[Monografia] Ausências e Emergências da Educação Escolar segundo o Movimento LGBT Pernambucano: Apontamentos em espaços de democracia participativa

June 1, 2017 | Autor: Cleyton Feitosa | Categoria: Políticas Públicas, Educação, Democracia, Conferencias, Movimentos LGBT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE NÚCLEO DE FORMAÇÃO DOCENTE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

CLEYTON FEITOSA PEREIRA

AUSÊNCIAS E EMERGÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR SEGUNDO O MOVIMENTO LGBT PERNAMBUCANO: APONTAMENTOS EM ESPAÇOS DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

CARUARU 2013

CLEYTON FEITOSA PEREIRA

AUSÊNCIAS E EMERGÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR SEGUNDO O MOVIMENTO LGBT PERNAMBUCANO: APONTAMENTOS EM ESPAÇOS DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco (CAA), para obtenção do título de Licenciado em Pedagogia. Orientadora: Profa. Dra. Allene Carvalho Lage

CARUARU 2013

CLEYTON FEITOSA PEREIRA

AUSÊNCIAS E EMERGÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR SEGUNDO O MOVIMENTO LGBT PERNAMBUCANO: APONTAMENTOS EM ESPAÇOS DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco (CAA), para obtenção do título de Licenciado em Pedagogia. Orientadora: Profa. Dra. Allene Carvalho Lage Aprovado em: Banca examinadora Profa. Dra. ______________________ Instituição _______________________________ Julgamento ______________________ Assinatura _______________________________ Profa. Dra. ______________________ Instituição _______________________________ Julgamento ______________________ Assinatura _______________________________ Profa. Dra. ______________________ Instituição _______________________________ Julgamento ______________________ Assinatura _______________________________

CARUARU 2013

DEDICATÓRIA Escrever essas páginas não foi fácil ou algo simples, pois à mente vem um conjunto de pessoas e passagens que fazem parte do meu percurso. Todas elas, em maior ou menor grau, contribuíram para que aqui chegasse, com um considerável acúmulo de experiências e vivências que compõem o meu ser, meus sentimentos, subjetividades e identidades, todas em permanente (re)construção. Por tudo que me proporcionaram e pelo que significam, o meu agradecimento e reconhecimento, eternizados aqui neste trabalho acadêmico, desenvolvido com muito afinco e carinho. Dedico este trabalho a toda população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, organizados(as) ou não, que resistem cotidianamente à homofobia e a formas diversas de opressão face a suas identidades e performances. A elas, meu profundo respeito e solidariedade fraternas. Aos meus e minhas companheiras de Movimento LGBT, fundamentais para meu processo individual de emancipação e empoderamento construídos ao longo desses anos. Mais que por mim, por lutarem cotidianamente para que outros e outras sejam livres, iguais e felizes, imbuídos de sentimentos coletivos, irmanados no processo de luta, possibilitando à sociedade o que mais temos de precioso: nossa humanidade, a partir da humanização. A minha família por resistir comigo, direta e indiretamente, e compreender, dentro de suas dinâmicas, minhas lutas, processos e escolhas. A meus e minhas amigas, por compartilharem comigo as alegrias, vitórias e conquistas, bem como tristezas, angústias e frustrações. A meus e minhas professoras por terem sido fundamentais em minha formação profissional, política e humana. A minha turma do curso de Licenciatura em Pedagogia (2013.1), pelos 5 anos em que estivemos juntas, partilhando dores e alegrias presentes em uma graduação. Destaco as queridas figuras de Alena Karine e Viviane Rafaella. À Universidade Federal de Pernambuco, em toda sua complexidade e estrutura, por ter me apresentado inúmeros conhecimentos, teorias e compreensões de mundo, alargando as possibilidades de viver e me transformar permanentemente a partir da educação. Ao Partido dos Trabalhadores (as), em especial à tendência Movimento de Ação e Identidade Socialista (MAIS), por fomentar sonhos, esperanças e lutas utópicas. Por expressar, através de práticas e uma palavra - companheiro (a) - a grandeza de ser coletivo

e solidário em tempos de aprofundamento do individualismo, do capitalismo e outros fenômenos desumanizadores. À Secretaria Especial da Mulher da Prefeitura Municipal de Caruaru e sua equipe por ter acolhido a luta política do Movimento LGBT, criando um espaço para o desenvolvimento de ações, iniciativas e políticas voltadas a essa população e outras, ainda subalternizadas. Por inspirar ideologicamente pessoas como eu, que acreditam que o Estado pode e deve promover justiça social e cidadania. Aos

meus

e

minhas

orientadoras

pelo

ensino,

dedicação,

paciência,

companheirismo, auxílio, parcerias, crenças e motivações constantes nas diversas atividades desenvolvidas. Ao professor Alex na Monitoria da disciplina Metodologia da Língua Portuguesa I, à professora Ana Maria de Barros no Projeto de Extensão ProJovem Campo – Saberes da Terra (a quem admiro por sua dedicação aos direitos humanos), à professora Anna Rita Sartore no Programa de Educação Tutorial (me lembrarei de sua elegância e inteligência), à professora Ana Maria Tavares Duarte na Iniciação Científica (por quem nutro um sentimento afetivo e especial, semelhante a de uma familiar e tutora) e, por fim, à orientadora desse trabalho de conclusão de curso, Allene Carvalho Lage, que teve papel estruturante no meu processo de autoconhecimento enquanto sujeito histórico e autoafirmação política de cidadão gay, tendo sido essencial para minha entrada no Movimento LGBT. Sua presença neste trabalho não é por acaso e pra mim muito significa. Em especial ao amigo Fábio Brainer porque sem ele não teria optado pelo curso de Pedagogia e vivido tantas experiências fantásticas, nem me permitido ser a mim mesmo, tendo aparecido num momento singular das nossas vidas, sobretudo a nós LGBT: a juventude. Ao longo desses anos, Fábio tem sido um grande companheiro. A Erton Cabral, que teve presença importante de amigo universitário, compartilhando sonhos, planejamentos, dificuldades e conquistas acadêmicas. Mesmo tendo partido precocemente, tenho convicção de que não nos esqueceremos um do outro. A pessoas queridas e amadas que me acompanham na intensa e rica trajetória da vida. São muitos e muitas. Não conseguirei imprimir o carinho que sinto por todas elas aqui. Certamente cometerei injustiças e omissões, mas gostaria de destacar um corpo de pessoas singulares: Minha mãe Ana Lúcia carinhosamente chamada por “Uca”, meu pai Celso, minha titia Leta (in memoriam), meus irmãos Lucas e Fabinho, Cristina, Cláudio, Tiago, Rafael, Emerson, Joana, Wagner, Elba, Louise. Muito obrigado!

Diante de desafios tão formidáveis, as melhores esperanças provem das imagens das Paradas do Orgulho LGBT, em que as diferenças se mostram e convivem de forma estimulante e pacífica no mesmo espaço público. Nelas se refaz a expectativa de que o Movimento LGBT possa atualizar permanentemente a promessa de celebração de identidades vívidas e porosas, com mais pontes do que cercas entre si, atraentes e abertas aos que a elas queiram se misturar, o que só pode ser possível sobre o terreno compartilhado da igualdade. Como as cores do arco-íris, belas e cambiantes refrações da mesma luz solar. (Júlio Simões, Regina Facchini, 2009)

RESUMO Este trabalho estuda, a partir do protagonismo e da participação social do Movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), as ausências e emergências da educação escolar, conceitos aqui explorados na perspectiva da Sociologia das Ausências e Emergências de Boaventura de Sousa Santos (2006), expressadas pelas vozes reivindicatórias do Movimento LGBT do estado de Pernambuco. Para sua realização, primamos por uma metodologia que procurasse responder nosso problema, alinhada às teorias e discursos científicos aqui elencados. Optamos, assim, por desenvolver, através da abordagem qualitativa (DENZIN e LINCOLN, 2006; CRESWELL, 2007; MINAYO, 2008) uma pesquisa documental (GIL, 2008) através do caderno produzido a partir da II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT de Pernambuco, publicado no ano de 2012. Entendemos ser este um espaço estratégico de exercício da democracia participativa e da horizontalidade entre distintos e distintas atores e atrizes sociais, que buscam dialogar com vistas a construir juntos e juntas, estratégias para superação de entraves e iniquidades sociais. Também compreendemos que as conferências são ricas fontes de pesquisa, pelos movimentos que lhe são característicos, materiais produzidos e documentos diversos forjados no âmbito da negociação, da tensão e do embate. Além da pesquisa documental, utilizamos o Método do Caso Alargado (SANTOS, 1983) para refletir fenômenos estruturantes e específicos e, por fim, a técnica da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2001) com o objetivo de proporcionar um tratamento mais racional à analise. Com esse conjunto metodológico, analisamos o panorama das políticas públicas voltadas para a população LGBT em Pernambuco, bem como a conjuntura educacional nesse território no que diz respeito ao tratamento da diversidade sexual. Os resultados apontam para (1) fragilidades na implementação de tais políticas, (2) uma educação violadora de direitos e (3) proposições educativas que promovam o respeito e o reconhecimento igualitário de identidades plurais. Palavras-chave: Educação. Movimento LGBT. Conferências. Políticas Públicas.

SUMÁRIO

1. Introdução ...................................................................................................................................... 9 2. Objetivos ...................................................................................................................................... 21 2.1 Objetivo Geral ........................................................................................................................ 21 2.2 Objetivos Específicos ............................................................................................................. 21 3. Metodologia ................................................................................................................................. 21 3.1. Abordagem da pesquisa ........................................................................................................ 21 3.2. Tipos de estudo segundo os objetivos..................................................................................... 23 3.3. Método da Pesquisa............................................................................................................... 25 3.4. Delimitação e Local da Pesquisa ........................................................................................... 26 3.5. Fontes de Informação ............................................................................................................. 27 3.6. Técnicas de Coleta ................................................................................................................. 27 3.7. Análise e Sistematização de Dados ........................................................................................ 28 3.8. Auto-reflexividade: A experiência do campo na formação do/a pesquisador/a....................... 29 4. Fundamentação teórica................................................................................................................. 29 4.1. Movimento LGBT .................................................................................................................. 29 4.2. Educação Escolar para a Diversidade Sexual ........................................................................... 35 4.3. Conferências de Políticas Públicas........................................................................................... 40 5. O Caso da II Conferência de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT de Pernambuco ..... 44 6. Análise do Caso: Produções da II Conferência de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT de Pernambuco ................................................................................................................................. 48 6.1. Análise do Caderno de Resoluções ....................................................................................... 48 6.1.1 Natureza do documento ................................................................................................... 49 6.1.2 Organização do Documento ............................................................................................ 49 6.1.3 Planejamento do Documento........................................................................................... 51 6.1.4 Monitoramento e Avaliação do Documento ................................................................... 52 6.2 Análise das Reivindicações Educativas: Ausências e Emergências ....................................... 52 7. Considerações Finais .................................................................................................................... 56 8. Referências ................................................................................................................................... 60

1. INTRODUÇÃO As motivações que nos levam a pesquisar a relação entre diversidade sexual e educação, partem das ideias discutidas por Boaventura de Sousa Santos ao afirmar que todo conhecimento é autoconhecimento (2002). Nesse sentido, vale salientar que nossos interesses epistemológicos, identidades sexuais, bem como nossas histórias de lutas e resistências, nos ajudam a explicar tais motivações. Situamos esse percurso e os elementos que os cercam por acreditarmos, na perspectiva do pensamento de Boaventura de Sousa Santos refletido na obra “Um Discurso sobre as Ciências”. Segundo o sociólogo, todo conhecimento e sua produção refletem aspectos identitários e subjetivos de cada ser. Para o autor, Hoje sabemos ou suspeitamos que as nossas trajectórias de vida pessoais e colectivas (enquanto comunidades científicas) e os valores, as crenças e os prejuízos que transportam são a prova íntima do nosso conhecimento, sem o qual as nossas investigações laboratoriais ou de arquivo, os nossos cálculos ou os nossos trabalhos de campo constituiriam um emaranhado de diligências absurdas sem fio nem pavio (SANTOS, 2003, p.53).

Essa compreensão torna o processo científico mais justo e honesto, uma vez que rompe com o paradigma da neutralidade científica por muito tempo tomada como verdade e referência, legitimando equívocos e injustiças. Nossa trajetória acadêmica possui um significativo percurso de trato destas matérias, pois, desde o início da graduação em Pedagogia no Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco que temas como diversidade sexual, Movimento

LGBT1,

homofobia2,

gênero3

1

e

seus

desdobramentos,

identidades,

Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Há dissensos a respeito da sigla atualmente adotada pelo Movimento LGBT. Em algumas literaturas, encontramos variadas formas de combinação das letras como o LGBTT ou o LGBTTIQ. A forma como a população homossexual (incluindo aí as diversas identidades) se autodenomina indica também a tensão e a disputa identitária presentes dentro do movimento social. Em respeito à decisão tomada na I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (2008), utilizaremos a forma oficial (LGBT) sem desconsiderar as diversas vozes que contestam esta sigla. 2 Segundo Borrilo, homofobia é “a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais; portanto, homens e mulheres” (2010, p. 13). Há autores/as que preferem o termo heterossexismo como Torres (2010) defendido sob a argumentação de que a palavra heterossexismo é cientificamente mais adequada, mas optamos pela expressão homofobia, mais conhecida e popularizada em diversos setores sociais, inclusive no Movimento LGBT, além de ter um conteúdo mais político. 3 Segundo Scott (1995) Gênero é um constructo analítico utilizado para esclarecer relações sociais entre sujeitos, seus sexos, suas orientações sexuais e suas identidades de gênero, bem como as desigualdades atribuídas politicamente a determinados gêneros e como essas identidades possuem sentidos diferentes em diversas culturas.

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sexualidades, Estado e políticas públicas, todas envoltas na rica esfera da Educação, nos atraem, levando-nos a procurar entender seus meandros, como esses temas se relacionam, como operam na sociedade e quais as consequências e impactos nas vidas dos/das4 diversos/as atores/atrizes sociais. Em um contexto em que o ensino superior público ainda não é uma realidade para todos/as os/as brasileiros/as, ainda que este venha se democratizando paulatinamente nos últimos anos5, ter acesso aos conhecimentos produzidos por teóricos/as e estudiosos/as da área nos imbui de responsabilidades cidadãs, não apenas buscando reproduzir e/ou reelaborar seus conteúdos e conceitos, como também democratizá-los, mas para além disto, procurando vivenciá-los no cotidiano de nossas existências. Neste sentido, é válido ressaltar nossas experiências ativistas, com vistas a tornar igualitárias as relações sociais entre sujeitos LGBT e sujeitos heterossexuais, haja vista que é consenso em boa parte dos Estudos Feministas, Gays e Lésbicos a situação de desigualdade entre essas identidades mencionadas, com claros privilégios históricos para a população heterossexual, dotada de mais direitos e acesso à cidadania e seus benefícios. Trazemos nesse estudo, experiências de lutas políticas vivenciadas de dentro do Movimento LGBT de Pernambuco6, as quais procuramos nos articular às entidades de âmbito nacional7, de modo a acompanhar e contribuir com os discursos, agendas e pautas presentes nestes ricos espaços de lutas sociais. Esse percurso nos possibilitou um acúmulo considerável de atividades realizadas e saberes a respeito do ativismo LGBT e a árdua luta por emancipação social e igualdade de direitos. Acompanhando as atuais agendas do Movimento LGBT, verificamos que as principais reivindicações deste movimento social se centram sobre ações efetivas na área educacional, de modo a torná-la inclusiva, não-discriminatória, não-excludente, que reconheça e valorize as diferentes culturas e a diversidade presente nas escolas. Outra pauta prioritária é criminalizar8 quaisquer práticas consideradas homofóbicas, incluindo

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Neste trabalho utilizaremos os dois gêneros gramaticais “os/as” para afirmar que o gênero “o/os” não é suficiente para contemplar as identidades femininas/feministas. 5 Refiro-me à recente política de expansão e interiorização das universidades públicas adotada pelo governo federal. 6 Grupo de Resistência Gay de Caruaru (GRGC). 7 Articulação Brasileira de Gays (ARTGAY), Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH). 8 O tema da 16ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (2012), a maior do país e do mundo, em termos quantitativos, teve como tema “Homofobia Tem Cura: educação e criminalização”. O tema revela, entre muitos aspectos, a ênfase necessária na educação como fenômeno transformador e na segurança pública como direito fundamental à vida. Ainda critica determinadas religiões que difundem a ideia de “cura” da

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neste bojo violências físicas e verbais, seleções e acesso a determinados bens sociais criterizados por orientação sexual e/ou identidade de gênero, discursos de ódio, etc.9 Pesquisas (UNESCO, 2004; ABRAMOVAY et al., 2004; CARRARA e RAMOS, 2005) apontam altos índices de discriminação escolar envolvendo estudantes e professores no que tange à violência sexista e homofóbica, o que, sabemos, contribui para a cultura de violência e constrangimentos, que termina por tornar a escola em espaço de insatisfação, resultando em evasão e repetência, para além de impactos na subjetividade de coletividades que escapam das normas de gênero e sexualidade. Essa ênfase na educação não é por acaso. Paulo Freire em sua obra Pedagogia do Oprimido desenvolve uma intensa reflexão a respeito da “educação bancária” e da “educação problematizadora”, tomando a primeira como uma ação domesticadora dos sujeitos, fortemente hierárquica, verticalizada e mantenedora de injustiças sociais. A educação problematizadora, ao contrário, visualiza a libertação dos/as oprimidos/as, a humanização dos humanos, questionando a historicidade humana e suas contradições, horizontalizada e dialógica, denuncia as iniquidades sociais (2005). Esta segunda perspectiva de educação é almejada pelos movimentos sociais populares e, como não poderia deixar de ser, também o é pelo Movimento LGBT. A educação formal, ofertada pelo Estado é alvo de intensas disputas de diversos segmentos sociais, uma vez que a educação é concebida como base para assegurar qualquer projeto de sociedade. Nessa direção se consolida o protagonismo do Movimento LGBT a frente do enfrentamento a um forte processo de defesa de valores coloniais e privilégios históricos, heteronormativos presentes em alguns segmentos sociais. O lugar sobre o qual falo é um campo de tensão. Em linhas gerais, não é difícil entender sua composição. De um lado, o movimento social brasileiro (e mundial) de gueis, lésbicas, homens e mulheres bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e simpatizantes. Lutando por direitos que consideram justos, fazendo pressão sobre as agências do Estado, organizando manifestações de forte visibilidade, denunciando os casos de violência e homofobia, investindo em programas e projetos para sensibilizar a sociedade acerca de suas reivindicações, estes setores estão mais ativos do que nunca. Pela importância estratégica que detém, um dos alvos de atuação desse movimento é a escola pública. O movimento

homossexualidade, afirmando, assim, que a homofobia é que tem cura, posto que é tomada como uma doença social. 9 Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que pretende criminalizar práticas consideradas homofóbicas (PLC 122/06), no entanto, o referido projeto sofre resistência significativa por parte de Deputados e Senadores conservadores e religiosos.

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social pela diversidade sexual tem interesse em ter a escola pública como um dos seus aliados, e, em particular, os professores e as professoras responsáveis pela formação de crianças e adolescentes (SEFFNER, 2009, p. 120).

De fato, a escola é um espaço rico em tensões e disputas ideológicas que orientam projetos de sociedade, por isso grupos sociais de diversos interesses (econômicos, políticos, culturais, sociais, etc.) disputam pela inserção de seus objetivos no âmbito educacional, logo, é caro ao Movimento LGBT que a escola problematize relações sociais, normas construídas ao longo da história, conceitos e posturas conservadoras. A atenção voltada para a educação é também motivada pelos altos níveis de violência e vulnerabilidade pelos quais estão expostas crianças, adolescentes e jovens LGBT nas escolas brasileiras. Nessa direção, existe uma vasta literatura acadêmica que discute as dificuldades enfrentadas pela população LGBT, bem como sua exclusão vivenciada nas instituições educacionais (LOURO, 2001; JUNQUEIRA, 2009, SEFFNER, 2009, PRADO E MACHADO, 2008; TORRES, 2010, etc.). Indo ao encontro de Seffner (2009), Junqueira afirma que A escola configura-se um lugar de opressão, discriminação e preconceitos, no qual e em torno do qual existe um preocupante quadro de violência a que estão submetidos milhões de jovens e adultos LGBT – muitos/as dos/as quais vivem, de maneiras distintas, situações delicadas e vulneradoras de internalização da homofobia, negação, autoculpabilização, auto-aversão. E isso se faz com a participação ou a omissão da família, da comunidade escolar, da sociedade e do Estado (JUNQUEIRA, 2009, p. 15).

Concordamos com Junqueira quando aponta que a escola representa para muitos/as LGBTs uma fase de opressão, angústias e violências. Estas violências homofóbicas, na escola e fora dela, podem se expressar de distintas maneiras, desde formas mais sutis às mais explícitas e agressivas, violando diversos princípios de dignidade humana. Essas hierarquizações podem ser observadas nas piadas que depreciam a população LGBT, na ausência de personagens LGBT nos livros didáticos, nas agressões físicas e psicológicas cometidas devido à orientação homossexual e bissexual, entre outras (TORRES, 2010, p. 38)

Contudo, as lutas LGBT conquistaram e afirmaram a credibilidade de seus princípios que asseguram o respeito às diferenças sexuais.

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Louro (1997, 2001, 2008), que tem seus estudos baseados em Michel Foucault e na teoria Queer, desenvolveu ao longo de sua obra o que ela chama de ‘Pedagogias da Sexualidade’ avançando na compreensão teórica ao identificar que a escola pela ação ou omissão, pelo grito ou silêncio, ensina e reproduz normas, valores, práticas e conceitos (em sua maioria, deturpados) da sexualidade. Na escola, pela afirmação ou pelo silenciamento, nos espaços reconhecidos e públicos ou nos cantos escondidos e privados, é exercida uma pedagogia da sexualidade, legitimando determinadas identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginalizando outras. Muitas outras instâncias sociais, como a mídia, a igreja, a justiça, etc. também praticam tal pedagogia, seja coincidindo na legitimação e denegação de sujeitos, seja produzindo discursos dissonantes e contraditórios (LOURO, 2001, p. 31)

Com efeito, hoje mais que nunca, reconhece-se o caráter disciplinador e normalizador produzido pelas instituições educativas formais. A escola, que deveria problematizar a sociedade e suas contradições, reproduz fortemente normas de gênero e sexualidade que tem excluído muitos sujeitos fora desses padrões de gênero e sexualidade promovidos pelas escolas. Junqueira, Carvalho e Andrade (2009), diagnosticam a escola como uma das instituições sociais responsáveis por educar a heteronormatividade, conceito que diz respeito a um Conjunto de valores, normas, dispositivos e mecanismos definidores da heterossexualidade como a única forma legítima e natural de expressão identitária e sexual, que faz com que a homossexualidade, a transgeneridade e as práticas sexuais não reprodutivas sejam vistas como desvio, crime, aberração, doença, perversão, imoralidade, pecado. Como explica Judith Butler, a imposição da heteronormatividade se vincula a processos de produção de corpos, sujeitos e identidades coerentemente sintonizados com a seqüência sexo-gênero-sexualidade. Mais do que isso: a heteronormatividade se fundamenta na crença na divisão binária dos corpos (macho e fêmea), e na atração “natural” entre os “sexos opostos” (correspondentes obrigatoriamente a gêneros distintos, também definidos de maneira binária). Nesse contexto, os gêneros são definidos com base na “matriz heterossexual”, e a expressão da sexualidade e da orientação sexual é rigidamente vinculada às identidades e expressões de gênero segundo esse modelo binário e essa crença na correspondência sexogênero. Assim, a heteronormatividade reforça as concepções binárias e as normas de gênero, e a produção da seqüência heteronormativa sexogênero-sexualidade obedece à lógica da produção de corpos e desejos 13

obrigatoriamente heterossexuais (“heterossexualização compulsória”) (...) A heteronormatividade é geralmente ensinada pelas instituições sociais (família, igreja, escola) ao longo de processos normativos e normalizadores de produção de sujeitos, corpos e identidades (CARVALHO, ANDRADE e JUNQUEIRA, 2009, p. 20 e 21).

Este cenário desolador de injustiças e violações num campo social tomado pela esperança e crença da transformação das iniquidades, a educação, induz o Movimento LGBT a investir forte e profundamente suas ações, denúncias e pressões para essa área, com o objetivo de reverter os quadros de homofobia e a hegemonia da heteronormatividade. Para Louro (...) podemos (e devemos) duvidar dessas verdades e certezas sobre os corpos e a sexualidade, que vale a pena pôr em questão as formas como eles costumam ser pensados e as formas como as identidades e práticas têm sido consagradas ou marginalizadas” (2001, p. 33)

É nessa perspectiva da luta política que se inscreve a ação do Movimento LGBT. Para tanto, este Movimento tem se valido de estratégias diversas: paradas, marchas, beijaços,

seminários,

mesas-redondas,

manifestações,

palestras,

panfletagens,

complemento às ações do Estado, etc. Outra de suas estratégias políticas importante é a participação e o controle social, sobretudo nos instrumentos democráticos que viabilizam a interface entre sociedade civil e Estado. Para Maria da Glória Gohn, a participação é necessária ao desenvolvimento da democracia no Brasil O entendimento dos processos de participação da sociedade civil e sua presença nas políticas públicas nos conduz ao entendimento do processo de democratização da sociedade brasileira; o resgate dos processos de participação leva-nos , portanto, às lutas da sociedade por acesso aos direitos sociais e à cidadania. Nesse sentido, a participação é, também, luta por melhores condições de vida e pelos benefícios da civilização (GOHN, 2011, p. 16).

Com efeito, a luta tem conquistado a garantia de espaços reservados a este Movimento (vagas e assentos específicos para LGBT em Conselhos, Fóruns, etc.), demonstrando que na atualidade, este Movimento vem conquistando novas territorialidades em âmbitos governamentais e o reconhecimento do Estado frente à ausência de cidadania e a necessidade de ações específicas para garantir que esta seja uma realidade que, como todo grupo social, tem direito. 14

Não há dúvidas de que os processos de participação e controle social exercidos pelo Movimento LGBT se intensificaram no governo Lula (2003-2010), a partir do lançamento do Programa Brasil Sem Homofobia (2004). Este Programa até então inédito no país, construído fruto da parceria entre governo e sociedade civil organizada, resultou em um considerável leque de mecanismos democráticos que terminaram por ampliar políticas públicas específicas voltadas para a diversidade sexual. Para Facchini (2012) À reflexão sobre a inserção de LGBT na pauta dos Direitos Humanos, gostaria aqui de acrescentar o potencial impacto do processo de elaboração, lançamento e implementação do Programa Brasil Sem Homofobia e dos processos que dele decorrem: 1) de realização das conferências LGBT nos níveis municipal, estadual e federal e 2) de criação de Coordenações e Conselhos de Políticas LGBT em âmbito nacional e, em várias localidades, aos níveis estadual e municipal (2012, p. 12).

Após o lançamento do Programa Brasil Sem Homofobia, o governo federal avançou nas agendas governamentais de direitos humanos LGBT realizando em 2008 a I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais sob o tema “Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania GLBT” que resultou no I Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais publicado no seguinte, em 2009. Em 2010, por meio do Decreto n° 7.388 foi instituída a criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD LGBT). Em 2011 acontece a II Conferência Nacional LGBT e em 2012 mais uma ação inédita é executada pela Secretaria de Direitos Humanos: o lançamento do “Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil: o ano de 2011”, possibilitando um minucioso mapeamento, com informações oficiais, das violências que recaíram sobre a população LGBT durante 2011. Nesse relatório há um conjunto de informações necessárias para a formulação de ações e estratégias que combatam tais práticas. Vale ressaltar o protagonismo do Grupo Gay da Bahia (e seu líder Luiz Mott) que vinha elaborando há alguns anos relatórios desse gênero e serviu para pressionar o governo a assumir esta responsabilidade. Também no ano de 2012 é publicado um documento com as deliberações emergentes da II Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos sob o tema “por um país livre da pobreza e da discriminação: promovendo a cidadania de 15

lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”, documento este intitulado “anais da II Conferência Nacional LGBT”, que conta também com um conjunto de discursos proferidos por integrantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de ativistas na mesa de abertura do evento. Abaixo segue um quadro sinótico que demonstra a evolução da política para LGBT a partir da redemocratização do Brasil, no âmbito do governo federal10. A tabela foi construída com base nas informações constadas na página virtual oficial da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República11. Essa tabela não considera ações ministeriais isoladas como as ações de combate à infecção do vírus HIV/Aids do Ministério da Saúde ou promoção de cursos de extensão e especialização em gênero e diversidade do Ministério da Educação e outras iniciativas, mas centra-se sobre ações interministeriais, pensadas numa perspectiva transversal, de fortalecimento e promoção de direitos humanos de LGBTs. Precisaríamos de um estudo à parte e mais aprofundado para realizar levantamento de políticas e ações desenvolvidas no âmbito de Ministérios específicos, estabelecendo delimitações, focos e critérios que não correspondem exatamente ao que pretendemos aqui neste trabalho. Além disso, compreendemos que um trabalho monográfico não comporta a intensidade de um estudo nesse nível acadêmico, seja pela sua natureza, seja pelo tempo disponível para sua produção e desenvolvimento. Por todos esses fatores aqui apresentados, nos deteremos a demonstrar, de maneira superficial, a evolução da institucionalização da política pública LGBT pelo Brasil, no âmbito do governo federal, ressaltando que todas são frutos de lutas políticas travadas pelo Movimento LGBT em diversos níveis e contextos.

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Essa tabela não considera ações ministeriais isoladas como as ações de combate à infecção do vírus HIV/Aids do Ministério da Saúde ou promoção de cursos de extensão e especialização em gênero e diversidade do Ministério da Educação, mas centra-se sobre ações interministeriais, pensadas numa perspectiva transversal, de fortalecimento e promoção de direitos humanos de LGBTs. 11 http://www.sdh.gov.br/

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Política

Natureza da Ação

Programa Nacional de Direitos Humanos I

Breve menção dos homossexuais como detentores de direitos humanos.

Programa Nacional de Direitos Humanos II

Contendo 10 metas específicas para GLTTB (sigla à época) o Programa avançou no reconhecimento da diversidade sexual no campo da cidadania. Gestado no período Lula, fruto da parceria entre governo federal e lideranças LGBT. Prevê um conjunto de ações que visam combater a homofobia.

2002

Convocada por Decreto Presidencial. Representou um marco na elaboração e construção de políticas públicas em conjunto com a população LGBT.

2008

O PNDH-3 avança na agenda da população LGBT. Tendo sido construído com mais participação popular que os Programas anteriores

2009

Programa Brasil Sem Homofobia I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais Travestis e Transexuais (GLBT à época) Programa Nacional de Direitos Humanos III

Ano de Implementação 1996

I Plano Nacional de Promoção Fruto da I Conferência Nacional GLBT, o Plano da Cidadania e Direitos contem 51 diretrizes e 180 ações, demonstrando assim Humanos de Lésbicas, Gays, demandas históricas da população LGBT. Bissexuais, Travestis e Transexuais Instituição do Conselho Composto por 30 membros/as, representantes do Nacional de Combate à governo e da sociedade civil, o Conselho tem por Discriminação de Lésbicas, finalidade primordial formular e propor diretrizes para Gays, Bissexuais, Travestis e a ação governamental. Transexuais (CNCD/LGBT) Disque 100 – Direitos Humanos O Disque 100 funciona como um canal de denúncia em que segmentos vulneráveis vítimas de violência podem denunciar através de ligação telefônica. Em Fevereiro de 2011, passa a atender a população LGBT.

2004

2009

2010

2011

II Conferência Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais Travestis e Transexuais

Convocada pela Presidenta Dilma, teve como objetivo central avaliar a execução do I Plano Nacional LGBT.

2011

Lançamento dos Anais da II Conferência Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais Travestis e Transexuais

Documento simples composto por artigos de ativistas, gestores/as, parlamentares, ministros do STF e outras pessoas ligadas à temática LGBT. Ainda contou com algumas das resoluções propostas na II Conferência.

2012

Lançamento do Relatório de Fruto da pressão do Grupo Gay da Bahia (GGB) que já Violência Homofóbica no Brasil contabilizava a violência homofóbica, o governo – o ano de 2011 federal lança, no ano de 2012, o balanço da violência contra LGBTs em 2011, necessário para o mapeamento da homofobia no Brasil e para implementação de políticas de enfrentamento a ela.

2012

Lançamento de Consulta Pública para Criação do Sistema Nacional LGBT

2013

Demandado pelo Conselho Nacional LGBT, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República lança consulta pública para criação e desenvolvimento do Sistema Nacional de Enfrentamento à Violência LGBT que prevê a criação de Conselhos e Coordenadorias estaduais e municipais.

Tabela 1 – quadro evolutivo de ações governamentais conquistadas pelo Movimento LGBT

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Essas iniciativas foram fundamentais para fomentar uma cultura de participação social e influenciar as decisões do governo brasileiro na formulação de políticas públicas, contudo, nos parece bastante visível que pouco avançamos no que diz respeito à educação escolar e ao combate à homofobia presente nas instituições educacionais públicas e privadas. Entretanto, esses espaços privilegiados de democracia participativa apontam possíveis saídas ou soluções alternativas para o alcance desejado da educação de boa qualidade, inclusiva e diversa, sobretudo porque muitas das resoluções, diretrizes e deliberações vistas nos Planos Municipais, Estaduais e Nacional foram indicadas pela população LGBT presente nas Conferências realizadas por todo o Brasil. Diante do exposto, o nosso problema de pesquisa, que nos motivou a investigar sobre as necessidades educativas do Movimento LGBT no âmbito da educação formal, questiona: Quais são as ausências e emergências da educação escolar para o Movimento LGBT no estado de Pernambuco? Na direção de compreender este problema, justificamos sua relevância pela necessidade de ampliar estudos acerca do tema na nossa sociedade e, particularmente, na escola, ao mesmo tempo em que há uma urgente demanda de superação da homofobia escolar, que tem retirado da comunidade escolar muitos direitos. Além disto, estudos que incidem sobre compreensões de fenômenos sociais como a violência, somam muito ao desenvolvimento da educação brasileira, posto que esta é tomada como prática social problematizadora e transformadora (FREIRE, 2005), o que contribuiria para uma cultura de paz e respeito nas escolas e na sociedade, para esta e as futuras gerações Nossas fundamentações teórico-metodológicas estão baseadas em diversos/as autores/as que se centram nos estudos da diversidade sexual e educação, integrantes de uma corrente científica denominada de Estudos Feministas e Estudos Gays e Lésbicos. Também utilizaremos, em alguns momentos deste trabalho, os Estudos Queer, certos de que essa corrente epistemológica nos auxilia a problematizar algumas “certezas” e “verdades” presentes nos conceitos e categorias aqui trabalhadas. Entretanto, nos basearemos, de maneira central, no quadro teórico da Sociologia das Ausências e das Emergências, desenvolvido por Boaventura de Sousa Santos. Acreditamos que sua contribuição teórica, nos auxilia a responder o problema levantado por esta pesquisa, assim como muitos outros problemas sociais no campo da educação e 18

fora dela, que investiguem contradições sociais. A Sociologia das Ausências e das Emergências, segundo Santos, Trata-se de uma investigação que visa demonstrar que o que não existe é, na verdade, activamente produzido como não existente, isto é, como uma alternativa não-credível ao que existe. O seu objeto empírico é considerado impossível à luz das ciências sociais convencionais, pelo que a sua simples formulação representa já uma ruptura com elas. O objetivo da sociologia das ausências é transformar objetos impossíveis em possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças. Fá-lo centrando-se nos fragmentos da experiência social não socializados pela totalidade metonímica. O que é que existe no Sul que escapa à dicotomia Norte/Sul? O que é que existe na medicina tradicional que escapa à dicotomia medicina moderna/medicina tradicional? O que é que existe na mulher que é independente da sua relação com o homem? É possível ver o que é subalterno sem olhar à relação de subalternidade? (2006, p. 786 e 787) A sociologia das emergências consiste em substituir o vazio do futuro segundo o tempo linear (um vazio que tanto é tudo como é nada) por um futuro de possibilidades plurais e concretas, simultaneamente utópicas e realistas, que se vão construindo no presente através das atividades de cuidado (2006, p. 794).

Fundamentados nessa compreensão teórica, procuramos responder às nossas investigações com vistas a compreender os fenômenos que estão por trás da invisibilidade e da ausência de políticas educacionais inclusivas no estado de Pernambuco, que reconheçam a cidadania de sujeitos LGBT, ainda às margens do direito humano à educação12. Acreditamos que a invisibilidade social de LGBT, assim como a ausência de políticas educacionais transformadoras da condição de subalternos/as sejam ativamente produzidas por uma complexa trama conjuntural em que circunscreve o lugar social de LGBT na sociedade, conforme Santos discerne. Nesta perspectiva, a Sociologia das Ausências, ratificado por Lage, Procura demonstrar que aquilo que não existe é, na verdade, ativamente produzido como não existente, como uma alternativa não-credível ao que existe. A questão da não existência incide então numa invisibilidade produzida, numa descredibilidade construída de modo a apontar cenários sem alternativas. Assim, a Sociologia das Ausências é concebida como

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Entendemos neste trabalho que o direito à educação ainda é precário, contudo, entendemos ainda que outros direitos desse segmento social são precários também.

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um novo conhecimento de leitura do mundo, que contempla uma realidade mais ampla, na qual inclui uma diversidade baseada fora do espectro das experiências difundidas e que vai além de uma verdade produzida como universal. (...) A breve reflexão da Sociologia das Ausências, aqui empreendida, nos levou a pensar na produção de ausências que invisibiliza lutas e atores sociais e por consequência seus conhecimentos, criando uma aparente resignação sobre o lugar destinado a cada grupo e a cada luta e de uma falsa ignorância e crença de que o mundo está em ordem e toda sociedade é inevitavelmente constituída de incluídos e excluídos. Neste sentido, a Sociologia das Ausências nos ajuda a romper a invisibilidade e perceber que a violência estrutural e difusa que a nossa sociedade sofre e que se expressa nas imensas desigualdades sociais, não são fenômenos isolados e inevitáveis, e sim parte de um mundo defeituoso, de um mundo equivocado em algum aspecto fundamental (LAGE, 2008, p. 8 e 9).

A Sociologia das Ausências, apresentado acima por Santos e Lage, em dado momento, se assemelha ao que discutem teóricos/as Queer. Essa corrente de estudos, (de característica subversiva, problematizadora) diz que a ignorância é também produzida no seio de uma sociedade que normaliza e disciplina sujeitos e conhecimentos. Com evidência, onde há padronização, há exclusão. Onde há homogeneidade, há hegemonia. A esse respeito, Louro (2008) tece a seguinte reflexão: Estamos diante de outro ponto central na análise queer: a questão da ignorância. Eve Sedgwick (1993) e outros teóricos/as propõem que se pense a ignorância não como falha ou falta de conhecimento, mas sim como resíduo de conhecimento, como o efeito de um jeito de conhecer. A teoria queer coloca em questão um dos binarismos fundantes do campo educacional, a oposição entre conhecimento e ignorância, ao demonstrar que esses pólos estão mutuamente implicados um no outro e ao sugerir que a ignorância pode ser compreendida como sendo produzida por um modo de conhecer, ou melhor, que ela é, também, uma forma de conhecimento (LOURO, 2008, p. 68). Essas perspectivas teóricas anunciadas vão ao encontro dos estudos sobre movimento sociais, permeados por contestações, resistências e tensões postas pelo enfrentamento, no caso do nosso estudo, do Movimento LGBT, que tem reivindicado, no âmbito do poder público, ações concretas e eficazes que subvertam o atual estado de homofobia e perturbem a hegemonia da heteronormatividade instaladas nas escolas públicas e privadas deste país. Ou seja, tem emergido das reivindicações do ativismo LGBT novas formulações e diretrizes que apontam para a educação desejada pela e para a população LGBT. Essas formulações possuem níveis de criatividade e originalidade imprescindíveis. 20

2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Diante do problema exposto, esta pesquisa teve como objetivo geral conhecer as ausências e emergências da educação escolar segundo o Movimento LGBT no estado de Pernambuco apontadas em espaços de participação social.

2.2 Objetivos Específicos Para atingir nosso objetivo geral, tomamos por objetivos específicos: Levantar dados e informações referentes à II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT de Pernambuco; Analisar o documento resultante da II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT de Pernambuco; Refletir ausências e emergências educacionais na II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT de Pernambuco; 3. METODOLOGIA 3.1. Abordagem da pesquisa Nossa pesquisa se deu pela abordagem qualitativa, pois entendemos que esta perspectiva é a ideal para pesquisas na área das ciências humanas. Na compreensão de Gonsalves “a pesquisa qualitativa preocupa-se com a compreensão, com a interpretação do fenômeno, considerando o significado que os outros dão às suas práticas, o que impõe ao pesquisador uma abordagem hermenêutica” (GONSALVES, 2003, p. 68). Concordamos com Gonsalves ao afirmar que a pesquisa qualitativa se preocupa com a compreensão e interpretação dos fenômenos. Quando tratamos de abordar questões que não podem ser classificadas e quantificadas, característicos das Ciências Exatas e da Natureza, devemos utilizar uma abordagem qualitativa de pesquisa, pois as opiniões, sentimentos e colocações dos sujeitos não poderiam ser mecanicamente classificados ou estaríamos reduzindo seus significados, tolhendo a rica possibilidade de interpretações que nos cabe analisar, refletir e inferir, ou seja, interpretar. Nesta direção, Minayo aponta que

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Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes (2008, p. 21).

Ou seja, o conjunto de aspirações, desejos, sentimentos, crenças, valores, atitudes e motivações (MINAYO, 2008) formam o espectro humano que jamais pode ser quantificado e classificado, conforme a abordagem quantitativa de pesquisa preconiza. Esse conjunto de significados - para Minayo e concordamos - é parte da realidade social. Creswell (2007, p. 186 e 187), no seu livro intitulado “Projeto de pesquisa” apresenta um conjunto de características inerentes à abordagem qualitativa de pesquisa, ampliando o repertório de justificativa pela qual optamos por esta perspectiva científica, que de maneira reduzida apresentamos abaixo: A pesquisa qualitativa ocorre em um cenário natural, ou seja, o pesquisador deve ir ao local onde se encontram os sujeitos para condução da pesquisa; A pesquisa qualitativa utiliza materiais e métodos múltiplos e diversos, interativos e humanísticos; A pesquisa qualitativa não é estritamente pré-configurada, possibilitando, assim, a flexibilização das questões de pesquisa, da coleta de dados, bem como seu refinamento; A pesquisa qualitativa é em essência interpretativa, considerando o momento sociopolítico e histórico. A pesquisa qualitativa vê os fenômenos de maneira holística, ou seja, prioriza estudos com uma visão mais ampla; O/a pesquisador/a qualitativo/a reflete sistematicamente sobre quem é ele na investigação e é sensível à sua biografia pessoal e à maneira como ela molda o estudo (...) isso também representa honestidade e abertura para pesquisa, reconhecendo que toda investigação é carregada de valores. Esse ponto é crucial e vai à direção das reflexões desenvolvidas por Santos (2002, 2006) que prevê uma ciência menos pretensa, arrogante, absoluta e neutra. O/a pesquisador/a qualitativo/a utiliza um raciocínio complexo multifacetado, interativo e simultâneo. O/a pesquisador/a qualitativo/a adota e usa uma ou mais estratégias de investigação como um guia para os procedimentos no estudo. Ainda na direção de Creswell, 22

Os procedimentos qualitativos apresentam um grande contraste com os métodos da pesquisa quantitativa. A investigação qualitativa emprega diferentes alegações de conhecimento, estratégias de investigação e métodos de coleta e análise de dados. Embora os processos sejam similares, os procedimentos qualitativos se baseiam em dados de texto e imagem, têm passos únicos na análise de dados e usam estratégias diversas de investigação (2007, p. 184).

A definição de Creswell, que prevê a abordagem qualitativa como uma investigação interpretativa do/a pesquisador/a sustentado por uma diversidade de técnicas de coleta de dados se assemelha ao entendimento de pesquisa qualitativa fornecidos por Denzin e Lincoln (2006), pois segundo eles, a pesquisa qualitativa É uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17)

Apesar de algumas abordagens que se diferenciam rapidamente, a pesquisa qualitativa13 parece consensual para os/as autores/as que, atualmente, essa abordagem conquistou status investigativo reconhecido na ciência. 3.2. Tipos de estudo segundo os objetivos No que se refere aos objetivos postos no trabalho, optamos por tipos de estudo mais adequados às metas necessárias. Nesse sentido, em relação ao objetivo primeiro que visa “levantar dados e informações referentes à II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT de Pernambuco” utilizamos um tipo descritivo. A respeito do tipo de pesquisa descritiva

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Denzin e Lincoln classificam sete momentos da pesquisa qualitativa. São estas: a tradicional, o modernista ou da era dourada, gêneros (estilos) obscuros, a crise da representação, o pós-moderno, a investigação pósexperimental e, por fim, o futuro (que é o agora) (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 16)

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Tem como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. São inúmeros os estudos que podem ser classificados sob esse título e uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados (GIL, 2008, p. 28).

Análogo a esta perspectiva, Gonsalves discerne A pesquisa descritiva objetiva escrever as características de um objeto de estudo. Dentre esse tipo de pesquisa estão as que atualizam as características de um grupo social, nível de atendimento do sistema educacional, como também aquelas que pretendem descobrir a existência de relações entre variáveis (GONSALVES, 2003, p. 65)

É comum, ao ser apresentada a opção pelo tipo descritivo, certa desconfiança nos meios acadêmicos, já que muitos/as acreditam que a descrição é uma atividade mais superficial, contudo, ela é a ideal se adequada ao objetivo pretendido no estudo (GONSALVES, 2003). Decidimos pelo tipo de estudo explicativo no objetivo metodológico que buscou ‘analisar o documento resultante da II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT de Pernambuco’. A escolha por esse tipo de estudo se dá porque ele Tem como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Este é o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas. (GIL, 2008, p. 28)

Gonsalves corrobora, “A pesquisa explicativa pretende identificar os fatores que contribuem para ocorrência e o desenvolvimento de um determinado fenômeno. Buscamse aqui as fontes, as razões das coisas” (2003, p. 66). Por fim, almejando atingir o objetivo ‘refletir ausências e emergências educacionais na II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT de Pernambuco’ nos baseamos no tipo exploratório. A pesquisa exploratória É aquela que se caracteriza pelo desenvolvimento e esclarecimento de ideias, com objetivo de oferecer uma visão panorâmica, uma primeira aproximação a um determinado fenômeno que é pouco explorado. Esse tipo de pesquisa também é denominada “pesquisa de base”, pois oferece dados elementares que dão suporte para a realização de estudos mais aprofundados sobre o tema (GONSALVES, 2003, p. 65)

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No pensamento de Gil, pesquisas de natureza exploratória, possuem “o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (GIL, 2008, p. 27). É nessa perspectiva de diversidade metodológica que pretendemos desenvolver nossas investigações. A abordagem qualitativa permite esse tipo de adequação e revisão metodológica, o que não significa que ela não seja metódica e rigorosa. Há uma discussão no campo da epistemologia e da produção de pesquisas qualitativas que colocam o/a pesquisador/a como um/a bricoleur (bricolagem). Segundo Kincheloe Os bricoleurs buscam entender melhor tanto as forças de dominação, que afetam as vidas dos indivíduos cujas origens de raça, classe, gênero, sexualidade, etnia e religião estão fora da(s) cultura(s) dominante(s) quanto as visões desses povos diversificados. Nesse contexto, os bricoleurs tentam remover a produção de conhecimento e seus benefícios do controle dos grupos de elite. Esse controle opera permanentemente para reforçar os privilégios de elite, ao mesmo tempo em que pressiona os grupos marginalizados mais para longe do centro do poder dominante. Rejeitando esse estado de coisas normalizado, os bricoleurs comprometem seu trabalho junto ao conhecimento com uma contribuição ao atendimento das necessidades ideológicas e informacionais de grupos e indivíduos marginalizados. Como detetives das ideias subjulgadas, os bricoleurs aprendem avidamente a partir das lutas sindicais, da marginalização das mulheres, da “dupla consciência” dos racialmente oprimidos e das insurreições contra o colonialismo (KINCHELOE, 2007, p. 30).

A perspectiva da bricolagem vai ao encontro do paradigma da ciência emergente (SANTOS, 2002) desenvolvida na obra ‘Um discurso sobre as ciências’. Para além das técnicas tradicionais e hegemônicas no seio da racionalidade científica, esse paradigma prevê uma luta epistemológica dentro da própria ciência moderna, que é tomada como branca, eurocêntrica, masculina e heterossexual. Nessa direção, a perspectiva da bricolagem, para além de ideológica, é técnica e procedimental, uma vez que ela “também pode sugerir os elementos inventivos e imaginários da apresentação de toda a pesquisa formal” (KINCHELOE, 2007, p. 15) 3.3. Método da Pesquisa Embasamo-nos a partir do Método do Caso Alargado desenvolvido por Boaventura de Sousa Santos (1983). Esse método consiste em alargar a realidade através de um caso particular estudado e estender as conclusões desse estudo a casos mais amplos. Não se trata 25

de mera generalização, mas sim de encontrar singularidades e elementos estruturais em comuns que unam o caso conhecido aos não-conhecidos. Neste caso, estudamos as especificidades do estado de Pernambuco e embasados nessa perspectiva proposta por Boaventura, alargamos esta realidade a outros casos. É válido considerar que a II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT foi desenvolvida em todos os estados da federação, já que era uma das etapas da II Conferência Nacional LGBT. Neste sentido, tivemos campo para desenvolver o Método do Caso Alargado, já que buscamos encontrar elementos que estruturaram o desenvolvimento dessas atividades de participação. Nesses encontros, o Movimento LGBT apontou as emergências educativas em cada capital brasileira, o que nos permitiu confrontar as singularidades de Pernambuco, ao mesmo tempo o que estrutura tais emergências.

3.4. Delimitação e Local da Pesquisa

Este projeto de pesquisa foi idealizado no âmbito da componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso II, que teve por objetivo e meta final, como requisito avaliativo e necessário para a obtenção do título de licenciado em Pedagogia. A pesquisa delimitou-se ao estado de Pernambuco, pois se propôs investigar as ausências e emergências do Movimento LGBT neste território. Para tanto, utilizamos demasiadamente recursos tecnológicos que nos aproximou das fontes de coleta para nosso estudo. Ou seja, não abrimos mão de recursos virtuais como e-mails, interação nas redes sociais e contatos através da internet em suas múltiplas possibilidades interativas, bem como o uso de telefonemas. Dados os recursos (na verdade, a ausência deles) disponíveis e a estrutura de pesquisa de que dispomos, pensamos terem sido instrumentos econômicos, práticos e salutares de mediação entre pesquisador e necessidades diversas. Outro aspecto importante a ser sinalizado sobre o lugar da pesquisa foi tomá-la não apenas como instância geográfica, mas também como espaço de produção de sentidos, significados, ou seja, as histórias de vida dos sujeitos participantes do evento pesquisado, suas localidades (considerando também as globalidades, numa relação mútua de interdependência), a historicidade de cada município e do estado de Pernambuco colocam os sujeitos como seres contextualizados, interessando-nos suas percepções, compreensões, 26

experiências, sentimentos e vivências, sobretudo quando tratamos de educação. Acreditamos que esse conjunto de elementos está disposto na produção resultante da atividade aqui estudada, a II Conferência LGBT de Pernambuco. Nessa perspectiva, “isso coloca em outro patamar a discussão, pois extrapola a noção de lugar geograficamente delimitado” (GONSALVES, 2003, p. 70).

3.5. Fontes de Informação As fontes de informação desta pesquisa foram os anais resultantes da II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT, lançados em 2012 pelo governo do estado de Pernambuco. Materiais como este, sistematizados, servem como ricas fontes de estudo e indicam caminhos pelas quais movimentos sociais e segmentos diversos entendem ser necessários trilhar para a conquista da emancipação, da cidadania e da dignidade humana, contendo, inclusive, minuciosos detalhes de como devem ser executadas estas ações. Foi objeto de estudos a formatação desse documento e outras informações referentes a ele, a exemplo da previsão orçamentária contida nele, previsão temporal de execução e qual será a unidade/órgão governamental responsável pela política, entendendo que ações educacionais podem vir a ser implementadas por outras secretarias, para além do órgão de educação. Esse tipo de informação indica, também, a perspectiva de administração pública adotada por determinada gestão: se setorial, intersetorial ou ambos. 3.6. Técnicas de Coleta Na direção metodológica apresentada por Gil (2008), utilizamos a pesquisa documental como técnica necessária à análise das políticas LGBT desenvolvidas em Pernambuco, bem como as ausências e emergências educacionais apontadas/levantadas pelo Movimento LGBT na II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT, a partir do caderno publicado pelo governo do estado de Pernambuco no ano de 2012 com as resoluções/deliberações dos/as ativistas participantes. Essas fontes documentais são capazes de proporcionar ao pesquisador dados em quantidade e qualidade suficiente para evitar a perda de tempo e o constrangimento que caracterizam muitas das pesquisas em que os dados são obtidos diretamente das pessoas. Sem contar que em muitos 27

casos só se torna possível realizar uma investigação social por meio de documentos (...) Para fins de pesquisa científica são considerados documentos não apenas os escritos utilizados para esclarecer determinada coisa, mas qualquer objeto que possa contribuir para a investigação de determinado fato ou fenômeno. Assim, a pesquisa documental tradicionalmente vale-se dos registros cursivos, que são persistentes e continuados. Exemplos clássicos dessa modalidade de registro são os documentos elaborados por agências governamentais (2008, p. 147).

Optamos por sistematizar a pesquisa documental em quatro categorias que apontam aspectos e elementos básicos para o desenvolvimento de políticas públicas em áreas diversas, bem como a conjuntura da política LGBT em Pernambuco. Foram elas: i) Natureza do Documento; ii) Organização do Documento; iii) Planejamento do Documento; iv) Monitoramento e Avaliação do Documento; Desta maneira, confrontamos a pesquisa documental às teorias levantadas através de bibliografias especializadas no tema proposto e as contribuições do referencial teórico, buscando produzir novos conhecimentos acerca do Movimento LGBT em Pernambuco, suas especificidades, as ausências e emergências da educação levantadas por organizações sociais e ativistas que compõem este Movimento, assim como o contexto da política pública LGBT em Pernambuco. Também ilustramos, por meio de fotografias e registros, momentos de atuação participativa do Movimento no referido evento. 3.7. Análise e Sistematização de Dados Uma primeira aproximação da técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2001; AMADO, 2000) foi a opção metodológica escolhida para o tratamento dos dados coletados. Para Amado (2000, p. 53) a técnica de análise “trata-se de uma técnica que procura “arrumar” num conjunto de categorias de significação o conteúdo manifesto dos mais diversos tipos de comunicações”. Desta forma, buscamos dar um tratamento científico rigoroso, mas não uma cientificidade fechada em classificações mecânicas, inadequadas para pesquisas deste tipo, pelo contrário, a fim de refletir sobre a pergunta inicial de nossa investigação definimos três categorias de base que possam esclarecer nossa inquietação. 28

Tomando nosso problema de pesquisa “Quais são as ausências e emergências da educação escolar para o Movimento LGBT no estado de Pernambuco?” Escolhemos as três categorias em destaque: I. II. III.

Movimento LGBT Educação Escolar para a Diversidade Sexual Conferências de Políticas Públicas Desta forma, estamos criando um rigor metodológico pautado num tratamento

científico credível, requerido pelas Ciências Humanas. Aprofundaremos a perspectiva de Análise de Conteúdo na contribuição de Bardin (2001). 3.8. Auto-reflexividade: A experiência do campo na formação do/a pesquisador/a Essa pesquisa contribuiu para minha formação sob várias formas. Através dela, pude compreender mais profundamente fenômenos sociais que estão em intensa disputa societal, o que serviu para fortalecer minhas crenças políticas e ideológicas. Além dessa compreensão política, esse estudo solidifica minha identificação com reflexões e análises voltadas para a luta política do Movimento LGBT. Como futuro pedagogo, acentua a sensibilidade para buscar Pedagogias humanizadoras e dialógicas, considerando as especificidades de vários grupos e segmentos minoritários ou em situação de desigualdade, procurando respeitar as trajetórias e identidades múltiplas. Também destaco minha aproximação a técnicas e ferramentas de coleta e análise necessários a pesquisas acadêmicas para estudos posteriores, em outros níveis de formação. 4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 4.1. Movimento LGBT O movimento LGBT vem se consolidando de maneira mais contundente no Brasil após o período de redemocratização do país, em 1985, quando a então ditadura militar acabou devido à forte pressão popular.

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Este movimento agrega um conjunto de organizações com características bastante específicas, como por exemplo, ONGs14 (Organizações Não Governamentais) que trabalham com travestis, auxilando-as a aprender uma profissão como a de costureira ou cabeleireira, alfabetizando-as ou ainda cuidando de sua saúde física e mental. Existem organizações que trabalham exclusivamente com transexuais, apoiando-as na decisão da cirurgia peniana, ou profissionalizando-as. Há ainda organizações que trabalham com pais de homossexuais, auxiliando-os psicologicamente para a aceitação da natureza sexual de seus/suas filhos/as, o que é bastante louvável, pois como bem sabemos, os pais sofrem bastante com a orientação sexual de seus filhos/as. Não porque sejam filhos/as más/us, mas porque diante da subalternização construída sócio-culturalmente em relação os/as LGBT, os ascendentes têm vergonha, culpa ou sentimentos de rejeição para com seus filhos e sofrem um conflito bastante intenso no período de descoberta da homossexualidade de seus/uas herdeiros/as até a aceitação deles/as propriamente dita. Ainda existem associações que tratam do gay e da lésbica em vários aspectos de sua vida como a jurídica, a psicológica, a saúde física e até a moradia de pessoas que foram enxotadas de casa pelos seus familiares, entre outras situações. A finalidade destas instituições é promover a cidadania e a inclusão destes sujeitos que de alguma forma sofrem devido a alguma situação extrema em função de sua sexualidade e seu modo próprio de ser. De toda forma, as ações mais conhecidas do movimento LGBT, através de suas diversas organizações, são as paradas da diversidade ou marchas gay. Como o nome diz, trata-se de uma grande passeata na qual os ativistas discursam em favor da comunidade LGBT, denunciam a violência que estas pessoas sofrem e reivindicam direitos. Nelas, trios desfilam com músicas consideradas próprias dos gays/lésbicas, como a Dance ou música eletrônica. Elas reúnem uma grande quantidade de pessoas que saem para lutar pela causa ou simplesmente para ver como se comportam as pessoas presentes. É curioso, mas as paradas já demonstraram atrair a presença das pessoas não-homossexuais seja para apoiar a causa, por considerarem-na legítima ou simplesmente para matar a curiosidade acerca das pessoas gays, lésbicas, bissexuais, travestis ou trangêneros. De todo modo, as paradas tem sido bem-sucedidas ao unir militância política e festa num só evento, conquistando visibilidade social e política. Não é raro ver políticos em cima dos trios apoiando a causa gay, seja por acharem justo ou por ver que a quantidade de

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Ainda nesta categoria, trabalharei com a especificidade das ONGs.

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eleitores e eleitoras gays é enorme. Para Simões e Facchini as paradas são expressões concentradas da arrebatadora visibilidade que o próprio mundo LGBT tem alcançado [...] Nas paradas, essas exibição exuberante e sedutora do universo LGBT assume a forma de uma visibilidade em massa, potencializando-se, desse modo, como meio de angariar solidariedade social (p. 18 e 19).

Neste sentido, o movimento vem conseguindo avanços no que diz respeito à legitimação de sua causa. Afinal, Os homossexuais têm lutado no sentido de influenciar as instituições científicas para fazê-las reconhecer suas preferências nos relacionamentos afetivo-sexuais como fazendo parte da natureza humana. Ao mesmo tempo, essas lutas têm se direcionado para os poderes executivo, legislativo, e judiciário, para buscarem leis que garantam a legitimidade dos relacionamentos homoafetivos. Veja-se o exemplo do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, que lançou em 2004 o programa “Brasil Sem Homofobia”, com o objetivo de promover a cidadania dos GLBT15 e combater a violência contra eles (GOUVEIA, 2007, p. 34).

A pesquisa do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no vigente ano (2010) incluiu em uma de suas pautas do questionário a pergunta qual a relação de parentesco ou convivência com a pessoa responsável pelo domicílio? Tendo como uma das 20 opções de resposta cônjuge ou companheiro(a) do mesmo sexo. Isto já significa um avanço, na medida em que este tipo de relação já conquistou visibilidade social tanto para o movimento LGBT como para os milhões de homossexuais brasileiros. Significa um reconhecimento do Estado Brasileiro das uniões homoafetivas. Nesta direção Podemos compreender, assim, que a relevância do ativismo LGBT não reside apenas em sua resistência às formas de degradação, intolerância, perseguição e mesmo criminalização da homossexualidade, ou em seu esforço de tornar públicas e visíveis experiências minoritárias, silenciadas ou marginalizadas (o que não é pouco). Ela está, sobretudo, em sua potencialidade de desafiar os saberes convencionais e as estruturas de poder inscritos na sexualidade que alicerçam a vida institucional e cultural de nosso tempo (SIMÕES E FACCHINI, 2009, p. 35).

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Na época da escrita desta Tese de Doutoramento a sigla para indicar os não-heterossexuais e suas lutas era GLBT. Com a I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais em Junho de 2008 a sigla mudou para LGBT em consideração ao movimento de lésbicas no intuito de dar visibilidade a este movimento em particular.

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De fato, concordamos com estas considerações de Simões e Facchini. Nelas fica clara a importância da militância e da organização social dos diversos segmentos sociais para a conquista de direitos e garantias que possibilitem uma vida digna e justa, defendida nos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No caso de Organização Não Governamentais que trabalham com o público de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (e em geral são compostas por LGBTs) encontramos especificidades que não reconhecemos em ONGs de outras áreas de atuação. Neste sentido, vale ponderar os vários pontos, críticas, argumentos e análises que recaem sobre elas. As ONGs LGBTs emergem da política neoliberal vigente na redemocratização de nosso país, através das reformas implantadas pelo ex-Presidente da República FHC. Tal sistema desresponsabiliza o Estado, entregando tal responsabilidade à sociedade civil fundamentado numa falsa democracia, pois o que ele chama de participação, algumas pessoas veem como omissão. Deste modo, assim como outros movimentos populares foram se institucionalizando, o mesmo ocorreu aos grupos de militância LGBT, a exemplo do Grupo Gay da Bahia (GGB) e o Somos de SP. Os movimentos políticos e grupos surgem, no Brasil, na década de 70, em meio à ditadura militar e a pulsação do chamado moderno feminismo e Movimento negro. A tensão política que aqui se instalou nesse período fez emergir novas iniciativas populares que fortaleceram as lutas da esquerda e, nessa direção, o Movimento LGBT começa a se expressar. A década de 80 se mostraria um divisor de águas para o Movimento LGBT com a eclosão do vírus HIV/Aids. Tal epidemia se tornaria o principal desafio dos grupos organizados LGBT que, além de ter seus quadros e lideranças infectados, sofreram forte repulsa social em função da “Peste Gay”. No entanto, o que poderia ter sido o fim da militância política LGBT, foi o resurgimento de uma nova forma de atuar e lutar contra as injustiças sociais. A parceria realizada com o Estado para o combate à infecção do HIV/Aids fortaleceu o Movimento LGBT, através de financiamento de projetos e da criação da categoria social LGBT como foco de políticas públicas dos governos (federal, estadual e municipal). A partir dos anos 1990, podemos identificar a crescente aproximação dos grupos e associações homossexuais com o modelo ideal das organizações não-governamentais (ONGs), com a criação de estruturas formais de organização interna e preocupações com a elaboração de projetos de 32

trabalho em busca de financiamentos, bem como com a formação de quadros preparados para estabelecer relações com a mídia, parlamentares, técnicos de agências governamentais e associações internacionais. Esse novo formato sedimentou-se, em boa parte, por meio da experiência das ONGs-Aids, nas quais atuaram muitos militantes vindos do período anterior, bem como outros recrutados nesse momento. Grupos e associações ganham acesso a recursos e infraestrutura, mas a demanda pelos financiamentos governamentais e internacionais passou a produzir também um ambiente bastante competitivo, em que as disputas se exercitam não apenas nos fóruns da militância, mas nos grupos e listas de discussão da internet, cada vez mais numerosos (SIMÕES e FACCHINI, 2009, p. 61 e 62).

As tensões não se dão apenas no âmbito da competição por financiamento de seus projetos, mas vão além e chegam no campo da identidade. Os últimos anos têm mostrado que o Movimento LGBT têm se fragmentado a partir de identidades sexuais e de recortes sociais de outros gêneros como pais e mães LGBTs, judeus LGBTs, universitários LGBTs, etc. Existiam, em 2007, sete redes nacionais de organizações ativistas homossexuais no Brasil: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), fundada em 1995; Articulação Nacional de Travestis, Transexuais e Transgêneros (ANTRA), criada em 2000; Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), criada em 2003; Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL), criada em 2004; Coletivo Brasileiro de Bissexuais (CBB) e Rede Afro-LGBT, criadas em 2005 (SIMÕES e FACCHINI, 2009, p. 17 e 18).

Após a escrita deste livro, datado de 2009, houveram fundações de grupos nacionais como a ABRAGAY – Associação Brasileira de Gays, ARTGAY – Articulação Brasileira de Gays e até o fechamento deste artigo4 estava marcado para o dia 30 de Junho de 2012 a fundação da ABHT – Associação Brasileira de Homens Trans, demonstrando assim um novo momento do Movimento LGBT brasileiro. De todo modo, reconhecemos que tal Movimento é complexo, multifacetado, plural, rico, diverso e assim o são as ONGs LGBTs. Tais organizações desenvolvem ações diversas: atendimento individual com psicólogos, assistentes sociais e advogados, aos moldes de Centros de Referência, panfletagens conscientizadoras, palestras e cursos em escolas, faculdades, postos de saúde e várias instâncias e setores governamentais e não-governamentais. Organizam eventos, políticos ou culturais. Arrecadam alimentos para doação, participam ativamente de instrumentos públicos de controle social como Conselhos, Fóruns e monitoramentos diversos de políticas, além de deliberar nos espaços de decisão coletiva como Conferências ou Grupos

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de Trabalho. Manifestações de várias ordens como beijaços, Paradas do Orgulho LGBT, Miss Gay, marchas, etc. Outros desenvolvem ações de prevenção contra o vírus HIV/Aids ou encaminham pessoas infectadas para órgãos específicos. Denunciam discriminações por orientação sexual e identidade de gênero aos órgãos cabíveis. Acompanham casos de crimes contra LGBTs em localidade. Constroem ações em parceria com os governos locais e Instituições de Ensino Superior, como faculdades e universidades. Desenvolvem campanhas em diferentes suportes. Discutem questões do Movimento e das ONGs nas listas de e-mails e, mais atualmente, nas redes sociais com um alto contingente de pessoas cadastradas como o Facebook, o Twitter e o Orkut (FACCHINI, 2005). As reivindicações do movimento LGBT têm ganhado maior visibilidade atualmente, a ponto de suscitar projetos de lei em todos os níveis do Legislativo, assim como a formação de Frentes Parlamentares em âmbito nacional e estadual. Suas estratégias se diversificaram de modo a incorporar a demanda por direitos através do judiciário, o esforço pelo controle social da formulação e implementação de políticas públicas, a produção de conhecimento em âmbito acadêmico, a formação de igrejas para homossexuais, setoriais em partidos políticos e, não menos importante, a construção de alternativas de política lúdica, como as próprias paradas e a organização de saraus, festivais e mostras de arte, assim como a apropriação de manifestações já bem mais antigas na chamada “comunidade”, como concursos de Miss Gay ou Miss Trans (SIMÕES e FACCHINI, 2009, p. 18).

Nessa direção, nossos estudos apontam para a complexidade formada pelo conjunto de organismos que compõem o chamado Terceiro Setor, sobretudo com foco de atuação com a população LGBT. Ao mesmo tempo em que trabalham como parceiras do Estado, através de projetos financiados, apresentam tensões resultantes de insatisfações de várias ordens, inclusive identitárias. É sabido que as ONGs possuem um modelo empresarial de gerenciamento, o que tem forçado e exigido de militantes e ativistas formação e atuação baseados nos princípios de eficiência, eficácia e competitividade que entram em conflito com o caráter coletivo, informal, livre e aberto dos movimentos sociais populares, além da insegurança que surge nos momentos em que a necessidade de pressionar o Estado se faz presente. A busca por financiamento de projetos, num campo em que competem várias ONGs, também pode ser um fator que pode vir a resultar num significativo enfraquecimento do Movimento LGBT. Essas questões trazem à tona alguns dos desafios, entre tantos outros, que o Movimento Homossexual Brasileiro precisa enfrentar para fortalecer sua luta, garantir (e conquistar) direitos ainda negados. 34

4.2. Educação Escolar para a Diversidade Sexual A educação é um fenômeno presente desde que o ser humano existe. Seja nas instruções, no como fazer ou ser. Os Séculos se passaram e a educação mudou bastante em sua essência. Houve uma divisão social do saber, ou seja, ensino para ricos e ensino para pobres, respectivamente os que iam comandar e os que seriam comandados, sendo hoje utilizada principalmente como estratégia para formar mão-de-obra trabalhadora para as indústrias fortalecidas com a ascensão do modelo econômico capitalista. Ora, sendo assim os Movimentos Sociais não poderiam aceitar esse modelo controlador, tendencioso e opressor de educação. Uma de suas lutas é a educação diferenciada. Diferenciada em muitos sentidos, seja na metodologia, no currículo, nas relações e, claro, nas intenções políticas de formação. Que sujeito pretende-se formar? Um sujeito alienado e apolítico que não se afirma, não se emancipa e contribui para as desigualdades sociais ou um sujeito politizado, participante, protagonista de sua história e de sua comunidade, que exerce sua cidadania e luta por seus direitos? No caso dos movimentos sociais a segunda opção é uma das suas bandeiras de luta. Nesta direção, A história dos movimentos sociais e revolucionários demonstra que a educação e a cultura sempre foram um ponto central de seus programas e, como as lutas latino-americanas recentes têm propugnado, a educação é uma prática social crucial para o resgate classista dos trabalhadores (LEHER, 2007, p. 28).

Neste sentido, a escola formal que o Estado provê às pessoas é acusada e recusada pelos movimentos sociais como máquinas do governo que visam controlar e formar trabalhadores/as para o mercado consumista. Os movimentos sociais lutam por justiça social, neste caso a transformação social é uma urgência, uma necessidade. Sendo assim, lutam por uma educação útil e transformadora que contenha conceitos e conteúdos úteis à vida das pessoas subalternizadas, afinal, estes movimentos se preocupam em Construir cidadãos éticos, ativos, participantes, com responsabilidade diante do outro e preocupados com o universal e não com particularismos (...) retomar as utopias e priorizar a mobilização e a participação da comunidade educativa na construção de novas agendas. Essas agendas devem contemplar projetos emancipatórios que tenham como prioridade a mudança social, que qualifiquem seu sentido e significado, que pensem alternativas para um novo modelo econômico não excludente, que contemplem os valores de uma 35

sociedade em que o ser humano é centro das atenções e não o lucro, o mercado, o status político e social, o poder em suma. A educação não-formal é um campo valioso para construção daquelas agendas e para dar sentido e significado às próprias lutas no campo da educação, visando a transformação da realidade social (GOHN, 2007, p. 53, grifo nosso).

Em Pedagogia da Indignação, Paulo Freire diz acreditar na capacidade de reflexão do ser humano e de sua ação transformadora perante o domínio das estruturas econômicas, científica e tecnológicas. Para ele O fato mesmo de se ter ele mesmo tornado apto a reconhecer quão condicionado ou influenciado é pelas estruturas econômicas o fez também capaz de intervir na realidade condicionante. Quer dizer, sabe-se condicionado e não fatalistamente submetido a este ou àquele destino abre o caminho à sua intervenção no mundo (FREIRE, 2000, p. 27).

Esta colocação de Freire justifica a existência e a luta dos Movimentos Sociais ao responsabilizar o humano como interventor das injustiças sociais existentes. Deste modo, não cabe mais ao governo, a Deus ou qualquer segunda instância agir por ele, garantindo ao sujeito humano tomar as rédeas e seguir a trajetória que ele bem escolher: ser um sujeito oprimido ou ser liberto das dominações impostas pelos que estão no poder, e assim libertar o opressor também. Freire também vai justificar os movimentos sociais em Pedagogia do Oprimido quando afirma: “somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmo, superando, assim, sua “conivência” com o regime opressor” (FREIRE, 1994, p. 29). Neste pensamento, é perceptível a importância da organização social, segundo Freire, para poder lutar pelos seus interesses e contra as injustiças existentes no mundo. Uma ação individual não significaria muito, mas uma ação coletiva possui força suficiente para quebrar as amarras colocadas pelas forças dominantes e conservadoras que desejam permanecer e manter o sistema num status quo, sem modificações, sem justiça social. É importante observar as artimanhas utilizadas pelos sistemas dominantes para individualizar as pessoas, pois eles perceberam o poder que há numa ação coletiva e sua capacidade transformadora. Sendo assim, são cada vez mais freqüentes as ações individuais que não geram muito retorno e quando geram beneficiam somente ao pleiteador. Parafraseando o autor de Educação e Mudança “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1994, p. 29). Os movimentos sociais no contexto da luta e da resistência se apropriam de um fazer pedagógico necessário para suas demandas de transformação da situação conflitiva e consequentemente se apropriam e difundem conhecimentos e metodologias que ora se 36

aproximam, ora se distanciam das metodologias educacionais tradicionais, mostrando-se inovadoras. Nesta direção Lage (2010) aponta que Uma territorialidade subalterna e submissa forja no cotidiano da luta outra territorialidade, desta vez rebelde, construída nos espaço da luta, entre as estratégias e os processos de resistência, na medida em que o novo sujeito político se forma por meio da tensão entre democracia e exclusão social. Esta nova construção é político e também pedagógica, pois constrói não apenas o militante, mas também o ator coletivo e um conjunto de conhecimentos que estão a subsidiar as análises das experiências mais inovadoras no campo da educação, da sociologia e política. (...) Esta luta política tem levado os movimentos sociais também a se apropriarem do saber científico e a reinventarem metodologias sociais em campos historicamente afastados de qualquer possibilidade de acesso, como o da educação. Nesta direção os movimentos sociais têm priorizado para além de suas estratégias de ação mais visíveis - ocupações, marchas, greves - uma política da educação, na qual visa transformar e melhor qualificar suas organizações, considerando o fato de que, dentro de um movimento social, a educação tem efeito multiplicador (LAGE, 2010, p. 68 e 69)

Face a isto é que os movimentos sociais tem sido campo de estudos de pesquisadores da educação como ricos espaços pedagógicos e que podem, ainda, contribuir de maneira certeira nos espaços onde a pedagogia tradicional ainda é utilizada e perpetrada. Neste sentido, a autora indica de maneira indireta que o fenômeno educativo não prescinde de uma sala de aula com cadeiras enfileiradas e um quadro negro para se fazer e estar presente, mas que ela se encontra em todo e qualquer espaço onde haja promoção e difusão de conhecimento e de saberes. Ao mesmo tempo em que produz pedagogias, o Movimento LGBT denuncia violações diversas que partem da educação formal, nas escolas Brasil afora. Partindo para a educação escolar, sabemos que a violência faz parte das sociedades e como tal, encontra-se presente na educação brasileira. Recentemente, é notória a presença de atos violentos no espaço escolar e outras formas de violação dos Direitos Humanos. Trata-se de um problema que não acomete apenas o Brasil. Neste sentido, destacamos a opressão contra a população de mulheres e a pessoas com orientação sexual homossexual, bissexual e identidades de gênero travesti e transexual, frutos do machismo e da homofobia social fortemente enraizada em algumas culturas (BORRILO, 2010). Por muitos anos, o Estado, através dos governos e suas administrações, negligenciou o direito à mulheres, negros/as e LGBTs uma educação de qualidade, corroborando assim com a prática da violência misógina e homofóbica no chão da escola. Podemos considerar que a não-intervenção e omissão estatal sobre essa violência constituiu e constitui em si uma

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violência simbólica que silenciou e excluiu essa população da educação e, por conseguinte, da sociedade. Por isso, demandam-se mais pesquisas sobre homofobia nas escolas: Ao ser não apenas consentida, mas também ensinada, a homofobia adquire nítidos contornos institucionais, tornando indispensáveis pesquisas que nos permitam conhecer a fundo as dinâmicas de sua produção e reprodução nas escolas, bem como os seus efeitos nas trajetórias escolares e nas vidas de todas as pessoas. Somos também desafiados a construir indicadores sociais de homofobia nos sistemas escolares para, entre outras coisas, formularmos, implementarmos e executarmos políticas educacionais inclusivas (JUNQUEIRA, 2009, p. 16).

É válido observarmos que na nossa sociedade, hierárquica, individualista, consumista e forjada em relações de poder, a violência contra o/a outro/a está banalizada e com esta banalização muitas pessoas sofrem sob à égide da hegemonia social através das violências de gênero, sexualidade, raça, etnia, geração, religião, classe social e outros. Por tempos, pensou-se que a violência na escola praticada contra pessoas pertencentes a grupos sociais inferiorizados, marginalizados e excluídos partia de estudante sobre estudante. Hoje se sabe que o próprio Estado, através de seus servidores públicos (professores/as, gestores/as e outros/as agentes), regimentos, currículo, organização e outros elementos do sistema escolar foram (e continuam sendo) agentes de discriminação e subalternização da população lésbica, gay, bissexual, travesti e transexual e de mulheres (heterossexuais ou não), as quais, no último caso, sofrem com as relações estratificadas de gênero que determinam lugares, condutas, e comportamentos sociais. A escola delimita espaços. Servindo-se de símbolos e códigos, ela afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui. Informa o “lugar” dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas. Através de seus quadros, crucifixos, santas ou esculturas, aponta aqueles/as que deverão ser modelos e permite, também, que ossujeitos se reconheçam (ou não) nesses modelos. O prédio escolar informa a todos/as sua razão de existir. Suas marcas, seus símbolos e arranjos arquitetônicos “fazem sentido”, instituem múltiplos sentidos, constituem diferentes sujeitos (LOURO, 1997, p. 58).

Do mesmo modo, não há uma linearidade na prática dessa violência social, podendo partir de professor/a para professor/a, gestor/a para funcionários/as, estudante para professor/a e outras formas de relações na escola, resultado de uma forte hierarquização sexual construída historicamente nas sociedades (PRADO E MACHADO, 2008), sobretudo a nossa que fora colônia de um país fortemente cristão, com determinados valores sexuais 38

bastante enraizados na sua cultura. Louro vai além ao afirmar que a escola produz, a partir de modelos heteronormativos, uma Pedagogia da Sexualidade. Ao afirmarem que a escola é um dos locais onde a heteronormatividade pode ser “ensinada” os/as autores/as caminham na direção do que pensa e aponta Guacira Lopes Louro em Pedagogias da sexualidade (LOURO, 2000; 2010). Para esta autora a escola move muitos esforços para ter controle sobre os corpos e as identidades sociais que estão em processo de transformação ao colocar em circulação determinados discursos sobre o sexo e o corpo. Como ela denuncia a seguir, as pedagogias da sexualidade que a escola movimenta são muito intensas e ocupam grande importância em toda a estrutura subjetiva e objetiva das instituições de ensino: A escola é um espaço obstinado na (re) produção e atualização dos parâmetros da heteronormatividade, a qual está no cerne das concepções curriculares de uma escola empenhada em garantir o êxito dos processos de heterossexualização compulsória e de incorporação das normas de gênero (BUTLER apud JUNQUEIRA, 2010, p. 02).

Essa monocultura sexual gera uma série de implicações na dinâmica pedagógica como o “silêncio” acerca de determinados assuntos ou a “dessexualização” que objetiva desautorizar a escola em sequer tratar de certos temas. Essas, por sua vez trazem fortes consequências sociais e políticas. Quando a pressão pelo diálogo sobre sexualidade vem à tona, por exemplo, este é feito carregado de estigmas, preconceitos e deturpações que deseducam ao tratar de maneira hostil e excludente aqueles que não estão atrelados a corpos, gêneros e sexualidades “normais” (meninos efeminados ou meninas masculinizadas, gays, lésbicas, travestis, transexuais, interssexuais, etc.). Outras vezes, a orientação sexual sequer é discutida; no entanto, as referências heterossexistas, os discursos heteronormativos, a invisibilidade da diversidade sexual e outras práticas educativas apontam o padrão hegemônico ao qual homens e mulheres devem se adequar.

Neste sentido, a noção de “pedagogias da sexualidade” nos obriga a refletir sobre o próprio estatuto da sexualidade humana ao realizar o seu câmbio do plano da biologia para o da sociologia e da filosofia ao questionar-se: se a sexualidade heteronormativa é tida como construção “natural” por que há todo um controle e vigilância sobre os corpos, as práticas, as falas, os gestos? Essa resposta tem sido dada pelos estudos queer, que ao trazer o pensamento antihumanista e discursivo foucaultiano acerca da sexualidade (FOUCAULT, 1988) se arrisca 39

a dizer que as identidades sexuais só existem enquanto proposta discursiva, enquanto meio de disciplinamento das condutas sexuais. A

heterossexualidade

como

normalidade,

por

exemplo,

(e

mesmo

a

homossexualidade como seu polo de oposição, sua alteridade radical) só existe enquanto realidade virtual, objetivada. É um modelo ideal, mas para fins de controle político; isso não significa que exista uma essência ou natureza sexualmente estável no nível da heterossexualidade ou da homossexualidade. Neste direção, compreendendo a educação como fenômeno repressor, formativo e emancipador é que consideramos a escola como importante lócus de conscientização da população para o reconhecimento da diversidade sexual e das relações gênero. O debate das relações de gênero está, inclusive, garantida nos Parâmetros Curriculares Nacionais que indicam a inserção dessa discussão como tema transversal nas diferentes disciplinas curriculares, embora ainda insuficientes para dar conta de modo mais efetivo das demandas no campo do gênero, da sexualidade e educação. 4.3. Conferências de Políticas Públicas As conferências de políticas públicas são espaços coletivos, de participação e deliberação de propostas e reivindicações de segmentos e temas diversos. Nelas, a política pública apontada conquista força popular para ser implementada e, consequentemente, mais legitimidade. Com efeito, é mais provável que ações públicas surtam resultados mais positivos se avaliadas e aprovadas pelo crivo popular. Temos observado, no Brasil contemporâneo, um conjunto crescente de conferências temáticas se multiplicarem país afora, em localidades remotas e com difícil acesso. Isso tem provocado municípios, como Caruaru, por exemplo, a discutirem temas nunca antes promovidos naquele território. Um breve exemplo: em Agosto de 2013, foi realizada a I Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Étnico-Racial de Caruaru (estado de Pernambuco), um tema pouco debatido na localidade, mas com efeitos intensos nas vidas das pessoas, haja vista a desigualdade que perpassa as relações raciais no Brasil. O processo de construção de uma conferência mobiliza esforços e promove protagonismo de diversos atores/atrizes sociais, unidos/as na busca por bens comuns e coletivos. Seu início se dá, através de convocação de instâncias nacionais como o governo federal ou Conselhos. Faria, Silva e Lins apresentam brevemente o que são conferências de políticas públicas 40

As conferências de políticas públicas são definidas oficialmente como espaços institucionais de participação e deliberação acerca das diretrizes gerais de uma determinada política pública podendo assumir caráter consultivo ou deliberativo (República Federativa do Brasil, SG-PR/SNAS). Podem ser convocadas por lei, decreto, portaria ministerial ou interministerial ou ainda por resolução do respectivo Conselho. Ao regulamentá-las, os órgãos responsáveis pela convocação e realização das Conferências detalham os temas e os objetivos e estabelecem as comissões organizadoras, os cronogramas e os regulamentos para implantação das reuniões municipais, estaduais e/ou regionais e nacionais, bem como para as eleições de delegados. Neste sentido, as conferências constituem espaços de participação e de deliberação que requerem esforços diferenciados, tanto de mobilização social, quanto de construção da representação social e do diálogo em torno da definição de uma determinada política pública (2012, p. 249 e 250).

De fato, as conferências são espaços eminentemente participativos, que envolvem um conjunto de agentes públicos e da sociedade civil, possibilitando interações profícuas em torno de temas diversos. Entretanto, tratam-se de eventos institucionais permeados por contradições e ambivalências que lhe são característicos. Gostaria de abordá-las, nessa categoria. A convocação desses eventos, em geral, ocorre por meio de ato normativo instituído pelo governo federal ou pelo Conselho Nacional de algum tema, área ou segmento específico. A contradição está na aparente supremacia do Estado, dotado de poder para convocar determinada conferência. Em sociedades plenamente democráticas, a sociedade civil e os movimentos sociais é que deveriam convocar suas conferências e demandar do Estado, a garantia de suas realizações. Provavelmente resultaria numa relação mais horizontal entre governos e movimentos. Depois de convocada, uma conferência temática deve ocorrer em todos os entes federados (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). Se por um lado, isso provoca todo o território brasileiro a discutir demandas diversas, por outro não é garantido que determinado ente federado realize a sua conferência. Isso pode ser explicado por vários fatores. Tomando como exemplo o caso da Conferência LGBT. Não é todo o município ou estado comprometido com os direitos e o desenvolvimento de políticas públicas para essa população, além de ser um segmento socialmente vulnerável, carregado de estimas e marginalizações. Em cidades de pequeno porte, em que há forte presença da centralidade política ou influência de religiões cristãs, torna-se um desafio contumaz participar de uma

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Conferência desse segmento. Para além da população LGBT, se o/a chefe do Executivo não valoriza a participação popular, também será dificultada a organização de conferências. Outro desafio é a composição da comissão organizadora das conferências. As orientações, em geral, determinam que sejam formadas por um sistema de paridade entre governo e sociedade civil. Algumas exigem paridade de gênero. Contudo, as formas de composição dessas Comissões, em determinados casos, ainda perpassam pela indicação do Poder Público nas vagas destinadas à sociedade civil, seja pela incapacidade de o Estado chegar a todas as pessoas interessadas, seja pelo temor de que militantes e movimentos ocupem tais espaços estratégicos. Depois de composta a Comissão Organizadora e a distribuição de funções, a busca por financiamento e recursos para a construção da conferência pode ser um grande determinante na qualidade da conferência. Políticas estruturadas como saúde, educação, assistência social e outras, recebem repasse de verbas federais que viabilizam sua organização. Todavia, temas recentes como juventude, LGBT, Mulher e outras dependem de esforços locais para aquisição de recursos. A metodologia das conferências é outro ponto crucial para seu bom ou mau desenvolvimento. Metodologias populares, forjadas nas comunidades e movimentos sociais possuem prioridade de execução nas conferências. Esse tipo de forma, contribui para a construção de projetos coletivos de interação e solidariedade. Mas nem todo gestor ou gestora adere a esse formato, impedindo, por vezes, o funcionamento a contento das conferências que devem ser, a priori, espaços democráticos, horizontalizados e dialógicos, conforme os fóruns populares (GADOTTI, 2009). Na perspectiva de Gadotti, apresentada na obra “Fórum Mundial de Educação: Pro-posições para um outro mundo possível”, os fóruns (...) Se constituem em movimentos globais orientados por uma forma nova de fazer política. Um Fórum é um espaço auto-organizado em rede, estruturado horizontalmente, permitindo o encontro, o diálogo, autonomamente organizado, onde partidos, governos, e empresas não são o centro do cenário, mas são convidados a participar, associando-se a uma causa comum. Nos Fóruns, manifesta-se a pluralidade de vozes e de olhares. A multiplicidade de atividades de que são constituídos os fóruns pode dar a impressão de fragmentação do movimento. Ao contrário, podemos ler essa quantidade de manifestações como a riqueza do movimento que não nos divide, mas nos une numa polifonia, vozes harmonizadas em torno de uma causa comum (GADOTTI, 2009, p. 21 e 22).

A perspectiva apontada por Gadotti converge com a proposta de muitas das 42

conferências de políticas públicas, mas não em todas elas. É importante que ressalte-se isso. Os interesses de pessoas que concentram poderes, governos e partidos, por vezes, influencia no desenvolvimento de uma conferência, deturpando seu sentido. Um momento especial das conferências é quando levantam-se as necessidades e reivindicações da população. Elas podem ser destacadas através de Grupos de Trabalho que discutem subtemas específicos ou por meio de uma plenária ou assembleia geral, com todos/as presentes incluindo, corrigindo ou suprimindo tais deliberações. Um rico momento de articulação, negociação, diálogo e votação democráticas. Pode ser feito um levantamento de necessidades ou estabelecimento de prioridades, quando há escassez de recursos públicos para atingir todas as políticas. A maioria das conferências optam pelo princípio da democracia participativa onde todos/as possam se inscrever, com direito a voz e voto. Outras conferências reproduzem o modelo representativo, priorizando o voto de presidentes, coordenadores ou lideranças de organizações, garantindo apenas o direito a voz a ouvintes (pessoas da base de movimentos e organizações). Há ainda conferências mistas, que lidam com os dois modelos (FARIA, SILVA e LINS, 2012). Ao final das conferências, nas etapas que precedem a etapa nacional (municipais, regionais, estaduais ou distritais), é comum o estabelecimento de uma votação para que um corpo de representantes participe da etapa subsequente. Também é um momento rico de democracia, onde cada pessoa tem o direito a votar e ser votada. Aqui há a produção de um efeito interessante, sobretudo na sociedade brasileira, em que a maioria das pessoas não consegue disputar eleições para funções e cargos eletivos, frente ao fato de que é necessário um alto aporte econômico para ter condições razoáveis de êxito. Um outro benefício advindo dessa eleição está na garantia regimental, em muitas das conferências de vagas destinadas a segmentos vulneráveis que historicamente estiveram à margem no que diz respeito à ocupação de espaços decisórios: paridade de gênero (igualdade de vagas entre homens e mulheres), prioridade para pessoas com deficiências, negros/as, LGBTs, jovens e outros ser citados. Entretanto, se por um lado, as conferências promovem disputas saudáveis de projetos e de representação, por outro, se não forem transparentes e organizadas, essas disputas podem gerar desgastes e rupturas que frustram a participação dos sujeitos nelas. Por fim, como etapa final do processo de construção das conferências, encontramos a execução das propostas colocadas nas deliberações. Seu cumprimento (ou não) é fundamental para resultar em êxito e credibilidade de espaços participativos como as 43

conferências. Se não forem minimamente atendidas ou respondidas (sobre o porquê de não terem sido implementadas), estes espaços podem cair em descrédito ou em esvaziamentos. Todos esses e outros elementos compõem o que hoje chamamos de conferências de políticas públicas. Certamente, ricos espaços de exercício da cidadania, da política e de pesquisas acadêmicas. Sem dúvidas, sua operacionalização requer aperfeiçoamentos. Recentes como são, torna-se compreensível as lacunas, falhas e imperfeições oriundas destas atividades. Ainda assim, é interessante visualizar, no horizonte do exercício da política, que as conferências se constituem em mais um espaço de participação social, aliado a outros tantos instrumentos possíveis em que é possível atuarmos. Fóruns, Organizações Não Governamentais, Partidos, Conselhos Gestores, Orçamentos Participativos, Movimentos Sociais, Gabinetes Digitais, Ouvidorias, Sindicatos e grupos diversos. Todas essas instâncias, resguardadas as especificidades, são profícuos lócus de exercício da cidadania e de promoção de ideais alternativos à lógicas dominantes. Por fim, gostaríamos de destacar que mais importante que as obras e ações desenvolvidas frutos desses espaços participativos, está a construção social, as novas redes formadas, a organização social fomentada e possibilidades infinitas de interação e articulação que sustentam projetos coletivos solidários e fortalecidos. (...) Entre outras, eles tem um papel organizativo: conhecer-nos melhor, aprender juntos, nos fortalecer; um papel político-reflexivo: descobrir o sentido histórico das nossas experiências e um papel prospectivo, utópico: realimentar a esperança, a amorosidade e ganhar lucidez e força para a luta (GADOTTI, 2009, p. 22).

5. O CASO DA II CONFERÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS LGBT DE PERNAMBUCO

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A II Conferência de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do estado de Pernambuco (CPPDHLGBT-PE) aconteceu no mês de Novembro de 2011, num hotel do litoral Pernambuco (Ilha de Itamaracá), e reuniu diversos sujeitos que pautam em suas cotidianidades a questão LGBT, sob diversas formas, organizados/as ou não. Também participaram agentes públicos, representantes de organismos federais, estaduais e municipais, além de Conselheiros e Conselheiras LGBT. Esse conjunto plural de sujeitos presentes na atividade representa avanços significativos na luta por direitos, dignidade e cidadania da população LGBT ratificando a responsabilidade do Estado para com a promoção da qualidade de vida de LGBTs e com o combate à discriminação. Esta II CPPDHLGBT-PE pode ser destacada pela presença do número de ativistas e demais representantes de segmentos sociais, em comparação com a primeira edição, sinalizando que há novas ordens no tocante à complexidade da política de diversidade sexual e direitos humanos no Brasil e em Pernambuco.

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A política é construída a partir de paradoxos (Scott, 2005), ela é a negociação do impossível. Reconhecer e manter uma tensão necessária entre perspectivas universalistas e particularistas contribui para ampliar e radicalizar a democracia. A inserção de uma política de direitos LGBT numa política de direitos humanos é estratégica como via de politização do debate (CARMONA; PRADO, 2009, p. 9)

De fato, a política é composta de paradoxos e a ampliação da democracia brasileira tem possibilitado a insurgência de novos espaços participativos e instrumentos de participação como as conferências. Sua construção se dá muito antes, através de um processo que envolve os entes federados (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). No primeiro semestre de 2011, a Presidenta da República Dilma Roussef, e a Ministra-Chefe de Direitos Humanos do Brasil Maria do Rosário convocam a II Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNLGBT) sob o tema “Por um país livre da pobreza e da discriminação: promovendo a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”. A convocação dessa II CNLGBT acontece num contexto de intensa disputa ideológica entre o Movimento LGBT e a bancada conservadora do Congresso Nacional, envolvendo as ações desenvolvidas no Poder Executivo e, portanto, significou muito para a população LGBT tal convocação. Esse desdobramento provoca os estados e municípios a convocarem e realizarem as suas conferências LGBT, algo que nem sempre é atendido pelos/as chefes do Executivo estaduais e municipais. É importante analisar as fragilidades presentes no complexo desenvolvimento de uma Conferência Nacional. Ela é construída por muitas mãos e exige empreendimentos coletivos, rompendo com os interesses individuais. A não-realização de uma Conferência LGBT nas localidades reflete a conjuntura construída nesses espaços, o nível de organização do Movimento LGBT, a orientação ideológica e o estabelecimento de prioridades nos diversos governos. A participação está para além de um projeto político personalizado ou partidário e apresenta dimensões pedagógicas. A participação tem valor em si mesma, por isso não é um instrumento tal de um projeto político. Podemos dizer que a participação tem duas dimensões fundamentais interligadas e que interagem permanentemente: a dimensão política e a pedagógica. Participação, antes de mais nada, é partilha de poder e reconhecimento do direito a interferir de maneira permanente nas decisões políticos (dimensão política). É também a 46

maneira pela qual as aspirações e as necessidades dos diferentes segmentos da população podem ser expressadas no espaço público de forma democrática, estando associada ao modo como estes grupos se percebem como cidadãos e cidadãs (MORONI, 2005, p.288).

Essa descentralização do poder rompe paradigmas políticos que beneficiam minorias com privilégios históricos. Por isso, é possível perceber resistências e dificuldades na realização de uma conferência e quando se trata de uma população estigmatizada, outros elementos entram em disputas. Trazendo pra realidade pernambucana, encontramos um cenário complexo e multifacetado, em que temos de um lado prefeituras engajadas socialmente com a discussão das necessidades cidadãs LGBT, e do outro prefeitos e prefeitas conservadores, leigos ou desinteressados na temática. Ainda percebemos contextos em que a população LGBT está desarticulada politicamente ou consideravelmente organizada, a depender do município de que se trata. Ao nível da política pública LGBT estadual, também dispomos de uma realidade complexa, em que algumas Secretarias se colocam favoráveis à questão e desenvolvem ações e iniciativas na área, enquanto outros órgãos que se apresentam omissos. Em nível concreto, desde o ano de 2009 o estado de Pernambuco disponibiliza uma Assessoria Especial de Diversidade Sexual, de caráter articulador e transversal, que apresenta dificuldades de atuação, seja pela ausência de recursos materiais e humanos, seja pela força política e interventiva de que dispõe. O Governo do Estado também disponibilizou recentemente um Centro Estadual de Combate à Homofobia, com vistas à atender vítimas e familiares de violência homofóbica no estado de Pernambuco. O paradoxo está em disponibilizar o serviço com dificuldades básicas de prestação do serviço. Este Centro localiza-se na capital pernambucana, o que impede uma atuação mais intensiva nos municípios do interior, sobretudo, os mais distantes. Além disso, o serviço dispõe de uma equipe pequena se observarmos a demanda histórica de violências cometidas em nosso estado. Além da Assessoria e do Centro de Combate à Homofobia, temos em Pernambuco alguns Centros de Referência em Direitos Humanos com atendimento a nível regional e a populações diversas como idosos, crianças, negros/as, pessoas com deficiências e LGBTs. Consideramos necessário apresentar a conjuntura das políticas públicas LGBT em Pernambuco para termos mais subsídios de análise do contexto estadual. Ao mesmo tempo 47

em que dispomos de serviços pulverizados, experimentais, frágeis e até precários, visualizamos iniciativas significativas, que não existiam até então e que podem resultar em políticas de Estado (e não de governo), mais fortalecidas com o transcorrer do tempo e com o nível de pressão exercida pelo Movimento LGBT. Essa II CPPDHLGBT-PE foi precedida por conferências municipais, realizadas em alguns municípios (em geral mais próximos dos centros urbanos com maior contingente e da Região Metropolitana do Recife, demonstrando as carências presentes nos interiores) e conferências regionais para suprir a ausência daquelas conferências municipais. A CPPDHLGBT-PE foi organizada através de uma programação que contemplou a discussão de demandas populares do segmento LGBT em áreas diversas (saúde, educação, segurança, cultura, entre outros) revelando a concepção cartesiana e fragmentada de política presente no Estado brasileiro e resultou num documento público com todas aquelas propostas de ação pública levantadas.

6. ANÁLISE

DO

CASO: PRODUÇÕES

DA

II CONFERÊNCIA

DE

POLÍTICAS PÚBLICAS

E

DIREITOS HUMANOS LGBT DE PERNAMBUCO 6.1. Análise do Caderno de Resoluções Conforme apresentado no capítulo anterior, em 2012 foi publicado pelo governo do estado, através da Assessoria Especial de Diversidade Sexual, um documento contendo informações relativas à construção feita na II CPPDHLGBT-PE. Nele encontramos o conjunto de Secretarias Estaduais envolvidas na realização do evento, a comissão organizadora (uma composição de atores e atrizes do Movimento LGBT e do Poder Público), as propostas aprovadas nos Grupos de Trabalho Temáticos (Educação, Saúde, entre outros) e na Plenária Final, além do corpo de delegados e delegadas eleitos/as para representar a bancada pernambucana na Conferência Nacional, em Brasília. Em nossa análise documental (BARDIN, 2001) verificamos elementos que falam para além das informações dispostas naquele documento fruto de uma construção complexa e coletiva. Em nossa análise realizamos recortes sistematizados, com o intuito de organizar a análise em categorias distintas acerca do documento. São elas: natureza do documento, organização do documento, planejamento do documento, monitoramento e avaliação do documento. 48

6.1.1 Natureza do documento Um dos aspectos que nos intrigou na análise documental foi descobrir o que significa esse documento para a efetivação das políticas públicas LGBT. Que força política ele detém? Que impacto no governo estadual ele estabelece? Quais influências exerce? São questões complexas que precisariam de um estudo mais aprofundado sobre o impacto das Conferências Estaduais em Pernambuco e como influenciam nas decisões governamentais. Um elemento que nos chamou a atenção é a ausência de uma definição clara para esse documento. Sua capa traz uma arte (uma flor colorida) que alude às cores do arco-íris, uma estética agradável, mas não indica do que se trata o material. Trata-se de um Plano Estadual? Planejamento? Anais? Conjunto de propostas apontadas ou metas a serem atendidas pelo governo estadual? Houve algum tratamento, ajuste, organização, estabelecimento de prioridades em suas disposições desde a Conferência até a publicação dele? Vemos apenas a marca oficial do evento e nada mais. Essa ausência de definição pode ser interpretada como um indício da fragilidade da política pública para cidadãos e cidadãs LGBT em Pernambuco. Ainda mais, sinaliza o nível de prioridade pública do governo estadual sobre a matéria LGBT. Ainda assim, pode-se argumentar que a política LGBT no Brasil como um todo é frágil. Abaixo, segue imagem da capa desse documento:

6.1.2 Organização do Documento 49

Referente à estrutura e organização do documento, constatamos uma disposição clara, simples e objetiva. Sua organização compreende cinco categorias principais: Comissão Organizadora, Apresentação, Resoluções, Delegados/as eleitos/as e Anexos, dispostos ao longo de vinte e seis páginas. No trecho com a apresentação da Comissão Organizadora, contabilizamos 10 integrantes do Governo Estadual e 13 do Movimento LGBT e suas diversas organizações. Notamos contradições que versam sobre a presença em sua maioria de membros da sociedade civil organizadas, contudo quase todos e todas da Região Metropolitana do Recife, demonstrando a dificuldade que o governo do estado de Pernambuco encontra em interiorizar a participação social e a escuta das organizações LGBT. Na segunda categoria do documento lemos uma breve apresentação. Trata-se de um texto de uma página inteira informando sobre a inclinação que o governo de Pernambuco tem para o desenvolvimento de políticas públicas LGBT. São mencionadas a realização da I Conferência Estadual GLBT (2008), a criação da Assessoria Especial de Diversidade Sexual (2009) e a própria II CPPDHLGBT-PE, esta última com mais ênfase, apontando os objetivos propostos no evento em questão. Há ainda um agradecimento a três conjuntos organizados do Movimento LGBT de Pernambuco pela parceria. Na terceira parte, encontramos o coração do documento: as resoluções organizadas por setores bem delimitados. São eles: Educação; Cultura; Lazer, Esporte e Turismo; Trabalho; Legislação; Saúde; Segurança; Direitos Humanos. Nos debruçaremos sobre as resoluções no tópico a seguir. Na quarta e penúltima categoria temos acesso aos delegados e às delegadas eleitas nesta II CPPDHLGBT-PE. No tocante à sociedade civil, contabilizamos 15 integrantes do Movimento LGBT, sendo 8 do gênero feminino (lésbicas, mulheres bissexuais, travestis e transexuais) e 7 do gênero masculino (gays, homens bissexuais e homens transexuais). Notamos a presença dominante de pessoas da Região Metropolitana do Recife e algumas, em menos quantidade, da Zona da Mata, Agreste e Sertão pernambucanos. Em relação à representação do Poder Público, aparecem 8 integrantes, sendo 7 de Prefeituras Municipais e 1 do Governo Estadual e 5 do gênero masculino e 3 do feminino. Similar ao grupo da sociedade civil, a Região Metropolitana do Recife detém a maioria das vagas. Nos anexos do documento, estão dispostos decretos do Chefe do Executivo Estadual. Um convocando a II CPPDHLGBT-PE e outro criando Comissão Especial, composta por 10 Secretarias Estaduais e 6 membros da sociedade civil, para acompanhar a

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implementação das resoluções levantadas nesse caderno de resoluções, além de registros fotográficos do evento e sua programação.

6.1.3 Planejamento do Documento Outro ponto de análise desenvolvido nesse caderno de resoluções foi procurar responder que informações ele traz sobre a execução das políticas e ações elencadas na II CPPDHLGBT-PE. A princípio ele é escasso de informações básicas como, por exemplo, omitindo a definição dos órgãos executores de cada proposta. Em geral, nos parece haver um entendimento de que as proposições colocadas no GT Saúde seriam de responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde, entretanto, não é tão simples assim e a política pode parar em interpretações subjetivas de cada gestor ou gestora a frente das diferentes pastas. Há propostas que muito provavelmente não conseguirão ser executadas se não houver a presença de mais de um organismo público ou até todo o conjunto governamental. Outra ausência que percebemos é o não-estabelecimento de prazos concretos de execução. Não há informações sobre a previsibilidade dessas ações acontecerem ou quaisquer menção de que serão efetivadas. Também não se estabelece de onde virão os recursos financeiros para a realização das ações previstas no documento. Esses elementos são preciosos para o exercício do controle social, que termina por ser dificultado com tal fragilidade. Além disso, indica que não há um comprometimento de todo o conjunto da gestão com a política LGBT, ficando apenas uma Secretaria (a de Assessoria) responsável por articular as ações nas demais Secretarias. Abaixo reproduzimos um trecho das resoluções: Direitos Humanos 1. Propostas Estaduais: a) Criação e implantação, em instância governamental de 01 Secretaria LGBT autônoma, formada por equipe multidisciplinar, com orçamento próprio, que construa e consolide políticas públicas visando a defesa e promoção da cidadania LGBT; b) Garantir ações afirmativas antidiscriminatórias visando o fortalecimento da cidadania de idoso/as LGBT; c) Contemplar nos boletins de registros de ocorrências e formulários de atendimento em órgãos públicos a identificação de orientação sexual e identidade de gênero, para fins estatísticos e de formulação de políticas públicas e estratégias de ações de atendimento; 51

d) Criar instrumentos para notificação dos índices de violência contra LGBT; e) Garantir ações afirmativas relativas à identidade de gênero e orientação sexual, bem como enfrentamento da Homofobia, Lesbofobia, Bifobia e Transfobia, através de campanhas publicitárias educativas na mídia (televisão, rádio, jornal, revistas, outdoors, etc.). 2. Propostas Nacionais: a) Criminalizar a homofobia com base no Projeto de Lei Complementar n° 122/06; b) Implementar no curso de formação da polícia federal, militar, civil, corpo de bombeiros e agentes penitenciários disciplina que trate de identidade de gênero e do Direitos à livre orientação sexual, racismo e laicidade (PERNAMBUCO, 2012, p. 18).

6.1.4 Monitoramento e Avaliação do Documento O caderno não informa claramente como será desenvolvida o acompanhamento, monitoramento e avaliação das políticas previstas nas resoluções e nem os recursos para isto. Há apenas, nos anexos, a publicação de um Decreto criando uma comissão especial compostas por 16 membros, sendo 10 representantes de Secretarias Estaduais diversas e 6 pessoas da sociedade civil indicadas por entidades LGBT legalmente constituídas, com duração de 180 dias podendo ser prorrogada. Nessa direção, não temos informações de como foram feitas as indicações pelo Movimento LGBT, da participação das Secretarias, da metodologia de trabalho, do local e horário dos encontros, das resistências e dificuldades encontradas ou avanços e conquistas obtidos. É válido ressaltar que o papel de fiscalização das políticas públicas em sociedades democráticas é exercido por Conselhos setoriais de políticas públicas. Neste caso, seria um Conselho Estadual LGBT o responsável por desempenhar esse trabalho, mas o documento não sinaliza essa concepção ou indica sua futura criação.

6.2 Análise das Reivindicações Educativas: Ausências e Emergências No tópico referente à educação, encontramos um conjunto rico de ações e políticas emergentes. Esse conjunto possibilita a visualização de emergências educativas para a superação da homofobia em suas múltiplas manifestações e as ausências no campo do direito à educação pública e de boa qualidade. 52

Essas ausências são discutidas com mais profundidade em diversos estudos que investigam as relações escolares, cotidiano escolar e homofobia, bem como os discursos dominantes na Educação e nos processos pedagógicos, além de recortes investigativos nas escassas políticas educacionais e seus desdobramentos (JUNQUEIRA, 2009). Referente às resoluções publicadas no tópico sobre educação, enumeramos 8 propostas, metas ou orientações, de acordo com a compreensão do governo do estado sobre esse documento. São elas: Educação 1. Propostas Estaduais: a) Garantir assento no Conselho Estadual de Educação para o Movimento LGBT organizado; b) Realizar no Dia da Família, entre outras atividades no âmbito escolar, debates e campanhas educativas consolidando os Direitos Humanos LGBT e enfrentando a Homofobia, Lesbofobia, Bifobia e Transfobia, garantindo a transversalidade de raça e gênero; c) Criar um programa com atividades de orientação sexual e respeiro às questões LGBT e afro-descendentes dentro das Casas de Juventude; d) Garantir no programa de formação continuada de todos/as profissionais de educação a temática sobre Diversidade sexual, identidade de gênero e étnico racial, com ênfase no combate à Homofobia, Lesbofobia, Bifobia e Transfobia. Desta forma, fazendose necessários materiais didáticos específicos a partir da educação infantil; e) Premiar, através de editais, as Escolas e os/as estudantes da rede pública por produções literárias e demais expressões culturais pelo fim da Homofobia, Lesbofobia, Bifobia e Transfobia e pela consolidação do Estado Laico, garantindo a transversalidade de gênero e raça; f) Cumprir a execução de medidas legislativas, administrativas e organizacionais necessárias ao acesso e a permanência em todos os níveis e modalidades de ensino, sem discriminação por orientação sexual e/ou identidade de gênero e étnico racial; g) Realizar curso de especialização gratuito para profissionais de educação sobre Diversidade sexual, identidade de gênero e etnia/raça em parceria com as Universidades, a exemplo do GDE – Gênero e Diversidade nas Escolas; h) Financiar, apoiar, incentivar e divulgar os estudos e pesquisas acadêmicas no âmbito da educação sobre as multiplicidades e questões correlatas à orientação sexual, identidade de gênero e etnia/raça (PERNAMBUCO, 2012, p. 11 e 12).

A orientação “a)” traz um aspecto muito interessante de um tema bastante discutido na atualidade: o desejo de ampliação da participação social e do diálogo entre governo e sociedade civil. Também denota uma das estratégias políticas do Movimento

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LGBT que versa sobre a ocupação dos espaços políticos e influenciadores na elaboração das políticas públicas. Na perspectiva da participação, Gohn diz que, Os conselhos gestores são importantes porque são frutos de lutas e demandas populares e de pressões da sociedade civil pela redemocratização do país. Por terem sido promulgados no contexto de uma avalanche de reformas do Estado, de caráter neoliberal, vários analistas e militantes de movimentos sociais desacreditaram os conselhos enquanto possibilidades de participação real, ativa, esquecendo-se de que eles foram reivindicados e propostos pelos movimentos em passado recente. As novas estruturas inserem-se na esfera pública e, por força de lei, integram-se aos órgãos públicos vinculados ao Poder Executivo, voltados para políticas públicas específicas, responsáveis pela assessoria e suporte ao funcionamento das áreas onde atuam. Eles são compostos, portanto, por representantes do poder público e da sociedade civil organizada (GOHN, 2011, p. 88 e 89).

Garantir um assento LGBT no Conselho Estadual de Educação significa garantir que a pauta da diversidade sexual será uma constante nas discussões desse instrumento e pode resultar em ações mais enérgicas no campo da educação. Sobre a orientação “b)”, ela trata de um tema também contemporâneo, superado em algumas instâncias sociais (como boa parte do Judiciário, por exemplo) e combatido ou resistido em outros (boa parte do Legislativo brasileiro), a discussão sobre família e os novos arranjos familiares presentes contexto do final do Século XX e Século XXI. Segundo constatação de Melo, Grossi e Uziel, jovens e crianças filhos e filhas de casais gays e lésbicas, Constituem um conjunto crescente de alunos e alunas das escolas brasileiras, até o momento praticamente ignorados, já que a vivência pública da maternidade e paternidade por gays e lésbicas ainda é uma realidade recente no Brasil. Na escola, essas famílias são geralmente invisíveis, com pais e mães muitas vezes orientando seus filhos e filhas a omitirem de seus colegas, professores, funcionários e diretores a composição não-convencional de sua família, especialmente nos casos em que as crianças convivem com um casal de indivíduos do mesmo sexo, por receio de que sejam vítimas de preconceito, de discriminação, e de violência. Poucas são também as iniciativas, nas escolas voltadas a escutar e a respeitar estas diferenças na organização familiar de seus estudantes, mesmo nos casos em que é visível o compartilhamento da guarda das crianças por casais não-heterossexuais (MELLO; GROSSI; UZIEL, 2009, p. 161).

A relação estabelecida entre família e escola é tida como a de colaboração, cooperação, acompanhamento e mutualismo. Entretanto, a escola reproduz em seus 54

discursos e atividades, modelos padronizados e hegemônicos de família, pautada na relação heterossexual, o que resulta em invisibilidades, não-reconhecimento e angústias naqueles/as que não se encaixam nos modelos dominantes de família. A realização do Dia da Família seria mais que uma comemoração, uma forma pedagógica de horizontalizar e reconhecer a diversidade familiar vigente no Brasil da atualidade. A proposta “c)” aponta algumas preocupações presentes no Movimento LGBT. O modo como nossa juventude é oprimida e bombardeada por modelos heteronormativos, acentuando-lhes a angústia característica dessa faixa etária. Como uma etapa rica de construção de identidades e identificações, a homossexualidade ou a descoberta dela é fator de sofrimento e inferiorização. Os discursos presentes nos círculos sociais dos/as jovens tendem a subestimar LGBTs e a supervalorizar as identidades heterossexuais. Essa proposta é construída com o objetivo de possibilitar à juventude outros discursos, mais plurais e esclarecedores sobre diversidade sexual ou o livre direito à orientação sexual. Ainda visualizamos na proposta resistências relativas ao racismo, ainda forte na sociedade brasileira. Políticas educacionais sobre formação continuada e elaboração de material didático-pedagógico específico sobre diversidade sexual são bandeiras de luta antigas do Movimento LGBT e como tal, ele aparece como proposta de ação na orientação “d)”. O corpo docente das escolas não só reproduzem homofobia, como também são vítimas (sobretudo se for LGBT) dos discursos heteronormativos enraizados nas escolas. A formação continuada e os materiais pedagógicos subsidiariam suas atividades e mais que isso, desestabilizariam subjetividades marcadas pelo temor, pelo despreparo e preocupação em tratar o tema em sala de aula. Geralmente as discussões sobre sexualidades nesse contexto são marcadas pelos preconceitos e limitadas pelo debate da reprodução humana, da descrição da anatomia dos corpos e assim por diante. Ainda é frequente esse debate, e os/as educadores/as, mesmo participando de cursos de aperfeiçoamento, não se sentem confortáveis para alargá-lo. Muitas vezes ao levantar o debate sobre os direitos humanos da população LGBT ou simplesmente analisar questões da diversidade sexual, o/a educador/a terá que se haver com suas próprias questões (TORRES, 2010, p. 52).

De fato, a formação inicial e continuada de professores e professoras na seara da diversidade sexual, gênero e direitos humanos ainda é um desafio contemporâneo no Brasil. 55

Prêmios são utilizados em geral para reconhecer produções e iniciativas pioneiras ou que se destacam. A premiação de atividades culturais nas escolas que visem problematizar a homofobia é mais uma reivindicação do Movimento LGBT com vistas a fomentar atividades desse gênero e a encorajar trabalhos nessa direção. Essa reivindicação está alocada na orientação “e)”. Atualmente, temos no Brasil o prêmio nacional “Igualdade de Gênero” promovido pelo Governo Federal (MEC, CNPQ, MCTI e SPM) em parceria com a ONU mulheres. Em Pernambuco, dispomos do Prêmio Naíde Teodósio (Secretaria Estadual da Mulher, FACEPE, Secretaria Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia, Fundação Joaquim Nabuco, Companhia Editora de Pernambuco e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco). Todos eles com foco especial nas problemáticas de gênero e cidadania da mulher. Na orientação “f)” encontramos uma reivindicação que apela para o cumprimento da legislação vigente visando a garantia do acesso e permanência de todos e todas sem discriminação. Uma resposta à exclusão de LGBTs do acesso à educação, com ênfase na população trans, ainda à margem de direitos básicos de cidadania. As orientações “g)” e “h)” trazem um elemento similar: a aproximação da Administração Pública com a produção acadêmica desenvolvida nas universidades. A primeira orientação reforça a necessidade de formação continuada de docentes evocando parcerias com a Universidade. A segunda, o fomento de pesquisas e estudos sobre diversidade sexual, gênero e outras categorias de análise que se debruçam sobre questões relativas à população LGBT. Há uma percepção coletiva de que ainda há pouco estímulo e pouco financiamento para investigações científicas na área.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Retomando o problema de pesquisa deste trabalho, “Quais são as ausências e emergências da educação escolar para o Movimento LGBT no estado de Pernambuco?”, extraímos um conjunto de informações que nos auxilia a elucidar tal questão. Em primeiro lugar, a partir das reivindicações/deliberações analisadas no caderno de resoluções da II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais em Pernambuco, concluímos que um conjunto de ausências, ausências essas ativamente produzidas no seio de uma sociedade

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ainda marcada pelos padrões hegemônicos heteronormativos, são percebidas pelo Movimento LGBT. Segundo o nosso estudo, necessidades educativas como formação continuada para profissionais da educação, ações pedagógicas que promovam o respeito à diversidade sexual, participação social nos espaços de poder e influência do Estado, (Conselhos Estadual de Educação), assim como estímulos à pesquisa acadêmica na área, problematização sobre o conceito tradicional e heterossexual de família e premiação e valorização de iniciativas exitosas no campo das experiências pedagógicas sobre diversidade sexual, compõem um conjunto de ausências no direito à educação para LGBTs. Ao mesmo tempo que significam ausências ativamente produzidas, esses apontamentos propõem um outro mundo possível, emergências educacionais, uma outra educação possível, que não é, mas que pode vir a ser, a partir da intervenção social de vários atores e atrizes sociais. Na perspectiva da Sociologia das Ausências e Emergências de Boaventura de Sousa Santos, essas ausências podem transformar-se em presenças, e o impossível em possível, através das atividades de cuidado. Nesse horizonte, o futuro é enriquecido por possibilidades plurais, amplas, utópicas e reais. Exige criatividade e pensamentos propositivos, em perspectivas coletivas e solidárias. Além das ausências e emergências educacionais apontadas pelo Movimento LGBT, concluímos que o cenário da educação ofertada em Pernambuco ainda viola direitos e dignidades, afinal, imaginemos o constrangimento pelo qual passam filhos e filhas de LGBTs nas escolas quando é comemorado, não o dia da família em suas múltiplas formas, mas o dia da família tradicional, concebida como única e normal estrutura familiar ou o sofrimento sentido por crianças, jovens e adultos/as LGBTs quando são vítimas de violências homofóbicas que partem de discentes e docentes, mal formados/as em suas trajetórias. Nossa pesquisa também conclui que o desenvolvimento e a execução de políticas públicas afirmativas LGBT ainda carecem de mais atenção e investimento. A partir do ano de 2009 projetos importantes para o segmento saem do papel em Pernambuco, entretanto de modo ainda insuficiente para atender as demandas sociais da população LGBT. Além disso, as políticas de governo produzem incertezas, inseguranças e instabilidades hajam vistos os poucos instrumentos legais de que dispomos e a precariedade dos serviços ofertados. Por outro lado, reconhecemos que tais iniciativas representaram avanços na estrutura administrativa do estado que não dispunha de muitos recursos anterior a esse 57

período. Evidentemente, todas as conquistas obtidas ao longo dos anos se devem ao esforço e protagonismo do Movimento LGBT. Essas conclusões foram possíveis ser constatadas através da análise minuciosa do caderno de resoluções da II Conferência Estadual LGBT de PE. O documento em questão, embora apresente ricas proposições e evidências de ter sido construído através da participação social coletiva, apresenta também um conjunto de lacunas e fragilidades políticas que remontam à própria prioridade (na verdade, a falta de prioridade) estabelecida pelo governo de Pernambuco no que concerne aos direitos da população LGBT. Acreditamos também que isto seja reflexo da própria conjuntura social contemporânea e que indique dificuldades na organização social do Movimento LGBT. Afinal, o Estado é reflexo das dinâmicas da sociedade. Entretanto, trata-se de uma hipótese. Preferimos que outros estudos analisem tal questão, posto que não foi objetivo deste trabalho analisar os fenômenos que levam o governo estadual a atuar timidamente sobre as necessidades civis LGBT. Através do Método do Caso Alargado, reconhecemos que o Movimento LGBT, suas reivindicações no âmbito da educação e que as conferências de políticas públicas possuem aspectos estruturantes, mas também específicos. Movimento LGBT: Pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, heterossexuais e outras com identidades diversas que militam, através de um conjunto de mecanismos e instrumentos sociais, para a promoção da igualdade nas relações humanas, com foco na desconstrução da heteronormatividade. Movimento LGBT de Pernambuco: Suas características são influenciadas pelo contexto histórico e social presentes nesse estado. Dificuldades de organização e institucionalização podem ser vislumbradas por meio de técnicas superficiais de pesquisa. Acreditamos que a opção histórica de desenvolvimento no sudeste do país, o sistema político centralizado, coronelista, colonial e a cultura do latifúndio contribuíram significativamente para relações de poder mais hierárquicos e violentos. Educação Escolar para a Diversidade Sexual: é sabido que um conjunto de iniciativas vindas dos movimentos sociais, dos estudos, pesquisas e dos governos tem contribuído para tornar nossas escolas mais inclusivas, plurais e humanas, oscilando de local para local, de escola para escola. Também há um senso comum nas pesquisas acadêmicas que a presença da homofobia nas escolas ainda é intensa e que iniciativas governamentais na área enfrentam resistências de grupos influentes e conservadores.

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Educação Escolar para a Diversidade Sexual em Pernambuco: Devido a nossa cultura fortemente marcada por fenômenos violadores como o machismo, o sexismo, racismo e homofobia, em Pernambuco, a homofobia escolar é acentuada. Além disso, dispomos de estruturas governamentais que pensem uma educação sem homofobia ainda frágeis. Contudo, tem sido possível visualizar ações que procurem subverter essa realidade vindas de diversos sujeitos. No âmbito, do governo estadual, destacamos o lançamento do caderno “orientações curriculares: educação em direitos humanos”, lançado em 2012. Conferências de Políticas Públicas LGBT: No Brasil, foi realizada sua segunda edição no ano de 2011, demonstrando que a promoção de espaços institucionais participativos e de diálogo entre governo e sociedade civil, ainda é recente no país, assim como o são políticas públicas voltadas para LGBTs. Compreendemos também que as conferências são compostas por um conjunto de normas, orientações, processos e diretrizes que possuem pontos comuns onde quer que sejam realizadas, mas que cada conferência é singular e particular. Conferências de Políticas Públicas LGBT em Pernambuco: Em nosso estado, as conferências LGBT ainda não são uma realidade na maioria dos município, entretanto, a partir da 2ª edição verificamos uma ampliação de municípios que realizaram suas conferências e, consequentemente, de pessoas participantes. A 2ª edição estadual apresentou maior participação da população LGBT no direcionamento das deliberações e, assim, como outras conferências apresentam elementos em comum e particulares, face à realidade e à especificidade desse território. Estudos comparativos são ideais para analisar o que aproxima e distancia, de modo mais detalhado, a realização de conferências LGBT em estados distintos. Extraímos do nosso estudo que muito ainda há por fazer para garantir a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil e o estado de Pernambuco não se afasta desse dado. Concluímos também que o Movimento LGBT, dentro de suas dinâmicas, conquistas e contradições tem exercido o papel fundamental de pressionar o Estado para a garantia de direitos constitucionais e o exercício da cidadania. As conferências tem sido excelentes campos de vivência democrática e construção coletiva de prioridades no desenvolvimento de políticas públicas. Entretanto, as mesmas precisam ser constantemente aperfeiçoadas, afim de corrigir suas lacunas e potencializar seus objetivos.

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Precisamos refletir coletivamente sobre o impacto que essas conferências exercem sobre o Poder Público e sobre o próprio Movimento LGBT. Não poderíamos deixar de registrar que por vezes o clima de disputa e competição que se instala em muitas das nossas conferências termina por esfacelar movimentos que já trazem um histórico de fragmentação acentuada. Também é desejo nosso conhecer o nível de influência e pressão que as conferências promovem nas secretarias e departamentos responsáveis pela política pública educacional. Mais que isso, que transformações são produzidas nas conferências resultando em mudanças concretas nas escolas e nas vidas dos sujeitos ligados a elas? Certamente essa é uma questão que inquieta muitos/as pesquisadores/as, sobretudo no campo da Ciência Política. As reivindicações no campo da educação sugerem uma Pedagogia do Arco-Íris. Não uma educação exclusiva para LGBTs, mas que reconheça a pluralidade e multidimensionalidade dos sujeitos escolares e estabeleça relações mais igualitárias, horizontais e humanas entre todos e todas. Que fomente o reconhecimento mútuo da diferença como elemento positivo e inerente à humanidade. Uma Pedagogia eminentemente do diálogo, consoante proposto por Paulo Freire (2005).

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