o caso em qualquer todo orgânico (MARX, 2011, p. 53).

O caráter de totalidade a que se refere Marx, característico da produção capitalista, não deve ser transposto para outras formas de sociedade quando analisamos as suas produções, pois, como dito, a produção é apropriação da natureza mediada por uma forma de sociedade. Muito menos devemos ter as categorias específicas do modo de produção capitalista como determinantes supra-históricas, como leis naturais inalteráveis. Ao contrário disso, essas categorias têm data de nascimento e sua validade serve apenas para uma época histórica delimitada. Nessa compreensão está implícita a tese de que o modo de produção capitalista tem existência histórica determinada, assim como suas categorias, podendo ele próprio vir a criar as condições necessárias para o seu desaparecimento e substituição (GORENDER, 1996). Retomemos agora a análise da produção. Ela, sob o modo de produção capitalista, é sempre feita sob condições especificamente capitalistas, onde o processo de valorização tautológica do valor define as formas de organização

do trabalho – as relações de trabalho propriamente ditas – e ainda as tem como sua condição de sua reprodução. A despeito de sua potência determinante, o capital carece, portanto, de condições e categorias básicas para sua livre reprodução (Apesar disso, por exemplo, busca incessantemente se livrar da força-de-trabalho que tanto já explorou). Assim, para que ocorra o estabelecimento e o pleno desenvolvimento de relações fundadas na forma valor, um conjunto de condições históricas favoráveis é necessário a fim de possibilitar a acumulação ampliada da riqueza abstrata; entre essas condições temos: a separação dos trabalhadores dos seus meios de produção, o estabelecimento da noção de propriedade privada e a cisão e contraposição entre capital (capitalistas) e trabalho (proletariado). Dessa forma, no modo de produção capitalista, os trabalhadores devem aparecer no mercado como livres de toda a propriedade, mas proprietários de sua força-de-trabalho, para, como de forma natural, vendê-la ao capitalista. Nesse sentido, no centro do processo produtivo capitalista duas figuras se defrontam: a figura do capitalista, detentor dos meios de produção, e a figura do trabalhador, detentor da sua força-de-trabalho, tal como afirmam Alfredo et al. (2006) A força-de-trabalho acontece num momento histórico definido, ou seja, quando o trabalhador já constituído ou “livre”, quer dizer, expropriado de todos os meios de produzir, terá que vender o único bem (mercadoria) que lhe resta: sua força-de-trabalho, em forma de jornadas, horas, etc., ao proprietário dos meios de produção, o capitalista (ALFREDO et all., 2006, p. 7-8).

Como



salientamos,

a

produção

sob

o

capitalismo

tende

necessariamente à criação de mais-valor e é claro à reprodução das relações sociais capitalistas, mascaradas pela criação de mercadorias enquanto objetivo em si (ALFREDO et. al., 2006).

Fundamentalmente, o objetivo de toda forma de produção particular sob o capitalismo se resume na criação de mais-valia, reinvestida posteriormente para a produção de um volume maior de mais-valia a fim de realimentar o sistema de maneira ampliada e assim sucessivamente, até que crises imanentes venham abalar essa tentativa de acumulação infinita. Portanto, o anseio pela acumulação de capital e pelo enriquecimento, elementos distintivos do modo de produção capitalista, movem o sistema e assentam-se na busca constante do superlucro, um lucro acima do lucro médio de todos os capitalistas. Nessa tentativa do lucro, os capitalistas, enquanto personas do capital, são levados a revolucionar constantemente sua tecnologia e a diminuir seus custos de produção. Como consequência, temos sempre uma maior composição orgânica do capital (relação entre capital constante, maquinário, e capital variável, força-de-trabalho), ou seja, temos crescentemente uma maior participação relativa de maquinário no processo produtivo em detrimento da participação relativa de trabalhadores. Sob a compulsão da concorrência, que elimina as empresas estacionárias, os capitalistas, na condição de personificação do capital, anseiam por quantidades cada vez maiores de mais-valia. [...] Cada capitalista forceja por ultrapassar os concorrentes e, para tanto, busca introduzir em sua empresa aperfeiçoamentos técnicos (na acepção mais ampla) que lhe dêem vantagem sobre os rivais. Enquanto tais aperfeiçoamentos forem exclusivos de uma empresa, suas mercadorias serão produzidas com um tempo de trabalho inferior ao socialmente necessário, o que lhe propiciará certa quantidade de mais-valia extra ou superlucro. Ao se difundirem os aperfeiçoamentos a princípio introduzidos numa empresa isolada, desaparecerá a mais-valia extra, mas terá ido adiante o processo de aumento da produtividade social do trabalho, cuja resultante é a criação de mais-valia relativa (GORENDER, 1996, p. 40-41).

Da exploração da força-de-trabalho dentro do processo produtivo surge a mais-valia, quantidade de trabalho-hora não paga pelo capitalista (para além daquela paga através do salário) e por ele apropriada na forma de lucro. Essa

mais-valia move o sistema de tal forma que sempre se objetiva ampliar ao máximo essas horas não pagas: nos primórdios do capital, foi possível aumentá-la mediante a criação de mais-valia absoluta, isto é, mediante o prolongamento da jornada de trabalho, pela intensificação das tarefas ou ainda pela redução dos salários, de tal maneira que o tempo de sobretrabalho (a mais-valia) aumentava, enquanto se conservava igual o tempo de trabalho necessário para a reprodução dos trabalhadores (criador do valor do salário). Posteriormente, os limites para a extração da mais-valia absoluta foram, de certa forma, definidos através da fixação das horas máximas de trabalho diário, forçando os capitalistas a passassem para o domínio da mais-valia relativa: esta resulta do desenvolvimento das forças produtivas (investimento em maquinário), que eleva a produtividade social média do trabalho e barateia as mercadorias usadas no sustento da força-de-trabalho (que, diga-se de passagem, determinam o preço da força-de-trabalho), o que exige menor tempo de trabalho para a reprodução desta última. Por isso, sem que se alterem o tempo e a intensidade da jornada de trabalho, cuja grandeza permanece a mesma, altera-se a relação entre seus componentes: se diminui o tempo de trabalho necessário, deve crescer, em contrapartida, o tempo de sobretrabalho (GORENDER, 1996, p. 41).

À medida que os capitalistas se lançam em busca das inovações técnicas poupadoras de força-de-trabalho e necessárias à sua acumulação infinita, contingentes de operários são lançados no desemprego e se mantêm lá, até que a própria acumulação do capital os reavivam (ou não) para o trabalho. Portanto, a própria dinâmica do capital, através da revolução tecnológica, atua criando uma superpopulação relativa flutuante à sua disposição, também chamada de exército industrial de reserva. Dessa forma, a tendência de todo o processo é a diminuição relativa e absoluta do número de

trabalhadores no sistema produtivo. Também nos períodos de crise, de maneira exacerbada, hordas de trabalhadores são lançadas às ruas como forma de efetivar a sua desvalorização, e, por conseguinte, como forma de desvalorizar os salários. Ao contrário do que se postula, as crises de acumulação são imanentes à acumulação do capital. Dessa forma, não podemos subordinar o desenvolvimento global do modo de produção capitalista à noção de equilíbrio, ou

ainda

nos

basearmos

na

ideia

de

acumulação

infinita.

Esse

desenvolvimento se apresenta muito mais como uma unidade contraditória de períodos de equilíbrio e de períodos de desequilíbrio, cada um deles dando origem à sua própria negação (MANDEL, 1982). A crise, em Marx, surge da necessidade de acumulação infinita que constantemente encontra à sua frente barreiras à valorização do valor e tem a função cíclica de recuperação passageira do equilíbrio do sistema capitalista. Porém, esse reequilíbrio só é possível através da devastação das forças produtivas até então acumuladas. Essa depreciação age na: depreciação e destruição dos estoques de mercadorias, aumento da capacidade ociosa das empresas, falência de muitas delas ou sua absorção por outras, desvalorização do capital e, por último, geração maciça de desemprego, a fim de inutilizar grande parte da força produtiva e reconstituir o exército industrial de reserva (GORENDER, 1996). O que então determina a crise no sistema produtivo capitalista? Segundo Mandel (1982), não há um determinante único. De modo geral, poderíamos dizer que dados os imperativos da acumulação do capital, o

simples fato da não efetivação da reprodução ampliada ou ainda a tendência de queda na taxa de acumulação significariam indícios de crise. Porém, como se sabe, muitas são as categorias e variáveis que concorrem no processo produtivo para o bom andamento do sistema. Assim, como bem observa Mandel (1982) em seu livro Capitalismo Tardio, não podemos supor um único fator como determinante das crises do capital, pois, se assim agíssemos, estaríamos nos opondo claramente à concepção de que o capitalismo é uma totalidade dinâmica, cujas leis básicas de desenvolvimento agem de forma recíproca para que se produza um resultado específico. Ainda com relação às crises internas ao capital, Harvey (2005) argumenta que Se, necessariamente, a produção e o consumo se integram de modo dialético na produção como totalidade, resulta que as crises originárias das barreiras estruturais à acumulação podem se manifestar tanto na produção quanto no consumo, e em qualquer uma das fases de circulação e de produção de valor (HARVEY, 2005, p. 43).

A observação de Harvey (2005) nos traz mais uma componente a considerar quando da análise da crise da produção capitalista e suas manifestações

no

real.

O

importante,

entretanto,

é

salientar

que,

independentemente de onde ocorram, as crises sempre emergem a partir da existência de barreiras estruturais à acumulação do capital.

3.1.

O ramo citrícola

A citricultura é uma produção em particular, dada pela configuração específica que assumem as categorias “capital” e “trabalho” nas suas relações no processo produtivo. É, desse modo, uma forma específica de reprodução do capital no campo. Compreendida dessa forma, a citricultura nos permite acessar, através de sua análise, as determinações universais do capital. Tendo a sua crise como objeto de análise mais amplo, nos focaremos em entender como e porque tal realidade específica constituiria o trabalho produtor de uma riqueza abstrata. Nessa abordagem a crise é tida como momento intrínseco à reprodução capitalista, ou seja, é imanente ao capital e não deve ser tomada à parte, que atualmente se reproduz determinado pela sua forma crítica. Não vislumbramos, no entanto, a crise como impossibilidade de acumulação, ela é, fundamentalmente, a forma pela qual o capital se reproduz atualmente. O alicerce da reprodução capitalista mudou. Para nós não existe uma situação de acumulação infinita, leitura presente em geógrafos como David Harvey e Milton Santos. Vemos que, ao nos atentarmos para a sua essência, os fenômenos da sociedade são determinados hoje pela crise da reprodução capitalista. Assim, quando o capital se reproduz ele se evidencia como apenas acumulação, aparecendo estritamente como crise nos momentos de grandes inflexões. Porém, o capital é crise e acumulação, não havendo entre esses momentos descompasso temporal, ou seja, a acumulação hoje se dá pela crise e a crise é gestada pela acumulação. A acumulação é crítica, pois nega os seus pressupostos categoriais. Ensina-nos Marx que, para que haja acumulação, é necessária a produção de

mais-valor pela classe operária e trabalhadora. Entretanto, o capital, ao se lançar em busca da produtividade, insiste continuamente em exonerar a forçade-trabalho do seu sistema produtivo, se livrando da sua única fonte real de produção de valor. Esse processo descabido nos levou a uma situação em que, ao se aumentar os investimentos, reduz-se, contraditoriamente, a proporção de aumento da taxa de lucro do capital. Marx denomina essa situação de queda tendencial da taxa de lucro, descrita suscintamente por Pitta (2011) e transcrita a seguir. Em O Capital, Marx desvenda a contradição na reprodução capitalista a partir da "Lei Geral da Acumulação Capitalista" (MARX, 1983, I, t. I, cap. XXIII), como sendo entre dinheiro (que no processo produtivo é capital), que se valoriza através da extração de mais-valia, e trabalho, o fundamento social (POSTONE, 1993) que produz o valor. Conforme os desdobramentos do capital, o trabalho é substituído por máquinas no processo produtivo, tornando cada vez mais crítica a própria acumulação capitalista. O aumento da composição orgânica do capital (MARX, 1983) diminui o custo de reprodução da força-detrabalho, mantendo a acumulação capitalista possível até certo limite. A partir de determinado momento a taxa de lucro média cai tendencialmente, já que é no desenvolvimento das forças produtivas que um capitalista vence a concorrência frente aos demais capitalistas, ficando com um lucro maior do que o médio, o que retroalimenta o aumento da composição orgânica. A este fenômeno Marx denominou de queda tendencial da taxa de lucro (MARX, 1983). Este processo exige transformações nas formas de acumulação do próprio capital, determinadas pela crise imanente do processo de acumulação (PITTA, 2011, p. 11, grifos do autor).

Vemos que a acumulação nos ramos produtivos do capital se dá de forma crítica e, portanto, não há sentido algum em abordarmos a crise da citricultura enquanto impossibilidade de reprodução do capital. A crise é a forma como o capital se reproduz, no campo e na cidade. É uma reprodução crítica que, como veremos, por um lado reduz continuamente a proporção de força-de-trabalho

empregada

no

ramo

produtivo

e

busca

aumentar

constantemente a sua produtividade, a fim de manter a taxa de acumulação. Por outro lado, o aumento da produtividade age como processo seletivo entre

os produtores, força parte dos capitais improdutivos a transitar para outros ramos mais lucrativos e contribui para a centralização do capital no setor.

4. Mobilidade da força-de-trabalho Voltemos ao ramo citrícola. Toda produção tem um objetivo único e específico, qual seja o de extrair mais-valia, mascarada na produção da mercadoria e, para que isso ocorra, é necessário que capitalistas e trabalhadores se relacionem num processo produtivo. De certa forma, a configuração da relação capital-trabalho nos mais variados ramos se molda a partir de determinantes e processos históricos, a fim de satisfazer a extração da mais-valia pelo capital. Também na citricultura encontramos essas personas do capital, os submetidos ao processo de dominação fictícia. Aqui não analisaremos a fundo a construção das categorias boia-fria e produtor. Tomá-las-emos como dadas, nas suas relações no processo produtivo. Também deve ficar claro que o nosso objetivo não é a produção da fruta laranja. O que é fundamental aqui é compreender que a produção é o momento onde estão explícitas as relações de produção, que constituem parte da reprodução de uma sociedade maior. Para nós, a análise das relações de produção na citricultura nos permitirá ascender à compreensão de sua crise, uma vez que essas relações foram fundamentalmente gestadas pela crise da reprodução do capital. Nos trabalhos de campo realizados no município, tivemos contato com colhedores que, vindos de locais distantes, estão na região há 5, 10, 15, 20 anos: em sua maioria são originários dos estados do Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe e Bahia. Alguns retornam para sua cidade de origem após o fim da safra anual, porém, a maioria permanece no município, sem condições de retornar para casa. Para abrigar esses, construíram-se, nos últimos 20 anos,

inúmeras moradias populares na periferia pobre da cidade, originando os bairros denominados por eles como “CDHU” 5. Existem hoje no município pelo menos cinco desses bairros, todos com mais de 500 moradias populares cada. Foram planejados para, segundo a prefeitura do município, sanar o déficit de moradias da cidade, principalmente aquelas direcionadas a moradores de baixa renda (dentre eles os migrantes das safras da laranja e cana-de-açúcar). O que não fica claro, entretanto, é que esses bairros na verdade se constituem, para nós, como bolsões de reserva de força-de-trabalho. Locais privilegiados para a ação dos gatos e empreiteiros, tema que será analisado posteriormente. Outros trabalhadores são originários do próprio município. Alguns se lembram com saudosismo da infância passada nas antigas fazendas de colonos da região. Muitos são descendentes dos antigos migrantes colonos, trabalhadores das fazendas de café do sistema de colonato que vigorou no estado de São Paulo até aproximadamente meados da década de 1960 e início dos anos 1970. Esses trabalhadores diferem dos trabalhadores migrantes nordestinos apenas na origem, pois da mesma forma que aqueles habitam as periferias e vivem na dinâmica das safras, arrastando-se no movimento do capital. Nos dois casos temos a mobilização de uma superpopulação para o capital, que poderá ser utilizada posteriormente em suas ações subsequentes de valorização do valor. Nos dois casos há a expulsão dos moradores do campo, por processos diferenciados que no fundo carregam consigo a 5

A criação das casas populares é feita através de crédito governamental. Cada casa custa cerca de 25 mil reais e seu valor é parcelado num período de tempo de forma que a parcela mensal não exceda em 25% a renda do morador. A construção das moradias é realizada pelos próprios moradores, que têm de trabalhar nos finais de semana em forma de mutirão nas construções.

característica de serem naturalizados por esses sujeitos. Em ambos os casos a migração do campo para a cidade é atribuída, pela teoria Crítica, a momentos em que esses trabalhadores são privados da possibilidade de auto-reprodução com base no seu modo-de-vida, o qual sofreu pressão pela ingerência dos tentáculos capitalistas que os arrancam do campo. Uma questão, entretanto, precisa ser posta: em ambos os casos há a produção da categoria força-detrabalho, caracterizando uma situação de acumulação primitiva – posição defendida por Oliveira (2007) e pela teoria Crítica –, ou há apenas a mobilização dessa força, para ser reutilizada em ramos novos do capital? Ora, o que se sabe é que o processo de acumulação primitiva, no momento da estruturação do sistema capitalista, não se assentou sobre uma base capitalista e sim sobre resquícios de uma base feudal eminentemente camponesa, que, de forma sucinta, se reproduzia através da troca simples de mercadorias – representada em Marx pela fórmula “M – D – M”. Frisa-se que a acumulação primitiva do capital se deu sobre formas não capitalistas de produção, ou seja, quando Marx está nos contando sobre o processo de expulsão dos camponeses ingleses, pela expropriação de suas terras, somos levados à compreensão clara de que esse é o momento do surgimento da separação entre o possuidor dos meios de produção, inclusive possuidor da terra, e o trabalhador, o que caracteriza o início da forma capitalista de produzir – classicamente representada na fórmula “D – M – D’ ” –, porém, como bem nos lembra o autor, não resulta esta acumulação inicial diretamente do modo de produção capitalista. Essa compreensão de que a acumulação primitiva não possui especificamente um caráter capitalista está expressa, inclusive, na

passagem inicial do capítulo 24 do “O Capital”, denominado “A assim chamada acumulação primitiva”, que transcrevemos abaixo. Vimos como o dinheiro é transformado em capital, como por meio do capital é produzido mais-valor e do mais-valor se obtém mais capital. Porém, a acumulação do capital pressupõe o mais-valor, o maisvalor, a produção capitalista, e esta, por sua vez, a existência de massas relativamente grandes de capital e de força-de-trabalho nas mãos de produtores de mercadorias. Todo esse movimento parece, portanto, girar num círculo vicioso, do qual só podemos escapar supondo uma acumulação “primitiva” (“previous accumulation”, em Adam Smith), prévia à acumulação capitalista, uma acumulação que não é resultado do modo de produção capitalista, mas seu ponto de partida (MARX, 2013, p. 785).

Vemos na passagem acima que durante a fase da acumulação primitiva as formas de acumulação não estavam fundadas sobre o capital. Ocorre, entretanto, que a teoria da acumulação primitiva foi transposta para o contexto brasileiro como forma de buscar interpretar o denominado processo de industrialização ocorrido a partir da primeira metade do século XX, sem a necessária análise crítica das implicações dessa transposição. Vamos aos termos. Inicialmente devemos considerar que as relações de produção constituem a forma de reprodução do capital em uma sociedade inserida sob a égide da modernização. Isso nos leva a considerar que o Brasil e a sociedade brasileira não estiveram à parte do processo de modernização que ocorreu em escala mundial, mas sim se modernizaram em suas especificidades enquanto periferia do sistema capitalista. Assim, mesmo a sociedade brasileira da época colonial se mostrava extremamente moderna, ou seja, suas relações de sociais e de produção desde o início se apresentavam determinadas pelo processo de acumulação mundial capitalista. Era uma simultaneidade do processo de modernização mundial no qual, na sua condição de periferia do sistema capitalista, participou na sua forma de produção agroexportadora. Dito de outra

forma, podemos afirmar que o Brasil se estrutura como um momento e como uma necessidade da expansão mundial da empresa europeia e, nesse sentido, é produto da expansão do moderno. No limite estamos afirmando, ademais, que o Brasil participou diretamente da constituição inicial do capital, da chamada acumulação primitiva, na condição de produção agroexportadora, dada pelas trocas desiguais com a metrópole. Dessa forma, o Brasil se inseriu senão apenas de forma negativa, ou seja, ao ser uma simultaneidade da modernidade europeia, negava os pressupostos categoriais (o desenvolvimento e a existência das categorias, propriamente dito) daquela acumulação clássica, ao mesmo tempo em que garantia a extração de valor na periferia do sistema a fim de possibilitar a industrialização europeia. Assim sendo, pode-se dizer que a realidade da modernização

brasileira

foi

a

de

uma

formação

inicial

moderna

(estabelecimento de relações de produção fundadas na valorização do valor) antecipando a formação das categorias de uma realidade capitalista – haja visto que não haviam se constituído no Brasil categorias como propriedade privada, força-de-trabalho, proprietário dos meios de produção etc, que apenas no século XX se delineariam claramente –, como bem nos mostra Alfredo (2011) na passagem a seguir: Deste ponto de vista, tratou-se a colonização de, em primeiro lugar, desdobrar, através das relações monopólicas, uma forma de acumulação originária nas nações europeias, pelas trocas desiguais que eram a forma de ser deste comércio. Isto implicou numa realidade definida pelos sentidos da acumulação, ainda que as categorias deste conceito não estivessem formadas, mas somente pressupostas. Nesta medida, a colônia participa simultaneamente da modernização mundial já que as relações de produção na mesma constituem forma de ser da acumulação primitiva europeia. Como expõe Marx (1988), a colonização europeia se põe como um momento de acumulação

primitiva para o desenvolvimento do capitalismo industrial europeu (ALFREDO, 2011, p. 35-36).

A partir do exposto, vemos o quanto é questionável afirmar que ocorreram ou ocorrem processos nacionais de acumulação primitiva. Isso porque, como vimos, o Brasil nasceu moderno, fruto do processo de expansão marítima capitalista, o que equivale a dizer que o Brasil é contemporâneo à acumulação primitiva europeia, sendo a negatividade categorial a forma específica como se inseriu nesse processo. Dessa forma, com base em Marx, chegamos facilmente à compreensão de que houve na história do homem apenas um grande processo de acumulação inicial do capital. Nesse assalto aos camponeses também se estruturam as categorias centrais do sistema capitalista, aquelas sem as quais não é possível o processo de valorização do valor. O que estamos afirmando aqui é que não ocorreram (ou mesmo ocorrem) processos de acumulação primitiva que vieram ou venham a constituir as categorias do capital no contexto brasileiro, uma vez que o Brasil se estrutura no momento de deflagração do único real e original processo de acumulação do capital. Assim sendo, se o Brasil não está apartado do contexto mundial capitalista, podemos concluir que as ditas categorias do capital, que são parte constitutiva e primordial da sua reprodução, foram para cá exportadas posteriormente, ou seja, após o seu surgimento no contexto europeu. Dessa forma, as categorias do capital aqui estavam inicialmente ausentes, porém estavam pressupostas, uma vez que era permitida a extração de valor na colônia e esse, por sua vez, pressupõe as ditas categorias.

Negamos, assim, a teoria segundo a qual a cafeicultura (e mesmo outros ciclos produtivos) foi capaz de produzir, através de um pretenso processo de acumulação primitiva, as categorias inerentes à reprodução capitalista, dentre elas a categoria força-de-trabalho. Dessa forma, urge a necessidade de nos questionarmos quanto à validade de afirmar que a acumulação cafeeira teve condições

de

constituir,

através

da

acumulação,

um

processo

de

industrialização nacional. Transcrevemos a seguir uma bela passagem do texto de Alfredo (2013) intitulado “Formação nacional negativa e a condição energética na periferia brasileira”, no qual o autor faz uma brilhante análise da formação periférica brasileira, levantando pontos que corroboram com a nossa compreensão e que nos levam a questionar profundamente teorias até então postas sobre a acumulação primitiva proporcionada pela economia cafeeira. A formação do nacional brasileiro está sob os pressupostos de uma realidade periférica, o que conduz à necessidade de se compreender a particularidade da formação das categorias constituintes de um modus operandi social determinado pelo conceito de capital. Tal modernização implica em processos simultâneos em relação àquilo que se faz como modernização europeia, de modo que centro e periferia são formas da contradição de uma só totalidade, o capital. Nesta unidade, posta sob o tempo social médio de produção industrial, a periferia é o que, mediada e determinada pelo mesmo, se põe como o que o realiza em sua forma negativa, isto é, é o que não atinge o tempo social médio, embora o componha, como forma negativa de ser de sua formação categorial. A acumulação cafeeira, embora produtora de valor, dadas as trocas desiguais determinadas por tal tempo médio, não realizou uma acumulação que internamente formasse os pressupostos de uma acumulação primitiva, condição para uma forma industrial de produzir. A necessidade de se produzir internamente à produção do café todos os pressupostos da produção, incluindo-se aí a energia elétrica composta com outras formas (hidráulica, vapor, animal) é indicativo de uma divisão social do trabalho que não se pôs como reprodução ampliada social nacional. A década de 1950 é testemunha de crises energéticas que serão parcialmente solucionadas com a importação de capital e tecnologia internacionais para tal produção, como condição para a própria formação de um mercado interno. Diante desta impossibilidade de o capital nacional repor ampliadamente seus pressupostos, dentre eles o energético, é de se questionar os termos do que se constitui o Nacional nesta periferia do capitalismo mundial, já que o seu mercado interno foi condição para a realização mercantil do internacional. O desenvolvimento nacional, posto sob a consciência do desenvolvimentismo, obscurecia que a periferia era uma forma simultânea da crise do capital mundial, representado pela enorme

capacidade produtiva da economia mundial, com especial destaque a norte americana. Assim, o impulso dado à periferia assim chamada brasileira era a simultaneidade da crise mundial dada pela exportação de excedente de capitais, portanto ociosos, críticos, que aqui aparecia como desenvolvimento nacional. As crises energéticas e a forma de sua produção, internamente à realidade brasileira, são um caminho para se delinear este aspecto [grifos nosso] (ALFREDO, 2013, p. 01-02).

Dessa forma, cremos que é uma incoerência teórica transplantar a teoria marxista da acumulação primitiva para a realidade nacional sem o crivo crítico de identificar as peculiaridades do desenvolvimento capitalista na periferia do sistema e, para nós, é um erro maior identificar processos de acumulação primitiva e de produção de categorias como a de força-de-trabalho em território brasileiro, uma vez que, como dito acima, essa e outras categorias do capital foram para cá exportadas e não surgiram de uma situação de desenvolvimento próprio. O mesmo alerta Marx faz à Vera Ivanovna Zasulitch no trecho transcrito a seguir. Em carta escrita em 1881 e destinada à revolucionária russa, Marx a alerta sobre o erro de adaptar a teoria da acumulação primitiva para o contexto russo, sem tomar o cuidado de considerar o desenvolvimento contraditório desse modo de produção nos mais variados espaços. [...] Espero, no entanto, que algumas linhas sejam suficientes para livrar-vos de qualquer dúvida sobre o mal-entendido acerca da minha assim chamada teoria. Ao analisar a gênese da produção capitalista, afirmo: “Na base do sistema capitalista reside, portanto, a separação radical entre o produtor e seus meios de produção [...] a base de toda essa evolução é a expropriação de agricultores [cultivateurs]. Ela só se realizou de um modo radical na Inglaterra [...]. Mas todos os outros países da Europa ocidental percorrem o mesmo processo [mouvement].” Portanto, a “fatalidade histórica” desse processo está expressamente restrita aos países da Europa ocidental. A razão dessa restrição é indicada na seguinte passagem do capítulo 32: “A propriedade privada fundada no trabalho pessoal [...] é suplantada pela propriedade privada capitalista, fundada na exploração do trabalho de outrem, sobre o trabalho assalariado”. Nesse processo ocidental, o que ocorre é a transformação de uma forma de propriedade privada numa outra forma de propriedade

privada. Já no caso dos camponeses russos, ao contrário, seria preciso transformar sua propriedade comunal [proprieté commune] em propriedade privada. Desse modo, a análise apresentada n’O capital não oferece razões nem a favor, nem contra a vitalidade da comuna rural, mas o estudo especial que fiz dessa questão, sobre a qual busquei os materiais em suas fontes originais, convenceu-me de que essa comuna é a alavanca [point d’appui] da regeneração social da Rússia; mas, para que ela possa funcionar como tal, seria necessário, primeiramente, eliminar as influencias deletérias que a assaltam de todos os lados e, então, assegurar-lhe as condições normais de um desenvolvimento espontâneo. [...] (MARX, 2013, p. 849-850).

Corroborando com nossas formulações, encontramos leituras como a de Alfredo (2011 e 2013), Pitta (2011) e Boechat (2009). Anselmo Alfredo, por exemplo, em um de seus artigos busca analisar o Engenho São Jorge dos Erasmos, localizado em São Vicente, baixada santista, tratando essa estrutura como um testemunho da modernização em processo e expressão do modo simultâneo e negativo que se formam as categorias da modernização na colônia. O autor nos fala, ademais, sobre o processo de modernização em território nacional, indicando as peculiaridades do desenvolvimento capitalista na colônia portuguesa. Dessa forma, compreendendo a proposição marxiana expressa

anteriormente,

o

autor rechaça

compreensões

simplistas

e

mecanicistas que se propõem analisar o processo de desenvolvimento capitalista no Brasil e afirma, por exemplo, que a modernização periférica brasileira não teve como pressuposto a incorporação de formas nãocapitalistas, tal como ocorreu no processo de acumulação primitiva europeu. Para além disso, o autor nega a incorporação e adaptação de um teoria da acumulação originária como forma de identificar processos de acumulação primitivos do capital em território nacional, assim como processos de formação e estruturação das categorias capitalistas. Tal postura pode ser observada abaixo, em uma das passagens de seu artigo:

Tem-se uma modernização que não teve como pressuposto a incorporação de formas pré-modernas como um processo de acumulação originária, como se deu nas realidades da modernização no centro do capitalismo. O contato com as comunidades ameríndias não implicou necessariamente numa formação a partir da destituição das mesmas segundo um pressuposto da acumulação interna. Ao contrário, a acumulação já posta, como desenvolvimento das companhias marítimas comerciais, fundava uma relação para com a realidade ameríndia que era muito mais um processo de vinculação desta realidade ao comércio europeu do que, necessariamente, a realização, a partir da colônia, deste mesmo comércio. Daí se tratar de uma realidade em que o próprio lucro, já posto no âmbito das trocas internacionais, antecipa-se como elemento determinante das formas de se efetivar as categoriais necessárias para sua realização (ALFREDO, 2011, p. 34).

Buscamos desenvolver até aqui a perspectiva de que não ocorreram no contexto brasileiro processos de acumulação primitiva de cunho nacional. Se tomarmos essa proposição como verdadeira devemos considerar ademais que o café, e outras formas de produção do campo, não conseguiram transcender as determinações de uma inserção periférica e não vieram a constituir as categorias basilares do capital em território nacional. Entretanto, assumimos, como já assinalado, que, sendo o Brasil constituinte desde sempre do processo mundial de modernização capitalista, as categorias do capital vieram a se instalar em território nacional. Esse processo não se deu, entretanto, segundo os pressupostos do desenvolvimento europeu. Voltemos então à questão inicial. Questionávamo-nos sobre a mobilidade da força-de-trabalho para os laranjais itapolinos, buscando identificar se essa mobilidade é dada por uma situação de acumulação primitiva em outras regiões com expulsão da população local ou se há apenas uma mobilização dessa força já constituída, para ser reutilizada em ramos novos do capital. A partir do exposto até o momento, somos levados à concordar com a segunda concepção, de forma que compreendemos essa migração como uma mobilização ou remobilização da população a fim de ser

reutilizada em novos ramos de acumulação do capital. Dessa forma, cremos que assim como o capital se imobiliza em determinadas estruturas e ramos para posteriormente voltar a circular livremente (como ocorreu na figura do escravo negro e como ocorre na posse da terra), também a força-de-trabalho se “imobiliza” em determinados ramos do capital e migra, acompanhando o movimento do capital nos seus momentos de circulação e concentração. Essa força-de-trabalho já constituída apenas foi liberada de suas antigas funções, seguindo a fuga de capitais para novos ramos mais produtivos, que necessitavam desta força-de-trabalho renovada a fim de acumular. Assim sendo, cremos que no movimento do capital encontramos o movimento da força-de-trabalho. Em nosso entendimento, para um mercado de força-de-trabalho já constituído, como é o caso do brasileiro desde pelo menos fins do século XIX, não podemos mais falar em produção da força-de-trabalho e sim em mobilização da força-de-trabalho. Para nós, essa mobilidade se dá no interior do mercado nacional de forças-de-trabalho e, dessa forma, dialogamos com os fundamentos da teoria de Gaudemar (1977). A ausência da categoria força-de-trabalho constituída nos moldes da acumulação primitiva europeia (MARX, 2013) – sendo esta última muito mais exportada para terras tupiniquins do que desenvolvida a partir de processos de acumulação primitivos nacionais – foi a forma específica como se deu a imposição da valorização do valor na realidade retardatária brasileira. Dito de outra maneira, compreendemos que a especificidade da efetivação das categorias do capital no contexto da modernização retardatária brasileira reside justamente no fato de que estas não se estabeleceram aqui nos moldes

europeus indicados por Marx (2013), ou seja, não surgiram por um processo de acumulação primitivo nacional. Ao contrário disso, essas categorias foram para cá exportadas no momento da crise de reprodução do capital central em fins do século XIX, de modo que a acumulação capitalista no Brasil, iniciada ainda no século XVI, primeiramente prescindiu do estabelecimento das próprias categorias do capital. Essa é também a perspectiva presente em Fujicava (2009), em seu artigo que analisa a especificidades do processo de modernização no norte do estado do Paraná. Para o autor, [...] se no caso inglês a acumulação originária significou uma intensa expropriação do camponês de sua base fundiária herdada do período feudal, no Brasil não há uma expropriação do trabalhador livre do campo, fato que Sérgio Silva destaca quando afirma que: “Em 1910, estima-se que 90% dos operários de São Paulo são estrangeiros” (1986: 92), ou seja, do mesmo modo que se importou o capital industrial, foi necessário uma importação da mão-de-obra. Não se estabeleceu, dessa forma, um revolucionamento da produção agrária, sendo esta realizada após a crise do café em pequenas propriedades de sitiantes, como descreve Monbeig em Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo, obra escrita na década de 1940 (FUJICAVA, 2009, p. 19).

E completa o autor, Desse modo, na periferia, segundo Alfredo, diferentemente da análise dos outros autores citados, há uma expropriação da própria formação das categorias que deveriam efetivar este capital que se coloca como anteposto através da importação de bens de produção. Ou seja, ainda que a realidade periférica se constitua como momento da reprodução de capitais ou mesmo do valor, cabe desvendar como que há, para esta realidade periférica o estabelecimento de uma anteposição do capital em relação às suas categorias (trabalho, por exemplo), o que resultaria em uma possível expropriação da própria formação destas categorias (FUJICAVA, 2009, p. 22).

Ainda no século XIX, ao mesmo tempo em que se transportava para o contexto brasileiro capital ocioso de se realizar, também acompanhou esse processo de migração a categoria força-de-trabalho, materializada no migrante europeu. Assim sendo, os sistemas de escravização indígena e negra no Brasil se estabeleceram como forma nacional de proporcionar acumulação sem ter ocorrido,

entretanto,

o

estabelecimento

das

categorias

do

capital.

Posteriormente, a importação do trabalho livre também não significou o surgimento categorial e sim a importação da própria categoria uma vez que o café, e outras formas de acumulação do capital no campo, se mostraram incapazes de realizar a tão necessária acumulação primitiva nacional. Trilhamos, portanto, um caminho diferenciado daquele desenvolvido por autores clássicos como Oliveira (2007), que buscaram identificar o surgimento das categorias do capital no Brasil através de processos de acumulação primitiva internos. Nessa busca, negaram, por consequência metodológica, a ausência categorial e obscureceram da análise o fato de que essa ausência era apenas aparente. Assim, ao buscar a presença categorial, estavam afirmando e positivando o processo sem se atentarem para as suas contradições imanentes. Negaram o método consagrado a Marx, do qual asseguravam-se ser talvez os seus seguidores mais fiéis. Dessa forma, o longo processo de modernização que criou as condições para a separação entre terra, trabalho e capital no contexto nacional prescindiu de constituir a superpopulação relativa ao capital, tal como se descreveu para o processo de acumulação primitiva europeu. Compreendemos que a formação do mercado nacional de força-de-trabalho se deu mais pela incorporação dessa categoria através da mão-de-obra migrante do que por um processo de acumulação original desenvolvido pela cafeicultura. Martins (2010) nos lembra, por exemplo, que esse mercado de trabalho nacional vem se constituindo desde pelo menos o fim do século XIX, quando do fim da ordem escravocrata e a importação da categoria força-de-trabalho representada pelo migrante europeu. Já em meados do século XX esse mercado adquire contornos

diferenciados, com a forte mobilização de trabalhadores advindos do antigo sistema de colonato e de trabalhadores nordestinos. Não há, entretanto, uma data específica nem um processo específico de formação do chamado mercado nacional de força-de-trabalho. Tampouco podemos determinar a data de formação do trabalhador volante/boia-fria, como postulado por Silva (1999) e Baptistella (1998). Estes últimos trabalhadores são continuamente mobilizados no interior paulista durante todo o século XX, principalmente com o fim do sistema de colonato, que abriu espaço para a contratação temporária de trabalhadores. Dessa forma, podemos dizer que os trabalhadores com os quais tivemos contato em trabalho de campo já se encontravam mobilizados para o trabalho, ou dito de outra forma, foram (re)mobilizados para o trabalho. Identificamos, então, pelo menos dois momentos diferentes da mobilização da força-de-trabalho – nos termos de Gaudemar (1977) –, para o município. Primeiramente nas décadas de 1960 e 1970, com a decadência do antigo sistema de colonato6 e a expulsão de milhares de trabalhadores do campo paulista e brasileiro, induzindo-os a migrar para as periferias das cidades próximas e também para as capitais. Essa primeira onda de migração do campo para as cidades proporcionou uma parte da leva inicial de força-de-trabalho necessária à reprodução do capital industrial nos grandes centros urbanos, que viria a se somar aos migrantes estrangeiros já instalados nas capitais. Ademais, também contribuiu para a reprodução do capital no campo, fornecendo os explorados a 6

Para muitos autores, a promulgação do estatuto do trabalhador rural, em 1963, delimita o fim do sistema de colonato.

serem contratados pelos regimes de safra sazonal dos modernos complexos agroindustriais. Dessa forma, no contexto da modernização do campo, a presença de trabalhadores fixos nas fazendas se fazia desnecessária, uma vez que onerava a folha de pagamento dos grandes fazendeiros. Preteriu-se então a contratação fixa de trabalhadores em favor da arregimentação sazonal de milhares de mãos a fim de trabalhar nos ciclos específicos das fazendas7. A passagem para a condição de diarista, o que constituiria o assalariamento final do colono, pode também ser, dessa maneira, compreendida como uma autonomização da força-de-trabalho, que passará a ser, como o disposto no Livro I d'O Capital, de Marx, a única mercadoria que o trabalhador possui, instalando-se, por fim, a separação completa do trabalhador dos meios de produção. Essa passagem, nos anos 1960, completar-se-ia nos anos 1970 com a saída final do trabalhador das colônias dentro das fazendas. Privado do acesso parcelar à terra para o plantio de alimentos para o consumo e para a venda, o colono não pode mais produzir para si e tampouco acumular sacos de feijão, por exemplo, como "poupança", como ocorria segundo entrevistas realizadas para a pesquisa de mestrado. Enfim, completa-se a dupla liberdade de que Marx tratava, e que Gaudemar reforçava (BOECHAT, 2009, p. 303).

A segunda grande onda de migração para o município se deu nas décadas de 1980, 1990 e 2000, com a vinda maciça de força-de-trabalho nordestina a fim de trabalhar nas lavouras paulistas, dentre elas a citrícola. Nesses casos, podemos falar de processos de circulação de uma mercadoria especial, que vai sozinha aos mercados e que tem a capacidade de criar valor ao ser consumida no processo produtivo. Estamos falando da circulação da força-de-trabalho, do trabalhador, do boia-fria, do colhedor. O capital, como dissemos, necessita dessa mercadoria, pois ela é a única que no processo produtivo cria valor.

7

Uma profunda análise da formação e fim do sistema de colonato na região de Ribeirão Preto pode ser encontrada em Boechat (2009). Neste trabalho nos limitares à apresentação desse processo.

Lembremos que a força-de-trabalho é necessária para os ciclos de reprodução do capital. Entretanto, quando o custo para a sua manutenção passa a requerer demasiados gastos por parte do capitalista ou quando há a introdução de novas tecnologias que elevam a produtividade social do trabalhado, essa mercadoria é dejetada nas ruas. Hordas são lançadas ao desemprego como forma de depreciar o seu valor. E permanecem ali, até que venham a ser novamente reanimadas para o trabalho em novos setores produtivos do capital. Essa mercadoria, a força-de-trabalho, precisa ser, antes de tudo, livre, para que só assim possa se vender ao capital. Ela precisa ser livre de todos os meios que a prenda à terra e que a faça produzir para si. Tal compreensão extraímos da seguinte passagem de O Capital de Marx (1996). Para transformar dinheiro em capital, o possuidor de dinheiro precisa encontrar, portanto, o trabalhador livre no mercado de mercadorias, livre no duplo sentido de que ele dispõe, como pessoa livre, de sua força-de-trabalho como sua mercadoria, e de que ele, por outro lado, não tem outras mercadorias para vender, solto e solteiro, livre de todas as coisas necessárias à realização de sua força-de-trabalho (MARX, 1996, p. 287).

O importante a salientar é a necessidade que possui o trabalhador de alienar a sua força-de-trabalho para que só assim possa sobreviver. Sendo assim, este parte em busca dos mais variados tipos de trabalhos a fim de realizar o consumo de sua única mercadoria no processo produtivo. Dessa forma podemos compreender a mobilização do trabalho encontrada no município. Inicialmente inúmeros trabalhadores foram mobilizados através do fim do sistema de colonato nas décadas de 1960 e 1970. Liberados de suas antigas funções, esses trabalhadores puderam então migrar a fim de realizar em outros locais, em campos e cidades, os pressupostos de valorização do

capital. Passaram então a se fixar nas periferias urbanas de pequenas, médias e grandes cidades paulistas e brasileiras. A citricultura, cultura então incipiente no estado, aproveitou-se dessa forte onde de migração de trabalhadores e conseguiu para si a força-de-trabalho necessária à sua expansão. Também nesse momento, o processo de mobilização dos trabalhadores migrantes nordestinos, por processos os mais variados, nas décadas de 1970, 1980 e 1990 contribuiu de forma complementar para a formação do exército de trabalhadores reservas da citricultura. Nesse breve contexto histórico surge a figura de uma categoria muito importante no campo brasileiro, e que está especialmente presente na citricultura: o gato, o responsável pelo aliciamento da força-de-trabalho. Isso porque o convite feito a esses novos trabalhadores das periferias das cidades, para trabalhar nas grandes fazendas do interior, não podia ser feito pelo fazendeiro, pelo proprietário das terras; este precisava de alguém que conhecesse esses desprovidos e pudesse ir de casa em casa, conclamando-os a vender a sua força-de-trabalho temporariamente nas fazendas. Ao mesmo tempo, afiguram-se os trabalhadores volantes, aqueles responsáveis pela safra sazonal nas fazendas. Dessa forma, a leitura que buscamos defender aqui é a de que o fim do sistema de colonato, nos anos 1960 e 1970, e os métodos locais de expulsão da população nordestina, nos anos 1970 e 1980, foram duas das determinantes responsáveis pelo processo de mobilização da força-de-trabalho necessária à produção citrícola. A partir dessas duas mobilizações também se estrutura o chamado mercado nacional de força-de-trabalho (PITTA, 2011). Já nas décadas de 1990 e 2000 temos o que Pitta (2011) denomina de

reprodução da mobilidade do trabalho dentro do já constituído mercado nacional de força-de-trabalho, numa situação em que a mobilização contínua para trabalhar em outras regiões é vista como positiva pelos sujeitos migrantes, uma vez que o trabalhador ainda vislumbra a perspectiva do enriquecimento fora de sua região de origem. Em um primeiro momento a mobilização para o trabalho ocorreu de forma violenta, com a expropriação de terras e expulsão de moradores, agregados e colonos, nas diferentes regiões do país onde prevaleciam tais relações particulares de produção, como no caso analisado por Martins (1981), no Vale do Jequitinhonha (1986), nos anos 1960. Mesmo os pequenos proprietários, a partir desse momento, tiveram que passar a migrar. Num momento posterior, já na década de 1990, com a coexistência de pequenos proprietários e, predominantemente, trabalhadores assalariados, a busca por trabalho que trouxesse a aparente perspectiva de enriquecimento funcionava e funciona como reprodução da mobilidade do trabalho, fazendo com que muitos continuem e migrar para o corte de cana na lavoura canavieira paulista, a partir das mais diversas origens (PITTA, 2011, pp. 35-36).

5. As relações de produção Os gatos sempre tiveram livre atuação na citricultura. Sua ação extrapola as delimitações legais e agem, na maioria das vezes, com o apoio e aval de produtores e das grandes empresas de suco. Eles, personas do capital, são os responsáveis pelo aliciamento dos melhores exércitos de trabalhadores, aqueles resistentes o suficiente para passar horas sob sol escaldante, arrastando-se no movimento de produção de mais-valia. Eles selecionam aqueles que poderão passar grande parte de seus dias no “eito da laranja”, preenchendo suas horas vacantes no frenesi do sobe e desce de escadas e no vai-e-vem das mãos a encher caixas a fio de 27 kg, cujo valor não ultrapassa míseros 50 centavos (R$ 0,50). Colhedores, gatos e produtores sempre estiveram, entretanto, nas mãos das grades empresas de suco. As relações entre esses sujeitos sofreram inúmeras transformações desde o início da produção citrícola em larga escala ainda na década de 1960, mudando a partir das determinações das grandes do capitalismo. Até a década de 1980, as empresas de suco, cujo mercado é preferencialmente o externo, compravam dos produtores apenas a safra final, sendo estes últimos os responsáveis pela colheita do citros e pela contratação de trabalhadores. Já na década de 1980, as indústrias de suco decidiram que deveriam contratar diretamente seus colhedores e também assumiriam a responsabilidade dos gastos com colheitas e fretes. Esse regime denominado de “contrato padrão” perdurou até 1995 e fez diluir momentaneamente a figura mediadora do gato.

Com o fim do contrato padrão, revalorizou-se a importância dos gatos e dos aliciadores de força-de-trabalho. Estes voltaram a trabalhar para os pequenos produtores, que, subjugados às determinações e vontades das grandes indústrias, foram incumbidos de arcar com todos os custos de plantio e colheita do citros, inclusive sendo obrigados a entregar sua produção nas portarias das empresas. O cartel das grandes indústrias de suco, principais compradoras da produção dos pequenos, decidiu que apenas compraria a produção final dos produtores, devendo esta ser entregue em suas portas. Dessa forma, o lucro dos produtores passou a depender do pagamento das safras realizado pelas grandes indústrias. Essa nova forma de organização da safra citrícola foi imposta pelas grandes indústrias e ficou conhecida como o sistema de “laranja posta na indústria”. Nesse sistema, as indústrias se desoneram dos custos com a colheita fora de suas propriedades e os passam para as mãos dos produtores, comprando apenas a safra e exigindo que esta seja entregue em seus domínios. Além disso, os produtores passam a lidar diretamente com a arregimentação de trabalhadores. Buscando flexibilizar os direitos trabalhistas e fugir dos os custos fiscais com a contratação de colhedores, os produtores paulistas criaram entre os anos de 1995 a 1999 ao menos três sistemas diferenciados de contratação de trabalhadores. Esses sistemas incluíam as cooperativas, os sindicatos e mais atualmente os consórcios; estes últimos regulamentados pela Lei 10.256, de 09 de julho de 2001, com o nome de “Consórcios Simplificados de Produtores Rurais”.

Dessa forma, se até a década de 1980 cada produtor ficava obrigado a contratar sua própria força de trabalhado para a colheita, agora, a partir de 1999, um grupo de produtores contrata seus trabalhadores para uso exclusivo e, como consequência, passam a responder, de forma partilhada, pelos gastos com a força-de-trabalho. Dessa forma, os custos de reprodução da força-detrabalho são rateados entre os produtores participantes do consórcio, proporcionalmente à quantidade e período de sua utilização. É importante lembrar que os produtores não possuem propriedade da terra comum e respondem individualmente pelos seus gastos. Nesses consórcios, os contratos ficam em nome de um empregador cabeça, o administrador, de forma que no momento da anotação em carteira de trabalho apareça o nome do trabalhador e do respectivo empregador cabeça do consórcio, acrescido da expressão “e outros” (um exemplar de um contrato está anexado ao fim deste trabalho). Nesse sistema, a mais-valia extraída dos colhedores é o que permite a remuneração dos administradores bem como dos fiscais de campo, pois, além de receberem um salário fixo, ambos recebem pela produtividade dos catadores. Para os administradores do consórcio e fiscais de campo o monopólio da propriedade sobre os trabalhadores se constitui, portanto, numa renda dada pela exclusividade de manutenção e propriedade sobre a força-de-trabalho. Apesar dessas mudanças constantes no modo como se dava a relação entre trabalhadores e produtores, ou seja, das mudanças constantes no sistema de contratação, a figura do gato, persona do capital, continua presente. O gato é sujeito importante uma vez que permite o estabelecimento da relação entre capital e trabalho. Ele, como já dito, se desloca até a periferia das

cidades, aos bolsões de força-de-trabalho, representados no município de Itápolis pelos bairros CDHU, buscando reunir o melhor contingente de força-detrabalho, aquele contingente mais capacitado segundo as especificidades do capital no campo. Dessa forma, na história – inda que recente – da citricultura, a presença do gato representa a possibilidade de acumulação do capital, uma vez que esse media a relação entre trabalhadores e contratadores. Atualmente, muito dificilmente a denominação “gato” é utilizada, em função do cunho pejorativo que adquiriu no decorrer dos anos, preferindo-se nomes como empreiteiro, encarregado da turma ou turmeiro. Porém, a sua função não mudou, são ainda os responsáveis pela arregimentação da força-de-trabalho. Para além disso, cada vez mais os gatos estão encarregados de outras funções dentro do sistema produtivo da laranja. A partir de agora, quando nos referirmos à figura do gato, utilizaremos a designação empreiteiro, uma vez que atualmente este é o termo mais utilizado nos pomares citrícolas. Na produção da laranja a boa relação entre colhedores e empreiteiros significa, para os trabalhadores, a continuidade do emprego na próxima safra. Em troca o empreiteiro espera uma alta produtividade do colhedor, uma vez que eles e também os carregadores de caminhão recebem seus salários a partir da quantidade de caixas-peso colhidas que vão para a indústria, ou seja, a partir da quantidade de caixas de 40,8 kg colhidas. Essa boa produtividade deve ser entendida como um maior número de pomares colhidos em menor tempo ou ainda um grande número de caixas colhidas por dia. Dessa forma o salário dos empreiteiros e carregadores também advém de parte da mais-valia produzida pelos colhedores.

Na base da produção citrícola se encontram os colhedores, a força-detrabalho que com sua mais-valia sustenta toda a reprodução desse sistema produtivo. Estes recebem seu salário a partir da quantidade de caixas colhidas. Segundo informações extraídas em campo, através de entrevistas com colhedores, pudemos apurar que diferentemente da caixa de laranja que vai para a indústria, que por determinação pesa em média 40,8 kg, a caixa do colhedor de laranja tem um peso médio de 25 a 27 kg. Seu salário varia com o número de caixas de laranjas por ele colhidas, sendo pago semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente, de acordo com a opção do grupo contratador. Ainda segundo os colhedores, a anotação do número de caixas colhidas é feita pelo empreiteiro, que utiliza para isso de uma planilha contendo informações da produtividade de todos os colhedores. Dessa forma, a partir de um valor pré-estabelecido para a caixa de laranjas dos colhedores – que na safra de 2011 foi de R$0,30 –, multiplica-se a quantidade de caixas colhidas pelo valor da caixa de laranja, obtendo-se assim o seu salário bruto (inicial, ou seja, sem deduções ou acréscimos fiscais). Exemplo: um trabalhador que colheu em um dado mês de 2010, 1500 caixas de laranja, terá como salário bruto no final desse mesmo mês um total de R$ 450. Uma quantia até mesmo abaixo do valor do salário mínimo da época, que atingia R$ 510 em janeiro de 2010. Devemos acrescentar que, na citricultura, a média de caixas colhidas é de cerca de 65 caixas diárias, porém essa média varia conforme as condições do pomar e conforme o desgaste dos colhedores. Entretanto, quanto mais se colhe, mais se ganha. Para que a colheita se inicie, o empreiteiro, que já possui um conhecimento prévio da qualidade do pomar, distribui entre os seus colhedores

os “eitos”. Em entrevista realizada com um colhedor, que denominaremos de Colhedor T., pudemos compreender melhor a estrutura das relações de produção do citros. Ele nos contou que o sistema mais utilizado por seu empreiteiro é aquele em que o trabalhador deve colher 24 pés de laranja por eito, divididos em cinco ruas diferenciadas, de quatro pés em fileira cada uma. Terminada a colheita do seu eito, o que muitas vezes demora 3 dias acontecer, um colhedor pode pedir ao empreiteiro mais eitos para colher. Na maioria dos casos, o empreiteiro já distribui previamente dois eitos para cada trabalhador: um “eito bom”, onde as laranjas e seus pés têm uma qualidade melhor (com mato bem podado, pés de estatura média, laranjas maiores e mais suculentas), e um “eito ruim”, com laranjas de menor qualidade (com presença de muito mato, pés altos, com laranja menores e muitas vezes adoentadas). Uma

Carreador ou rua

representação esquemática dos eitos e dos carreadores é apresentada abaixo.

Figura 01. Representação esquemática dos eitos da laranja. No quadrado vermelho, e também no azul, destacam-se os 24 pés de laranja fictícios os quais um colhedor deve limpar – os chamados eitos. Em média leva-se três dias de serviço para terminar a limpa dos pés. O carreador por onde passa o caminhão que irá recolher a produção se localiza no meio das cinco ruas. Dessa forma, cada colhedor recebe pés em cinco ruas diferentes, com quatro pés em cada uma. A cada saco que o colhedor completa ele se desloca até a banca (local no carreador onde se deposita as laranjas colhidas), que se localiza no carreador, para depositar o

seu conteúdo nas caixas. Em média, cada colhedor monta duas bancas num carreador de 4 pés de laranja para não prolongar em demasiado o seu deslocamento. Os eitos são designados em sequência no carreador, e cada colhedor sucede o outro na sequência. Dessa forma, quando o caminhão se desloca recolhendo o material, ele pode recolher a colheita de todos os trabalhadores.

O Colhedor T. nos contou ainda que, em média, cada colhedor pode obter 9 caixas por pé de laranja, o que significa 216 caixinhas de 27 kg por eito, ou ainda 6 caixas peso de 40,8 kg por pé. Segundo o mesmo colhedor, cada caminhão suporta de 700 a 800 caixas de 27 kg ou 500 caixas de 40,8 kg. Esses valores variam, é claro, de acordo com a qualidade da laranja. Cada colhedor também pode, ao término da colheita de seu eito, pedir ao empreiteiro mais eitos ou pés para colher e dessa forma aumentar seus ganhos. Esse sistema logicamente cria disputa entre os colhedores, uma vez que competem pelos eitos para aumentar seus ganhos. Para nós, a competição entre os colhedores e a presença de um exército reserva de trabalhadores contribuem para manter baixo o valor pago por cada caixa de laranja, mantendo esses valores em R$ 0,50 por caixa, uma vez que, como dizem os próprios colhedores: “Se fulano não qué, tem quem qué!”. Ou seja, se um colhedor se recusar a trabalhar por essa quantia, existem muitos outros trabalhadores dispostos a trabalhar por quantias muitas vezes inferiores. A quantidade de trabalho pago ao trabalhador é, portanto, definida no decorrer da colheita, de modo que, diferentemente do que ocorre com o operário da indústria, quanto mais o colhedor trabalha, mais este ganhará. Já na atividade industrial o salário é determinado previamente e, na maioria das vezes, não varia juntamente com o aumento da produtividade.

6. Citricultura: crise da produção Sabe-se que há muito vêm diminuindo a participação relativa de pequenos produtores no ramo citrícola em todo o estado de São Paulo, desde meados da década de 1990 pelo menos. Essa situação, é claro, reflete na retração da área de produção de citros. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, emergem e se fortalecem os grandes monopólios, representados por marcas como Citrosuco e Cutrale. Cremos que uma das chaves para compreendermos o processo de crise da produção citrícola no município de Itápolis se encontra no fortalecimento dos grandes monopólios citrícolas. Entretanto, como dissemos, as crises nunca são determinadas por uma única variável. O que buscaremos aqui será demonstrar que, também no caso da crise da citricultura, as variáveis são múltiplas. No município de Itápolis a produção da laranja é realizada nas chamadas pequenas unidades agrícolas, de aproximadamente 100 ha. A maioria dos pomares são antigos, com mais de 15 anos de produção, o que potencializa os gastos dos produtores com insumos produtivos e defensivos agrícolas. Como não há plantio, as principais etapas do processo produtivo citrícola no município são: adubação, pulverização, roçada, limpeza de pés, combate à moscas e formigas (inspeção) e colheita. Sendo assim, os custos de produção podem ser divididos nos seguintes itens: gastos com força-detrabalho (salários, encargos, compulsórios e facultativos, EPI's, força-detrabalho terceirizada, NR 31); gastos com fertilizantes, adubos e corretivos de solo; gastos com defensivos, herbicidas e fungicidas; gastos com irrigação; gastos com energia elétrica; gastos com despesas gerais; gastos com

operação de maquinas/equipamentos; gastos com conservação e manutenção; gastos com a colheita; gastos com o frete da colheita. Segundo Neves (2010), os maiores gastos estão concentrados na colheita e frete da fruta. Em todas as etapas iniciais do processo produtivo a participação da força-de-trabalho é baixa. Apenas na colheita há uma maior utilização de trabalhadores, os chamados catadores, colhedores ou “boias-frias”: cerca de 80% dos trabalhadores utilizados na produção citrícola são contratados durante o período da colheita (Baptistella et all, 2008). Dentre as grandes monoculturas, como cana-de-açúcar e café, a laranja é aquela que apresenta relativamente os maiores custos de produção (Neves, 2010). Estes aumentaram consideravelmente nos últimos anos. Segundo dados do CEPEA (2013), de 1999 para 2009 os custos produtivos da citricultura paulista subiram aproximadamente 32%, potencializados pelo aumento dos gastos com fertilizantes, adubos e força-de-trabalho. Ainda segundo o CEPEA (2013), o aumento dos gastos não se faz acompanhar do aumento proporcional dos lucros da produção. Dessa forma, segundo muitos autores, a migrações dos produtores citrícolas para outras culturas se dá em função do aumento dos custos produtivos alavancados por fertilizantes, adubos e força-de-trabalho e dos baixos lucros apresentados por essa cultura. Entretanto, a maioria dos estudos na área se reserva à apresentação da problemática, ou seja, não se aprofundam na análise maior das determinantes da crise da produção citrícola. A partir daqui, buscaremos analisar a crise do citros à luz do cabedal teórico marxista. As análises do aumento dos gastos com fertilizantes e adubos e com a força-de-trabalho

devem

ser

feitas

separadamente,

dada

a

natureza

diferenciada dessas variáveis. Sabe-se que no período tanto os gastos dos citricultores com fertilizantes e adubos quanto os gastos com força-de-trabalho aumentaram em todo o estado de São Paulo, porém o aumento de ambos os gastos é dado por determinantes diferenciadas. Inicialmente analisaremos o aumento dos gastos com adubos e fertilizantes. É importante salientar que segundo a teoria marxista, os gastos com adubos e fertilizantes são designados como investimentos em capital constante; já os gastos com forçade-trabalho designam de investimentos em capital variável. Como dissemos, o anseio pelo enriquecimento move o sistema capitalista e assenta-se na busca constante do superlucro, um lucro acima do lucro médio de todos os outros capitalistas. Entretanto, há barreiras para a expansão destes lucros, representadas principalmente pelos limites físicos da força-de-trabalho e pela competitividade no setor onde se inserem. Durante a história do capital, os capitalistas agiram e agem de forma a superar essas barreiras, sendo levados a revolucionar constantemente sua tecnologia – a fim de superar o desgaste da força-de-trabalho – e a diminuir seus custos de produção – buscando tornar sua mercadoria mais barata e competitiva –, sempre objetivando um lucro acima do lucro médio. De certa forma, todas as táticas de aumento dos lucros passam pelo investimento maior em capital constante, a fim de aumentar a produtividade do trabalho, e/ou corte dos gastos com força-de-trabalho, outra forma de aumentar o investimento em capital constante, porém de forma relativa. O prolongamento da jornada de trabalho, a intensificação das tarefas, a redução dos salários e o desenvolvimento das forças produtivas, todos representam em seu âmago a diminuição relativa do investimento em força-de-trabalho e um investimento

relativamente maior em maquinários ou capital constante. Como nos lembra Marx, o objetivo de todo capitalista é aumentar a composição orgânica do seu capital, através de uma participação maior dos investimentos em maquinário em detrimento da participação dos investimentos em remuneração dos trabalhadores. Podemos dizer de forma sucinta que os gastos excessivos com adubos e fertilizantes representam investimentos em capital constante ao passo que o corte dos gastos com força-de-trabalho representam corte de gastos com capital variável. Dessa forma, para que possam atingir uma alta produtividade do capital e lucros acima da média, o sistema impõe aos capitalistas – e essa lei foi deduzida por Marx para todo o mercado capitalista – investimentos crescentes em meios de produção ou capital constante, ou seja, revoluções constantes nos seus meios de produção a fim de manter a inserção do produtor em situação de competitividade no mercado. É necessário lembrar que o aumento da produtividade geral do trabalho age

de

forma

dupla

dentro

do

sistema

capitalista.

Primeiro

eleva

momentaneamente a taxa de lucro do capitalista em relação aos demais capitalistas.

Posteriormente, diminui o valor das mercadorias usadas no

sustento da força-de-trabalho e consequentemente, também diminui o tempo de trabalho necessário para a reprodução desta última. Dessa forma, possibilita a diminuição relativa do salário pago ao trabalhador, uma vez que esse não cresce acompanhando os lucros dos capitalistas nem a subida dos preços das mercadorias.

O aumento da produtividade se inicia com a revolução tecnológica e, em consequência da presença da tecnologia, ocorre o corte do número de trabalhadores do sistema produtivo. A revolução tecnológica diminui o tempo social médio gasto para a produção de uma mercadoria e, consequentemente, aumenta o número de mercadorias disponíveis no mercado. Ao baratear o valor de todas as mercadorias, a revolução tecnológica e o aumento da produtividade também diminuem o valor das mercadorias utilizadas para a reprodução da força-de-trabalho. Dessa forma, diminuem o tempo necessário para a remuneração da força-de-trabalho (barateiam a força-de-trabalho) e aumentam o tempo disponível para ser apropriado pelo capitalista. Dado que o valor das mercadorias é criado pelo tempo de trabalho social médio necessário a sua produção, apesar de seu tempo de trabalho estar abaixo da média, o mesmo capitalista pode fixar o preço de sua mercadoria de acordo com a média, o que lhe confere um lucro maior em relação aos outros, um lucro extraordinário, acima da média. Entretanto, a revolução da tecnologia é paulatinamente transferida para outros produtores, o que posteriormente iguala o tempo social médio de produção. O lucro extraordinário do capitalista é extraído momentaneamente, decaindo posteriormente pela expansão do tempo social médio de produção da mercadoria ou ainda pela utilização de outra tecnologia mais produtiva por parte de outro capitalista. É claro que a citricultura, forma específica de reprodução do capital no campo, não estaria à parte desse processo. A questão que se colocavam os produtores em meados da década de 1990, momento do fim do contrato padrão, era: “como aumentar os lucros da minha produção em um período em que todos os custos com a colheita passaram para a minha responsabilidade?”.

A saída é claro se encontrava no corte dos gastos com força-de-trabalho (capital variável) e aumento dos gastos com adubos e fertilizantes (capital constante) a fim de aumentar a produtividade do capital citrícola. O problema que se impunha aos produtores era o de que, diferentemente do que se desenvolveu com a cana-de-açúcar, na citricultura a mecanização da produção e da colheita não ocorreu de forma tão intensa. Entretanto, a necessidade do aumento da produtividade é lei no mercado capitalista, impulsionada pela necessidade do lucro e pelas revoluções constantes na tecnologia. Dessa forma, em seu âmago, o corte dos gastos com força-de-trabalho e os investimentos em adubos e fertilizantes representam a busca do capital citrícola em manter ou aumentar a produtividade do setor. Devemos, assim, compreender a crise da produção citrícola a partir da análise do comportamento da sua produtividade. Entretanto, para o ramo citrícola, a produtividade do capital se reveste de um complicador que dificulta a sua análise. Isso porque podemos pensar na produtividade das plantas ou na produtividade do trabalhador na colheita. Entretanto devemos lembrar que a chamada produtividade da laranja depende fundamentalmente da extração das frutas de seus pés pelo trabalhador, ou seja, para que seja computada depende fundamentalmente da colheita. Assim, no limite, a produtividade será sempre dada pela realização do trabalho no processo produtivo. No caso do setor citrícola, que depende da produção da terra, o aumento da produtividade do trabalho está condicionado por maiores montantes investidos em adubos, fertilizantes e defensivos, em suma capital

constante, a fim da força-de-trabalho extrair uma maior quantidade de frutos por pés de laranja, e/ou o aumento da média de caixas a serem colhidas por dia – colheita realizada em menor tempo diminui o tempo de rotatividade do capital e possibilita o lucro ao capitalista em menor temp. Ou seja, a produtividade do capital na citricultura se decompõe em duas frentes. A nosso ver, a primeira variável – aumento dos gastos com fertilizantes e defensivos – representa uma possibilidade de aumento da produtividade do capital citrícola visto que as revoluções constantes na tecnologia química permitem a manipulação da produção das plantas. Essa também é uma das variáveis que permitiu a manutenção da produtividade do citros, mesmo com a diminuição da área plantada de citros nos últimos anos. Ela também nos possibilita acessar a compreensão da crise da citricultura itapolina. Dessa forma, a necessidade crescente do aumento da produtividade do trabalho ou da manutenção desta produtividade para a inserção dos produtores no mercado de concorrência os impôs gastos cada vez maiores por hectare com fertilizantes e adubos, ou seja, os levou a utilizar sempre uma quantidade maior por hectare, buscando uma alta composição orgânica do capital. Além disso, a idade dos pomares – e isso revela uma forte determinação da natureza sobre o capital citrícola – é outro fator que potencializa os gastos com fertilizantes e adubos, uma vez que para manter, com o passar do tempo, a produtividade do capital nesses pomares, os produtores tiveram de lançar mão de investimentos cada vez maiores em capital constante. Analisemos o gráfico a seguir:

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Fonte: IBGE, SIDRA (2012). Org. Anderson P. dos Santos.

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A produtividade na citricultura expressa uma relação entre a área total colhida e o total produzido em cada ano. Assim, a produtividade pode ser calculada dividindo-se o total da produção de cada ano pela área total colhida, determinando a produção em kg para cada hectare. Entretanto, optamos por utilizar a produtividade relacionando caixas de laranja de 40,8 kg por hectare. Para isso, dividimos o total da colheita do ano pelo valor de 40,8 kg, que representa o peso da caixa de laranja posta na indústria. Dessa forma, obtemos o número total de caixas de 40,8 kg colhidas no ano. De posse desse valor, dividimos o número de caixas pela área colhida, obtendo assim o número de caixas de 40.8 kg colhidas por hectare. Utilizando essa metodologia, podemos ver melhor como se estabeleceu a relação entre área colhida e produção no período. No gráfico podemos observar que a produtividade varia constantemente ano após anos, indicando menor ou maior produtividade por hectare. Essas variações de produtividade se dão em função da utilização maior ou menor de insumos e capital em cada ano. Numa primeira análise, o gráfico nos mostra que, mesmo com a diminuição da área colhida no período, a produtividade continuou estável, apresentando uma leve tendência de aumento, ou seja, o aumento do total de produção se deu acima da taxa de diminuição da área, o que indica investimento na produtividade dos pés de laranja. Porém, precisamos nos atentar a algumas variações no gráfico. De forma geral temos: 1ª quando a área colhida diminui ou se mantém de um ano para outro a produtividade por hectare aumenta no ano seguinte.

2ª quando a área colhida aumenta de um ano para outro a produtividade por hectare diminui no ano seguinte. Essa tendência de a área colhida e a produtividade serem inversamente relacionadas pode ser observada no gráfico anterior e está relacionada com o total produzido. Por exemplo: do ano de 1992 para o ano de 1993 a área total colhida diminuiu cerca de 20 mil hectares, no mesmo período a produção total também diminuiu, como pode ser observado no Gráfico 1, porém em um ritmo menor que a diminuição da área colhida, o que se rebate no aumento da produtividade de cerca de 405 caixas colhidas por hectare em 1992 para cerca de 510 caixas colhidas por hectare em 1993. Já no ano seguinte, em 1994, a área colhida aumentou, porém não foi acompanhada pelo aumento do total da produção, o que gerou em decorrência uma menor produtividade desse ano em comparação a 1993 (392 caixas colhidas por hectare). O mesmo caso ocorre de 2008 para 2009. No ano de 2009 a área colhida diminui em comparação a 2008, porém a produção total se manteve praticamente constante no período, o que se rebateu numa produtividade maior, cerca de 515 caixas colhidas por hectare, ao passo que em 2008 a produtividade foi de 434 caixas colhidas por hectare. Disso tiramos a conclusão de que, na citricultura, produtividade por hectare e área colhida são inversamente proporcionais. Essa situação pode ser explicada da seguinte forma: Os pomares do município são velhos, ou seja, não houve grande renovação dos pomares nos últimos anos. Além disso, em função do longo período de produção da citricultura no município, os solos já se encontram muito degastados (dado o longo período de produção da laranja sem grande renovação do plantio, os solos foram perdendo sua fertilidade natural). Nessa

situação, com pomares velhos, para manter a produtividade do pomar é preciso investir a cada ano cifras maiores de insumos, ou seja, a cada ano é necessário o aumento dos gastos com o pomar a fim de manter a produtividade, o que justifica a necessidade do crédito rural crescente no período, apresentado no gráfico a seguir.

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Fonte: IBGE, SIDRA (2012). Org. Anderson P. dos Santos.

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Vemos, portanto, que esse setor é altamente dependente do crédito rural, o que reflete a curva ascendente dos investimentos em crédito rural na agricultura itapolina de 1990 a 2010. Apesar desse aumento, a produtividade (relação caixas colhidas/área colhida) tende a variar, apesar dos objetivos de mantê-la sempre constante. O crédito rural pode ser considerado um dos principais gastos enfrentados pelos produtores locais e por aqueles que se dedicam à produção citrícola. Ele se apresenta como um adiantamento em valor que permite ao produtor o investimento inicial para a realização da safra. O adiantamento parte principalmente de bancos particulares e públicos. Dessa forma, antevemos o Estado como agente fundamental que proporciona a reprodução do sistema capitalista. Como nos lembra Pitta (2011), o Estado possui a função de reproduzir e proporcionar a reprodução dos pressupostos do capital, uma vez que esse se media com o mercado através do dinheiro8. Assim, antes mesmo de que se realize o plantio da cultura e a colheita, o produtor já se encontra endividado. Não há duvidas de que, como todo sistema de crédito, o crédito rural, enquanto capital fictício, é um sistema perigoso tanto para credores quanto para produtores, uma vez que o retorno da produção agrícola não é garantido, estando esta a mercê das variações do mercado. Entretanto, se assim não ocorresse, a safra agrícola e mesmo a citrícola não poderiam proceder, pois o crédito rural é o único fator que ainda permite a produtores de porte menor continuar investindo na produção citrícola, e, no limite, permite o arrolamento das dívidas dos produtores. Dessa forma, a

8

Para uma análise profunda da relação do Estado como sujeito e sujeitado da reprodução do capital, procurar em Pitta (2011).

realização da produção de grande parte dos pequenos produtores do município está atrelada à existência do crédito rural. No gráfico, apresentamos a série histórica do valor total de empréstimos realizados pelos produtores municipais ano a ano, após 1990 e até 2010. Nele podemos ver o aumento significativo do valor total dos empréstimos, ano após ano: o valor inicial da série é de aproximadamente 20 milhões de reais; esse valor, ao atingir 2008, quadruplica para cerca de 91 milhões de reais, decaindo posteriormente, até atingir o patamar de 68 milhões em 2010. Essa série mostra a necessidade da continuidade do crédito para o funcionamento da citricultura e da agricultura locais. Entretanto, o gráfico também nos permite inferir que, além da continuidade do crédito, para os produtores é importante que esse crédito sempre venha de maneira ampliada, ou seja, que a soma disponível para empréstimo seja cada vez maior ou ainda que o valor dos empréstimos realizados sejam cada vez maiores. Isso pode ser deduzido pela curva crescente do crédito. Dessa forma, não é suficiente ao pequeno produtor reinvestir o mesmo valor anterior de crédito para a nova produção: os preços de defensivos mudam e aumentam, a concorrência entre produtores força a necessidade de produzir em larga escala e em menor tempo, as dívidas dos anos anteriores não são sanadas. Essa bola de neve força a necessidade do crédito sempre crescente, a fim de realimentar o sistema produtivo. Retomemos o Gráfico 1. Ele nos mostra ainda uma situação peculiar: diferentemente do crédito, que a cada ano é disponibilizado com cifras cada vez maiores, o gráfico da área colhida com citros no município tendeu a diminuir no período. Isso nos indica que grande parte desse valor adiantado não está sendo vertido para a manutenção da área dessa produção. A

produção citrícola é muito onerosa e o retorno dos investimentos não é certo. Ou seja, muitos produtores, e essa situação é incentivada pelo poder local, podem ter diversificado sua base local de produção, abrindo espaço para o aumento da área cultivada com outras culturas como o milho, coco-da-baía, cana-de-açúcar, goiaba, mandioca, manga, seringueira e tangerina. Dessa forma, ao compararmos o aumento do crédito rural com a diminuição da área destinada a produção citrícola, temos duas linhas de interpretação possíveis a) O crédito está sendo utilizado totalmente na produção citrícola: o que indicaria somas cada vez maiores investidas em áreas de laranja cada vez menores. b) O crédito está sendo utilizado partilhado na produção da citricultura e de outras culturas. O que não deixa de indicar somas maiores investidas. Entretanto, podemos afirmar que o credito rural não está sendo vertido para a cultura de cana-de-açúcar, pois na produção dessa os produtores locais não tomam gastos, uma vez que sua única participação na produção da cana é no arrendamento da terra para grandes empresas produtoras de açúcar e álcool. Retomemos a análise da produtividade e a relacionemos com o aumento e diminuição de área colhida. Em anos em que a produtividade é muito alta, quase não há no ano posterior a diminuição da área colhida, ocorrendo muitas vezes a situação contrária, ou seja, uma produtividade maior permite ao produtor obter uma quantidade maior de frutas por hectare e, dependendo do valor pago pelas grandes do suco, o leva a um lucro maior nesse ano, de tal forma que ele possa cobrir parte dos seus gastos com insumos e empréstimos e possa reinvestir dinheiro na produção do ano posterior, aumentando sua área

de produção. Na situação em que se aumente a área plantada de um ano para outro, o produtor tem de triplicar seus gastos com insumos no ano posterior, muito acima dos gastos dos anos anteriores, a fim de manter alta a produção por hectare que agora estão ampliados. Como isso não é possível, o produtor acumulará gastos, empréstimos e prejuízos nesse ano, sendo obrigado a diminuir sua área de plantio no ano posterior. De certa forma, podemos dizer que o objetivo de todo produtor é aumentar a produtividade do seu capital. Para que isso ocorra, lançam mão de uma ferramenta: aumentar a composição orgânica do seu capital através de investimentos em adubos e fertilizantes (capital constante). Muitos produtores, entretanto, para não aumentar os gastos, visto que já atingiram uma situação em que não podem arcar com as dividas dos anos anteriores, diminuem a área plantada e condensaram a sua produção. Dessa forma, são levados a diminuir a sua área de produção, o que, considerando a força-de-trabalho constante em função do surgimento dos consórcios, consequentemente aumenta o capital relativo disponível para investimento em capital constante a ser utilizado na área agora menor. A lei do investimento maior em capital constante volta então a valer, permitindo ao capitalista uma maior composição orgânica e maior produtividade, o que reflete na curva crescente de valor de produção. Entretanto, a maior produtividade muitas vezes não se traduz em lucro, uma vez que o valor da produção será determinado pelas leis do mercado, que constantemente sofre com a ingerência das grandes do suco. Ao diminuir a área plantada em relação ao ano anterior, aumenta-se relativamente o valor disponível para investimento por hectare de laranja. O corte dos gastos por diminuição dos hectares plantados permite o aumento do

valor investido por hectare de laranja, ou seja, chega-se a uma situação onde se compra a mesma quantidade de insumos que no ano anterior, porém essa mesma quantidade, em uma área menor, leva a uma produtividade maior dos metros quadrados da laranja. Essa análise justifica a necessidade de crédito rural crescente no período de 1990 a 2010, visto que os investimentos em capital constante, dados pela concorrência entre produtores, tem de ser crescente. A necessidade de uma alta produtividade do capital citrícola leva à gastos crescentes, porém em anos em que o produtor diminui a sua área plantada seus gastos serão proporcionalmente menores que em anos em que o produtor aumenta a sua área colhida. Dessa forma, ao diminuir sua área os produtores propiciam um aumento menor de gastos por hectare. De forma geral, concluímos que a fim de manter a produtividade do capital no citros os produtores locais são levados constantemente a aumentar o valor total dos gastos com insumos e capital constante, visto que os pomares do município são velhos. Ao mesmo tempo em que são levados a investir mais em gastos com insumos a área destinada a produção de citros diminui, aumentando a quantidade proporcional de capital investido por hectare. Buscando diminuir os gastos posteriores com insumos nos anos seguintes para manter a produtividade do capital por hectare, os produtores são levados a diminuir a área colhida de citros, abrindo espaço para o plantio de outras culturas. Dentre as culturas mais escolhidas temos aquelas em que os gastos produtivos são menores, como a cultura de cana-de-açúcar. Dessa forma, aos nossos olhos, ocorre uma diminuição da área plantada por laranja e o aumento da área plantada de cana-de-açúcar, como consequência da busca da

produtividade. Assim, os gastos maiores com fertilizantes e adubos refletem justamente a necessidade do setor da busca da alta produtividade do capital. Essa reprodução é crítica, pois leva à exoneração da força-de-trabalho do sistema

produtivo

e

se

apoia

fundamentalmente

em

empréstimos

governamentais, o que indica no limite a incapacidade do capital do setor de manter os seus níveis de auto-reprodução. Ademais, segundo dados da Revista Hortifruti Brasil e de Neves (2010), nos últimos anos os preços de fertilizantes e adubos tiveram um aumento exponencial. De maneira geral podemos dizer que a necessidade de revolucionar a tecnologia em busca da alta produtividade do capital citrícola e a necessidade de intensificar o trabalho levou a uma corrida aos mercados em busca dessas mercadorias. Como consequência tivemos a expansão de seus preços (o preço dos fertilizantes, por exemplo, subiu 50% de 2001 para 2009). Dessa forma, a alta procura, por parte dos produtores, por fertilizantes e adubos, levou, como consequência, ao aumento do preço desses produtos, pelas condições de concorrência e disponibilidade dessas mercadorias. Assim, o aumento do preço dos fertilizantes e a necessidade de manutenção e aumento da produtividade do capital no citros justificam o aumento proporcional dos gastos com fertilizantes e adubos (capital constante). No caso do município de Itápolis, dada a idade avançada dos pomares, a utilização de fertilizantes e adubos para o solo se fez de forma crescente e exponencial nos últimos anos, fato que rebateu no aumento dos gastos dos citricultores locais.

Dessa forma, no caso da produtividade do capital na citricultura, uma das saídas encontrada pelos produtores para o seu aumento foram os investimentos cada vez maiores em fertilizantes e adubos por hectare de laranja. Em função da concorrência, cada produtor elevou, nos últimos anos, ao máximo a produtividade da sua planta, buscando primordialmente alargar a sua margem de lucro. Dessa forma, é fundamental reconhecer que ao mesmo tempo em que o aumento da produtividade do trabalho através de investimentos

em

fertilizantes

e

adubos

aparece

como

um

enorme

desenvolvimento da capacidade de produção do citros, trata-se, no entanto, do aproveitamento e apropriação pelo capital das condições naturais – fertilidade do solo, a água – que em última instância revelam que há uma inflexão no processo de acumulação no interior da unidade citrícola que não consegue transcender as determinações da natureza, de forma a constituir uma produtividade além dessa. O aumento da produtividade do trabalho no citros fica, então, de certa forma, atrelado à condições naturais. Como dito anteriormente, os gastos da produção citrícola vem aumentando nos últimos anos em função do aumento dos gastos com fertilizantes e adubos e com força-de-trabalho. Analisamos brevemente nos parágrafos anteriores as determinantes do aumento dos gastos dos produtores com fertilizantes e adubos e a sua relação com o aumento da produtividade do capital. Vimos que esse aumento dos gastos é dado principalmente pelo aumento dos preços dos fertilizantes e adubos e pelos maiores investimentos dos produtores em capital constante a fim de aumentar a produtividade do seu capital. Como consequência ocorre a diminuição dos hectares plantados com citros e possibilita, ademais, a existência de uma maior quantia de capitais a

serem investidos em capital constante por hectare. Dessa forma, o setor reduz sua área para aumentar a sua produtividade. Entretanto, como já assinalamos, o aumento da produtividade do capital na citricultura deve ser decomposto em duas frentes. Primeiro a produtividade das caixas por hectare que leva à uma busca constante por adubos e fertilizantes e ao aumento dos gastos com esses; segundo a produtividade do trabalhador na colheita, onde seu aumento implica num menor tempo de giro para o capital. A partir daqui é fundamental analisarmos o aumento dos gastos com força-de-trabalho e como isso se relaciona com a produtividade do trabalhador. Como dito antes, o fim do contrato padrão subjugou ainda mais os pequenos produtores às determinações e vontades das grandes indústrias, num sistema onde estes ficaram incumbidos dos custos de plantio e colheita do citros, incluindo entre esses novos gastos a contratação de trabalhadores. Nesse sistema, designado de “laranja posta na indústria” o lucro dos produtores passou a depender do pagamento das safras realizado pelas grandes indústrias após a compra de sua produção e estas se desoneram dos custos com a colheita fora de suas propriedades. Para nós, ao serem obrigados a lidar com maiores custos produtivos, os produtores iniciaram uma busca por corte de gastos, a fim de manter a taxa de expansão do capital nas suas lavras. A saída encontrada, como dissemos, passou pelo corte dos gastos com força-de-trabalho e aumento dos gastos com capital constante a fim de aumentar a produtividade do capital nos seus pomares e obter maiores lucros.

Nesse sentido, cremos que a criação do sistema partilhado de contratação de trabalhadores virá como solução para o corte necessário dos gastos com capital variável no setor, ao passo que busca manter a produtividade do capital, tornando o setor mais intensivo em capital e menos em força-de-trabalho. Dessa forma, compreendemos que os consórcios de produtores buscam flexibilizar os direitos trabalhistas e fugir dos altos custos fiscais com a contratação dos colhedores, num sistema onde os produtores passam a responder, de forma partilhada, pelos gastos com a força-detrabalho. Dessa forma, os custos de reprodução da força-de-trabalho são rateados entre os produtores participantes do consórcio, proporcionalmente à quantidade e período de sua utilização. Essa saída inicial encontrada por produtores sanou a necessidade que se impunha ao setor de cortar gastos com força-de-trabalho. Com o passar dos anos, entretanto, a migração de trabalhadores para o trabalho em outras lavouras, acompanhando o movimento de migração do capital, alavancou o valor pago por caixa colhida de laranja de 27 kg, de forma que novamente pequenos produtores se viram frente à pressão por salários ao passo que as grandes do suco não lhes repassavam um reajuste no valor pago pela caixa de laranja de 40,8 kg proporcional ao aumento dos gastos com salários e capital constante. Dessa forma, o aumento dos gastos com força-de-trabalho afeta diretamente os pequenos produtores, no sentido de que são esses os responsáveis pelo pagamento da mão-de-obra utilizada nas colheitas. O gráfico anexado abaixo revela o valor estabelecido pelas indústrias de suco para a caixa de laranja de 40,8 kg no decorrer dos anos, de 1995 a 2010.

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Pela análise do gráfico podemos perceber que há uma variação constante no valor pago pela caixa de laranja de 40,8 kg vendida para a indústria de suco. Lembrando que o custo de manutenção da força-de-trabalho volante da laranja aumentou nos últimos anos, temos que essa diferença é repassada para o produtor, o responsável agora pela contratação dos trabalhadores. No gráfico a seguir, temos o custo médio de manutenção da força-de-trabalho por caixa indicado pelas próprias indústrias de suco para a colheita do citros. Não existem dados concretos sobre o custo de consórcios e pequenos produtores com a manutenção de seus trabalhadores, porém, considerando os dados apresentados abaixo como legítimos, podemos fazer uma aproximação.

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Segundo dados constantes nos gráficos, temos que o valor pago pela caixa de laranja posta na indústria de 40,8 kg aumentou no período de 2003 para 2010 em cerca de 55%. Já o custo de manutenção da força-de-trabalho na colheita do citros aumentou 70% de 2003 para 2010. Essa diferença é repassada, como dissemos, para os pequenos produtores e consórcios, que arcam com os custos de contratação e manutenção da força-de-trabalho.

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Fonte: Neves (2010). Org. Anderson P. dos Santos.

É nesse sentido que podemos compreender que há um aumento claro dos gastos de pequenos produtores com a força-de-trabalho, mesmo com a diminuição do número de trabalhadores pela criação dos chamados consórcios e pela migração de trabalhadores para a lavoura de outras culturas. Devemos

lembrar, entretanto, que esse aumento dos gastos de pequenos produtores com força-de-trabalho não reflete no aumento real do salário de colhedores, apesar de ocorrer, segundo dados, um aumento do valor pago por produtores pela caixa de 27 kg colhida pelos trabalhadores. Primeiramente devemos lembrar que o salário, para além de uma quantia paga por um trabalho realizado, também deve ser entendido como uma relação. O salário expressa a quantia mínima, em dinheiro, necessária ao trabalhador para sua reprodução, individual e familiar, enquanto indivíduo portador de necessidades. Dessa forma, o salário está na relação com o valor das mercadorias necessárias à reprodução do trabalhador. Ao discorrer sobre o salário em seu livro “Trabalho assalariado e capital & salário, preço e lucro”, Marx (2008) demonstra que essa quantia paga ao trabalhador sofre variações constantes, aumentando ou diminuindo de acordo com a pressão exercida pelo exército industrial de reserva. O autor salienta, entretanto, que o aumento da quantia paga ao trabalhador não significa imediatamente aumento real do salário. O salário, como dissemos, expressa a quantia mínima necessária à reprodução do trabalhador de acordo com o valor das mercadorias por ele consumidas. Dessa forma, mesmo que o seu salário aumente, se o valor das mercadorias consumidas aumentar proporcionalmente, seu salário não terá aumentado. Muitas vezes terá até diminuído. O aumento ou diminuição do salário devem ser compreendidos também na relação com o lucro total do proprietário da força-de-trabalho. Se o lucro do capitalista aumenta ao passo que o valor pago ao trabalhador se mantém

constante ou mesmo aumente, porém em menor proporção, temos que o salário diminuiu proporcionalmente. Dessa forma, mesmo que o salário aumente, e isso se dá em períodos longos de tempos, a sua taxa de aumento não se compara à taxa de incremento do lucro do capitalista, o que faz o salário estagnar ou diminuir proporcionalmente. Na citricultura, os salários dos colhedores são repassados pelos participantes dos consórcios com parte do valor pago pelas grandes indústrias do suco na compra da sua produção. Dessa forma, entendemos que a situação dos salários dos trabalhadores volantes deve ser analisada na relação com o lucro total das grandes indústrias, responsáveis pelo pagamento dos consórcios e aquelas que determinam o valor a ser pago por caixa de laranja colhida, e não na relação com os lucros dos produtores. Isso porque os produtores, de forma geral, atuam apenas repassando o pagamento dos salários. Assim, se considerarmos os imensos lucros que obtiveram as grandes dos sucos nos últimos anos, mesmo que os salários dos colhedores venham a subir, podemos dizer que, com base nos ensinamentos de Marx, esses salários diminuíram proporcionalmente em comparação ao lucro das empresas, ou seja, mesmo que os salários aumentem, o lucro das grandes indústrias aumentou muito acima do aumento salarial dos colhedores. Se por um lado os salários pagos aos colhedores diminuíram proporcionalmente ao lucro das grandes empresas de suco, por outro lado os produtores paulistas aumentaram seus gastos com o pagamento da força-detrabalho, visto que são eles agora os responsáveis por subtrair do valor da sua produção a quantia adiantada ao trabalhador para a sua reprodução. Dessa forma, é possível compreender o aumento dos gastos dos produtores com a

manutenção da força-de-trabalho. Assim, cremos que a criação do sistema de consórcios foi a maneira encontrada por produtores para se desonerar dos gastos excessivos com força-de-trabalho. Na citricultura, na medida em que os custos para a manutenção dos trabalhadores foi aumentando, muito em função da transferência desses gastos pelas grandes indústrias, os produtores buscaram meios alternativos a fim de diminuir proporcionalmente seus gastos com força-de-trabalho. Lembremos que o objetivo de todo capitalista é sempre investir maiores montantes de capital em maquinários, ao passo que buscam diminuir também os investimentos em força-de-trabalho. Dessa forma, a constituição dos consórcios foi uma das maneiras encontradas para diminuir proporcionalmente os investimentos em capital variável e aumentar, em contra partida, os investimentos em capital constante, a fim de aumentar a composição orgânica do capital citrícola. Isso porque, no modelo de contratação por consórcios, os trabalhadores são partilhados entre os produtores, assim como os gastos de manutenção da força-de-trabalho. Se antes cada produtor contratava individualmente seu trabalhador, arcando também individualmente com os custos de sua manutenção, agora a força-de-trabalho é contratada de forma partilhada. Dessa forma, um menor número de trabalhadores é contratado por safra. Essa diminuição inicial dos custos proporcionada pela criação dos consórcios foi sendo constantemente superada pelo aumento do valor pago pela caixa de laranja ao trabalhador volante, representada no Gráfico 04, ao passo que ao mesmo tempo as grandes indústrias de suco não repassaram ao produtor um aumento proporcional pago pela caixa de laranja posta na

indústria, representada pelo Gráfico 03, fazendo com que produtores e consórcios arcassem com essa diferença. Já o aumento da produtividade direta do trabalho, representada pela colheita de caixas por dia, deve ser analisada a parte. Para isso, devemos considerar três fatores: primeiro a pressão que impõe o exército industrial de reserva sobre os colhedores empregados; segundo o aumento dos custos das mercadorias utilizadas pelos trabalhadores para sua reprodução diária, ao passo que se mantém constante o valor ganho por caixa na colheita da laranja; terceiro a produtividade relativa do trabalho, ou seja, com um menor número de trabalhadores agora se faz o mesmo serviço com o mesmo período de tempo. Como dissemos, à medida que os capitalistas se lançam à busca das inovações técnicas poupadoras de força-de-trabalho contingentes de operários são lançados no desemprego, diminuindo o número de trabalhadores no sistema produtivo. Dessa forma a própria dinâmica do capital atua criando uma superpopulação relativa flutuante ou o chamado exército industrial de reserva. É necessário lembrar que a presença da tecnologia no processo produtivo atinge duplamente a força-de-trabalho. Primeiramente diminuindo exponencialmente

o

número

de

cabeças

empregadas

na

produção.

Posteriormente, ao aumentar o exército industrial de reserva e com o barateamento das mercadorias necessárias a reprodução da força-de-trabalho, permite a depreciação dos salários da classe trabalhadora, permitindo ao capitalista uma maior composição orgânica do capital, tal como podemos ver na seguinte passagem de Marx (1996): Segue-se daqui que o aumento na produtividade do trabalho reduz o valor da força-de-trabalho e com isso aumenta a mais-valia,

enquanto, ao contrário, a diminuição da produtividade eleva o valor da força-de-trabalho e reduz a mais-valia (MARX, 1996, p 149).

Assim, cremos que o fim do contrato padrão e a adoção do sistema de “laranjas postas na indústria” além de proporcionarem o corte de gastos dos produtores com força-de-trabalho, aumentando a composição orgânica dos seus capitais, também contribuíram sobremaneira para o aumento da produtividade relativa do setor, uma vez que diminuíram o número de trabalhadores utilizados na colheita do citros, ao passo que não se alterou o tempo de colheita do mesmo. Ao contrário da fácil mecanização ocorrida na cana-de-açúcar, o capital citrícola não conseguiu superar as determinações da natureza e não veio a constituir uma produtividade para além desta. Dessa forma, a maneira encontrada por produtores para aumentar a composição orgânica de seus capitais foi a criação dos consórcios de produtores, que restringiram o número de trabalhadores na safra e tornou a citricultura mais intensiva em capital. Além disso, a produtividade da força-de-trabalho tende a aumentar muito em função dos baixos salários pagos aos trabalhadores, que buscam constantemente aumentar suas margens de lucro, aumentando, para isso, a sua carga diária de trabalho: sendo o objetivo de cada trabalhador alargar ao máximo o seu salário, o estabelecimento dos salários a partir da quantidade de caixas colhidas contribuiu para o aumento da produtividade do trabalho na colheita. Dessa forma, o próprio sistema de colheita de citros incentiva o desgaste do trabalhador. Este mesmo sistema, como dissemos, aumenta a disputa entre os colhedores pelos melhores eitos, numa situação em que aqueles que colhem mais rapidamente acabam escolhendo os melhores eitos para trabalhar posteriormente.

7. Considerações Finais No início deste trabalho nos questionávamos sobre a transformação da realidade agrária do município de Itápolis-SP, buscando fundamentalmente compreender a crise da produção citrícola. A tarefa foi árdua, pois como salientam Harvey (2005) e Mandel (1982), as crises no sistema produtivo capitalista nunca são determinadas por uma única variável. Ao chegar ao final deste trabalho esperamos ter elucidado ao menos uma parte desta crise, sem a expectativa, é claro, de solucioná-la. A crise é a da sociedade do trabalho. Dessa forma, buscamos analisar a crise da citricultura, porém tendo em mente a problematização de como essa crise expressa a crise maior da sociedade fundada na forma valor. Como afirmamos, o fundamento da reprodução capitalista mudou. Não existe, portanto, uma situação de acumulação infinita. Vemos que, ao nos atentarmos para a sua essência, os fenômenos da sociedade são determinados hoje pela crise da reprodução capitalista. Dessa forma, Quando o capital se reproduz ele se evidencia como apenas acumulação, aparecendo estritamente como crise nos momentos de grande crise. Porém, o capital é crise e acumulação, não havendo entre elas descompasso temporal, ou seja, a acumulação hoje se dá pela crise e a crise é gerada por essa acumulação que produz um capital ocioso investido no desenvolvimento das forças produtivas (KURZ, 2008; ALFREDO, 2010). Afirmávamos que a reprodução do capital na citricultura é crítica. Dessa forma, é uma reprodução que por um lado reduz continuamente a proporção de força-de-trabalho

empregada

no

ramo

produtivo

e

busca

aumentar

constantemente a sua produtividade, a fim de manter a taxa de acumulação. Por outro lado, o aumento da produtividade age como processo seletivo entre os produtores, força parte dos capitais improdutivos a transitar para outros ramos mais lucrativos e contribui para a centralização do capital no setor. Em resumo, podemos dizer que, apesar de o valor total da produção aumentar no período de 1995-2010, os produtores buscaram diminuir sua área colhida. Isso mostra que essa produção não se fez tão lucrativa aos produtores. Muitos acumulam perdas e dívidas há anos. Como visto a decadência e a crise dos pequenos produtores pode ser dada pelas seguintes variáveis principais: queda tendencial lucro (preços baixos no mercado), altos gastos com insumos e defensivos, grande concorrência entre pequenos e grandes empresas e monopólio das grandes marcas. Para compreender esse processo, decompomos nossa análise em duas frentes. Primeiro analisamos a busca pelo aumento da produtividade das plantas cítricas, a forma específica do capital citrícola de aumentar a composição orgânica do capital, e posteriormente analisamos a diminuição relativa da força-de-trabalho do ramo, que como consequência também buscou um aumento do capital constante do setor e um aumento da produtividade. Vimos que, buscando manter a produtividade do capital no citros, os produtores locais foram levados constantemente a aumentar o valor total dos gastos com insumos e capital constante, incluindo entre esses gastos a contração de crédito rural através do fomento estatal. Para não expandir em demasiado seus gastos, muitos produtores diminuíram a área plantada e condensaram a sua produção, o que abre espaço para o plantio de outras

culturas, dentre elas a cana-de-açúcar e a braquiária, culturas que tem se expandido no município nos últimos anos. Ao diminuírem a área de produção de citros, acabam aumentando o capital relativo disponível para investimento em capital constante a ser utilizado na área agora menor, visto que a quantidade de força-de-trabalho utilizada na safra já fora fixada através da criação dos consórcios de produtores. A lei do investimento maior em capital constante do sistema capitalista passa então a valer para a citricultura, permitindo ao produtor uma maior composição orgânica de seu capital e maior produtividade. O corte dos gastos por diminuição dos hectares plantados permite, portanto, o aumento do valor investido na compra de insumos, o que, por sua vez, pode elevar a produtividade do capital na produção citrícola. É dessa forma que, aos nossos olhos, ocorre a diminuição da área plantada por laranja e o aumento da área plantada de cana-de-açúcar, ou seja, como consequência da busca de uma alta composição orgânica para o capital do setor e como consequência da busca incessante por uma grande produtividade do capital no citros. Já a constituição dos chamados consócios de produtores liberou parte do capital antes investido em força-de-trabalho para novos investimentos em capital constante, de forma que aumentou a composição orgânica do setor e diminuiu os gastos dos produtores com capital variável. Esse processo proporcionou, ademais, um aumento da produtividade relativa do trabalho, visto que com uma menor quantidade de trabalhadores no setor realizou-se safras no mesmo período de tempo, ou seja, com um número menor de trabalhadores realizou-se o mesmo trabalho, o que, em seu âmago, representa um aumento de produtividade da força-de-trabalho.

Entretanto, a situação do corte dos gastos com força-de-trabalho e o aumento da produtividade através da diminuição da área da produção de citros se tornou insustentável. Isso porque o fim do contrato padrão e o estabelecimento do chamado sistema de laranja posto na indústria subjugou produtores às determinações das grandes indústrias, uma vez que são essas agora que determinam à sua vontade o valor pago para a caixa de 40,8 kg entregue em seus domínios, ou seja, as indústrias determinam agora o valor a ser pago pela produção dos pequenos produtores. Dessa forma, acirra-se a crise da citricultura, uma vez que o valor pago aos citricultores não consegue contrabalancear a subida dos preços de insumos produtivos e o aumento do valor da força-de-trabalho. Isso aumenta a migração de produtores para outros ramos produtivos como o da cana-de-açúcar. Vislumbra-se assim um aumento crescente dos gastos dos produtores com capital constante e, também, aumento dos gastos com capital variável, ao passo que a situação ideal para a produção seria o aumento dos gastos com capital constante e diminuição dos gastos com capital variável, para tornar maior a sua composição orgânica. Dessa forma, mesmo que se aumente a produtividade do setor, a citricultura continuará sendo um sistema que se reproduz pela crise, uma vez que nega seus pressupostos categoriais, reduzindo continuadamente a proporção de força-de-trabalho utilizada no processo produtivo e sobrevivendo a partir da extensão de créditos particulares e, principalmente, governamentais, constituindo o que Marx chamou de capital fictício e trazendo a luz da análise a sua incapacidade de realizar a valorização do valor.

Assim sendo, a busca da produtividade na citricultura, baseada em investimento maiores em capital constante, nega os pressupostos de valorização do capitalismo, qual seja a presença da força-de-trabalho no processo produtivo, de forma que o próprio trabalho se coloca agora como ausência necessária. Além disso, a busca pela alta produtividade se coloca como impossibilidade de efetivar-se uma vez que não consegue, de certa forma, transcender as determinações da natureza, representada pela produtividade das plantas citrícolas, revela a sua incapacidade de acumulação e de reprodução ampliada e traz a tona a necessidade da extensão do crédito, tendo este um papel primordial no processo de reprodução crítica da forma valor na citricultura. Além disso, como consequência desse processo de diminuição da área de produção citrícola e aumento da área de produção de cana-de-açúcar, fruto da busca por produtividade e por investimentos maiores em capital constante se desenvolve um outro, dado pela reprodução crítica do capital citrícola que reduz continuadamente a sua taxa de produção da mais-valia e permite, no limite, apenas a acumulação das dívidas dos produtores, retroalimentadas pelo crédito rural. Esse processo para nós é a lei de transição do capital para um setor mais produtivo e lucrativo, onde o capital busca continuamente ascender a níveis de produtividade e lucratividade superiores, a fim de compensar a queda na proporção de produção de mais-valia, e, nesse processo, transita para outros ramos. Dessa forma, a citricultura, ao se tornar menos lucrativa, proporciona que os capitais do setor transitem para outros, como a cana-deaçúcar, que no momento apresentam uma possibilidade de lucratividade maior,

visto que aqui o produtor não arca com os custos de produção. Este apenas arrenda a sua terra para a produção das grandes indústrias da cana, não tomando parte dos gastos. Tal como o capital citrícola, a canavicultura depende fundamentalmente de créditos e capital ocioso para o desenvolvimento das suas forças produtivas. Dessa forma, dada a sua alta mecanização e redução proporcional de trabalhadores do ramo produtivo, o capital canavicultor busca contrabalancear a redução da sua capacidade de acumulação - a sua menor taxa de mais valia da exploração do trabalho –, expandindo. Dessa forma, a presença constante de créditos e a importação de capital ocioso de se realizar, representada na forma de maquinário, necessita continuadamente de maiores proporções de áreas agrícolas para ser reinvestido e é nesse sentido que a produção da cana expande no município (PITTA, 2011). Nesse sentido, temos dois casos diferenciados: uma produção agrícola (citricultura) que reduz sua área buscando aumentar a sua produtividade e atingir níveis maiores de produção e uma outra produção agrícola (canavicultura), que em função dos créditos excessivos existentes necessita da expansão de sua área como forma de realiza-los. Além da redução da área colhida de citros e a transição de capital para o ramo canavicultor que atualmente expande a sua área de produção, também podemos encontrar na citricultura a centralização dos capitais no setor. Isso porque a crise atual do sistema citrícola afeta principalmente pequenos produtores, ao passo que as grandes do suco crescem e se fortalecem. Dessa forma, os custos de produção, na forma de investimentos, dessas propriedades mais distantes e menos produtivas do município, representadas por pequenos

produtores, são transferidos para as propriedades que têm uma melhor produção, geralmente aquelas das grandes indústrias, redefinindo o tamanho daquilo que é produzido numa área mais distante. Ou seja, como é muito custoso, não é possível investir nas áreas mais distantes e menos produtivas, pois, na verdade, sendo o rendimento menor, não é possível fazer os mesmos investimentos que se fazem nas propriedades mais rentáveis (ALFREDO, 2008). Dessa forma, com base em Alfredo (2008), identificamos que pode estar ocorrendo nessas propriedades um fenômeno determinado pela renda da terra, influenciado pelos níveis de investimento cada vez maiores, que buscam, como vimos, manter o mesmo rendimento na terra, ou seja, um produtor tem que aumentar cada vez mais os custos de produção que se dão pelos investimentos em implementos e insumos agrícolas para tornar essa terra mais produtiva. Nessas propriedades, possivelmente, o nível de investimento pode estar cada vez maior em relação àquilo que rendem esses investimentos, então, essas terras estão passando por um momento que Marx (2013) chama de sub-produtividade dos novos investimentos do capital no mesmo tipo de terra, ou seja, os investimento continuam rendendo, mas cada novo investimento rende menos que o investimento anterior. Sendo assim, só a partir de uma determinada dimensão de propriedade será possível pagar o aumento desses custos e isto estabelece uma seletividade de produtores, tendendo à centralização dos capitais no setor nas mãos das grandes indústrias de suco, que detém os maiores pomares. Só o grande produtor, que produz a partir de uma determinada escala, é capaz de pagar os custos necessários para tornar produtiva a sua propriedade. Isso porque os investimentos estão chegando a

um nível que a renda está reduzindo cada vez mais e portanto tem que ampliar a escala da produção. Nesse movimento de migração do capital para novos ramos mais produtivos e de centralização do capital nas mãos de poucos produtores, também podemos encontrar um novo processo, qual seja o de migração da força-de-trabalho, até então utilizada na citricultura. Dessa forma, ao determinar a quantidade máxima de trabalhadores utilizados por safra, o sistema de consórcios de produtores liberou novamente parte da força-detrabalho utilizada no citros para que migrasse juntamente com o movimento do capital para outros ramos mais produtivos. Encontramos, assim, inúmeros trabalhadores que agora liberados do trabalho nos laranjais migraram para o corte da cana no município. Dessa forma, houve uma re-mobilização do exército de reserva do citros, acompanhando o movimento de migração do capital. Esses trabalhadores continuam habitanto a periferia pobre de Itápolis, os bolsões de reserva de força-de-trabalho representados pelos bairros CDHU, e arrastam-se no movimento do capital, como ocorre para inúmeras cidades do interior paulista. Entretanto, a possibilidade do enriquecimento através da citricultura já não faz parte do seu imaginário. O trabalho no corte da cana-deaçúcar aparece agora como novo paradigma que os possibilitarão ascender ao consumo.

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