Moedas de chumbo, da Época Romana, cunhadas no actual território português: a propósito do Catálogo de Plomos Monetiformes de la Hispania Antigua

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ESTUDOS DO CLUBE NUMISMÁTICO

DE PORTUGAL

XXXV 111

A. MARQUES DE FARIA

MOE..DAS DE CHUMBO, .:"DA EPOCA ROMANA, .CUNHADAS NO ACTUAL ., . ~ \. ';""".'.,'

'

TERRITORIO

PORTUGUES

MCMLXXXVII

Separata da Revista NUMISMÁTICA

-

Nov./ Dez ,-87

Exemplar n?

de 30 exemplares o Autor

N? 47

MOEDAS DE CHUMBO, DA ÉPOCA ROMANA, CUNHADAS NO ACTUAL TERRITÓRIO PORTUGUÊS -

A propósito do Catálogo de Plomos Monetiformes

de la Hispania Antigua A. Marques de Faria

A obra acima referida, da autoria de A. Casariego. G. Cores e F. Pliego, constitui o mais importante contributo para o estudo da numismática hispano-romana, neste ano de 1987. Ao lê-Ia, apercebemo-nos de que estamos perante o resultado de vários anos de aturada e frutuosa investigação. Porém, mercê do facto de ser obra pioneira no estudo das moedas e tésseras plúmbeas cunhadas em toda a Hispania, algumas das hipóteses e conclusões nela formuladas são, no mínimo, susceptíveis de discussão. É esta a razão de ser das linhas que se seguem. Como é natural, merecem-nos particular interesse as páginas dedicadas às moedas cunhadas no actual território português. A referência a cecas lusitanas (p. 121)parece-nos anacrónica, dado que todas elas terão funcionado em época anterior à criação da província romana da Lusitania por Augusto. Uma das gri3ndes novidades reveladas pelo presente estudo consiste na publicação de um quadrans de chumbo- cunhado em Baesuris (p. 121-1221. Acrescente-se, por outro lado, _,ff~;."em escavações arqueológicas recentemente efectuadas no castelo de Castro Marin{~b a direcção da Dra. Ana Margarida Arruda, foi recolhido um novo exempiar. Esta m'peda será, em devido tempo, publicada com o restante espólio pela referida investigadora.N importârlcia de que -se reveste este achado é bem evidente, porque vem .,' '", . desvanecer definitivamente as dúvidas que ainda subsistiam a respeito da identificação de Baesuris com Castro Marim1. Relativamente a âálsa, que os Amores localizam sem grande rigor perto de Tavira (p. 122)2,é visível o desconhecimento dos trabalhos portugueses em que figuram algumas varia~tes dósnumismas publicados3. Saliente-se, contudo, o mérito da obra ao valorizar como quadrantes todas as peças de módulo reduzido.

Passadas várias décadas sobre a descoberta de numerosos vestígios da antiga Ossonuba em plena cidade de Faro, os Autores persistem na identificação daquela cidade de fundação pré-romana com as ruínas de Estoy (sicl (p. 122)4. Também as linhas dedicadas às moedas nela emitidas manifestam um total desconhecimento da bibliografia portuguesa sobre o assunt05. No capítulo consagrado aos chamados chumbos diversos de módulo médio, encontramos umas interessantes peças que apresentam, no anverso, uma cabeça masculina e, no reverso, um golfinho sobre a legenda IPSES (p. 149), Os Autores sugerem a sua leitura como topónimo composto pelo prefixo Ip, comum a várias cidades do vale do Baetis (Guadalquivir). Tal hipótese encontra-se definitivamente comprovada pela existência de moedas de bronze com idêntica legenda. A localização de Ipses não virá a suscitar grande polémica, uma vez que, em escavações arqueológicas realizadas nas ruínas da chamada Vila Velha {Alvod sob a responsabilidade da Doutora Teresa Júdice Gamito, foram encontradas duas moedas de chumbo análogas ao exemplar descrito no livro em apreço. Esperamos publicá-Ias em brev.' juntamente com as moedas de bronze. De momento, resta acrescentar que a nossa proposta de localização se fundamenta no pressuposto de que a moeda de chumbo "sería absolutamente local, y su circulación se limitaría a la ciudad emisora y, si las había, a las ciudades cercanas que de ella dependieran" (p. 106). Ainda no mesmo capítulo, descrevem-se duas moedas (ou tésseras) que se distinguem entre si pela disposição da legenda do anverso (p. 148-149), Neste, figuram uma cabeça masculina e a legenda ibérica que transcrevemos em caracteres latinos: SIRBa-ISER ou SI-RBaISER; no reverso, reproduz-se o signo ibérico correspondente ao S latino entre uma estrela e um crescente. Parece haver alguma relação entre o antropónimo ibérico do anverso e o topónimo Sirpa que surge sob a forma Sirpens em raros numismas de bronze acertadamente atribuídos à vila de Serpa. Neles vamos encontrar, em cada uma das faces como caracteres tipológicos secundários, a estrela e o crescente que vemos reunidos no reverso das peças de chumbo, ladeando a letra que pode corresponder à inicial de Sirpa ou de outro topónim06. Estaremos perante simples coincidências? De qualquer modo, se neste caso aplicarmos o critério que nos levou a situar Ipses na Vila Velha (Alvod, não poderemos atribuir à ceca de Sirpa as moedas em análise, porquanto não há notícia de achados de moedas semelhantes nas proximidades de Serpa7. A riqueza e a complexidade de outros assuntos tratados no presente estudo permitem que registemos alguns reparos e sugestões: - p. 114: A grafia Celte deve preferir-se a Celti. A terminação em e é comum a muitos outros topónimos pré-romanos, tais como Calle, Cere, asse, Tole, Ores, Celse, ,/

Cese, Arse, U..~e e laie, todos eles atestados numismaticamente; - p. 115: As emissões de bronze com a legenda CORDVBA, que os Autores datam de 50 a.C., apresentam uma cronologia em torno de 80 a.C.,9; - p. 116: Sendo a Baetica uma criação de Augusto, não pode estar representada no reverso dos denários de M. Poblicius; 2

- p. 118: O correcto nome da ceca é Osse e não Osset10; - p. 141: A explicação fornecida na nota 62 para a legenda AES CED parece-nos menos improvável que a sugerida no corpo do trabalho; - p. 151-154: Há um certo exagero na utilização do termo municipium como desenvolvimento da abreviatura M. Tendo em conta o contexto que envolve a cunhagem deste tipo de numismas, afigura-se-nos mais correcto o seu desdobramento em Mletallum) ou Mletalla), seguida ocasionalmente por Flodinae) ou Flodinarum)11. Existem precintas e tésseras de chumbo, não assinaladas no Catálogo, em que figuram algumas siglas (M.C.F. e M.Q.F.) que também se encontram em moedas com legenda latina, geralmente atribuídas a Castulo (VIVES'271: 14 e 71:8, respectivamente) 13. M.P. Garcia-Bellido deduz deste facto que tais moedas aludiriam não ao município castulonense, mas a sociedades exploradoras de minério. Esta interpretação ganha nova força com o apoio de um elemento fundamental para a fixação da cronologia destas emissões, tidas tradicionalmente como tardias 14.Trata-se da recente publicação de um as de Dipo recunhado precisamente sobre um as com as siglas M.C.F., do tipo acima mencionad015. Deste modo, poderemos fornecer para a emissão VIVES 71:14 le, possivelmente, para a emissão VIVES 71:8) uma datação dentro das duas últimas décadas do século 11a.C., uma vez que a numária de Dipo se encontra representada em Cáceres el Viejo, um acampamento romano cuja ocupação terminou por volta de 80 a.C.16, ou, como quer M. Beltrán, em 95-93 a.CY; - p. 155: Em 1934, o ilustre numismata P. Batalha Reis escreveu um pequeno trabalho a que deu o seguinte título: Moedas de Cilpes e não Cilpe. Não se justifica, portanto, a utilização desta última grafia. Os achados de moedas análogas efectuados no aro da cidade de Silves e a configuração deste mesmo topónimo são dados suficientemente esclarecedores quanto à localização de Cilpes 18. Ao concluir esta análise, não queremos deixar de reafirmar a relevância de que se reveste o presente Catálogo no âmbito dos estudos de numismática antiga da Península Ibérica. Saliente-se ainda, que o próprio cuidado posto no aspecto gráfico contribui em não pequena parte para que desta obra façamos um balanço largamente positivo. Esperamos dos Autores a continuidade nos estudos que tão auspiciosamente iniciaram.

NOTAS

1Cf. ALARCÃO, J - Portugal romano, 3." ed., Lisboa, 1983, p. 85. 2Cf. Id. - ibid., p. 85. 3

3Não obstante algumas falhas e imprecisões, há que assinalar o trabalho de GOMES, R.V. e GOMES, M.V. - Novas moedas hispânicas de Balsa e Ossonoba, "Nummus", 1981-1983, p. 155-182, onde é recolhida a bibliografia anterior. Se este artigo fosse do conhecimento dos Autores do Catálogo, estes não teriam certamente afirmado que "a Gil Farrés se debe la identificacíon de la nueva ceca de Balsa"(p. 80). 4Cf. ALARCÃO, J. - op. cito (v. nota 1), p. 85. 5Ct. GOMES, R.V. e GOMES, M.V. - op. cito (v. nota 3), Na est. I, com o n.O 9, é reproduzido um quadrans com a legenda OSSo A moeda n.O 13 da figo 3 pertence a Lacipo; Cf. PUERTAS TRICAS, R. e RODRIGUEZOLlVA. P. - La ciudad de Lacipo y sus monedas, "Mainake", I, 1979, p. 112. 61nterpretação que nos parece mais plausível do que as propostas de leitura avançadas pelos Autores: abreviatura do antropónimo do anverso ou marca de valor(p. 148). 70 único achado conhecido teve lugar em La Lentejuela a cerca de 70 Km a leste de Sevilha(p.168-169). 8Cf. JACOB, P 1986, p. 275-280.

À propos

des toponymes

9Cf. CHAVES, F, - La Córdoba hispano-romana

Callet, Ceret. Osset, "Emerita", LlV,

y sus monedas,

Sevilha, 1977, p. 87.

1OCf.JACOB, P. - op. cito (v. nota 8), p. 275-280. l1Para outras interpretações Cf. GARCIA-BELLlDO, M.P. - Nuevos documentos sobre mineria y agricultura romanas en Hispania, "Archivo Espanol de Arqueologia", 59, 1986, p. 22-24, trabalho que surge referido no Catálogo, em addenda (p. 163-1651. A possibilidade da sua interpretação como iniciais antroponimicas, também defendida no Catálogo, adquire alguma verosimilhança nos casos em que legendas análogas ocorrem em marcas anfóricas, {p. 151,1541.

12VIVES Y ESCUDERO, A. -

La moneda hispánica,

11,Madrid, 1924, p. 173-174.

13GARCIA-BELLlDO,M.P. - op. cito (v. nota 11), p. 24.

14Cf., p. ex., GARCIA-BELLlDO, M.P. dígena, Barcelona, 1982, p. 44. 4

Las monedas

de Cástulo con escritura

in-

15Ct.CARDOSO,J.L. e SALGADO,J. - Moeda de tipo inédita asse de Untiscescen

(sic) recunhada

sobre

(sic), "Numisma", 46,1987, p. 1-5.

16Ct.ULBERT, G. - Cáceres el Viejo, Mainz am Rhein, 1984, p. 278-280,297. 17Ct. BELTRÁN, M. - EI campamento 120-131,1974, p. 292-293.

romano de Cáceres el Viejo, "Numisma",

1aCt.VEIGA, S.E. da - Antiguidades monumentais do Algarve, "O Archeólogo Português", XV, 1910, p. 229-232. No Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, existe um exemplar recolhido no Monte Molião (Lagos).

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