Moedas Sociais e a Falência da Teoria Geral do Estado

July 8, 2017 | Autor: Nicole Fobe | Categoria: Sociologia Jurídica, Moedas Sociais, Social currencies, Banco Palmas
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEORIA GERAL DO DIREITO

NICOLE JULIE FOBE NÚMERO USP 6487961

PROFESSOR ORIENTADOR JOSÉ EDUARDO CAMPOS DE OLIVEIRA FARIA

TESE DE LÁUREA DE GRADUAÇÃO SÃO PAULO 2013

Nicole Julie Fobe NÚMERO USP 6487961

Moedas Sociais e a Falência da Teoria Geral do Estado

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Campo de Conhecimento: Sociologia Jurídica

Orientador: Prof. Dr. José Eduardo Campos de Oliveira Faria

São Paulo 2013 1

AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, à minha querida vovó, que desde os meus 15 anos me é mãe, pai, psicóloga, melhor amiga, professora da vida, companheira e exemplo. Espero que ela saiba que o meu sucesso se deve integralmente à sua paciência e à sua disposição em ser mãe uma segunda vez. À minha querida amiga Úrsula, que me aguenta quando mesmo eu quero tirar férias de mim. Ao colega Renato Vilela, que em muito contribuiu para as discussões e desenvolvimentos desta pesquisa. Aos professores Bruno Meyerhof Salama e Mario Gomes Schapiro, que despertaram em mim o amor pela pesquisa e pela carreira acadêmica e acreditaram no meu potencial. Para com cada um deles tenho uma eterna e imensa dívida. À biblioteca e aos bibliotecários da Faculdade de Direito Getúlio Vargas, que permitiram que eu ali realizasse a minha pesquisa e compilações bibliográficas com conforto e excelente infraestrutura. E, finalmente, ao meu professor e orientador José Eduardo Campos de Oliveira Faria, que me trouxe ao ramo da Sociologia Jurídica e me concedeu todas as possibilidades para o meu desenvolvimento pessoal e intelectual, incentivando o meu intercâmbio em Munique e ajudando-me e orientando-me com paciência sempre que necessário. Devo a ele o exemplo de como deve ser um verdadeiro docente, de como uma aula realmente deve ser conduzida, de como lecionar é uma verdadeira vocação. Que as suas aulas continuem sempre a instigar e despertar. Und letztens, mein Liebster, mein Süβer, mein Sweetie. Weil du mich wieder zum Leben gebracht hast, weil du mich zum Lachen bringst, weil du mich gelehrt hast, wie Leben und Lieben sein sollten. Ich liebe dich.

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ÍNDICE. 1.

Introdução. ................................................................................................................ 4

2.

As Moedas Sociais. .................................................................................................. 6 a.

Conceituação e Características. ............................................................................. 6

b. A Evolução Histórica das Moedas Sociais. ........................................................... 9 c.

Experiências Internacionais Relevantes. ............................................................. 11 i.

LETS (Local Exchange Trading Systems). ..................................................... 12

ii.

WIR (Wirtschaftsring-Genossenschaft). ...................................................... 13

d. O Caso do Banco Palmas. ................................................................................... 14 3.

A Autorregulação e suas Implicações. ................................................................... 19 a.

A Hipertrofia dos Direitos Sociais. ..................................................................... 20

b. A Realidade: os Ordenamentos Paralelos. ........................................................... 21 c. 4.

A Falência do Estado. .......................................................................................... 23 O Conceito Clássico de Estado e as suas Insuficiências. ....................................... 25

a.

Globalização e Nova Ordem Mundial. ................................................................ 28

b. Regulação Estatal – uma Tentativa Fracassada. .................................................. 33 c.

Autorregulação: Alternativa ou Solução?............................................................ 35

d. Um Novo Tipo de Estado. ................................................................................... 37 5.

Conclusões. ............................................................................................................. 40

6.

Bibliografia. ............................................................................................................ 42

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1. INTRODUÇÃO. .... nada é mais difícil na sua preparação, mais duvidoso no êxito e mais perigoso nos seus efeitos que estar junto com pessoas que querem promover inovações. Nicolau Maquiavel

Este trabalho tem por objetivo analisar, a partir de um caso da realidade, como e em que pontos a Teoria Geral do Estado tradicional já não mais é aplicável à realidade mundial. O conceito de Estado como nós o conhecemos e somos ensinados já não mais existe. Os elementos estão superados, obsoletos, são outros. A velha tríade naçãosoberania-território perdeu-se com o advento e desenvolvimento da globalização e, no entanto, é a ela que recorremos no ensino do Direito, é a ela que recorremos quando explicamos bases econômicas, sociais e políticas. É ela a base das nossas teorias e o pano de fundo do nosso conhecimento. Mas essa tríade faz parte do passado, e não do presente. O conceito de nação é, hoje, cada vez mais tênue. O de território, idem. E o de soberania... ousamos dizer que a soberania como a conhecemos já não mais existe. As mudanças dos padrões de produção, a união de mercados financeiros, o aumento da importância das empresas multinacionais, o aumento da importância do intercâmbio e crescimento de blocos regionais de comércio, o ajuste estrutural e privatizações, a hegemonia de conceitos neoliberais de relações econômicas, a tendência mundial à democratização, proteção dos direitos humanos e renovado interesse no “império do direito” e o surgimento de protagonistas supranacionais e transnacionais promovendo direitos humanos e democracia1 configuram, entre outros fatores, o fenômeno da globalização, que tem se desenrolado ao longo das últimas décadas e desconstruído o conceito de Estado Moderno, de Estado Nacional, derrogando, elemento por elemento, a teoria clássica de Estado. Com o advento da globalização, ocorre um aumento das desigualdades sociais e econômicas, culminando no aparecimento de conglomerados poderosos, como as grandes empresas transnacionais, contrapostos a comunidades empobrecidas e carentes. Este trabalho tem por objetivo analisar um caso específico de reação ao fenômeno da globalização: as moedas sociais – e, principalmente, uma moeda social pioneira no Brasil – criada por um banco comunitário em Fortaleza: o Banco Palmas. As moedas

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DEZALAY e TRUBEK, “Restruturação Global e o Direito” in FARIA (org.), Direito e Globalização Econômica, pp. 29-30. 4

sociais surgem como uma reação de comunidades carentes ao sistema econômico em vigor, que não atende às suas necessidades e anseios, excluindo-as por não atingirem determinada renda ou determinados requisitos exigidos, por exemplo, pelo sistema bancário oficial. Elas surgem, portanto, para oferecer a essas pessoas uma forma elementar de troca baseada na circulação absoluta (isto é, sem que haja a possibilidade de “poupança”, de guardar dinheiro) do meio de pagamento, “fechando” as comunidades à moeda oficial e promovendo o seu desenvolvimento com base na circulação de uma moeda local. Este trabalho pretende, assim, apresentar uma exposição do caso prático que continua a se desenvolver no Conjunto Palmeira e, a partir dele, realizar uma análise crítica da nossa atual Teoria do Estado clássica – aquela que é ensinada nas faculdades de direito. O Estado, que outrora surgiu para melhor assegurar a qualidade de vida dos seus cidadãos, tem hoje por responsabilidade um contingente cada vez maior de expectativas, expectativas essas às quais não consegue atender. A globalização traz consigo, então, um esfacelamento não apenas do Estado como o conhecemos, como também da conceituação empregada para teorizá-lo. Nesse sentido, em um primeiro momento trataremos das moedas sociais, o que são, quais os principais exemplos, bem como algumas experiências internacionais relevantes, além do caso do Banco Palmas. Em um segundo momento, classificaremos o fenômeno das moedas sociais como uma tentativa de autorregulação (que existe também em outros campos, como no direito desenvolvido em Pasárgada e relatado por Boaventura de Sousa Santos). Finalmente, traremos o conceito clássico de Estado e as suas insuficiências ante a globalização, mostrando quais elementos persistem em parte ou quais não podem mais ser identificados na realidade. A última parte do trabalho traz as conclusões.

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2. AS MOEDAS SOCIAIS. a. CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS. “No caso da unidade monetária (...) encontramos um substantivo que, aparentemente, é utilizado para denotar um objeto. Mas não há objeto algum; a palavra cessou de denotar algo. Sem dúvida, ela desempenha um papel importante quando é utilizada de certa maneira, de acordo com o direito e com os costumes sociais. É pelo seu intermédio que se realizam todos os intercâmbios de bens e serviços (...). Ninguém se interessa por perguntar quais os supostos objetos designados pela palavra que menciona a unidade monetária; os bens, o serviços, as posições negativas e os meios para se liberar delas são o que realmente interessa.” (OLIVECRONA, 2002, p. 40. Tradução livre).

Não se abordará, nesta parte introdutória do trabalho, uma definição exaustiva de moeda, tampouco far-se-á uma retrospectiva histórica – que já foi extensivamente desenvolvida tanto por autores da Economia quanto por autores da Sociologia.2 Fato é que o instituto “moeda” é dotado de tamanha complexidade econômica, sociológica e jurídica3 que seria impossível oferecer novo conceito sem extrapolar o verdadeiro objetivo deste trabalho. Para os nossos fins, no entanto, assume-se como ponto de partida que o fenômeno monetário pode ser analisado sob três aspectos: (i) o aspecto jurídico, que compreende o estudo da moeda como um fenômeno regulado pelo Estado, em que se considera moeda aquilo que o Estado estipula como o sendo; (ii) o aspecto econômico, no qual a moeda é o meio de troca necessário para que sejam realizadas transações concernindo bens e serviços, além de assumir também o papel de reserva de valor; e (iii) o aspecto sociológico, em que moeda é definida como o instrumento – devidamente reconhecido por determinada comunidade – apto a promover trocas. Importa, aqui, a análise do aspecto sociológico. Afinal, o que efetivamente constitui uma moeda? O que define um instrumento como sendo suficiente para carregar, em si, um valor reconhecido por determinada sociedade? A proposta que se defende é que, além de uma mera imposição estatal, a 2

Para uma análise histórica do surgimento das moedas, ver as obras do autor SERVET, Jean-Michel, principalmente “Essai sur les origines des monnaies” e “Genèse des formes et pratiques monétaires”, ambas no Cahiers monnaie et financement, nº 8 e nº 11, respectivamente. 3 Moeda é, ao mesmo tempo, uma linguagem específica (o sistema de contas), um objeto (os instrumentos de pagamento), e uma instituição (as regras de moedagem). Ela não é somente um objeto, uma mercadoria meio de troca mercantil, como em seu sentido mais comum na economia; ela não se reduz tampouco a uma simples linguagem especial de comunicação, como na visão destacada por alguns sociólogos; mas ela não é também apenas uma instituição, um sistema de regras, tal como o afirma frequentemente a economia institucionalista. Ela é um fato social total que tem simultaneamente estas três dimensões, o fenômeno da moeda sendo ao mesmo tempo econômico, político e simbólico. (THÉRET, 2008, p. 25). 6

moeda é, antes de tudo, um fenômeno social. É o reconhecimento por uma comunidade que faz com que certo meio circulante tenha valor e seja amplamente aceito para intermediar trocas e transações. Essa afirmação tem consequências teóricas e práticas, sendo as práticas aquelas que têm maior importância em se tratando do caso Palmas. A moedas Palmas é reconhecida como “moeda social”, ou “moeda alternativa”. Raramente se faz referência e ela como sendo “moeda paralela”, o que efetivamente é. Isso porque, embora não seja reconhecida pelo Estado brasileiro como meio circulante válido no âmbito nacional, fato é que o Palma é aceito e reconhecido no Conjunto Palmeira como dinheiro, além de ser utilizado para saldar dívidas, comprar alimentos e outros bens, bem como na realização de empréstimos pelo banco comunitário homônimo. Difícil afirmar que o Palma não é moeda. Difícil afirmar que não é reconhecido como tal pela comunidade que o utiliza.

***

As moedas sociais são uma espécie do grupo moedas paralelas, e também podem ser chamadas de moedas solidárias ou moedas locais. As moedas paralelas, por sua vez, são aqueles instrumentos monetários4 utilizados por determinada sociedade em conjunto ou paralelamente ao instrumento monetário oficial do país. A dolarização de uma economia por exemplo, consiste em que o dólar seja uma moeda paralela a uma outra moeda. Atualmente, no entanto, assistimos ao surgimento de diversos instrumentos monetários paralelos, que não mais se restringem a moedas estrangeiras. Estes instrumentos paralelos têm, por característica, (i) o fato de serem unidades de cobrança diferentes da unidade de cobrança nacional e (ii) não serem dotados do poder liberatório legal. (BLANC, 1998). Aliás, o fato de uma moeda ser ou não considerada forte e segura por seus utilizadores não altera o surgimento das moedas paralelas, embora nos períodos de crise econômica recrudesça fortemente a criação e circulação desses instrumentos. Abaixo temos um gráfico5 que mostra a criação, nos Estados Unidos, de sistemas de trocas locais. Nem todos fazem uso de instrumentos físicos reconhecidos

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Por instrumento monetário adotamos a concepção de Jérome Blanc (1998), que reconhece o caráter monetário a determinado instrumento quando este assume a função de cobrar e pagar. 5 Retirado de: https://ijccr.files.wordpress.com/2012/05/ijccr-vol-12-2008-1-demeulenaere.pdf. Acesso em 27/03/2013. Este gráfico é parte de um relatório anual que cataloga todas as experiências de instrumentos monetários complementares. A íntegra do relatório pode ser acessada no endereço http://www.complementarycurrency.org/ccDatabase/les_public.html. 7

por “moedas”, mas podemos ter uma ideia do número e do desenvolvimento de alternativas ao sistema econômico vigente. As moedas sociais são retratadas, pelo professor Jérome Blanc, como moedas criadas por grupos sociais sem que haja uma finalidade comercial específica ou qualquer tipo de intervenção estatal no processo. A lógica desses instrumentos é o fomento de uma circulação local e recíproca de riquezas, organizado sobre um sistema de confiança comunitária. Entre 1988 e 1996, cerca de 10% dos instrumentos monetários utilizados mundialmente podiam ser classificados como moedas sociais. As moedas sociais têm como importante característica a integração social dos seus atores, bem como o fator primordial e de extrema importância da confiança. É a confiança em um objetivo comum, em uma determinada comunidade e, principalmente, nos seus líderes que levarão, conjuntamente, ao sucesso ou fracasso de uma iniciativa de emissão de moeda social. Os sistemas monetários paralelos e, particularmente, as moedas sociais, vão de encontro ao aspecto da soberania estatal que reconhece uma moeda única, exclusiva e própria do Estado. Elas têm por base, portanto, a lógica do incentivo à circulação 6 em

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O incentivo à circulação como forma de desenvolvimento econômico foi tratado, de forma mais pormenorizada, por Silvio Gesell, economista alemão que desenvolveu a tese dos “juros invertidos”. De acordo com o teórico, um fator preponderante que tolhe a circulação da riqueza nos dias atuais é o fato de o dinheiro “guardado” em um banco, ou seja, o dinheiro que está fora do ambiente da circulação, render juros. Isso estimula o comportamento de apropriação e posterior retirada de circulação. Gesell propõe, 8

um grupo bastante reduzido de pessoas como forma de promover o desenvolvimento econômico, utilizando-se, para isso, de instrumentos físicos identificados e utilizados enquanto moeda. Mas o que faz surgir essa necessidade de instrumentos paralelos? Por que uma comunidade carente precisa tomar para si uma tarefa de promoção do desenvolvimento quando, em tese, esta função caberia ao Estado? Como veremos adiante, fato é que o Estado Nacional como o conhecemos não consegue mais abarcar e responder às exigências dos seus cidadãos. Atende-se expectativas dos grupos sociais que se conseguem fazer ouvir, enquanto as comunidades carentes, as pessoas excluídas da ordem econômica não conseguem, sem um mínimo de organização, inserir-se em um diálogo com o poder público. Sendo assim, e no caso brasileiro, principalmente, o povo toma para si atividades e objetivos que deveriam caber ao Estado 7, simplesmente por reconhecer neste uma incapacidade ou falta de vontade em reconhecê-los enquanto cidadãos, destinatários de direitos sociais e civis.

Isto nos conduz ao terceiro estado da moeda, seu estado propriamente social, o estado institucionalizado no qual ela aparece como a forma política de uma comunidade de pagamento que não é outra coisa senão o todo social representado sob forma monetária. (THÉRET, 2008, p. 16).

Moedas sociais são, portanto, moedas em sentido jurídico. Elas são moedas por articularem instrumentos concretos que permitem a compra e o pagamento de dívidas, por atuarem enquanto um “sistema de resolução de dívidas que se traduz pela existência de um sistema de pagamentos”, e por assumirem, em uma lógica sistemática, também um caráter institucional – afinal, a instituição “moeda” é caracterizada, de um lado, por regras constitutivas e, por outro, pela socialização dos seus atores. (BLANC, 1998, p. 8).

b. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS MOEDAS SOCIAIS.

então, uma lógica inversa: o dinheiro guardado deve, na verdade, perder o seu valor por meio de juros negativos, que depreciariam dia a dia a quantia retirada de circulação. Isso estimularia, para ele, uma maior circulação do capital e, consequentemente, um maior desenvolvimento econômico. 7 Jérome Blanc (2006, p. 4) justifica da seguinte forma a emissão de moedas por um grupo de indivíduos (em contraposição ao Estado): “while local public administration’s goals are mainly to protect or stimulate local economics or to finance themselves (when it is not a case of claiming sovereignty), groups of citizens either aim at stopping a currency shortage or at transforming the nature of exchanges according to an ideological basis, whereas businesses aim at organizing exchanges and purchases on the basis of which they can develop their activity.” (Grifou-se). 9

O desenvolvimento desta parte do trabalho toma como pressuposto a divisão, feita por BLANC (2006), do panorama monetário em três momentos históricos distintos. No primeiro momento, temos a Idade Média e o sistema econômico feudal, composto por uma pluralidade de moedas e medidas de valor. Cada senhor de terras podia emitir e adotar a moeda que lhe conviesse, o que trazia, em sentidos práticos, barreiras e dificuldades substanciais ao recrudescimento comercial e consequente desenvolvimento econômico. Em um segundo momento – bastante recente na nossa história, tendo início nos séculos XVIII e XIX – assistimos ao surgimento do Estado Nação e a apropriação, pelo governante, do poder de emissão de moeda enquanto componente da sua soberania. A tese da moeda nacional única começa, então, a ser contestada no século XX, com os primeiros movimentos em favor de moedas complementares cujo objetivo geral centra-se na promoção do desenvolvimento. Temos, assim, que o período em que um Estado foi composto por apenas uma moeda nacional – em teoria – é bastante curto. A transição do primeiro momento histórico para o segundo foi extremamente lenta e gradativa. Uma moeda que fosse retirada de circulação repentinamente traria, certamente, enormes dificuldades ao comércio – sem levar em consideração o caos e o pânico ocasionados pela insegurança jurídica e econômica na utilização dos instrumentos. Os primeiros Estados Nacionais foram pouco a pouco eliminando as instituições emissoras de moedas (como bancos particulares, bancos centrais, casas emissoras e, em alguns casos, indivíduos), mas não as moedas em si (BLANC, 2006, p. 4). Estas continuaram sendo aceitas nas transações comerciais respectivas até a implantação efetiva da nova moeda nacional. No segundo momento histórico, podemos identificar três principais motivos para o surgimento de ameaças ao princípio da soberania monetária. Em primeiro lugar, temos as guerras. Em situações de colapso político e destruição de cidades inteiras, recorreu-se inúmeras vezes à utilização de instrumentos monetários paralelos para que fosse possível a manutenção de um certo grau de funcionamento da economia. Em segundo lugar, temos as situações de deflação ou hiperinflação, que interferem com a disponibilidade do meio circulante e impedem as transações comerciais, levando a um agravamento cíclico da situação econômica.8 Finalmente, essa indisponibilidade da

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Como exemplos disso temos, em 1930, a deflação nos Estados Unidos que levou ao boom de redes de LETS e outros sistemas alternativos, bem como a crise econômica argentina de 2001, que teve por consequência a utilização de diversos instrumentos monetários complementares em todos os setores da economia. No caso da hiperinflação, identificamos nos países do leste europeu – destruídos na II Guerra 10

moeda nacional pode também ser ocasionada por razões outras como, por exemplo, a falta de metais utilizados para a composição das moedas ou o aumento exarcebado do seu valor (o que ocorreu na França entre 1914 e 1924). “Ou seja, a necessidade de proteger as economias locais leva às moedas locais” (BLANC, 2006, p. 5). A emissão de notas de dinheiro por bancos centrais é relativamente recente, podendo-se identificar essa característica apenas no século XIX, e principalmente em países como a Holanda, a Alemanha e a Inglaterra. Antes disso, o Estado contratava bancos particulares para a realização desse serviço, existindo uma multiplicidade de instituições emissoras. Essa situação culmina em uma discussão teórica entre a currency school e a banking school, com a vitória da primeira e a consequente adoção da exclusividade da emissão pelo Estado, havendo nessa vitória um claro interesse do Estado em se apropriar do monopólio da emissão da moeda e fortalecer a sua soberania.9 Após o monopólio da emissão da moeda ser atrelado à ideia de soberania estatal, assistir-se-á, já no início do século XX, a uma quebra desta exclusividade, desta vez realizada por grupos descontentes com a qualidade ou mesmo a inexistência de serviços prestadas pelo Estado. O fracasso do welfare state, em conjunto com diversas situações de crise econômica, social e política (contexto que será desenvolvido na terceira parte deste trabalho) leva, então, assim como naquelas situações emergenciais do primeiro momento histórico de pluralismo monetário, ao surgimento de novos instrumentos de troca que possibilitam, desta vez, não apenas uma manutenção das transações econômicas simples, como também um verdadeiro desenvolvimento econômico nos locais em que isso era até então visto como improvável ou impossível.

c. EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS RELEVANTES. In fact, what all of these sorts of money have in common is that they serve as additional means of exchange within networks of preexisting relations, where the official money appears insufficient or functionally inadequate (AMATO et al, 2003, p. 2).

Mundial – o novo surgimento de redes de trocas alternativas como forma de trazer algum grau de estabilidade econômica e possibilitar trocas de bens e serviços. (PRIMAVERA; LIETAER, 2001; BLANC, 2006). 9 A currency school encontrou em David Ricardo o seu maior defensor, que alegava que a moeda deveria ser assegurada por reservas de metais preciosos, ou seja, ele defendia que as moedas deveriam ser lastreadas e que essa tarefa cabia ao Estado. Já a banking school, como o próprio nome diz, defendia que caberia a bancos particulares a tarefa de controlar e regulamentar a emissão de moeda. 11

Esta seção trará duas experiências internacionais que definiram a atual concepção de moedas sociais. Foram elas que inseriram a problemática no cenário internacional e contribuíram para o desenvolvimento de diversos outros mecanismos monetários paralelos. Ambas surgem em um contexto de crise econômica que alia escassez de moeda à falta de circulação dela. Em momentos de desemprego e ausência de desenvolvimento econômico – e, porque não, também de ausência do Estado – alguns grupos tomaram para si o poder de promover o desenvolvimento local a partir da troca de serviços, bens e valores que, de outra forma, não ocorreriam.

i. LETS (LOCAL EXCHANGE TRADING SYSTEMS).10

O LETS é hoje, sem dúvida, o maior sistema monetário complementar em vigor, e o seu atual modelo foi implantado em 1980 no Canadá. O LETS funciona como uma associação na qual as pessoas trocam serviços: há uma taxa de admissão e, enquanto membro, alguém pode trocar um serviço por outro – um corte de cabelo por um conserto da pia, por exemplo. As transações podem ser divididas tendo uma parte paga na moeda oficial do Estado e uma parte paga na “moeda” utilizada pelo LETS. A associação administra a quantidade de crédito dos participantes, contabilizando cada serviço prestado ou utilizado nas “contas” de cada um. Assim, por exemplo, se toda semana eu ofereço ao meu vizinho alguns quilos de tomate da minha horta, eu ganho crédito no sistema. Esse crédito pode, posteriormente, ser utilizado em um corte de cabelo ou para ter aulas de francês com um professor que seja membro do sistema. A situação de crédito e débito dos membros é pública a todos os associados, permitindo um controle social dos envolvidos e tolhendo tentativas de abuso. Atualmente, há 19 redes de LETS ativas no Canadá11. É importante salientar que o desenvolvimento dos LETS está sempre associado a períodos de recessão econômica e desemprego, momentos em que a disponibilidade de papel-moeda – bem como a sua circulação – tendem a diminuir drasticamente (LIETAER, 1999, p. 57). Atualmente, encontramos a adoção desse modelo associativo

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Para uma análise minuciosa acerca dessa iniciativa, ver LIETAER, The Future of Money, 1999, a partir da página 52. 11 Dados disponíveis em http://www.complementarycurrency.org/ccDatabase/le_systems_admin.php?s_le_regionId=6 (acesso em 01/04/2013). 12

na Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália, França12 e diversos países da Europa oriental, envolvendo, em 2012, aproximadamente 800.000 pessoas e movimentando um volume comercial no valor de US$ 108,078,945.13 O LETS é hoje caracterizado, no contexto das moedas sociais, como uma forma primitiva de alternativa à escassez do papel-moeda. Isso porque não há, em iniciativa alguma deste modelo, a emissão de um título ou papel físico ao qual se atribui um valor intrínseco – como acontece, principalmente, na iniciativa brasileira que será posteriormente analisada. Todas as transações que ocorrem no sistema são feitas de forma eletrônica e o crédito obtido com as prestações de serviços tem o seu valor equiparado à moeda oficial.

ii. WIR (WIRTSCHAFTSRING-GENOSSENSCHAFT). O WIR14, também conhecido como Círculo Econômico Suíço, foi criado em 193415 e é, até hoje, uma das experiências mais bem-sucedidas em se tratando de moedas paralelas, sendo também extremamente importante no desenvolvimento da sua conceituação. Considerado um dos responsáveis por retirar a Suíça da recessão europeia de 2009, o sistema foi assimilado pelo Estado e hoje convive lado a lado com o Franco Suíço. Estima-se que, atualmente, a comunidade que utiliza o WIR ultrapasse as 100.000 pessoas (compreendendo, em sua maioria, pessoas da classe média e pequenas e médias empresas) e o volume de trocas supere o valor de 3 bilhões de Euros.16 O sistema possui um banco central, seis escritórios regionais e opera nas quatro línguas oficiais do país.

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Na França, os LETS são chamados de SEL. A palavra pode tanto significar a tradução literal da expressão em inglês (Système d’Échange Local), como também “sal”. Isso porque, quando do início do movimento no país, os seus entusiastas denominavam a iniciativa “grain de sel”, ou seja, grão de sal – aludindo a algo inexpressivo e que, em expressão corrente no francês, não é levado a sério quando na verdade deveria ser. 13 Dados retirados de http://www.complementarycurrency.org/ccDatabase/les_public.html (acesso em 01/04/2013). 14 Palavra que também tem um duplo sentido, podendo significar “cooperativa de círculo econômico” ou o pronome pessoal “nós”, em alemão. O site oficial do banco que coordena o WIR é http://www.wir.ch/. 15 O WIR é, portanto, a moeda complementar há mais tempo em vigor. Os seus idealizadores, Werner Zimmerman e Paul Enz tiveram por inspiração a obra de Sílvio Gesell, ou seja, a teoria dos juros invertidos e a tese de que a circulação – e não a apropriação – promove o desenvolvimento econômico. Cinquenta anos após a sua implantação, o sistema atingiu o volume de trocas no valor de 1 bilhão de Francos Suíços. 16 Dados de dezembro de 2012. Informação disponível no site oficial do banco: http://www2.wir.ch/index.cfm?uuid=CBD9201A3DBB11D6B9950001020761E5&and_uuid=639CC99B B0A5C4FD54B61EF2DDB6AFDE (acesso em 01/04/2013). 13

A adesão à utilização do WIR pode ser feita de duas formas – ou vende-se algo em troca da moeda utilizada por um membro do WIR ou realiza-se um empréstimo (a juros extremamente baixos) na moeda paralela. (LIETAER, 1999, p. 64). O WIR tem o seu valor atrelado ao Franco Suíço, mas as transações entre membros sempre ocorrem, obrigatoriamente, na moeda complementar. Isso coíbe a não-utilização e posterior nãocirculação dessa moeda que é, hoje, considerada a moeda complementar mais desenvolvida em vigor.

d. O CASO DO BANCO PALMAS.17 Os elementos anárquicos sempre frutificaram aqui facilmente, com a cumplicidade ou a indolência displicente das instituições e costumes (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil). Portanto, quanto mais lentas (ou postergadas) são a estabilização econômica e a reforma social, (...) mais as desigualdades se agravam e mais se debilita o acordo moral básico do qual dependem a manutenção da ordem democrática e o funcionamento da economia. E quanto maior é a velocidade desse processo, menor é a efetividade dos direitos fundamentais restabelecidos pela abertura política, uma vez que a miséria, as decepções e a falta de perspectivas minam a estabilidade institucional, esgarçam os laços de solidariedade e abrem caminho para o ‘hobbesianismo social’”. (FARIA, 2010, p. 129-130)

Finalmente chegamos à parte da análise que expõe a primeira experiência brasileira em se tratando das moedas sociais, o Banco Palmas. Tudo começou em uma favela de 30.000 habitantes, no interior do Ceará, quando alguns líderes de uma comunidade extremamente carente deram início ao primeiro caso de sucesso dos bancos comunitários.18 19 17

Parte do expôsto nesta seção é resultado, em parceria com o colega Renato Vilela, de pesquisa financiada pela FGV no âmbito do projeto da Casoteca. A íntegra dos resultados pode ser conferida em http://direitogv.fgv.br/casoteca/moedas-sociais-mecanismo-de-desenvolvimento-desafio-multidisciplinar. 18 Ainda não há, no Brasil, marco regulatório que trate de moedas complementares. Muito embora a Constituição Federal de 1988 disponha que é competência exclusiva da União a emissão de moeda (art. 164), argumenta-se que as moedas sociais possuem natureza diversa da moeda nacional de curso forçado, além de não terem por objetivo – teoricamente – a substituição ou restrição ao uso do Real. Atualmente, o Banco Central e a SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidária) estudam uma possível parceria para regular a moeda social. Tramita também no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar nº 93/2007, apresentado pela deputada Luiza Erundina. O PL estabelece a regulamentação dos bancos comunitários e das moedas sociais. Dispõe o artigo 10º: “Art. 10º Os Bancos Populares de Desenvolvimento Solidário estão autorizados a prestar os seguintes serviços financeiros, nas condições e limites fixados pelo Conselho Nacional de Finanças Populares e Solidárias, e mediante expressa autorização do mesmo: X - Operar moedas sociais de circulação adstrita à sua área de atuação;” 14

R$1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil Reais). Era essa a quantia gasta mensalmente por todos os moradores do Conjunto Palmeira. 20 Diante dessa quantia, os líderes da Associação de Moradores perguntaram-se como o bairro podia ser tão pobre, e chegaram à conclusão de que o problema não estava na arrecadação, e sim na circulação do dinheiro: os moradores gastavam fora do Conjunto, ou seja, ganhava-se o dinheiro na comunidade, mas não se gastava nela: o desenvolvimento era tolhido pelos próprios habitantes. Surge então uma proposta visando à permanência do meio circulante no próprio bairro. Como já havia sido experimentado com sucesso em outros lugares (como o WIR, na Suíça e o LETS, no Canadá e Estados Unidos), deu-se início à implantação de um mecanismo alternativo à moeda oficial: o Palma. Os líderes comunitários reuniram-se com os comerciantes da região, com ONGs21, com parceiros estrangeiros22 e com instituições financeiras23 e iniciaram a emissão da primeira moeda social brasileira. A integração entre todos os grupos econômicos da região foi vital para o sucesso do empreendimento. Como se verá adiante, a relação de confiança é fundamental à concepção de moeda social – e ao conceito de moeda como um todo. Para manter a moeda circulando apenas no bairro, e coibir a “fuga” de capital 24, a implantação do sistema baseou-se em duas frentes: os comerciantes e os consumidores. Comecemos a análise pelos comerciantes. 19 20

Para uma análise detalhada da iniciativa dos bancos comunitários, ver FERREIRA, 2013, pp. 56 e ss.

Conforme o Informativo do Banco Palmas do ano de 2009. Dados mais detalhados podem ser encontrados no Relatório “Avaliação de Impactos e de Imagem: Banco Palmas - 10 anos”, na p. 20. 21 As ONGs que colaboraram com a implantação do Banco Palmas foram (i) a Cearah Periferia, que emprestou os primeiros R$ 2.000,00 necessários ao funcionamento do banco e (ii) a Sitawi, que também contribuiu com recursos. 22 O InStroDI (Instituto Strohalm de Desenvolvimento Integral) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que existe no Brasil desde 2002. O Instituto é parte da Fundação holandesa STRO (Social Trade Organisation), que desde 1970 fornece know-how, treinamento e recursos a iniciativas locais de desenvolvimento. 23 O Banco do Brasil, por meio do Banco Popular do Brasil (BPB), disponibiliza uma carteira de crédito para o Instituto Palmas no valor de 1,5 milhão de Reais, e atua como correspondente bancário em outras comunidades, aceitando o Palmas para o pagamento de contas e demais ações bancárias. Além disso, em 2009 o Banco Central assinou um termo de parceria com o Ministério do Trabalho (SENAES) para criar um marco regulatório que tenha por objeto os bancos comunitários e as moedas sociais. 24 A grande lógica inerente às moedas sociais está ligada ao “fechamento” da comunidade promovido pela circulação de uma moeda local. Em síntese, a moeda oficial pode ser gasta “fora” da região, o que contribui para um escoamento da riqueza gerada na comunidade. A partir da emissão de uma moeda social, consegue-se inverter este processo, já que a moeda só é aceita localmente. Com isso, assegura-se que o dinheiro circule na e enriqueça apenas a própria comunidade. A ideia de circulação permeia sempre as medidas relacionadas às moedas sociais e é, no fundo, o principal objetivo da sua emissão. O fato de se ter um controle do destino da riqueza produzida internamente – sendo possível direcioná-la – além da restrição à circulação da moeda oficial gera um interessante fenômeno econômico, qual seja, a existência de duas realidades monetárias distintas: uma que oferece incentivos à acumulação, por meio de juros e investimentos no mercado especulativo, e outra que preza apenas pela circulação, pelas trocas, pela movimentação do dinheiro. 15

Os comerciantes que desejavam expandir seus negócios podiam fazer um empréstimo do Banco Palmas em Reais, mas só podiam saldar sua dívida em Palmas. Se, posteriormente, o comerciante precisasse efetuar uma compra de um fornecedor externo à comunidade, ele poderia trocar os Palmas que tivesse por Reais. Isso forçaria o comércio local a aceitar a moeda local em vez do Real. Além disso, convencionou-se, para o bem da comunidade, que os empreendedores deveriam dar um desconto de 5 a 10% aos clientes que realizassem seus pagamentos em moeda social. Essa estratégia tinha por objetivo não apenas popularizar o uso dessa moeda, mas também aumentar a confiabilidade da população e, como benefício ao comerciante, haveria ainda a fidelização do consumidor. Em 2009, 240 empreendimentos, entre produção, comércio e serviços, aceitavam a moeda local.25 26 Já os consumidores poderiam adquirir Palmas de duas maneiras: trocando a moeda nacional pela moeda local, ou através de um empréstimo – sem juros.27 Incentivados pelos descontos no comércio local e sensibilizados pelo ideal de ajuda à comunidade28, lentamente o Real passou a ser retirado de circulação. Há moradores, inclusive, que alegam não possuir mais nota oficial alguma.

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A iniciativa expandiu-se do comércio para serviços públicos: a passagem de ônibus paga em “palmas” é 8% mais barata que aquela paga em Reais. Ou seja, de certa forma, a moeda social acaba valendo mais do que o Real, embora a paridade seja de 1:1. Atualmente, há 36 mil “palmas” por mês circulando no bairro e nos seus arredores, e o banco Palmas conta inclusive com um cartão de crédito, o “Palmacard”. (Cartilha Instituto Palmas, 2009). 26 O comércio local, que adotou a moeda Palmas, é tributado? Sim. O comércio local aceita, naturalmente, Palmas e Reais. Está sujeito a carga tributária e recolhem os impostos normalmente como se todas as transações fossem realizados em reais.” (idem) 27 A moeda é indexada ao real (1 palmas vale 1 real) e lastreada na moeda nacional (...). Os empreendimentos cadastrados podem fazer o câmbio (a troca de palmas por reais), na sede do Banco Palmas, caso necessitem de moeda nacional para reabastecerem seus estoques”. (idem) 28 Após dez anos de circulação, a moeda Palma foi objeto de uma pesquisa pela Universidade Federal do Ceará, na qual se chegou ao seguinte: “(...), estes mesmos entrevistados apontam que o motivo principal que os leva a utilizar a moeda social é por que ajuda a desenvolver o comércio do bairro (43%), surpreendentemente bem a frente e uma causa mais nobre que os 22% que enfatizaram fazê-lo pelo desconto conseguido com o uso da moeda social no Conjunto Palmeiras.” - Fonte: Avaliação de Impactos e de Imagem - Banco Palmas 10 anos. Coordenação: Jeová Silva Jr. Juazeiro do Norte, Ceará, 2008, p. 54. Relatório e pesquisa integral disponível em: http://www.banquepalmas.fr/IMG/pdf/Rapport_Jeova_Evaluation_BP.pdf. Último acesso em 16/04/2013. 16

O “dinheiro” novo, por ser aceito apenas localmente, não pode ser gasto em outras cidades. Isso faz com que não ocorra a “fuga” de capital, que impedia o desenvolvimento e o enriquecimento do bairro. Dispondo de recursos, a Associação dos Moradores conseguiu transformar o que antes era apenas uma favela, sem saneamento básico e com poucas iniciativas, em um bairro reformado e empreendedor, cujo conceito de banco comunitário é hoje exportado para diversas cidades do Brasil. O modelo do Banco Palmas tem ainda outras peculiaridades. Ele atua em um setor no qual o sistema bancário nacional não consegue penetrar, devido ao excesso de burocracia necessária e à exigência de que as instituições financeiras sigam os parâmetros do Sistema Financeiro Nacional. Os moradores, por exemplo, não conseguem ter acesso a empréstimos da rede oficial devido aos juros elevados e à exigência de diversos comprovantes e documentos que a maioria não sabe como conseguir.29 Semelhantemente ao ganhador do Nobel de economia, Muhammad Yunus, criador do Grameen Bank,30 a iniciativa brasileira visava à concessão de microcrédito

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Segundo dados levantados pelo IPEA, 60% da população brasileira nunca entraram em uma agência bancária. No Nordeste, o índice de adultos sem uma conta em banco ultrapassa os 50%. Caderno Economia & Negócios, Estadão, 10 de maio de 2013. Disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral,sem-banco-guardam-r-650-bilhoes-embaixo-docolchao-no-brasil,153374,0.htm. Último acesso em 11/05/2013. 30 O Grameen Bank (Bangladesh) foi a primeira iniciativa do mundo a fornecer microcrédito, focando principalmente na concessão de crédito a mulheres pobres. Atualmente, conta com 2.185 agências, já emprestou dinheiro para 6,61 milhões de pessoas (97% das quais são mulheres) e sua taxa de inadimplência é de 1,15%. (Informações retiradas de http://www.grameen-info.org/. Acesso em 27/03/2013). Cabe salientar que há uma iniciativa semelhante no Brasil, do Banco do Nordeste, chamada CrediAmigo, Considerado por Paul Singer a “maior entidade de microcrédito da América Latina”, o programa possui cerca de 400 mil clientes ativos. (Revista online Faces do Brasil, 20/10/2009) 17

àqueles excluídos do sistema de crédito bancário oficial. Porém, Bernard Lietaer, entusiasta das moedas complementares31 e um dos responsáveis pelo implemento do Euro, em entrevista à Folha de São Paulo32 afirmou que o Banco Palmas ultrapassa em complexidade o Grameen Bank, assemelhando-se mais ao WIR, rede que transaciona também em moeda nacional33. O avanço em relação ao empreendimento de Bangladesh consiste em manter o dinheiro circulando apenas localmente. Com um espaço delimitado, além de conceder empréstimos a pessoas carentes e incentivar novas iniciativas comerciais, consegue-se multiplicar o desenvolvimento dentro da comunidade, sem eventuais “perdas” para comércios ou fornecedores de outras localidades. Além disso, a criação de um instrumento monetário traz uma integração ainda maior entre os moradores da comunidade, o que, nas palavras de João Joaquim de Melo Segundo, um dos fundadores do Banco Palmas, é imprescindível ao sucesso de um banco comunitário. Ou seja, para além do fornecimento de empréstimos sem juros a uma comunidade carente, o banco cearense esmerou-se por promover a solidarização entre os moradores e a retenção do dinheiro no local, o que teve por consequência o desenvolvimento da comunidade como um todo, e não apenas de iniciativas individuais. Hoje, o volume de compras na região gira em torno de R$ 6 milhões34: quatro vezes superior ao período anterior à moeda social.35

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A grande virtude das moedas sociais está, segundo ele, no fato de que elas possibilitam trocas que, de outra forma, não ocorreriam. Elas conectam recursos, impulsionam a economia local e promovem uma solução sistêmica e endógena, bem como possibilitam a criação de uma poupança interna. 32 Jornal Folha de São Paulo 02/02/2009. 33 Embora realize transações em Reais (concedendo empréstimos a comerciantes, por exemplo), o Banco Palmas só coloca em circulação a sua própria moeda. 34 ValorOnline, 04/02/2010. 35 Em junho de 2010, uma reportagem veiculada pelo site Economia IG (disponível em http://economia.ig.com.br/mercados/casa+da+moeda+pode+imprimir+dinheiro+dos+bancos+sociais/n12 37674002428.html. Acesso em 27/03/2013) apresentou a possibilidade de que os então 51 bancos comunitários no Brasil teriam o auxílio da Casa da Moeda na emissão dos seus diferentes “papel-moeda”. Além disso, a reportagem traz que o valor de crédito concedido em moeda social já supera o valor de R$ 155.000,00 e o montante de transações realizadas pelos bancos comunitários – que já ultrapassam o número de 11 mil – são superiores a R$ 5 milhões. 18

3. A AUTORREGULAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES. O centro de gravidade do desenvolvimento do direito não se acha na legislação, nem na ciência jurídica, nem na jurisprudência, mas na sociedade mesma. (EHRLICH apud OLIVEIRA, 2002, p. 10). Todavia, jamais se propagou tão rapidamente quanto hoje em dia no mundo (...) a ideia, que eu não sei dizer se é ambiciosa ou sublime ou apenas consoladora ou ingenuamente confiante, dos direitos do homem (...). (BOBBIO, 2004, p. 223). A questão subjacente (...) é o velho e conhecido problema da defasagem entre a ordem jurídica vigente e as práticas sociais concretas, cuja solução não pode ser encaminhada sem que se leve em conta a realidade dessas práticas (...). A preposição de onde partimos é a de que o direito mais legítimo e eficaz seria aquele que correspondesse às necessidades e aspirações de seus destinatários. (OLIVEIRA, 2002, p. 5).

Cumpre, em primeiro lugar, fazer uma diferenciação terminológica. A autorregulação de que trata este trabalho não é aquela atribuída, pelo próprio Estado, às entidades privadas. Esta “autorregulação” tem a sua origem no fundamento constitucional da liberdade de iniciativa e o seu traçado e limites previstos em lei. 36 Por autorregulação entende-se, aqui, a iniciativa independente de atuação estatal no sentido de promover determinado resultado que seria, em tese, de competência do Estado. Entre esses resultados, são exemplos o desenvolvimento econômico e/ou social, a resolução alternativa de conflitos, a criação de mecanismos “jurídicos” paralelos ao provimento judicial estatal, entre outros. Esse mecanismo apresenta, além do seu objetivo de promoção conjunta de algum efeito, razões peculiares que levam ao seu surgimento. A autorregulação pode se dar em dois contextos. Ela tanto pode ocorrer quando o próprio Estado delega a particulares a condição de se regerem a si próprios por meio de regulamentos internos ou normas de conduta acordadas entre os envolvidos ou – contexto que interessa ao âmbito deste trabalho – enquanto uma resposta a um descaso do Estado. Essas últimas são, portanto, iniciativas que surgem em um contexto de abandono por parte do poder público, que ou não tem capacidade de operar em determinado contexto, ou simplesmente opta por não fazê-lo. E o que leva um Estado a “abandonar” os seus próprios cidadãos? O que pode fazer com que um Estado soberano simplesmente ignore situações de miséria, penúria 36

Exemplo mais claro desta “autorregulação” é a iniciativa promovida pela Bovespa em conjunto com os seus associados. Para uma diferenciação entre esta “autorregulação” e aquela regulação que advém diretamente do Estado (que será tratada neste trabalho em um momento posterior), ver: http://www.capitalaberto.com.br/ler_artigo.php?pag=2&sec=11&i=1145, último acesso em 16/04/2013. 19

ou sofrimento? A hipertrofia dos direitos sociais é o fator que precisa agora adentrar a nossa análise.

a. A HIPERTROFIA DOS DIREITOS SOCIAIS. Não se tratará aqui dos pormenores, gerações, surgimento e razões dos direitos do homem.37 O que realmente interessa a esse trabalho é construir um simples retrato da realidade, que demonstre com clareza que diversos direitos sociais, consagrados em declarações internacionais, tratados e constituições mundo afora, não passam de “letra morta”.38

Este fracasso resulta de dois componentes: primeiro do excesso de expectativas (...), com a qual o governo se vê confrontado e ao qual não pode escapar. Mas por que o Governo não pode atendê-las? (...) Os poderes legais de intervenção e as possibilidades de direção orientadoras do aparelho estatal são em princípio insuficientes para que ele possa enfrentar a carga dessas expectativas e exigências. O primeiro componente desse diagnóstico refere-se, em síntese, à ‘hipertrofia’ dos direitos sociais e democráticos assegurados pelo Estado Social – uma politização inadequada de temas e conflitos, na qual ‘se expressa’ o desejo desenfreado e irrefletido dos cidadãos. (GUGGENBERGER apud OFFE, 1984, p. 238).

Ou seja, a hipertrofia dos direitos sociais decorre, em parte39, de novos anseios da população – quer a nível nacional, quer a nível internacional. Em um mundo em globalização, não é apenas a circulação de bens econômicos que é facilitada. Os Estados veem-se pressionados a adotar regras e cumprir deveres que foram, em algum momento, implantados por atores internacionais semelhantes. Os anseios traduzem-se, por sua vez, em novas leis, novas normas, novos regramentos, cujo teor, geralmente, os Estados não estão preparados para – ou sequer têm capacidade de – cumprir. Essa incapacidade de atuação, ou melhor, essa “insuficiência” do aparelho estatal é chamada, por alguns autores, de ingovernabilidade. Trata-se, portanto, do momento político em que o Estado

37

Para uma análise nesse sentido, ver BOBBIO, 2004, pp. 67 e ss. Expressão utilizada por Bobbio em seu livro “A Era dos Direitos”, na p. 230. 39 Bobbio alega que a hipertrofia se dá por três motivos: devido à maior quantidade de bens que passam a ser tutelados pelo direito (meio-ambiente, saúde, reservas minerais), devido à maior quantidade de sujeitos abarcados pelo direito (animais, estrangeiros, homossexuais) e, finalmente, devido ao maior número de status do indivíduo, ou seja, o indivíduo deixa de ser visto enquanto ente abstrato e passa a ser visto com as suas especificidades – idade, saúde, orientação sexual, e assim sucessivamente. 20 38

simplesmente perde a sua capacidade inerente de governar, de trazer determinados resultados aos seus cidadãos, de oferecer-lhes garantias e serviços mínimos.40 Sendo assim, o grande problema da atualidade relativo aos direitos sociais não diz mais respeito à sua fundamentação41, e sim à sua efetivação.42

b. A REALIDADE: OS ORDENAMENTOS PARALELOS. Antes de passar à análise do caso das moedas sociais e explicar o por quê da iniciativa poder ser considerada como uma tentativa de autorregulação, é interessante explorar o famoso caso da favela do Rio de Janeiro retratada por Boaventura de Sousa Santos (“Pasárgada”), na qual foi cunhado um sistema jurídico alternativo para a resolução dos conflitos internos à comunidade. Esse sistema alternativo estabelece-se, a princípio, em uma possível situação de “concorrência” com a ordem jurídica oficial. Na prática, essa concorrência não podia ser identificada, já que não havia na comunidade reflexo positivo algum desencadeado pelo direito brasileiro.43 Tal contexto configura, portanto, uma situação de pluralismo jurídico44, tendo em vista a definição oferecida 40

Sobre ingovernabilidade ver ainda OFFE, 1984, pp. 236 e ss. Para uma análise acerca da fundamentação dos direitos sociais, ver BOBBIO, 2004, pp. 45 e ss. 42 “É supérfluo acrescentar que o reconhecimento dos direitos sociais suscita, além do problema da proliferação dos direitos do homem, problemas bem mais difíceis de resolver no que concerne àquela ‘prática’ de que falei no início: é que a proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do Estado, que não é requerida pela proteção dos direitos de liberdade, produzindo aquela organização dos serviços públicos de onde nasceu até mesmo uma forma de Estado, o Estado social. Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado – e, portanto, com o objetivo de limitar o seu poder –, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado.” (BOBBIO, 2004, p. 87). Grifou-se. 43 Com exceção das eventuais “excursões” policiais ao local para reprimir ou aprisionar. Por vezes, nem isso, ficando a criminalidade da comunidade abandonada à própria sorte. Um retrato da situação “jurídica” de Pasárgada pode ser depreendida dos seguintes excertos: “(...) para além das razões diretamente econômicas, o estatuto de ilegalidade da comunidade favelada e o bloqueamento ideológico que lhe foi concomitante criaram uma situação de indisponibilidade ou inacessibilidade estrutural dos mecanismos oficiais de ordenação e controle social.” E ainda, do mesmo autor: “Por um lado, a apreciação realista de que o direito do Estado é o que está nos códigos e de que nem estes nem os juízes, que têm por obrigação aplicá-lo, se preocupam com as exigências de justiça social. Por outro lado, o reconhecimento implícito da existência de um outro direito, para além dos códigos e muito mais justo que estes, à luz do qual são devidamente avaliadas as condições duríssimas em que as classes baixas são obrigadas a lutar (...)” (SANTOS, 1980, p. 116). 44 Sobre pluralismo jurídico, “Por isso mesmo, diante do exemplo concreto da conversão em lei de costumes e delitos trabalhistas generalizados, não se pode ignorar a existência de inúmeros centros geradores de direito que, no interior das sociedades industriais, concorrem paralelamente com o ordenamento jurídico estatal, dadas as inevitáveis pressões decorrentes das múltiplas proposições normativas oriundas dos diversos setores sociais, cuja concorrência com os códigos pode conduzi-los a uma gradativa ineficácia. (...) Do mesmo modo, por mais que existam segmentos sociais que não conhecem a legislação, não tendo acesso a serviços advocatícios e aos órgãos judiciários, nem por isso deixam de se envolver nos seus próprios conflitos – e estes, muitas vezes, também acabam sendo equacionados por padrões e 21 41

pelo próprio Boaventura de Sousa Santos: “Existe uma situação de pluralismo jurídico sempre que no mesmo espaço geopolítico vigoram (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica. Esta pluralidade normativa pode ter uma fundamentação econômica, rácica, profissional ou outra; (...)”. (SANTOS, 1980, p. 109). E é com essa conceituação de pluralidade normativa que se desdobra logicamente a situação das moedas sociais. As moedas sociais vigoram, extraoficialmente, no mesmo espaço físico em que também vigora o Real brasileiro. Esta pluralidade “monetária” tem uma raiz econômica e é, mais especificamente, resultado de um problema na circulação do dinheiro naquela comunidade – o que já pôde ser identificado acima no relato do caso do Banco Palmas. Ao lidar com o caso Palmas, portanto, podemos considerá-lo um caso de autorregulação. É na ausência da atuação estatal, é no descaso dos órgãos públicos, é na falta da prestação de serviços básicos que os moradores do Conjunto Palmeira encontraram a necessidade de assumir, eles próprios, o papel do Estado. Para promover o desenvolvimento de uma comunidade carente, utilizaram-se da emissão de um papel-moeda local com circulação restrita, aliada a um forte controle social por parte dos moradores como forma de fornecer aos seus vizinhos e familiares aquelas condições consagradas na Constituição Federal: Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 – Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

procedimentos que, apenas acidentalmente, têm alguma semelhança com os do direito positivo estatal (...). Como esse direito não-oficial tem condições de vigorar paralelamente ao direito positivo, quando não em conflito contra ele, entre os dois pólos dessa duplicidade jurídica se estabelece uma complexa relação e pluralismo normativo, com diferentes graus de efetividade”. (FARIA, 1983, pp. 43 e 44). 22

VII - redução das desigualdades regionais e sociais; (...) (Grifou-se).

Direitos sociais esses que, nas palavras de Bobbio, não passam de letra morta na realidade brasileira. A nova política social não é menos universalista do que a antiga. Mas ela não deve, em primeiro lugar, servir de resguardo contra os riscos-padrões do trabalho, e sim dotar as pessoas com qualidades empreendedoras típicas de “realizadores” que saibam cuidar de si próprios. (HABERMAS, 1999, p. 5.5)

c. A FALÊNCIA DO ESTADO. O caso das moedas sociais evidencia portanto uma iniciativa que combina a autorregulação dos seus integrantes com a ausência – até o momento – de qualquer regulação estatal. Trata-se, como já foi exposto, de uma atuação “hetero-estatal”, ou seja, que deveria advir do Estado mas termina sendo assumida pela própria comunidade, uma vez que o Estado não “chega” às pessoas envolvidas. Configura-se assim uma situação de pluralismo organizacional, no qual se reconhece uma pluralidade de instituições coexistindo no mesmo espaço, organizando – em teoria – os mesmos setores da vida social. Existe, enfim, a incidência de ordens diversas sobre um mesmo estrato: no caso, encontramos um sistema monetário alternativo que circula paralelamente ao sistema monetário oficial. Vimos então que em um contexto de hipertrofia dos direitos sociais, associada a uma incapacidade do Estado em resguardar esses direitos após a sua previsão, fatalmente assistir-se-á ao surgimento de iniciativas autorregulatórias, que procurarão tomar para si a implantação e efetivação de garantias e direitos. Quais poderiam ser as consequências disso para um Estado de Direito? Em primeiro lugar, e em caráter mais evidente, o Estado passa a ter que conviver com problemas advindos dessa pluralidade de ordens que convivem dentro do seu espaço geográfico. Sendo assim, como resolver conflitos que, em teoria, inexistem juridicamente? Os operadores do direito estão preparados para lidar com tais situações? Por exemplo, quando o próprio Estado efetua o pagamento dos seus funcionários em moedas sociais45, como encarar o fato de que um Estado soberano, que admite e 45

“Desde que em comum acordo entre a Prefeitura Municipal de São João do Arraial (PI), o Instituto Palmas e o beneficiário (funcionários públicos municipais, terceirizados e outros), o pagamento poderá 23

reconhece necessariamente apenas a sua própria moeda, está atribuindo valor de pagamento a um instrumento alternativo e paralelo? E mais – este mesmo Estado parece desconhecer as normas trabalhistas que proíbem de toda e qualquer maneira o pagamento de salários em moeda outra que não a oficial 46, normas trabalhistas estas que emanaram da sua qualidade de Estado de Direito soberano. Em segundo lugar, essa pluralidade de ordens passa a atingir cada vez mais setores da sociedade. Em um primeiro momento, talvez uma pluralidade de mecanismos jurídicos. Depois, a expansão do movimento para a emissão de moedas. O que virá a seguir? De qualquer forma, fato é que o Estado passa a perder o seu caráter de único ator competente para regular os comportamentos jurídicos, econômicos e sociais do próprio povo. Passa-se a admitir a existência – e eficácia – de iniciativas promovidas por atores outros, atores privados, atores concorrentes. Essa concorrência fere diretamente todas as teorias que versam sobre a soberania do Estado, soberania esta que é, por definição, indivisível e não comporta, portanto, concorrência. E uma vez que se admite a inexistência de soberania, há ainda que se falar em Estado? Passemos, então, à análise dos componentes clássicos desenvolvidos pela Teoria Geral do Estado.

ser realizado em moeda social, lastreada em real, em circulação no município de São João do Arraial-PI, a moeda Cocal. O valor a ser pago em moeda social não poderá ultrapassar o limite máximo de 25% do total a ser pago.” (Convênio firmado entre a Prefeitura de São João de Arraial e o Banco Palmas – Lei Municipal nº 112/2002 de 19 de dezembro de 2007). 46 Nos termos do art. 463 caput e parágrafo único da CLT, com exceção de brasileiros que exercem cargo no exterior e estrangeiros que exercem cargo no Brasil. 24

4. O CONCEITO CLÁSSICO DE ESTADO E AS SUAS INSUFICIÊNCIAS. Não trataremos, aqui, da evolução histórica do Estado em todas as suas formas ou de todos os pormenores do seu desenvolvimento.47 Cumpre, neste capítulo, retomar o conceito clássico da Teoria Geral do Estado – aquele que é base do ensino jurídico e do nosso atual entendimento político – e desmembrar os seus elementos, analisando-os um a um. Posteriormente, analisaremos se, de fato, podemos atestar que esses elementos continuam a existir e, se sim, em que medida continuam sendo válidos no exame da realidade jurídica do nosso país. Para o professor Dalmo Dallari, autor de manual largamente utilizado nos cursos jurídicos48, são três os elementos fundantes do Estado: soberania, território e povo.49 Analisaremos o elemento “soberania” por último, já que este é, no nosso entendimento, aquele que sofre a maior perda de validade diante da realidade das moedas sociais. A ideia de território é concebida juntamente com o surgimento do Estado Moderno50, e está intimamente relacionada à ideia de soberania – território é o limite geográfico da soberania; é onde esta pode ser exercida (DALLARI, 2012, p. 92). Kelsen, partindo do seu ponto de vista normativista, define território como sendo “a esfera territorial de validade da ordem jurídica nacional” (KELSEN, 2005, p. 299), e determina que o território de um Estado não corresponde, necessariamente, a uma unidade geográfica, chegando à conclusão de que “a unidade territorial do Estado é uma unidade jurídica, não geográfica ou natural. Porque o território do Estado, na verdade, nada mais é que a esfera territorial de validade da ordem jurídica chamada Estado” (ibidem, p. 300). De qualquer forma, encontramos no conceito de território uma 47

Para uma análise nesse sentido, ver DALLARI, 2012, pp. 56 e ss., GIDDENS, 2001 e LINDSAY, 1964. 48 Elementos de Teoria Geral do Estado. 49 É claro que há diversas concepções e teorias que trazem outros elementos ou acrescentam a essa tríade um outro conceito. Aqui nos interessa, no entanto, esmiuçar a teoria que é decorada por todos os estudantes de direito no primeiro ano de faculdade como sendo a verdadeira, tradicional e única teoria do Estado, e que pode ser reconhecida em toda a literatura jurídica que constroi os seus fundamentos sobre a existência desse “Estado” dotado de soberania-povo-território, Estado este que, conforme defendemos, não existe. A título de comparação então, temos, por exemplo, Weber – que desenvolve a sua definição de ‘Estado’ a partir de três elementos principais: (i) existência de um suporte administrativo regular e capacitado, (ii) sustentação do direito de monopólio legítimo do controle dos meios de violência e (iii) manutenção desse monopólio dentro de uma determinada área territorial. (GIDDENS, 2001, p. 43). Podemos encontrar aí as raízes da nossa tríade contemporânea, configurando o (ii) e o (iii), respectivamente, soberania e território. Kelsen, por sua vez (2005, pp. 314, 318), reconhece além dos elementos “clássicos” também o tempo, ou seja, a esfera temporal de validade da ordem jurídica nacional, bem como o reconhecimento do Estado pela comunidade internacional como características fundamentais aos Estados. 50 Para uma evolução do conceito de território e fronteiras, ver GIDDENS, 2001, pp. 75 e ss. 25

delimitação fática do poder do Estado Nacional e soberano. Fica bastante claro que, com o advento da globalização e do correspondente poder assumido pelas empresas transnacionais, esse conceito se torna bastante questionável. Afinal, hoje em dia a esfera de poder de um Estado não se restringe, em inúmeros casos, ao seu território, concebendo-se inclusive a possibilidade de um Estado não conseguir exercer, efetivamente, a sua soberania no espaço do próprio território. A doutrina predominante distingue povo de nação e população, sendo esta uma mera expressão numérica de um conjunto de pessoas que habita ou se encontra, por determinado espaço de tempo, na circunscrição territorial de um Estado. Já o termo “nação”, que adquiriu importância e prestígio com a Revolução Francesa, traz em si a concepção de uma comunidade homogênea, que compartilha dos mesmos laços históricos e culturais. Povo, por sua vez, é noção jurídica. Com base nas teorias contratualistas, podemos afirmar que povo é “o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano.” (DALLARI, 2012, pp. 100 e ss.). Kelsen, por sua vez, define povo como “a esfera pessoal de validade da ordem jurídica nacional” (2005, p. 334), reconhecendo, no entanto, a limitação dessa validade pela ordem jurídica internacional. O elemento da realidade que faz cair por terra ambas as definições pode ser encontrado nas comunidades carentes, como aquela do Conjunto Palmeira, que estão à margem do Estado e à margem do Direito. Embora essas pessoas façam parte, em teoria, do “contrato social” que deu origem ao Estado – ou ainda estejam abarcadas pela esfera de validade da “ordem jurídica nacional” – elas estão fora do Estado provedor em todos os aspectos, não sendo alvo nem objetivo de políticas públicas e auxílios sociais. Essas pessoas – aquelas que não se inserem na sociedade de consumo51 e, portanto, são despidas da sua condição de cidadãs – não são, de fato, povo. São ignoradas – menos em matéria tributária e penal e, por vezes, nem essa “atenção” lhes é conferida – e, mais ainda, excluídas.

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Por volta dos anos 80, “os governos começaram a reconhecer a suposta superioridade inerente do setor privado sobre o setor público, incentivando os cidadãos a se verem, nas suas relações com as burocracias estatais, como consumidores”. (STREECK, 2013). Ou seja, em determinado momento histórico, o cidadão assume um valor para o Estado apenas no momento em que age enquanto consumidor, passando a ser tratado enquanto “cliente”. O problema desta evolução pode ser facilmente apreendido – assim como qualquer relação de consumo, aquele que paga mais tem direito a receber um produto melhor ou mais personalizado. Esse pensamento implode a legitimidade do Estado na medida em que permite a categorização de cidadãos de acordo com a sua renda ou capacidade de influenciar o poder político. 26

Finalmente chegamos a análise da soberania. O termo “soberania” foi desenvolvido pela primeira vez por Jean Bodin na obra “Les Six Livres de la République” (1576), e foi definido pelo autor como poder absoluto e perpétuo, não passível de redução ou limitação por qualquer lei humana – devendo respeitar, no entanto, os limites impostos pelas leis naturais e as leis divinas. (DALLARI, 2012, p. 84). Em primeiro lugar, tomemos como pressuposto que, para o Estado contemporâneo, a manutenção e o uso da força são características essenciais.52 Uso da força, aqui, deve ser compreendido como poder.53 Ou seja, o Estado tem por prerrogativa necessária o exercício do seu poder (coercitivo e normativo) dentro do seu território em relação a um determinado povo. A soberania54 configura, assim, o elemento-chave em todas as exposições da teoria tradicional do Estado, principalmente naquelas relacionadas ao ensino jurídico. Afinal, o conceito moderno de soberania é aquele que liga o Estado ao Direito, definindo soberania enquanto a autoridade que torna possível a imposição e efetivação das leis.55 “A soberania fornece simultaneamente um princípio organizado para o que seja ‘interno’ aos Estados e o que seja ‘externo’ a eles. Pressupõe um sistema de governo que seja universal e obrigatório em relação à cidadania de um território específico, mas do qual todos aqueles que não são cidadãos são excluídos”. (GIDDENS, 2001, p. 295).

Isto quer dizer que o bem público é essencialmente a obediência à lei: seja a do soberano terreno seja a do soberano absoluto, Deus. De todo modo, o que caracteriza a finalidade da soberania é este bem comum, geral, é apenas 52

LINDSAY, 1964, p. 164. Essa ideia de que a soberania está intrinsecamente relacionada à ideia de poder já tinha sido colocada por Kelsen, que concebe – dentro da sua lógica normativista – a soberania enquanto qualidade do poder ao qual o povo do Estado está sujeito. (KELSEN, 2005, p. 364). 54 Para uma análise detalhada acerca da evolução histórica do conceito de soberania, ver FOUCAULT, 2004, pp. 186 e ss. 55 (LINDSAY, 1964, p. 183). Nas palavras do professor Dallari: “o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, vale dizer, sobre a eficácia do direito. Como fica evidente, embora continuando a ser uma expressão de poder, a soberania é poder jurídico utilizado para fins jurídicos.” (DALLARI, 2012, p. 86). Já Giddens: “Em que consiste a soberania? Os seguintes aspectos podem ser enumerados como os mais importantes – na verdade, definitivos do que seja a soberania. O Estado soberano é uma organização política que tem a capacidade, dentro de um território ou territórios delimitados, de produzir leis e efetivamente sancionar a sua manutenção; exercer um monopólio sobre o controle dos meios de violência; controlar políticas básicas relacionadas à política interna ou à forma administrativa de governo; e o acesso aos frutos de uma economia nacional que sejam a base de sua receita.” (GIDDENS, 2001, p. 296). Foucault, partindo deste conceito clássico, afirma, portanto: “Afirmar que a soberania é o problema central do direito nas sociedades ocidentais implica, no fundo, dizer que o discuro e a técnica do direito tiveram basicamente a função de dissolver o fato da dominação dentro do poder para, em seu lugar, fazer aparecer duas coisas: por um lado, os direitos legítimos da soberania e, por outro, a obrigação legal da obediência.” (FOUCAULT, 2004, p. 181). 53

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a submissão à soberania. A finalidade da soberania é circular, isto é, remete ao próprio exercício da soberania. O bem é a obediência à lei, portanto o bem a que se propõe a soberania é que as pessoas obedeçam a ela. (FOUCAULT, 2004, p. 284).

A soberania deve ser, ainda, una, indivisível, inalienável e imprescritível. Ela funciona, portanto, na base do “tudo ou nada”. Ou se tem soberania, ou não se tem. Ou ela é exercida, ou não é exercida. Ela não tem, nessa linha, prazo de duração. Não pode ser concedida – ainda que em parte –, pois a unidade que a detém perde a sua razão de ser sem o atributo da soberania. Não é divisível, já que não podem existir, dentro de um mesmo espaço de incidência, diferentes partes de uma mesma soberania: “ela se aplica à universalidade dos fatos ocorridos no Estado” (DALLARI, p. 87). Por último – e o ponto mais importante ao nosso trabalho –, a soberania deve ser una, isto é, é inconcebível que atuem, dentro de um mesmo Estado, duas ou mais ordens soberanas. As moedas paralelas, nesse contexto, ao desafiarem as normas jurídicas que conferem o curso legal e o curso forçado à moeda oficial brasileira (o Real), desafiam também a soberania do Estado brasileiro. Ao conviverem com ele, no entanto, tendo ainda para isso o seu consentimento, derrogam de vez a unicidade de sua soberania, desconfigurando o Estado como um todo – tendo em mente, é claro, a concepção tradicional em análise. Com isso esboçamos, ainda que em caráter preliminar, a insuficiência de cada um dos elementos tradicionais da Teoria do Estado na explicação da realidade vivida hoje pelo Estado Democrático de Direito. Pode ser que, em algum momento histórico, essa tríade tenha, de fato, encontrado um reflexo correspondente no suporte fático sobre a qual foi construída. Hoje em dia, no entanto, ousamos dizer que nenhum desses elementos encontra qualquer correspondência na realidade. Passemos, então, à análise da globalização e dos impactos trazidos por ela à concepção do Estado contemporâneo.

a. GLOBALIZAÇÃO E NOVA ORDEM MUNDIAL. Insecurity was one of the major concerns of the poor; a sense of powerlessness was another. The poor have few opportunities to speak out. When they speak, no one listens; when someone does listen, the reply is that nothing can be done; when they are told something can be done, nothing is ever done. (STIGLITZ, 2007, p. 12). (...) a globalização exige sobretudo o revigoramento das forças libertárias da sociedade civil, ou seja, a iniciativa privada e a responsabilidade dos cidadãos (HABERMAS, 1999, nota 19). 28

É aqui que desenvolveremos, finalmente, a evolução do processo que leva, diretamente, ao surgimento tanto das moedas sociais quanto ao recrudescimento da circulação das moedas complementares. Muitos autores já ofereceram diversas interpretações, sugestões e definições acerca do conceito de Globalização. 56 É, no entanto, a definição de BOŻYK (2006) que consideramos a mais completa. Para o autor,

Globalization of the world economy denotes a process based on the formation of a single market for goods, services and factors of production, including capital, labour, technology and natural resources, covering all countries and economic regions. In the process, national and international markets are combined into a single complex whole. From a theoretical point of view, globalization means an unlimited access to these markets for all interested businesses regardless of country of origin and economic region. (BOŻYK, 2006, p.1).

No início dos anos 90, o advento da Globalização levou a uma verdadeira euforia mundial – em apenas seis anos, de 1990 a 1996, o fluxo de capital nos países em desenvolvimento havia se expandido seis vezes. Além disso, com a implantação da OMC, o comércio passou a ser visto como algo prestes a extrapolar fronteiras nacionais, trazendo crescimento e prosperidade a todos os países do mundo, sem exceção (STIGLITZ, 2007, p. 7). Algumas décadas mais tarde, é desanimador constatar que os resultados estendem-se, em sua maioria, justamente no sentido contrário.57 A partir da segunda metade do século XX58, o desenvolvimento dos sistemas de produção, dos sistemas de transportes e principalmente a evolução da tecnologia dos meios de comunicação fez com que as fronteiras entre os países ficassem cada vez mais tênues, culminando em relações de interdependência59 (entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos) e intradependência (entre os próprios países desenvolvidos ou entre os países subdesenvolvidos). A especialização da produção fez com que os Estados que realizaram suas revoluções industriais primeiro detivessem tecnologia e um parque 56

Para uma definição multifacetada do fenômeno, ver KAPLINSKY, 2005, pp. 9-13 e AUBY, 2010, pp. 17 e ss. Ver, ainda, SANTOS, 2002, pp. 25 e 26. Para uma definição exclusivamente econômica, ver BHAGWATI, 2007, p. 3. 57 “(…) the result has been significant growth in living standards across those countries that have integrated into the global marketplace, side by side with devastating national currency crises that have periodically wiped out much of such progress...” BENN e HINDS, 2009, p. 9. 58 Alguns identificam que o fenômeno da globalização data de muito antes do século XX. Citam-se os séculos XIII, XVI e XIX como marcos globalizatórios. Para uma análise pormenorizada, ver SANTOS, 2002, pp. 36-37. 59 Conferir HENDERSON, 1999, p. 51. 29

industrial suficiente para desenvolver produtos com alto valor agregado, produtos estes que seriam exportados aos Estados que não haviam implantado ou implantaram tardiamente uma política de industrialização nacional. Estes, por sua vez, especializarse-iam na exportação dos produtos primários, matérias-primas, de menor valor agregado e bastante sensíveis a variações de preço no mercado internacional.60 Essa polarização da produção levou ao surgimento das empresas multinacionais (ou transnacionais)61, que terminaram por acentuar as disparidades entre o mundo industrializado e o mundo semi ou não industrializado. As empresas transnacionais, por meio da abertura do seu capital e/ou subsídios governamentais, transferiram suas fábricas para países do mundo subdesenvolvido com o objetivo de (i) contratar mão-de-obra barata, ainda que desqualificada; (ii) estabelecer complexos fabris em locais com leis ambientais brandas ou contornáveis; (iii) procurar incentivos fiscais dos governos locais; (iv) explorar a proximidade do fornecimento de matéria-prima. As gigantes multinacionais, organizadas e com poder de barganha, terminaram por impor as suas vontades e modus operandi aos governos dos Estados subdesenvolvidos62, que viam na atuação delas a criação de empregos e riqueza, o que – teoricamente – aqueceria também a economia local.63 O resultado, como não podia deixar de ser, foi desastroso para as nações exploradas.64 Tamanha exploração da mão-de-obra65, dos recursos naturais e dos incentivos governamentais alterou os sistemas social, econômico, cultural e político. No plano social66, assiste-se à pressão pela redução dos direitos trabalhistas, pela diminuição dos salários, pelo aumento das horas trabalhadas, enfim, a pressão para que se produza o máximo possível a partir do mínimo necessário, ainda que – em um primeiro momento – a qualidade dos produtos possa deixar a desejar. A migração inter-regional também é 60

Para gráficos e levantamento de dados, ver KAPLINSKY, 2005, pp. 14-24, 31-35, 41. SANTOS, 2002, pp. 29 e 32. 62 O que culminou, em última instância, no enfraquecimento dos Estados e do próprio conceito de Estado Nação, bem como na redução da sua capacidade de editar as leis que lhes conviessem – o Direito deve também atender aos interesses das transnacionais –, a diminuição na capacidade de efetivação de políticas públicas, além de um declínio da sua ação regulatória enquanto Estado. O Estado deixa de ser o agente soberano e passa a ser subjugado por forças externas, tanto por aquelas lideradas por segmentos da empresa quanto por organizações internacionais e por outros Estados mais desenvolvidos. Para uma análise da perda da “potência” dos Estados, ver AUBY, 2010, pp. 136 e 137. 63 Para uma análise mais pormenorizada, ver DUPAS, 2001, pp. 129 e ss. 64 Bhagwati, em seu livro “In Defense of Globalization”, chega a uma conclusão diametralmente contrária. Para o autor, a globalização trouxe, na verdade, uma diminuição da pobreza e das desigualdades sociais. A redução de direitos trabalhistas e ambientais, segundo ele, não atingiu níveis críticos, podendose encontrar ainda, em diversos países subdesenvolvidos, diversas restrições às empresas transnacionais no que diz respeito à sua atuação. 65 Ver, ainda, SANTOS, 2002, p. 263. 66 Para uma visão detalhada acerca das consequências sociais da Globalização, ver DUPAS, 2001, pp. 240 e ss. 30 61

um reflexo desse processo. A instalação de parques industriais atrai mão-de-obra barata e desqualificada, que tende a migrar para as grandes cidades ou para pólos empresariais. A economia torna-se cada vez mais dependente dos recursos estrangeiros, já que a indústria nacional não tem força para competir com o poder comercial, econômico, tecnológico e político das empresas estrangeiras.67 Além disso, o mercado consumidor, alimentado por baixo salários, não se configura como demanda suficiente para despertar interesse no empreendedorismo local. No âmbito cultural, assiste-se a uma desvalorização da cultura nacional, cada vez mais influenciada – senão atropelada – pelas influências estrangeiras. O internacional é cobiçado, torna-se sinônimo de status. O nacional simboliza justamente o contrário. Finalmente, no campo político, há uma aproximação entre o corpo gerencial das empresas estrangeiras e os governos dos Estados subdesenvolvidos, que são utilizados como instrumentos para garantir a exploração dos recursos e a produção eficiente. Percebe-se, assim, um distanciamento entre as classes governadas e as classes governantes, que deixam de atender aos interesses do povo, atentando aos “benefícios” trazidos pela indústria estrangeira. Ademais, cabe salientar que a infraestrutura até então incipiente no país explorado é fomentada no sentido de tornar mais fácil o acesso das indústrias aos insumos e o escoamento da produção aos portos e aeroportos. Tem-se, portanto, uma desvalorização do espaço e o surgimento de complexos sem o menor planejamento urbanístico: cidades-satélite ao redor de complexos fabris, estradas de ferro ligando exclusivamente pólos industriais a portos, casas, bairros e ruas em completa dissonância com o meioambiente e sem atenção adequada ao espaço disponível e às condições do território. O autor Joseph Stiglitz (2007) reconhece cinco motivos que explicam as desigualdades trazidas com a globalização. Em primeiro lugar, as “regras do jogo” que regulamentam a globalização são voltadas para atender os interesses das nações em estágio de industrialização avançada. Ou seja, regras que preveem menores salários, a possibilidade de pressão feita pelas empresas transnacionais aos governos dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, bem como o caráter exploratório de diversas políticas e embargos internacionais privilegiam, claramente, as nações detentoras de um potencial industrial poderoso – em detrimento dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, que não possuem o mesmo poder de barganha e acabam, portanto, sendo subjugados aos interesses dos poderosos e assistindo a uma piora nas suas condições econômicas e sociais. 67

Conferir BOŻYK, 2006, p. 5. 31

Em segundo lugar, a globalização reafirma a preponderância de determinados valores materiais sobre valores que não possuem, em um primeiro momento, um valor econômico direto. É o caso, por exemplo, dos valores associados aos bens naturais e ambientais, aos valores e direitos trabalhistas e aqueles associados às causas sociais. Esses valores “inferiores” são vistos como um entrave ao desenvolvimento da globalização e terminam sendo preteridos, reduzidos ou eliminados da pauta política a fim de dar espaço à “expansão da economia”. Em terceiro lugar, o desenvolvimento político da globalização minou, em grande medida, a soberania dos países em desenvolvimento. Eles acabam sendo forçados a acatar decisões impostas por órgãos internacionais (como a OMC e o FMI) ou por empresas de grande porte cuja pressão econômica é bastante expressiva (como é o caso das transnacionais) ou mesmo por pressões e embargos de outros países desenvolvidos, tudo isso em detrimento de decisões a favor dos seus próprios cidadãos e que interessariam, em primeiro lugar, o desenvolvimento e bem-estar nacional. “Nesse sentido, ela [a Globalização] minou também a Democracia” (p. 9). Em quarto lugar, muito embora o discurso primário do movimento da globalização seja aquele da prosperidade e do desenvolvimento econômico, fato é que ambos os lados – tanto o dos países em desenvolvimento quanto o dos países desenvolvidos – sofreram perdas e prejuízos. Segundo o autor, sem exceção. Em último lugar, a globalização levou, de certa forma, à implantação (em muitos casos, forçada) do modelo econômico norte-americano em diversas economias em desenvolvimento. Isso levou, como era de se esperar, a diversos colapsos, crises e bolhas especulativas sistêmicas, uma vez que cada sistema econômico tem as suas peculiaridades, cada ator age e é influenciado de forma diferente. Em suma, estamos diante, basicamente, de problemas relacionados à “distribuição desigual dos benefícios, instabilidade do sistema financeiro, ameaça incipiente de monopólios e oligopólios globais, o papel ambíguo do Estado e a questão dos valores e da coesão social” (SOROS apud FARIA, 2002b, p. 48). É com esses pressupostos em mente que podemos depreender as causas e razões da perda da legitimidade por parte do Estado.68 A partir do momento em que os interesses defendidos pelo Estado se descolam da realidade social enfrentada pelo seu povo,

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“No plano jurídico, por sua vez, tal crise tem revelado a progressiva perda da funcionalidade da própria ideia de Estado de Direito. Pois, dada a enorme abstração exigida pela complexidade da sociedade de classes, esse conceito vai deixando de servir como critério para o exame da atuação concreta do Estado.” (FARIA, 1983, p. 47). 32

assistimos à desintegração da sua razão-de-ser. A atividade estatal passa a ser no sentido de “converter as demandas políticas em demandas econômicas.” (FARIA, 1983, p. 42). Ou seja, a partir do momento em que o Estado passa a dar maior prioridade a valores como “eficiência”, “desenvolvimento econômico” e “segurança jurídica” em detrimento do bem estar dos seus cidadãos, ele perde a sua legitimidade enquanto Estado provedor e passa a atuar no interesse de outros atores – atores estes que não elegeram democraticamente qualquer um dos governantes que assumem esse posicionamento, ao contrário dos cidadãos.69 É, portanto, neste contexto, quando os cidadãos mais necessitam de uma posição protetora do Estado (na forma de mais direitos trabalhistas, uma posição ativa na redução das desigualdades sociais e assim por diante), que o Estado se encontra sem ação possível, restringido por atores internacionais e transnacionais, sob pena de perder empresas multinacionais, apoio e subsídios de órgãos internacionais e sofrer repressão de outros países com maior poder econômico.70

b. REGULAÇÃO ESTATAL – UMA TENTATIVA FRACASSADA. Development is about transforming the lives of people, not just transforming economies. (STIGLITZ, 2007, p. 50).

Em determinado momento da história, entre os anos 80 e 90, o Estado percebe que a sua política de intervenção na economia e em outros setores sociais é, a longo prazo, de difícil ou mesmo impossível concretização. O aparelho estatal, já inflado, não consegue atender às demandas cada vez maiores – tanto em quantidade quanto em qualidade – dos diversos atores sociais, e passa então a adotar alguns mecanismos com vistas a “aliviar” a máquina pública. É neste momento que ocorrem as privatizações, a criação de agências reguladoras – que cuidarão tanto de atividades próprias ao setor privado quanto daquelas desenvolvidas anteriormente pelo setor público e, o que realmente interessa aqui, a assunção, pelo Estado, da posição não mais como ator, e sim

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“Por conseguinte, ele [o Estado] se vê obrigado a recorrer às noções de finalidade comum, dever social, ordem pública e segurança nacional – todas, à primeira vista, cristalinas e dotadas de consenso em virtude dos interesses da coletividade. Daí, como também se viu, o papel retórico dos princípios gerais do direito, cuja função é assegurar um conjunto de apreciações valorativas e de finalidades nem sempre racionalizáveis como projeções de tendências e conflitos não solucionados, mediante explicações até certo ponto afastadas do tempo”. (FARIA, 1983, pp. 45-46). 70 Para uma análise mais pormenorizada deste aspecto, ver FARIA, 2002b, pp. 48 e ss. e pp. 78 e ss. 33

como regulador.71 O Estado retira-se, portanto, do papel de intervenção direta e passa a pairar acima do desenvolvimento da atividade, promovendo uma postura ativa na regulação e limitação de determinados setores econômicos. Tendo em vista que o objetivo primário deste trabalho é abordar a falência do Estado enquanto provedor de serviços públicos básicos, é nesta prestação – a dos serviços públicos – que deve ser concentrada a crítica. A regulação tem por pressuposto, nas palavras do professor Diogo Coutinho, “conciliar a lógica privada do lucro com a prestação de serviços públicos” (FARIA, 2002a, p. 17) – tendo em mente que os serviços públicos, no ensinamento de sua teoria clássica, devem atender simultaneamente aos princípios da universalidade, igualdade e continuidade na sua prestação. Assiste-se, portanto, a uma verdadeira delegação a privados de funções que antes eram fundamentais e exclusivas do Estado, em clara contradição com os princípios basilares da teoria clássica do Estado.72 Em um primeiro momento, o processo de retirada do Estado da economia foi alvo tanto de críticas quanto de aplausos. Mas o que mais se salientou foi o fato de que, com o fim do Estado intervencionista73, ocorre o livre desenvolvimento da iniciativa privada e o esvaziamento da máquina estatal – que se encontrava, naquele momento, demasiado inchada e ineficiente. Com o advento da globalização, assistir-se-á a uma aceleração deste processo, assumindo as empresas transnacionais um papel primordial

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Nesse sentido, “Seu principal objetivo é desvincular o Estado de suas funções controladoras, reguladoras, diretoras e planejadoras no âmbito da economia, levando-o a render-se à oposição do pluralismo ao monocentrismo jurídico, da diversidade e da flexibilidade normativa à tradicional rigidez hierárquica dos códigos, leis e normas. Para reformular a estrutura do direito positivo e redimensionar o campo de ação de suas instituições judiciais, muitos legisladores e governantes estão recorrendo a amplas e ambiciosas estratégias de descentralização, desformalização, deslegalização e desconstitucionalização. Todas elas têm sido implementadas paralelamente à promoção da ruptura dos monopólios estatais, à alienação de empresas públicas, à privatização de serviços essenciais, de redes sociais de proteção e demais instituições de bem-estar coletivo, à abdicação do poder de regulação ou interferência na fixação de preços e salários, à imposição de limites tanto nas contratações trabalhistas quanto nas condições de trabalho e à substituição da ideia de justiça redistributiva por meio de ações fiscais pela ênfase no equilíbrio orçamentário obtido a qualquer preço (...).” (FARIA, 2002b, p. 81). 72 “El Estado se convirtió en una arena fragmentada de elaboración de políticas, permeado por los grupos internacionales, así como por las agencias y fuerzas domésticas. Del mismo modo, la penetración general de la sociedad civil por actores trasnacionales alteró su forma y dinámica. Con el incremento de la interconexión global, la cantidad de instrumentos políticos a disposición de los gobiernos nacionales y la efectividad de esos instrumentos muestra una clara tendencia a declinar. Respondiendo a la pérdida de un amplio espectro de controles, formales e informales, sobre las fronteras que anteriormente habían servido para restringir la circulación de bienes y servicios, factores de la producción y tecnología, y el intercambio cultural y de ideas. Los Estados pueden experimentar una nueva reducción de las opciones debido a la expansión de las fuerzas e interacciones trasnacionales que reducen y restringen la influencia que los gobiernos particulares pueden ejercer sobre las actividades de sus ciudadanos.” (BECERRIL e PÉREZ, 2010, p. 109). 73 Para uma comparação gráfica entre o Estado Keynesiano (Estado de bem-estar social) e o Estado regulador, ver FARIA, 2008, p. 52. 34

no desenlace do desenvolvimento econômico74, e recolhendo-se o Estado a uma função meramente passiva, gerindo alguns serviços ditos essenciais e promovendo a criação de leis e medidas que contribuíssem para o desenvolvimento econômico nos moldes aclamados pela comunidade internacional.75 É neste momento que encontramos, portanto, a falência do Estado providência.76 O maior problema, porém, é que essa estratégia vai, no tempo, suscitando novas crises de legitimação, uma vez que as crescentes necessidades de recursos essenciais à implantação de programas sociais fazem com que o Estado se veja obrigado a elevar os níveis de burocratização e tributação. E, com isso, a ampliar as resistências dos setores detentores do capital às suas funções legitimadoras, identificando justiça social e democracia formal com maior interferência do Estado nas ‘suas liberdades’. (FARIA, 1983, p. 177).

As tensões sociais decorrentes de um Estado cada vez mais ausente culminam num alargamento cada vez maior das desigualdades sociais e levam, em última instância, à emersão dos interesses da classe econômica dominante enquanto interesses do próprio Estado. São esses últimos atores que terão a defesa dos seus interesses assegurada, em detrimento do restante da população.77 A tentativa de regulação como forma de promoção da eficiência deixa, portanto, profundas cicatrizes no meio social, aumentando as desigualdades e tornando cada vez mais impossível a assunção de uma postura ativa por parte do Estado em se tratando de políticas sociais.

c. AUTORREGULAÇÃO: ALTERNATIVA OU SOLUÇÃO? Markets, government, and individuals are three of the pillars of successful development strategy. A fourth pillar is communities, people working together, often with help from government and nongovernmental organizations. In many developing countries, much important collective action is at the local level (STIGLITZ, 2007, p. 51). 74

“Las tres patas del trípode de la soberanía están rotas. Se podría decir que la rotura de la pata económica es la más rica en consecuencias. Perdida la capacidad de equilibrar las cuentas, guiados sólo por los intereses expresados políticamente por la población dentro de su área de soberanía, los Estados nacionales se convierten cada vez más en ejecutores y plenipotenciarios de fuerzas sobre las cuales no tienen la menor esperanza de ejercer algún control. La instituciones interestatales y supranacionales que se han creado y pueden actuar con el consenso del capital global ejercen presiones coordinadas sobre todos los Estados para que destruyan sistemáticamente todo lo que pudiera desviar y demorar el movimiento libre del capital y limitar la libertad de mercado.” (BECERRIL e PÉREZ, 2010, p. 111). 75 “Nesta medida, ao Estado enquanto regulador compete regular os monopólios naturais, evitar os abusos de posição dominante, garantir uma produção de qualidade e vigiar o cumprimento das regras por parte dos atores do sistema, evitando cair – no exercício dessas funções – nos riscos de politização, clientelismo e corrupção nos órgãos de regulação e controle.” (MEDINA, 2012, p. 76). Tradução livre. 76 Ver, nesse sentido, FARIA, 2002b, p. 42, e FARIA, 1988, pp. 57 e ss. 77 “À medida que atividades antes públicas foram transferidas para o setor privado e a esfera pública passou a ser desacreditada, a base material para a legitimidade do Estado começou a encolher.” (STREECK, 2013). 35

Boaventura de Sousa Santos afirma que um dos reflexos da globalização na forma de agir dos Estados é a de-estatização dos regimes políticos, que pode ser identificada quando temos a transição da ideia de governo – chamada por ele de government – para uma ideia de governança, regulação – a governance. Assiste-se, assim, a uma mudança de polos de um modelo de regulação por parte do Estado, em que este assume uma função central na condução econômica e social de um país para o modelo “assente em parcerias e outras formas de associação entre organizações governamentais, para-governamentais e não-governamentais, nas quais o Estado tem apenas tarefa de coordenação (...).” (SANTOS, 2002, pp. 37-38). Como já tratamos acima, a autorregulação dos atores sociais surge em um momento de falência do Estado, quando este se vê incapaz de realizar e implantar, entre outras, políticas sociais. A questão é: o surgimento de ordens paralelas àquela oficial, prevista em instrumentos normativos emanados do Estado, derroga consigo o conceito de soberania? Há que se falar em um Estado cuja governabilidade é, externamente, corroída pela globalização e, internamente, corroída pela própria comunidade que o constitui? E, acima de tudo, essa “corrosão” interna promovida pelos ordenamentos paralelos é, em si, prejudicial ao Estado? Jérome Blanc, professor especializado no estudo e desenvolvimento das moedas paralelas, principalmente das moedas complementares e das moedas sociais, não considera que as iniciativas monetárias aqui relatadas contradigam ou sequer ameacem a ordem estatal. Para ele, “As moedas paralelas aparecem, portanto, não como um fenômeno patológico, e sim normal, no próprio centro dos sistemas monetários.” (BLANC, 1998, p. 9. Tradução livre. Grifou-se). Esse aparecimento “normal” é decorrência direta justamente da falência do Estado-providência, que tem sua ação diminuída por limitações fáticas, políticas e mesmo sociais. Diante da inabilidade estatal em prover serviços jurídicos aos seus cidadãos, surgem as ordens jurídicas paralelas. Diante da impossibilidade de prover assistência social, insurgem-se as comunidades com iniciativas de auxílio mútuo. Com a escassez do meio circulante – que advém, em grande parte, da incapacidade ou impossibilidade regulatória do Estado ou no controle das taxas de juros e da inflação ou na redistribuição do volume de dinheiro em circulação, surgirão, necessariamente, formas alternativas de troca. Formas alternativas estas que podem, em um grau de desenvolvimento já bastante avançado, utilizar um meio circulante paralelo àquele 36

oficial como forma de facilitar suas transações.78 As moedas paralelas, portanto, não configuram “um sistema alternativo e sim complementar à economia.” Elas são produzidas, distribuídas e controladas pelos seus usuários. “Ela é diferente também porque a ela não está ligada nenhuma taxa de juros. Por isso não interessa a ninguém guardá-la, entesourá-la. Interessa, sim trocá-la continuamente por bens e serviços que venham responder às nossas necessidades. Esta moeda será sempre um meio, nunca um fim. Não será inflacionária nem jamais poderá ser usada como especulação” (MUTIRÃO ABOPURU, Manifesto, 2000). Importante compreender que a iniciativa de moedas comunitárias não constitui forma de redistribuição de riqueza, o que seria equivalente a uma forma de previdência estatal.79 A riqueza criada pelas moedas sociais soma-se àquela já em circulação no Estado, ou seja, as moedas sociais promovem, sim, a criação de riqueza – sem uma eventual correspondente necessidade de impostos e burocracia governamental. (LIETAER, 1999, p. 72). Dito isto, fica claro que, no que diz respeito às moedas sociais, a autorregulação confere alternativa interessante à atuação limitada do Estado. Essa iniciativa de particulares, no entanto, só consegue obter êxito em um contexto já dado e mantido por uma ordem estatal – qual seja, um contexto em que já existe uma riqueza oficial, à qual a circulação do capital paralelo pode se amalgamar. A autorregulação dos particulares constitui, portanto, uma faceta importante do Estado globalizado: ela preenche lacunas que o poder estatal não consegue abranger e permite que os particulares ou setores se organizem de forma a permitir que o Estado dê continuidade ao exigido pelo mercado, ou seja, uma prevalência do econômico sobre o social. O “alívio” do público pelo privado é, nesse sentido, consequência necessária de um mundo globalizado no qual os Estados assumem, como caráter principal, um papel voltado para o internacional em detrimento do nacional.

d. UM NOVO TIPO DE ESTADO. 78

Uma das principais preocupações relacionadas à utilização das moedas sociais diz respeito à inflação. Isso porque, em teoria, a inserção de mais “dinheiro” na economia – se desvinculada de um aumento correspondente na produção de bens. O fato de tais moedas paralelas não serem reguladas por um órgão central leva a uma propensão a que ocorra um aumento desenfreado de moedas em circulação, o que poderia levar a um processo inflacionário. A defesa do movimento consiste em alegar que o propósito das moedas sociais é promover a circulação da riqueza, e não a sua acumulação, o que, teoricamente, não contribuiria, por si só, para o aumento ou diminuição da inflação. 79 “Welfare is a compulsory transfer of resources from the rich to the poor via taxes. In contrast, the use of complementary currencies is voluntary for everyone; it creates new wealth, and – once started – becomes a completely self-funding mechanism to address many social problems without requiring permanent subsidies or taxes”. (LIETAER, 1999, p. 72). 37

Quando compreendemos o texto de nossas Constituições nesse sentido material da realização de uma sociedade socialmente justa, a ideia da autolegislação, segundo a qual os destinatários das leis devem ser entendidos ao mesmo tempo como seus autores, ganha a dimensão política de uma sociedade que atua sobre si mesma. (HABERMAS, 1999, p. 5.3).

As transformações sofridas pelo Estado-nação no contexto da globalização têm como consequência o fato de que o poder político não mais se encontra exclusivamente no âmbito dos Estados nacionais. Diversas forças e atores nos âmbitos nacional, regional e internacional alternam-se na assunção do poder de decisão, sendo que a distribuição ou troca de poder concreto costuma ser desigual: a atuação dos Estados nos sistemas regionais e globais cada vez mais complexos afeta tanto a sua autonomia quanto a sua soberania. Há, portanto, que se falar em Estado na era da globalização? A soberania como a conhecemos, isto é, como a Teoria Geral do Estado originalmente a concebeu, perde a sua razão-de-ser no contexto da globalização. Fica claro, com a nossa exposição, que as decisões implantadas no espaço nacional não independem mais do espaço internacional. O Estado pode ser influenciado, controlado e retaliado por assumir determinada posição – e não há como essa atuação externa possa ser impedida. Alguns autores chegam a afirmar que, sem soberania, a figura do Estado não pode subsistir: com a derrubada de um conceito, cai por terra automaticamente o outro.80 No entanto, a realidade com a qual nos deparamos é de que um Estado, mesmo no contexto da globalização, continua a existir. Em primeiro lugar, o palco do mundo globalizado é frequentado largamente por organizações internacionais, como a ONU, União Europeia, a OMC, OTAN e assim sucessivamente. Essas organizações internacionais não preveem a participação de indivíduos como membros, restando portanto aos Estados o papel de ator nas mesas de negociações, reuniões e decisões dos diversos órgãos. Enquanto subsistirem os organismos internacionais como instância decisória no cenário mundial, subsistirão também os Estados como seus membros e elementos necessários à sua legitimidade. Em segundo lugar, a globalização econômica demanda determinados conteúdos jurídicos dos atores mundiais, conteúdos esses que 80

É este o posicionamento do professor Celso de Mello, ao afirmar que “A Conclusão que podemos apresentar é no sentido de que a soberania foi um conceito utilizado na luta da formação do grande Estado nacional e fundamental nas relações internacionais durante alguns séculos. A noção de soberania se transformou em uma noção sem conteúdo fixo e que tende a desaparecer com a formação social denominada Estado.” (MELLO, 1999, p. 22). 38

constituem a condição para que a economia de mercado alcance e mantenha a sua escala universal. Liberdade de comércio, proteção do direito de propriedade e garantia de acesso a juízes imparciais são elementos mínimos que o direito deve prover (como prioridade racional ao funcionamento extensivo e sistemático da economia de mercado) – condições que o mercado, por si só, é incapaz de concretizar e cujo asseguramento compete, portanto, ao Estado. (LAPORTA, 2007 apud MEDINA, 2012, p. 77).81 Sim, há que se falar em um novo tipo de Estado. Trata-se do Estado que compõe o cenário internacional e sem o qual o mercado – e, consequentemente, a globalização – não se sustenta.82 Um Estado, portanto, que deixa de ser ator independente (ainda que em teoria) de outros e passa a ser ator com os outros.83 Um Estado, enfim, que assume o papel de integrante do cenário internacional na medida em que abdica da sua soberania para atuar como tal, recebendo em troca as vantagens e desvantagens de abrir mão desse “poder”.84

81

É este também o posicionamento de AUBY, que defende que o fato de os Estados continuarem responsáveis pela garantia da segurança jurídica nos Estados – e sendo a segurança jurídica essencial ao funcionamento dos mercados – não permite que se fale em redefinição do conceito de soberania. Os Estados, mesmo no contexto da globalização, permanecem soberanos (2010, pp. 143 e ss.). 82 Para uma análise detalhada acerca da interdependência entre mercado e Estado, ver REIS, 2011, pp. 21 e ss.: “Há, assim, uma contratualidade implícita nas relações entre o Estado e a economia. (...) E a este tipo de contratualidade que chamo ordem relacional” (p. 22). 83 Ou seja, em situação de complementaridade, e não igualdade. É evidente que, no cenário mundial, as desigualdades entre atores estatais são inúmeras e costumam ser bastante significativas. 84 Nesse sentido, SANTOS (2003, p. 46): “A despolitização do Estado e a desestatização da regulação social, resultantes (...) da erosão do contrato social, mostram que se assiste ao surgimento, sob o mesmo nome – Estado –, de uma forma nova e mais vasta de organização política, a qual é articulada pelo próprio Estado e é composta por um conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações em que se combinam e interpenetram elementos estatais e não-estatais, nacionais e globais. Costuma conceber-se a relativa miniaturização do Estado dentro desta nova organização política como se se tratasse de uma erosão da soberania do Estado e das suas capacidades de regulação. Em verdade, o que está a dar-se é uma transformação da soberania e o surgimento de um novo modo de regulação (...).” 39

5. CONCLUSÕES. After all, a norm or order is useless, unless it reaches some audience; if nobody hears the message, no impact is possible. Lawrence Friedman.

As moedas sociais têm despertado diferentes reações estatais. Na maioria dos casos – como no brasileiro – elas são consideradas um movimento inexpressivo e passam a ser ignoradas pelos bancos centrais. Se, no entanto, elas assumem um papel importante e passam a ser bem-sucedidas, a segunda reação mais comum é proibi-las por meio de normas. É o caso, por exemplo, da Áustria e Alemanha nos anos 30. A terceira reação – que só tem um reflexo na realidade – é aquela adotada pelo banco central da Nova Zelândia, que não apenas tolera as moedas sociais como as considera um meio para reduzir o desemprego e a inflação (afinal, se há mais “dinheiro” em circulação, o Estado pode retirar, pouco a pouco, a moeda oficial e controlar os preços com a ajuda da moeda paralela). (LIETAER, 1999, p. 115). Elas podem, assim, ser consideradas elementares ao desenvolvimento econômico, social e local por carregarem, em si, o potencial de aumentar a eficiência econômica, estimular o empreendedorismo e organizar a atividade econômica e social em áreas que carecem de disponibilidade de dinheiro. Além disso, a nível social, podem contribuir para a circulação da riqueza, para o fortalecimento das relações comunitárias e para a promoção da cooperação, bem como contribuir para a organização de atividades sem fins lucrativos e mesmo de assistência social – decorrentes da ajuda entre os utilizadores e na assistência mútua entre eles. (AMATO et al, 2003, p. 3). Mas a característica que nos é de maior importância aqui é justamente o seu caráter paralelo, marginal e desafiador da ordem oficial, fruto da obsolescência dos três conceitos cardeais à construção do Estado – soberania, território e nação. A derrocada do primeiro elemento foi extensivamente abordada aqui e revela-se principalmente na perda da autonomia dos Estados sobre o poder de decisão relativo ao seu espaço nacional. É justamente essa perda da soberania que desencadeia os processos autorregulatórios, uma vez que o Estado não tem mais como assegurar o cumprimento de suas políticas sociais e econômicas. A derrocada da noção de território pode ser facilmente identificada no suporte fático atrelado à globalização – ou seja, na superação do conceito de espaço físico sobre o qual determinado Estado tem seu poder delimitado. Essa superação começa nas fronteiras econômicas e na circulação facilitada de capitais e termina por atingir também o espaço político, impedindo que as resoluções políticas nacionais possam ser tomadas 40

de forma independente de pressões externas (o que é um reflexo direto da perda de soberania). Já a derrocada do conceito de nação advém do novo tratamento dispensado aos nacionais do Estado, a partir do qual o então cidadão é despido de sua cidadania (enquanto exercício de voto), passando a ser visto como consumidor (enquanto exercício de renda). Ou seja, a política passa a ser exercida com base no “quem paga mais” ou “quem faz mais barulho” e exclui parcela significativa da população que ou não tem voz ou não tem recursos suficientes para se fazer ouvir. Neste contexto encontramos o Conjunto Palmeira, que em sua origem era composto por pessoas com potencial de consumo insignificante. Neste contexto encontramos a parcela significativa da população brasileira que vive à margem do sistema econômico. O critério financeiro passou a ser a condição necessária para se adentrar o cenário de reivindicações políticas; ter ou não ter implicará ser ou não ser. O esfacelamento da igualdade entre aqueles que atribuem diretamente legitimidade ao Estado termina por esfacelar também o conceito de nação que, assim como o de território, resulta em primeira instância da globalização e, em segunda instância, da perda de soberania. É possível conceber um Estado despido de suas três principais características? Ora, o que se afirma neste trabalho é que a obsolescência da tríade implica não o fim do Estado, e sim o fim da Teoria Geral clássica que lhe pretendeu categorizar. Estamos diante de um novo tipo de Estado, Estado este que é formado por outros componentes, outra ideologia, outro contexto. Em um mundo global, o isolamento da soberania em determinado território sobre determinado conjunto de indivíduos perde o sentido. Adentra-se, com isso, uma lógica de instâncias externas de poder que competem diretamente com o Estado na sua atuação, e as consequências que advêm disso para os seus nacionais e as suas fronteiras físicas. A era dos Estados fica para trás, e os organismos internacionais passam a ser os atores que detêm um maior poder de decisão no cenário mundial. Prevalece o internacional sobre o nacional, o conjunto sobre o indivíduo, a união sobre a força. Talvez o correto seja desenvolver, doravante, uma Teoria Geral do Estado Global, ou mesmo uma Teoria Geral dos Estados, e abandonar, de uma vez por todas, a noção do Estado isolado enquanto objeto de uma Teoria.

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