MOGADOURO – BREVE RESENHA HISTÓRICA

June 8, 2017 | Autor: Antero Neto | Categoria: History, Etnography
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MOGADOURO – BREVE RESENHA HISTÓRICA por Antero Neto* 1. Das origens e do topónimo O concelho de Mogadouro é território com sinais de ocupação humana que remontam, pelo menos, ao IV.º milénio a.C.. Aqui podem encontrar-se pinturas e gravuras rupestres, petróglifos do Neolítico, mamoas, inúmeras povoações castrejas (Idade do Ferro), diversos legados da ocupação romana (assentos, lápides, vias), esculturas zoomorfas, etc. Quanto ao topónimo “Mogadouro”: a explicação da sua origem é difusa. Um primeiro estudo datado do séc. XVII apontava para a sua origem árabe. Contudo, tal abordagem encontra-se completamente afastada pelos estudiosos actuais, por falta de fundamento. A leitura mais completa e melhor alicerçada é da lavra de Amadeu Ferreira e sustenta que a raiz do nome poderá assentar nos étimos “Muga” e “Gothorum”, que significam “fronteira dos Godos”. O investigador baseia a sua tese num elaborado trabalho que ainda se encontra inédito. 2. Os “tenentes” de Mogadouro Na história da vila cruzam-se a linhagem dos Braganções, a Ordem do Templo, os monarcas portugueses, a Ordem de Cristo e os Távoras. Localizado no Leste transmontano, em pleno planalto mirandês, o concelho de Mogadouro inscreve-se num território que constituía, desde meados do século XI, o centro tradicional do domínio da importante linhagem dos Bragançãos.

Castelo de Mogadouro em 1950

Os mais antigos diplomas dizendo directamente respeito a Mogadouro e ao seu castelo reportam-se já a uma fase avançada das últimas décadas do século XII, num momento em que a fortaleza roqueira se encontrava já sob a tutela da Ordem do Templo. Mogadouro foi doado

aos templários por Fernão Mendes de Bragança quando este detinha a tenência da terra. A primeira fase do domínio desta ordem guerreira em Mogadouro prolonga-se até 1197, altura em que Sancho I veio a recuperar das mãos da milícia os castelos de Mogadouro e Penas Róias. Mogadouro haveria de regressar à posse dos templários ainda por obra e graça de D. Sancho I. Ao aproximar-se o início do último quartel do século XIII a acção de Afonso III, monarca que demonstra um política activa de afirmação do poder régio em Trás-os-Montes através da concessão de forais às comunidades daquela região e da reorganização territorial dos espaços fronteiriços, irá desencadear um conflito directo com os templários aos quais disputa a legitimidade da posse dos castelos de Mogadouro e de Penas Róias. Com a extinção da Ordem do Templo e sua substituição pela Ordem de Cristo, Mogadouro haveria de pertencer a esta. 3. Os forais A 27 de Dezembro de 1272, Afonso III atribui um primeiro foral a Mogadouro e Penas Róias, seguindo o modelo de Zamora, recuperando assim estas fortalezas para a posse da Coroa. Afonso III outorga novo foral a Mogadouro em 18 de Novembro de 1273. Posteriormente, D. Dinis renovou-o (em 1297) e D. Manuel I (em 1512) concedeu-lhe novo foral. 4. As feiras Afonso III concede em 1272 aos povoadores de Mogadouro carta para fazerem mercado semanal. Mais tarde, D. Dinis irá instituir a feira mensal, em data incerta, mas anterior a 17 de Setembro de 1295. Historicamente, a Feira dos Gorazes (feira anual, que se realiza a 15 e 16 de Outubro), afirmouse como um dos principais mercados da região, perdurando até aos dias de hoje nessa condição.

Mogadouro em dia de feira – 1922

5. A Crise de 1383/85 Na sequência da segunda invasão castelhana de 1381, o castelo de Mogadouro foi tomado pelo invasor. Em 1382, D. Fernando entrega esta praça a Fernão Afonso de Zamora, fidalgo castelhano. Durante a crise de 1383/85, a praça de Mogadouro toma o partido de D. Beatriz, contrário a D. João I, o Mestre de Avis, tendo-se com ele mantido mesmo após a batalha de Aljubarrota, em 1386. Em 1397 e 1398 dão-se episódicas escaramuças fronteiriças que implicam a passagem temporária de Mogadouro para mãos castelhanas. 6. Os Távoras Por carta datada de 21 de Outubro de 1401, D. João I faz a Pero Lourenço de Távora “doaçam em quãto sua mercee for de todos os direitos foros, rendas tributos que o dito Senhor ha no Mogadouro”, reconhecendo os valiosos serviços prestados por aquele fidalgo que acompanhou o Mestre de Avis em Aljubarrota. Esta família deteve Mogadouro até à sua queda, ocorrida em 1759, às mãos do Marquês de Pombal, no conhecido processo que D. José I lhe moveu. A família Távora transformou o medievo castelo roqueiro em residência, dotandoo de conforto e estrutura que levarão os invasores espanhóis em 1762 a designá-lo por “palácio a que chamam castelo”.

Brasão dos Távoras existente no concelho de Mogadouro

A esta família que dominou Mogadouro durante três séculos, ficam a dever-se várias estruturas edificadas que perduram na paisagem mogadourense, nomeadamente o Convento de S. Francisco, a ponte de Remondes, sobre o rio Sabor (1678); a ponte de Meirinhos (1677); a ligação de Mogadouro a Castelo Branco (Século XVII); o pontão de Zava (finais do século

XVII); a ponte de Vilarinho dos Galegos (século XVII) e a ponte Gamona em S. Martinho do Peso (século XVII), bem como a casa das colunas, sita no Largo do Conde Ferreira. Ressalta ainda à vista uma bela e imponente porta de acesso à Quinta de Nogueira, tal como o belo e singular Monóptero de S. Gonçalo (Quinta Nova). Outras edificações, como sejam o solar barroco de Castelo Branco são-lhe igualmente atribuídas pela tradição popular, sem que, no entanto, existam provas disso. Tal como o solar dos Pegados, junto ao castelo que nunca lhes pertenceu, apesar de ser conhecido por “palácio dos Távoras”.

Monóptero de S. Gonçalo (Quinta de Nogueira)

7. Património edificado do concelho Além das já mencionadas, destacam-se ainda no património histórico edificado no concelho de Mogadouro, as seguintes construções: o castelo de Mogadouro, castelo de Penas Róias, a muralha medieval de Bemposta, a igreja medieval de Algosinho e a igreja medieval de Azinhoso, a ponte medieval de Macedo do Peso e a ponte medieval de Penas Róias.

Igreja medieval de Algosinho

Além das ruínas de diversos castros, quer na corda do rio Douro, quer na corda do rio Sabor (e outros junto a pequenos cursos de água interiores – ribeiros). No panorama arqueológico, merecem natural destaque as pinturas rupestres da chamada “Fraga da Letra”, em Penas Róias e a estátua zoomorfa que representa um berrão e que se encontra junto à igreja de Vila dos Sinos.

Fragmentos de estelas romanas – Algosinho

8. Divisão administrativa histórica O actual concelho de Mogadouro agrega o território de cinco antigos concelhos: Azinhoso, Bemposta, Castro Vicente, Mogadouro e Penas Róias. 9. Património imaterial Além da história e da arqueologia, e nelas integrado, o concelho de Mogadouro é ainda rico em tradições arcanas, nomeadamente no que a festas de solstício de Inverno diz respeito. Apesar do desaparecimento de algumas, ainda se mantêm vivas as seguintes festas solsticiais: - Festa dos Velhos, em Bruçó (dia 25 de Dezembro);

Festa dos Velhos – Bruçó

- Festa do Chocalheiro, em vale de Porco (dia 25 de Dezembro); - Festa do Chocalheiro de Bemposta (dia 26 de Dezembro e dia 1 de Janeiro);

Chocalheiro de Bemposta

- Festa do Farandulo, em Tó (dia 1 de Janeiro); - Careto de Valverde (25 de Dezembro); - Mascarão e Mascarinha, em Vilarinho dos Galegos (06 de Janeiro). Todas estas manifestações se enquadram nos rituais com máscaras do Inverno transmontano, sendo extremamente ricas em simbolismo e beleza, atraindo anualmente estudiosos, curiosos e naturais da terra que as revivem ciclicamente. 10. Judeus Em Mogadouro existiu uma significativa comunidade judaica, que foi alvo da impiedosa máquina inquisitorial. A especialista Maria José Pimenta Ferro Tavares menciona nos seus estudos a existência de uma importante comuna judaica já no século XIV (a par das comunas judaicas de Bemposta e Azinhoso). A aldeia de Vilarinho dos Galegos conservou até há bem pouco tempo uma forte comunidade criptojudaica, que se foi diluindo devido à sangria demográfica, não obstante ter preservado no tempo tradições e costumes de que ficou registo. Existem no concelho significativas marcas arquitectónicas judaicas que atestam a importância e dimensão da comunidade hebraica nestas paragens.

Marca arquitectónica judaica – Mogadouro

11. Figuras ilustres da terra A figura maior do espectro cultural local foi o escritor Trindade Coelho (1861-1908), autor de “Os Meus Amores”, considerado por alguns como o verdadeiro “mestre do conto rústico”. Contista, jurista, jornalista e educador do povo, deixou lastro cultural suficiente para ser eternamente recordado pelos vindouros. Além dele, são ainda dignos de menção: D. Luis Carvajal y de La Cueva (1539-1591), que foi governador da província espanhola Nuevo Reino de León, no México; coronel Albino Pereira Lopo (1860-1933), militar e arqueólogo; António Pinto Pereira (séc. XVI), escritor e secretário de D. António Prior do Crato; cónego Nogueira Afonso (1915-2011), sacerdote, escritor, ensaísta e jornalista.

Trindade Coelho

12. Festas A vila tem como orago S. Mamede, mas são as festividades em honra de N.ª Sra. do Caminho, realizadas tradicionalmente no último domingo de Agosto que concitam maiores atenções e reúnem maior fulgor, afirmando-se como o principal evento festivo do concelho e um dos maiores das redondezas. Além desta, é digna de menção a festa de Santa Ana, organizada pelos jovens solteiros da vila, que assume particular relevo no calendário litúrgico e festivo local.

*Advogado, escritor, investigador.

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