Monografia (Especialização UNIAFRO) - Representações sobre o negro no imaginário das Escolas Públicas da Grande Vitória/ES: Um estudo de caso no Colégio Clotilde Rato (2016)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO NÚCLEO DE ESTUDOS AFROBRASILEIROS (NEAB) PÓS-GRADUAÇÃO UNIAFRO

REPRESENTAÇÕES SOBRE O NEGRO NO IMAGINÁRIO SOCIAL DAS ESCOLAS PÚBLICAS DA GRANDE VITÓRIA/ES: UM ESTUDO DE CASO NO COLÉGIO CLOTILDE RATO

VINICIUS DE AGUIAR CALOTI

VITÓRIA 2016

VINICIUS DE AGUIAR CALOTI

REPRESENTAÇÕES SOBRE O NEGRO NO IMAGINÁRIO SOCIAL DAS ESCOLAS PÚBLICAS DA GRANDE VITÓRIA/ES: UM ESTUDO DE CASO NO COLÉGIO CLOTILDE RATO

Monografia apresentada à PósGraduação UNIAFRO - Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Escola, ofertada pelo Núcleo de Estudos AfroBrasileiros (NEAB), da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cleyde Rodrigues Amorim.

VITÓRIA 2016

VINÍCIUS DE AGUIAR CALOTI

REPRESENTAÇÕES SOBRE O NEGRO NO IMAGINÁRIO SOCIAL DAS ESCOLAS PÚBLICAS DA GRANDE VITÓRIA/ES: UM ESTUDO DE CASO NO COLÉGIO CLOTILDE RATO

Monografia apresentada à Pós-Graduação UNIAFRO - Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Escola, ofertada pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista. Aprovada em 24 de Setembro de 2016

______________________________________ Prof.ª Dr.ª Cleyde Rodrigues Amorim Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Orientadora

______________________________________ Prof.º Dr.º Sandro José da Silva Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

______________________________________ Prof.º Dr.º Ahyas Siss Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ)

VITÓRIA 2016

À minha mãe Ivone e aos estudantes das escolas públicas, com ternura e benevolência.

AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço à minha mãe Ivone, quem corroborou e robora comigo nas mais diversas atividades quotidianas. Agradeço ao Gustavo e ao Antônio Carlos, ombros amigos. Pessoas com quem mantenho contato, desde a graduação. Incentivamo-nos mutuamente. Aos Professores Filicio e Rodrigo de Filosofia, com quem mantive um contato estreito, afetivo e acadêmicointelectual durante a minha estada na instituição. Aos Professores Mairon de Geografia, Adenilson de História e Felipe de Matemática, pela calorosa recepção e pelos instigantes diálogos que mantivemos na sala dos Professores. Ao Diretor Hélio Teixeira do Colégio Clotilde Rato, pelo acolhimento nos braços institucionais e pela solicitude com que respondeu às minhas questões. À minha orientadora Drª Cleyde Rodrigues Amorim, quem me incentivou ao bom trabalho. Estimo a atenção, o desvelo e o reconhecimento das minhas potencialidades. Por fim, agradeço aos estudantes do Colégio Clotilde Rato e àqueles das Escolas Públicas da Grande Vitória/ES, sequioso por novos atos criativos e devires emancipatórios.

RESUMO

Analisamos como as representações sociais sobre o negro, nas escolas públicas da Grande Vitória, influenciam no ordenamento das relações étnico-raciais quotidianas, dentro da instituição e, consequentemente, nas construções das identidades dos estudantes negros, através de um estudo de caso realizado na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Clotilde Rato, situada no Município da Serra, Espírito Santo. Dessa forma, partimos de uma análise pautada na leitura indiciária e na hermenêutica de profundidade das formas simbólicas presentes no imaginário social escolar, constatando a influência das representações sociais "negativas", ou seja, assinaladas por preconceitos, estereótipos e discriminações, sobre a autoestima, os afetos (sentimentos), as acepções de mundo (cosmologias), perspectivas de futuro e, consequentemente, as construções identitárias dos estudantes negros.

Palavras chave: Educação das relações étnico-raciais; representações sociais sobre o negro; escola pública; indiciarismo e complexidade; hermenêutica de profundidade.

Sumário

1. Considerações iniciais ............................................................................................. 8 2. A potência da hermenêutica de profundidade e do indiciarismo na análise das representações sociais.................................................................................................11 3. Análise das representações sobre o negro na órbita da escola .........................17 4. Considerações finais................................................................................................34 Referências....................................................................................................................36 Anexo 1..........................................................................................................................42

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Considerações iniciais

O Brasil ratificou na órbita supranacional, declarações várias, comprometendo-se com a igualdade de direitos e a promoção da dignidade e bem estar das pessoas, tais como a Declaração Universal dos Direitos (1948); a Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968) e, incluso, a Carta da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas (BRASIL, 2001). Desde há alguns anos, uma substantiva produção legiferante está a ser desenhada nas esferas federal, estadual e municipal. No “campo da educação” (Bourdieu, 1983), ressaltamos as leis federais nº 10.639/2003 e 11645/2008, que valorizam a constituição de uma nova visão acerca das matrizes negra e indígena brasileiras (inclusive alterando a lei de diretrizes e bases da educação nacional – LDB, 1996), posteriormente refletindo na publicização das diretrizes curriculares nacionais (DCN’s) para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana na educação básica (2004), nas educações escolares indígena e quilombola (2012) do Ministério da Educação (MEC). De mais a mais, visando aplicar a sobremencionada lei, o MEC erigiu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) 1 para promover, em parceria com os sistemas de ensino, a instituição de políticas públicas com o intuito de atenuar as desigualdades sociais e simbólicas, através da efetiva inclusão dos sujeitos na escola. Desta forma, alguns estados construíram subsecretarias ou outros órgãos para deferirem as orientações e diretrizes desse Ministério. Tais dispositivos, acordes com a Constituição Federal brasileira de 1988 (CF), indiciam um anseio de produção de igualdade, dentro do ordenamento jurídico democrático de direito brasileiro2. Entretanto a inclusão e a isonomia factual não se realizam, apesar do aparato legal prescritivo. Num coup d’État “branco” recente, o atual governo ilegítimo e interino dissolveu a SECADI, acima descrita, há alguns dias. 2 Indiciam ou indiciavam na gestão democraticamente eleita pelo povo pátrio... 1

9

As representações sociais sobre o negro, estereotipadas e eivadas de preconceitos, constituem uma das variáveis da (des)ordem das relações étnico-raciais na sociedade coeva. Estudos variegados sobre a educação denotam que o racismo contra os discentes classificados como negros intervém no desempenho escolar, como exprime uma pesquisa feita pelos Professores Angela Albernaz, Francisco Ferreira e Creso Franco, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Usando dados extraídos da base do MEC, os pesquisadores inferiram que:

Estudantes negros estão aprendendo menos que os brancos de mesmo nível social e que estudam na mesma escola. Analisando as notas dos alunos no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), principal exame do Ministério para medir a qualidade da educação brasileira, os pesquisadores [...] mostraram que os negros tinham, na média de todas as disciplinas verificadas, desempenho inferior em 9,3 pontos ao dos brancos, mesmo quando eram comparados alunos da mesma classe social e da mesma escola. O estudo, financiado pela Fundação Ford, também aponta diferenças nas notas entre brancos e pardos. Nesse caso, a diferença a favor dos brancos é de 3,1 pontos. Para os pesquisadores, os resultados são uma forte evidência de que pode estar havendo preconceito na escola. Professores podem estar tratando de maneira desigual, negros e brancos na mesma sala de aula (UNDIME, 2003, p. 9).

As pesquisas apontam para uma inclusão não efetiva de estudantes negros na Educação Básica. Um mau desempenho escolar muitas vezes se interconecta com um quadro psicopedagógico de baixa autoestima e até mesmo, “insuficiência imunológico psíquica”3 (BERLINCK, 2013), influenciado por interações sociais assinaladas por preconceitos, discriminações, racismos, isto é, um desordenamento nas relações étnicoraciais (que em média congraça estudantes inseridos em famílias com problemas ou dificuldades de ordem sócieconômica). Entretanto, vislumbramos a utopia no horizonte de eventos, desde o princípio (e a ética) da esperança em Ernest Bloch (2005) e da releitura da aposta de Pascal na perspectiva de Boaventura de Sousa Santos (2009), pautada na “ecologia dos saberes”, na “tradução intercultural” e na dialética entre as sociologias das “ausências” e das “emergências” na obra Epistemologias do sul (2009), entrevendo uma abertura no tempo onde visualizamos transformações devires nas relações sociais, valores culturais, instituições econômicas, estruturas políticas, enfim “democratizações nas democracias” 3

A posteriori, na p. 29, explicamos este conceito.

10

(SANTOS, 2002), que postulam inclusive práticas de educação diferenciadas para grupos sociais específicos.

As reflexões que atribuem à educação o papel de promover a transformação social nos apontam para, entre outras coisas, a importância da criação de escolas com práticas pedagógicas específicas para determinados grupos. Grupos minoritários vêm lutando para uma educação diferenciada que privilegie as necessidades, saberes e práticas respectivas a estes. É em tom de reivindicação que assentados e acampados do Movimento Sem Terra, e comunidades indígenas e remanescentes de quilombos, entre outros, buscam do Estado respaldo para uma educação diferenciada que valorize as suas culturas (MORI; AMORIM, 2011, p. 106).

Segundo os dados da Secretaria de Estado da Educação (SEDU), há mais de 922,9 mil alunos matriculados no Espírito Santo4. Aproximadamente 165,9 mil deles cursam o ensino médio regular e a modalidade de educação de jovens e adultos (EJA), sob a orientação de cerca de 23,7 mil Professores. Assim, este trabalho analisa a influência das “representações sociais” (MOSCOVICI, 2004) sobre o negro nas relações étnicorraciais, no âmbito das escolas públicas, da região metropolitana da Grande Vitória5, partindo de um estudo de caso na EEEFM6 Clotilde Rato, a fim de refletir sobre a realidade da sociedade capixaba. Elaboramos este trabalho em apenas duas etapas. Na primeira, apontamos as potencialidades do uso da “hermenêutica de profundidade” (THOMPSON, 2011) e do “indiciarismo” (GINZBURG, 1989), na interpretação das representações sociais no âmbito das Escolas. Já na última, efetivamente utilizamos este aporte na análise dos conteúdos dessas representações, mostrando como elas influenciam as relações étnico-raciais nas escolas públicas e as construções das identidades dos estudantes negros.

4

Dados da SEDU. Disponível em: . Acesso em: 29 de Maio de 2016. A região metropolitana da Grande Vitória é composta pelas seguintes cidades: Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória propriamente dita. 6 O acrônimo EEEFM designa uma escola estadual de ensino fundamental e médio. 5

11

2 – A potência da hermenêutica de profundidade e do indiciarismo na análise das representações sociais

Apresentaremos dois métodos, a hermenêutica de profundidade (H.P.) e o indiciarismo, mostrando as suas capacidades e a possibilidade de articulá-los na composição de um aporte teórico, visando a interpretação das relações e das formas simbólicas que perpassam as representações sociais (R.S.). Segundo Jodelet (2001) e Moscovici (2004), as representações sociais configuram opiniões, imagens, ideias, percepções, isto é, valores com os quais concebemos a realidade, as circunstâncias, os fatos e os fenômenos sociais que engenham as condições de existência individual e coletiva. Em resumo, são formas de conhecimento socialmente elaborados e partilhados, que apresentam uma orientação prática e concorrem para a constituição duma communitas ou uma comunidade de interesses, ou seja, uma “comunidade imaginada” (ANDERSON, 1993). Compreendemos as R.S. como um sistema cultural que, no contexto da definição de Geertz (1989), constituem “sistemas de símbolos que interagem ou padrões de significados que trabalham interativamente”. De acordo com Amorim (2011), ao representarmos socialmente a realidade, somos influenciados pela cultura social em que vivemos, embora elaboremos ideias próprias e novas, a partir da nossa imaginação e de como refletimos sobre a nossa vivência e interação com os outros indivíduos. As representações constituem um conjunto de saberes sociais adquiridos pelo sujeito em sua vivência, mas (re)formulados e colocados em ação, através de sua prática cotidiana. As representações constituem o substrato dos preconceitos e estereótipos elaborados, incorporados e construídos no pensamento, a partir de esquemas inconscientes de percepção, avaliação e apreciação, mediante o aprendizado da linguagem, valores, concepções e crenças expressas pelas culturas nas quais convivemos, desde o nascimento. Internalizamos o mundo, a partir de categorias mentais e conceitos classificatórios, quanto aos seres humanos, objetos, relações e

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fenômenos sociais, formulando e concebendo a realidade de uma maneira peculiar, através da construção de juízos de valor sobre todas as informações que depreendemos, o que nos conduz à formação de pré-juízos ou preconceitos que orientam as nossas ações. As representações sociais sobre o negro no coração das variadas escolas, eivadas

pelo

estigma,

ou

seja,

locupletas

de

estereótipos,

preconceitos

e

discriminações, influenciam negativamente as relações sociais, afetando a autoestima, as cosmologias, as perspectivas de futuro e as construções das identidades dos estudantes negros. Assim sendo, propomo-nos a uma análise qualitativa destas representações, centrados na hermenêutica de profundidade e no indiciarismo. Antes de delinear os procedimentos sobrecitados, faremos um excurso visando pontuar alguns conceitos sobejamente importantes, imbricados às representações acerca do negro. Primeiramente, compreendemos que o termo “estigma” (GOFFMAN, 1998) assinala uma pessoa portadora de uma inscrição sóciossimbólica que a avilta perante o grupo mais amplo no qual está inserida, desabilitando-a para uma aceitação social plena. Depois, que “estereótipo” seria uma categoria congênere ao preconceito, definida por Shestakov (apud MUNANGA, 2005) como uma propensão à padronização, suprimindo os atributos individuais e a ausência de espírito crítico nas opiniões veiculadas. Da mesma forma, um étimo conscrito por Dunningan, (apud MUNANGA, 2005) como um modelo hirto e anônimo, a partir do qual são fabulados automaticamente, imagens ou comportamentos. Assim, ele se instrumentaliza com a prática do preconceito, consistindo na sua expressão comportamental, de modo a objetivar a justificação de uma suposta inferioridade, a manutenção do status quo e a legitimação,

aceitação

e

nova

justificação

da

dependência,

subordinação

e

desigualdade. Em seguida, que o “preconceito” seria uma noção apriori ou uma representação coletiva, um fato social conectado a uma dada conjuntura que regula e (ou) estrutura as relações sociais, sendo também esboçado como uma indisposição, um julgamento

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prévio, negativo, que se faz de pessoas estigmatizadas por estereótipos ou concepções essencialistas e essencializantes. Por fim, a “discriminação racial” seria qualquer forma de distinção, exclusão, restrição e (ou) preferências baseadas na raça, cor, descendência e (ou) origem nacional e (ou) étnica, que tenha como objeto e (ou) efeito anular ou restringir o reconhecimento, o gozo e (ou) exercício, em condições de igualdade, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais no domínio político, social e (ou) cultural, e (ou) em qualquer outro domínio da vida pública, conforme a acepção conceitual observada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966, na Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (MUNANGA, 2005). Tornando à descrição dos procedimentos, notamos que a hermenêutica de profundidade evidencia o fato de que as R.S. acerca do negro são construções simbólicas significativas que exigem uma interpretação, estando inseridas em contextos sociais e históricos de variados tipos, sendo estruturadas internamente de diversas maneiras. Logo o estudo das formas simbólicas é fundamental e inevitavelmente um problema de compreensão e interpretação, postulando um referencial teórico pautado na pluralidade e na conciliação de métodos de análise. As formas simbólicas além de serem produto de ações situadas e contextualizadas, baseadas em regras, recursos, et coetera; disponíveis ao produtor, são fabricações complexas, através das quais, algo é dito ou expresso. O mundo sóciohistórico é tanto um campo-objeto que está ali para ser observado, quanto um camposujeito que é construído por sujeitos inseridos em tradições históricas e sociais que, no decurso de suas vidas, estão constantemente preocupados em compreender a si mesmos e aos outros, interpretando as ações, as falas e os acontecimentos que ocorrem ao seu redor, formulando a doxa. Uma categoria cuja etimologia remonta à Grécia antiga, caracterizando um conjunto de saberes, crenças, opiniões e ideias de origem popular. Numa acepção filosófica, ela constitui um conjunto de ideias ou representações apriorísticas, comumente apontadas por Platão como um “erro do filósofo”, antônima das concepções de “conhecimento” e “verdade”. Santos (1989; 2008; 2009) rompendo com a tradição

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grecorromana clássica que atravessa o medievo e inunda o “esclarecimento” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985) na modernidade judaico-cristã capitalista ocidental, cartesiana e positivista contemporânea, propõe um corte epistemológico quanto à produção de uma nova ciência coetânea, associada ao Paradigma da Emergência, que (re)valoriza o senso comum (a doxa), outrora destituído ou considerado o locus do não saber, (res)significando-o como instância de construção e produção de conhecimento, dessa forma defensando uma ciência que atinja o senso comum, valorando a convergência e a interpenetração entre a razão, o senso comum, a arte e a cultura popular. A constituição do negro no imaginário social brasileiro é um território préinterpretado pelos sujeitos que constroem o campo-objeto do qual as formas simbólicas são parte. O papel do analista social é fornecer uma interpretação da referida doxa, ou seja, uma hermenêutica da vida quotidiana superando-a, a fim de considerar outros aspectos das formas simbólicas, que borbotam da constituição do campo-objeto. Assim, a

H.P.

é

um

referencial

teórico-metodológico

amplo

que

compreende

três

procedimentos principais: a análise sócio-histórica, a análise formal ou discursiva e a (re)interpretação. Essas fases devem ser vistas como dimensões analiticamente diversas de um processo interpretativo complexo. (THOMPSON, 2011) Compreendemos que as formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas específicas, postulando que a análise sócio-histórica reconstrua as condições peculiares de produção, circulação e recepção dessas construções simbólicas. Assim, podemos subdividir tal análise, considerando quatro aspectos dos contextos sociais, as situações espaço-temporais, os campos de interação, as instituições sociais e a estrutura social. Algures supracitamos que os objetos e as expressões que circulam nos campos sociais são também produções simbólicas complexas, apresentando uma estrutura articulada e postulando uma fase de análise, que pode ser descrita como análise formal ou discursiva interessando-se a priori pela organização interna das formas simbólicas com suas características estruturais, padrões e relações. Existem várias maneiras de se conduzir a essa análise. Assim, optamos pela análise argumentativa dos discursos

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sobre o negro cujo objetivo é reconstruir e tornar explícitos os padrões de inferência que o caracterizam. A fim de realizar tal análise são produzidos vários métodos que possibilitam romper o corpo do discurso em conjuntos de afirmativas ou asserções, organizadas ao redor de certos temas (tópicos) e então mapear as relações entre estas afirmativas e tópicos em termos de determinados operadores (quase) lógicos (implicação, contradição, pressupostos, exclusão, entre outros). A (re)interpretação é a última fase do enfoque desta abordagem hermenêutica. Aludimos alhures que as formas simbólicas ou discursivas possuem um “aspecto referencial”, significante que procuramos compreender no processo de interpretação que

supera

as

análises

sócio-histórica

e

formal

discursiva,

excedendo

a

contextualização das formas simbólicas tratadas como produtos socialmente situados e o fechamento delas como construções que apresentam uma estrutura articulada. Assim, o caráter transcendente das formas simbólicas deve ser compreendido pelo processo de interpretação, mediado pelos métodos do enfoque da hermenêutica de profundidade que é simultaneamente um processo de reinterpretação dessas representações, onde reinterpretamos um campo pré-interpretado, projetando um significado possível que pode divergir do significado construído pelos sujeitos que constituem o mundo sócio-histórico (THOMPSON, 2011). Nesse estudo, ainda utilizamos os princípios do indiciarismo de Carlo Guinzburg (1989), enquanto subsídio para interpretar as representações sociais acerca do negro, no âmbito da escola e na análise das categorias dos discursos e tabulações dos dados, contidos nos questionários aplicados na instituição, a fim de transformá-los em informações que signifiquem o objeto outrora recortado e focalizado. Dentre os parâmetros fundamentais do indiciarismo, apontamos a inferência das causas a partir dos efeitos, a não hierarquização das fontes, a construção dos procedimentos de investigação durante a pesquisa, a análise detetivesca, a microanálise ou análise microscópica, o caráter subjetivo e indireto do conhecimento, o estudo das especificidades do objeto, o exercício da conjectura na análise, o pluralismo teórico e metodológico, a conciliação entre razão e sensibilidade; e o estudo intensivo, minucioso e exaustivo do material coletado (COELHO, 2007).

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A partir dos parâmetros teóricos e metodológicos do indiciarismo, procuramos nos atentar aos detalhes quando incursionamos ao campo, coletando vestígios, indícios e sinais reveladores da construção social do negro no imaginário escolar, conciliando a razão e a sensibilidade na investigação social, remontando a trama das relações sociais e construindo uma narrativa minuciosa, sensível, racional e interpretativa das relações étnicorraciais. Perante as possibilidades de análise dos conteúdos das representações sociais, através da hermenêutica de profundidade e do indiciarismo, compusemos uma matriz teórica e metodológica, a fim de interpretar na próxima seção deste trabalho, as formas simbólicas que perpassam essas representações, atravessando o imaginário social escolar.

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3 – Análise das representações sobre o negro na órbita da escola

A pesquisa foi realizada no colégio Clotilde Rato, situado no bairro de Fátima, na semiperiferia da Serra/ES, escola onde atuamos como professor substituto de Filosofia, em quinze turmas nos períodos matutino e vespertino. Instituição que abrange estudantes das camadas populares e da classe média baixa, cuja renda familiar orbita entre um e dois salários mínimos mensais, oriundos das periferias do Município da Serra, muitas vezes procurando acessar um ensino mais substantivo e (ou) inserir-se num equipamento público escolar próximo aos seus locais de trabalho, obsequiando a sua mobilidade urbana.7 Durante aproximadamente cinco meses realizamos uma pesquisa etnográfica com “observação participante” (MALINOWSKI, 1998) na instituição, verificando que as observações de campo, as preleções, as entrevistas informais, as aplicações de 39 questionários aos estudantes de 15 a 19 anos e as anotações nos cadernos de campo adotados para registrar as interpretações das “ações sociais” (JORGE, 2011; WEBER, 2009), discursos e representações notadamente sobre o negro, apresentam um nexo de continuidade no interior institucional, conforme apercebemos.8 Desse modo, infracitamos alguns dados acerca das representações sobre o negro no núcleo da escola, onde os percentuais apresentados resultam da tabulação dos dados e da produção de informações, a partir dos questionários semiestruturados aplicados, convergindo com as coletas e transcrições das entrevistas informais e as observações dialógicas dentro da instituição. Inicialmente apresentamos as autodeclarações de “raça (cor)” nos questionários, livres e estimuladas na formatação IBGE, cotejando com os dados das observações 7

O critério que utilizamos para a aplicação de questionários foi a presença dos estudantes, num dia escolar atípico, ou seja, numa véspera de feriado, no turno da tarde, a fim de que não houvesse prejuízo às nossas atividades docentes. Neste dia peculiar distribuímos questionários (ao todo 39) a todos os presentes. 8 Basicamente, os percentuais que apresentamos neste tópico, resultam das aplicações de questionários, reforçadas das observações de campo, a todas as turmas que acessamos à tarde, ou seja, dois primeiros anos, um segundo e um terceiro. Em suma, podemos dizer que abordamos estudantes inseridos numa faixa etária compreendida entre 15 e 19 anos, de ambos os sexos, majoritariamente negros, ou seja, pretos e pardos, oriundos das periferias do Município da Serra, filhos(as) de famílias (89,75%) com renda bruta entre 1 e 2 salários mínimos.

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realizadas. Tanto nos questionários aplicados, quanto nas entrevistas informais e nas análises dos discursos, dentro das salas de aulas e observações nos pátios, percebemos escassas autoafirmações de estudantes pretos. Consoante à tabela 1 abaixo e atinando-se aos questionários, 46,15% dos estudantes foram identificados enquanto pretos, porém apenas 25,64% assim se autodesignaram nas perguntas estimuladas,

dentro

da

especificação

IBGE

e

menos

ainda,

10,26%

nas

autodeclarações livres9.

TABELA 1 – RAÇA (COR) POR AUTODECLARAÇÃO LIVRE, ESTIMULADA (IBGE) E SEGUNDO OBSERVAÇÃO NA PESQUISA

Raça (cor)

Autodeclaração (livre)

Autodeclaração (IBGE)

Observação (IBGE)

Amarela

5,13%

5,13%

0%

Branca

0%

0%

0%

Indígena

2,56%

2,56%

0%

"Morena"

5,13%

NA

NA

Preto

10,26%

25,64%

46,15%

Pardo

76,92%

56,41%

53,85%

NR

0%

5,13%

0,00%

Fonte: elaboração própria

Nas autodeclarações não estimuladas de “raça (cor)” notamos que diversos estudantes pretos e pardos se definiram enquanto “morenos” e suas variantes (moreno claro, moreno escuro, et al), fazendo-nos refletir sobre a imprecisão com que o brasileiro “tipo ideal” (WEBER, 2009) pensa e sente a sua racialidade. O tipo ideal

Iteramos o pertencimento da categoria “preto” à classificação IBGE e sua utilização nas perguntas formuladas sobre raça (cor). Segundo também este Instituto a categoria “negro” abrange os indivíduos classificados como “pretos” e “pardos”. 9

19

weberiano é uma categoria ou instrumento de análise sociológica utilizada para pensar, interpretar e classificar a realidade, a partir de tipologias puras. Devido à sua complexidade e caráter multifário, a realidade é refletida e categorizada, a partir de um conjunto de tipos ideais numa análise compreensiva. No jogo dos códigos da cor e do status social, a categoria com a qual as pessoas indicam a própria cor demonstra também uma posição sociocultural peculiar. Assim, Silva (1994) afirma que o fato mais conspícuo no cálculo racial brasileiro não seria a multiplicidade de termos raciais, mas a indeterminação, a subjetividade e a dependência contextual de aplicação. A (des)vantagem quanto ao uso da noção de moreno estaria em sua ambiguidade e extensão, designando um branco com cabelo escuro, um mestiço e até uma pessoa negra de pele muito escura, dependendo da situação (SANSONE, 1996). Bordejando as informações tabuladas, compreendemos que a globalidade da população escolar estudantil abrange pessoas categorizadas como negras 10, configurando uma “minoria sociológica” (GIRALDELLI JR, 2013), ou seja, um grupo social

considerado

subalterno,

observando-se

a

“perspectiva

gramsciana

de

hegemonia” (MEDEIROA, 2008) num “campo político” (BOURDIEU, 1983) e aludindose à sua capilaridade e capacidade de agenciar as suas consignas e pautas na sociedade civil. Dos 46,15% de estudantes pretos questionados observados, 55,56% deles apenas afirmaram-se “pretos”, 33,33% pardos e 11,11% não responderam; já quanto aos pardos observados, 85,72% declararam-se pardos, 9,52% amarelos e 4,76% indígenas. Levando-nos a refletir e conjecturar sobre o desconhecimento quanto aos marcadores sociais que apresentam as negritudes e a menos-valia simbólica da matriz negra em relação às matrizes branca-europeia e indígena (HASENBALG, 2005), também indiciando haver representações negativas sobre o negro que atravessam o imaginário social dos estudantes, introjetadas numa sociedade hierarquizada e estratificada em classes sociais, onde o racismo é um “fato social” (DURKHEIM, 1978),

10

100% dos estudantes, se considerarmos apenas os questionários aplicados nesta pesquisa.

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apresentando-se institucionalizado. Dessa forma, convolvendo formas coletivas de se agir, pensar e sentir exteriores aos indivíduos, dotadas de um poder coercitivo.

1-Pretos; 2-Pardos; 3-Não resposta (NR) Fonte: elaboração própria

1-Pardos; 2-Amarelos; 3-Indígenas

21

Fonte: elaboração própria

Segundo os discentes indagados, 53,85% deles acreditam que o preconceito racial no Brasil exista abertamente e 64,1% abonam que tal preconceito seja discutido, apesar de 87,18% não conhecerem nenhuma reivindicação do movimento negro. Quando questionados acerca da premissa estruturada de que “haveria igualdade de oportunidades para negros e brancos na sociedade brasileira”, categorizamos então as respostas como: 23,08% afirmaram sobre a existência de igualdade racial no Brasil; 58,97% replicaram que tal premissa pertence ao imaginário social brasileiro, todavia sendo inverossímil; e 17,95% disseram que a mesma é inveraz, logo não pertencendo às representações coletivas.

Preconceitos: 1-aberto; 2-mascarado; 3-Discussão do preconceito; 4-Não conhecem qualquer reinvindicação do movimento negro Fonte: elaboração própria

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1-Convalidam a existência de igualdade racial no país; 2-Não convalidam tal existência; 3Afirmam que tal ideia existe no imaginário social, mas não se confirma. Fonte: elaboração própria

Quanto às políticas de ações afirmativas, inquirimos aos estudantes em relação às suas posições, acerca do sistema de cotas sociais e raciais adotado no concurso de vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), defrontando-nos com a necessidade de lhes dar ciência e explicar, sobre tais políticas para os alunos oriundos das escolas públicas, uma vez que muitos entrevistados e indagados, pouco ou nada sabiam sobre esta questão. Assim, obtivemos 87,18% de responsivas propícias às cotas sociais, porém apenas 74,36% àquelas raciais. A maioria das pessoas é favorável às cotas para estudantes de escolas públicas, justificando e argumentando em prol da necessidade da produção de igualdade e justiça social, incluso afirmando estarem em descompasso em relação aos seus concorrentes homônimos, advindos das escolas privadas. Abaixo apresentamos alguns dos discursos dos estudantes acessados:

"Sou a favor [das cotas sociais], pois na escola particular eles tem mais escolaridade." (J.B.M., 16 anos) "Sou a favor. Pois algumas escolas públicas não tem uma boa estrutura para pensar as matérias necessárias." (N.T.H., 16 anos)

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"Sou a favor. Nem todas [as pessoas] tem condição financeira [sic]." (I.O., 17 anos) "Sou a favor. Porque a maioria da população brasileira é de baixa renda, onde não há como pagar uma faculdade e despesas na casa. [sic]" (B.P.S., 18 anos) "Sou a favor. Se fosse todos juntos [ou seja, se não houvesse cotista], muito provavelmente, a maioria seria estudantes particular a passar. [sic]" (Y.C.I., 17 anos) “Sou a favor. Todos devem ter o mesmo direito [sic], igualdade para todos.” (M.P.A., 17 anos) “Sou a favor. Porque ajudam cada vez mais as escolas públicas.” (L.S.S., 17 anos) “Sou a favor. Sem as cotas os alunos das escolas públicas iriam competir injustamente com os de escolas particulares.” (D.A.G.S., 17 anos) “Sou a favor. A educação de quem tem dinheiro é melhor, ou seja a cota é para igualar os que não tem dinheiro. [sic]” (M.P.C., 17 anos) “Sou a favor. Por quê isso nos dá mais oportunidades e chances de conseguir e alcançar o nosso objetivo. [sic]” (E.V.S., 18 anos)

Na citação acima, indiciariamente selecionamos também alguns discursos de estudantes abordados que são favoráveis às cotas sociais, porém contrários às cotas raciais. Se eles percebem tal política de cotas sociais como uma ação de promoção à igualdade e justiça social, todavia divisam as políticas de cotas raciais para pretos e pardos como um achaque ao mérito, coima aos “direitos iguais” e “preconceito”, nos dizeres dos mesmos.

"Sou contra [as cotas raciais]. Porque todos merecem os direitos iguais. [sic]" (L.P.D.R, 16 anos) "Sou contra. Acho que as cotas deveriam está [sic] para todos da escola pública pois todos tem a mesma base de ensino na escola pública [sic]." (J.B.M., 16 anos) "Sou contra. Pois não é sua cor de pele que define o quanto você precisa para entrar e sim seu esforço, a mesma coisa que gente branca consegue uma pessoa 'preta' também consegue se se esforçar. [sic]" (N.T.H., 16 anos) "Sou contra. Porque tem pessoas [sic] que estudam pra caralho e não atingem a nota que precisam, já um nego não estuda para porra nenhuma e passa sem esforço nenhum." (P.R.I.B.S., 18 anos) "Sou contra. Para a sociedade nós negros somos incapazes de passar em algum vestibular... Etc." (M.L.O.S., 17 anos) "Sou contra. Todas as pessoas são iguais, ninguém é diferente independente da cor. [sic]" (I.O., 17 anos) "Sou contra. Porque também tem capacidade de entrar como qualquer outra pessoa ali. [sic]" (T.N.C., 17 anos) "Sou contra. Porque é uma forma de preconceito entre raças." (B.P.S., 18 anos)

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Favoráveis às cotas: 1-sociais; 2-raciais. Fonte: elaboração própria

As alegações sobre as políticas de cotas raciais da UFES considerando-as como atos de “preconceito”, “beneficiamento”, et coetera, dos negros (contra os brancos ou outrem, porque supostamente “os negros seriam racistas”), recordam-nos da nomenclatura cunhada por Guerreiro Ramos (1957) nos estudos das representações sobre o negro, “patologia social do branco”, caracterizando um fenômeno social e sociológico, onde determinados indivíduos não-negros (muitas vezes brancos) imputam aos próprios negros vítimas do racismo, a balda de algozes (tipificando um crime perfeito).

Não

obstante,

percebemos

através

desta

investigação

que

tais

representações são muitas vezes (re)produzidas e propaladas por estudantes negros, fato que atribuímos à introjeção pela (in)consciência coletiva de um racismo latente e institucionalizado na sociedade brasileira, mediante o desenvolvimento das relações e interações sociais, no processo de produção das existências individual e social cotidianas. Quando nos referimos à expressão “(in)consciência coletiva”, aludimos aos complexos processos psicossociais que perpassam tanto à consciência, quanto à inconsciência coletivas. Assim sendo, insistimos não somente em tipificar os casos de

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racismos mascarados na vida social quotidiana consciente e desperta, mas também em precatar sobre a existência do mesmo como sentimento e afeto nas subjetividades sociais,

considerando

conexões

indestrinçáveis

com

o

“inconsciente

social”

freudolacaniano, que pode ser apresentado por uma trama ou uma narrativa (fictio), enfim, configurando uma estrutura - estruturada e estruturante - das vidas sociais. Deleuze e Guattari abordam tal inconsciente, empregando a alegoria da “fábrica (operária) de desejos”, ou seja, partem dum “inconsciente maquínico” que apresenta uma figuração estética, entretecida sob o (in)fluxo de relações de força, poder e dominação, muito bem delimitada na obra Cultura e imperialismo americano (2015), abordando os estudos culturais contemporâneos, editada por Soares. Pressupomos que esta forma de racismo, constituída pela componente afetiva ou “molecular” (DELEUZE, GUATTARI, 2008) duma micropolítica dos afetos e (dos desejos), seja ainda mais deletéria às negritudes e, por conseguinte, à sociedade brasileira, embaraçando políticas sociais afirmativas e bafejando racismos dissimulados. Retornando à discussão sobre as cotas, interpretamos o desnível entre as opiniões favoráveis às cotas sociais e aquelas propícias às cotas raciais, como indícios da influência de valores socioeconômicos e culturais meritocráticos, que atravessam a nossa “sociedade de repressão ao consumo”, nucleada num “liberalismo (conservador) à brasileira”, portanto oligárquico e racista, desde à época da colonização. Uma sociedade marcada pelo pathos do subdesenvolvimento, fortemente ancorada na indústria cultural e na dialética do “espetáculo integrado”11 (DEBORD, 1997), concorrencial, que opera sob o logos do capitalismo mundial hipertardio modulado na periferia do sistema-mundo. Isso, ademais de uma vacatura no currículo da educação básica, quanto à formação social, política, econômica e cultural brasileiras, dificultando a compreensão de uma história social promotora de exclusões, implicando na ausência do reconhecimento sóciossimbólico da matriz negra e do seu contributo à sociedade Uso a expressão dialética do “espetáculo integrado” para designar a síntese entre os espetáculos concentrado e difuso debordianos, no contexto da guerra fria mundial. O primeiro se atina ao antigo regime soviético, concentrando-se no Estado másculo, no camarada-chefe de Estado e na burocracia do PCURSS. O segundo ao regime estadunidense, difundindo-se na publicidade das formas-mercadorias várias, que existem nessa sociedade de repressão ao consumo do american way of death. 11

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brasileira; outrossim denotando vestígios de uma construção social do negro demarcada por estereótipos e preconceitos, no imaginário social e nas representações desses estudantes. Na constituição da história social, política e econômica da escravidão no Brasil, ocorreu um processo de destituição da subjetividade negra (e, por conseguinte, da sua corporalidade e simbolicidade), conjunto ao desenvolvimento do modo de produção (material) escravista colonial, depois integrando à ordem “liberal imperial” (à brasileira, como antevimos), muito similar àquilo que os estudos de campo, na confluência principalmente da Antropologia Econômica com a Histórica, realizados por Meillassoux (1995) descreveria acerca da África, como uma produção social e arquitetura simbólica sobre

o

negro

que

perpassa

a

sua

dessimbolização,

dessocialização,

despersonalização, decivilização e dessexualização. Já Batista (2002), em seus estudos na área de criminologia crítica correlacionando a influência das representações sociais das classes senhoriais sobre as camadas subalternas, na construção das espacialiadades urbanas, afirma que os negros portavam uma "subcidadania" quanto ao direito penal, no apenamento de supostos crimes, todavia sendo desconsiderados como pessoas (reificados), na totalidade do direito brasileiro, no final do Brasil Império e no início da Primeira República. Indagando ainda aos discentes, se eles já sofreram algum preconceito racial e (ou) presenciaram alguma atitude racista na esfera da escola, 25,64% deles anuíram afirmativamente, oriundos do grupo de colegas, alguns incluso relatando haver experimentado o racismo sob a forma de bullying.

"Já sofri bulling [sic] na minha antiga escola por isso que mudei de lá e entrei em depressão por causa disso, já tomei remédios controlados pra me acalmar. [sic]" (P.R.I.B.S., 18 anos) "Sim, insultos ao cabelo de uma menina." (L.S.C., 17 anos) "Sim. Já vi meninos xingando o outro de preto." (L.P.D.R., 16 anos) "Sim, meu amigo foi ofendido pelo corte de cabelo 'black power'". (B.P.S., 18 anos) "Sim. E aê preto." (MPC, 17 anos) "Sim, eu já sofri preconceito racial fui muito constrangido pois eu estava na sala de aula e um menino chegou perto de mim e me chamou de tisão [sic], a única reação que eu tive naquele momento foi de chorar e nunca [sic]." (E.V.S., 18 anos)

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É muito interessante para nós, quem conduzimos uma pesquisa correlata na EEEFM Almirante Barroso, em Goiabeiras (Vitória/ES)12, um colégio público congênere ao Clotilde Rato, a distinção em relação a quantidade de estudantes que proporcionalmente relataram experiências de preconceito, discriminação ou racismo em ambas as escolas. Segundo consta na investigação que empreendemos no Almirante em 2013, 65,52% do corpo discente atestou tais moléstias advindas dos próprios Professores da instituição e (ou) do grupo de colegas (CALOTI; AMORIM, 2015), enquanto, conforme sobrevimos no Clotilde, o percentual observa 25,64% (figurando uma dissimetria), restringindo-se apenas ao corpo discente. A conjectura que tecemos para explicar este fenômeno, seria a presença de um quinhão maior de professores efetivos enleando-se a um contingente razoável de mestrandos, mestres e doutorandos13, alguns deles ativistas de movimentos (pós)identitários, tais como o feminista (principalmente), o LGBT e o movimento negro, lotados no equipamento público em questão, desde 2013, quando foi realizado o penúltimo concurso para professores do estado. Agora, quando interpelados se foram molestados ou experienciaram alguma atitude racista no decurso de suas histórias de vida, nos espaços da imanência da vie quotidienne ou da vida diretamente vivida, 35,9% contaram-nos narrativas lúgubres, envoltas em discriminações, preconceitos e casos de racismos; enquanto 58,97% dos questionados sintomaticamente não quiseram se posicionar sobre tal discussão, informando não se recordarem sobre tais acontecimentos nas suas vidas e (ou) não identificarem situações correlatas. Desse modo, abaixo avocamos alguns dos discursos, enfatizando nalgumas vezes a conexão evidente entre a raça(etnia) e a questão sócioeconômica.

"Sim. Estava jogando bola na rua e a mulher me chamou de 'macaca dos infernos', chamei minha mãe e fomos fazer um BO, depois ela teve que ir embora da casa onde ela morava e tudo se acertou." (L.C., 18 anos) "Sim. Já presenciei várias atitudes racistas na minha própria família." (N.O.S., 15 anos) "Não me recordo." (M.B.G.S., 16 anos) "Quando eu era menor pelo meu cabelo ser [sic] cacheado as 12

Cf. o artigo Considerações sobre o racismo no Brasil, a partir das representações acerca do negro, no imaginário das Escolas Públicas, na Grande Vitória-ES (2015). 13 9 mestres, 1 mestrando e 2 doutorandos.

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outras crianças me chamavam de cabelo de pico, pixaim, piolhenta e bruxa mas o meu cabelo era limpo e arrumado mas aprendi que o cabelo de cada pessoa é lindo do ‘jeito’ que a pessoa independente de textura ou cor. [sic]" (J.B.M., 16 anos) "(Loja)... Uma certa vez meu professor do ensino fundamental, entrou em uma loja de chinelo e bermuda, daí ele pediu um terno, a mulher veio atender ele e disse que ele não teria condições de comprar aquilo e mandou ele ir em outra loja. Tanto por ele ser negro, quanto da forma de se vestir. [sic]" (K.C.C.J., 17 anos) "não minha vida é um mar de rosas pra começar nunca tive pai e minha mãe morreu é tudo muito bom que eu nem tenho tempo para me preocupar com essas besteiras com o famoso 'preconceito'. [sic]" (R.C.C., 16 anos) "Não." (S.K.A.F., 16 anos) "Não sei se é bulling [sic] ou preconceito racial, uma das coisas que não gostava era de ir pra escola porque mi dava desgosto de já saber que iriam implicar comigo todos os dias de manhã. [sic]" (P.R.I.B.S., 18 anos) "Uma vez o meu colega ficava zoado uma menina negra ofendendo ela, ai ele foi para coordenação e foi para o DPJ [sic]" (A.T.M.A., 16 anos) "Sim, já presenciei, quando morava no Rio por lá ter bastante favelas e periferias e na maior parte ter bastante negros e pobres. [sic]" (T.N.C., 17 anos) "Sim. Na primeira série quando os meninos me chamava de preta. [sic]" (L.P.D.R., 16 anos) "Na rua já presenciei uma mulher falando que o menino que estava indo a nossa direção era ladrão só porque era negro e usava boné. [sic]" (D.F.S., 17 anos) "Apesar de que o preconceito racial é algo sempre presente, eu nunca presenciei algum ato relevante, apenas pequenas piadas entre amigos e/ou conhecidos. As minhas opiniões fortes contra o racismo são baseadas no que aprendi com as coisas ao meu redor, a sociedade." (Y.C.I., 17 anos) "Sim, além do que eu contei anteriormente eu já sofri preconceito racial por causa da minha cor, me xingaram falaram que o meu lugar não era na sociedade, que eu não poderia e nem conseguiria ser alguém na vida, enfim, tudo isso serviu para que eu crescesse mais e ignorasse essas pessoas pois minha vida não irá mudar por causa de pessoas que são muito ignorantes para perceber que a minha cor não fará eu pior nem melhor que ninguém. [sic]" (E.V.S., 18 anos)

Interpretando

algumas

narrativas

das

experiências

de

preconceitos,

discriminações e racismos presentes na ordem dos discursos dos estudantes, percebemos que as experiências de violências simbólicas que atravessam as suas vidas sociais também se manifestam através das piadas e apelidos maldosos, envolvendo a questão racial, inclusive mediante palavrões, configurando injúria racial no ordenamento jurídico vigente, (re)estruturando as relações sociais. Segundo Freud (1996), o dito jocoso ou chiste apresenta uma relação com o inconsciente psíquico, conectando-se à satisfação dos desejos recalcados e podendo ser analisado tal como um processo de manifestação dos sonhos (expressão onírica), revelando indícios de agressividade, demonstrações de desprezo e até mesmo de desejos sexuais reprimidos. Já quanto ao apelido maldoso há que se sobressaltar a sua capacidade de dessimbolizar, despotenciar, despersonalizar, (des)significar e violentar as alteridades, influenciando na produção dos quadros de estudantes com baixa

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autoestima e até mesmo de psicopatologia individual e social, podendo ser associado a um processo de insuficiência imunológico psíquica (IIP). Ao refletir sobre a IIP, Berlinck pensa o corpo humano como uma "totalidade biopsicossocial" (MORIN, 1975), ressaltando que o aparelho psíquico não se diferencia de um campo-território a ser protegido de invasores virulentos indesejáveis. Assim, seriam necessários recursos psíquicos úteis, a fim de aumentar a resistência ou a suficiência psíquica, com vistas a salvaguardar o corpo contra esses agentes externos. Enfatizando a manifestação das fantasias inconscientes que cada sujeito tem a respeito da posse de seu corpo, refere-se à ideia de physis ou, no caso específico, à cultura como segunda natureza. Se as fantasias ou as identidades sócioculturais são atravessadas por máculas, tais como estigmas vários, então, pode-se afetar (ou erodir) a suficiência imunológica psíquica do organon humano, imbuindo as pessoas, no caso abordado, os estudantes negros, de um “niilismo negativo” ou “reativo” (NIETZSCHE, 1998), assinalado pela negação e (ou) reação aos valores (instituições sociais) morais, no sentido durkheimiano, consequentemente, inviabilizando uma vida ou perspectiva individual e social afirmativa, quanto ao futuro, de maneira a descair numa “entropia niilista negativa” (RANCIÈRE, 2009), caracterizada pelo desperdício de talentos, potenciais humanos e a interdição dos futuros desses estudantes, convalidando o confinamento socioeconômico e racial do negro e a continuidade de estruturas sociais perversas na sociedade brasileira, quer dizer, o “pecado estrutural” designado por Gutiérrez e Müller (2005) na teologia da libertação. As representações na esfera da escola acerca da palavra “macumba” são pejorativas para 46,15% dos entrevistados, muitas vezes associadas à bruxaria, à feitiçaria, à magia, ao sangue, à adoração ao diabo, ao inimigo, à coisa ruim, ao fazer mal para as pessoas, a uma religião que faz o mal para os outros e que é estranho e feio ter relação com isso. Resultados procedentes de pessoas, independendo das igrejas

cristãs

as

quais

frequentam.

Curiosamente

51,28%

dos

abordados

autodeclaram-se evangélicos, majoritariamente inscritos no multiverso neopentecostal, afora aqueles 28,21% católicos, que somados totalizam uma comunidade de 79,49% cristãos.

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1-Representações pejorativas sobre a palavra “macumba”; Percentuais de estudantes: 2-evangélicos; 3-católicos;4-cristãos (composição de ambos 2 e 3). Fonte: elaboração própria

Ainda utilizando as associações livres, com vistas a categorizar os discursos, observamos demasiadas conexões entre a categoria “branco” com as palavras e (ou) expressões: uma prioridade maior na sociedade, é do bem, de acordo com o povo; perfeito, metidos, lindo, [praia de] Camburi, cor de pele, alguns até preconceituosos, admiro como pessoa, racista ou contra racismo, [portador de] direitos, [detentor de] mais possibilidades. O termo “negro” aparece enleado com os determinantes linguísticos: pessoas sofridas, escravo, trabalho, África, cor de pele com mais preconceito, uma raça que eu acho muito linda, preconceitos sociais, igualdade, respeito, racismo, humilhação. As cores dos olhos mais mencionadas são: azuis, verdes, castanhos; os tipos de cabelos mais citados: liso, bom, classe social, cuidado, cacheado, loiros; e os tons de peles mais avocados: branca, morena, morena clara, parda, preta, negra. Analisando o discurso dos estudantes no âmbito escolar, através da observação dos diálogos nas salas de aulas, pátios institucionais, entrevistas informais e responsivas aos questionários semiestruturados, percebemos uma predileção pelos

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marcadores sociais (e raciais) associados à matriz branca, entrevendo nas representações “preconceitos de marca” (NOGUEIRA, 1985), uma hierarquização e estratificação dos “supostos gostos” e caracteres, configurando a existência de uma mais-valia simbólica da matriz branca em relação àquela negra (HASENBALG, 2005). As expressões “preconceito de marca” e “preconceito de origem” articuladas por Nogueira (1985), descrevem os preconceitos sóciorraciais no Brasil e nos Estados Unidos, respectivamente. O primeiro se conecta aos marcadores e (ou) caracteres sociais (e raciais) que identificam fenotipicamente o negro no Brasil, já o segundo associa-se mais à origem e à ascendência dos sujeitos (one-drop rule). A propósito, tal desequilíbrio quanto à repartição dos bens simbólicos (apropriados pela matriz branca) nos revela igualmente sintomas sobre a existência de outras mais-valias nas esferas econômica, social, cultural, erótica, psicoafetiva, et al. Salientamos bem assim, haver entre as palavras e as expressões copiosamente mencionadas, representações sociais estremadas por essencialismos e negatividades sobre o negro, (re)produzindo um “lugar social de confinamento” (CARVALHO, 2006) ou “lugar do negro” (GONZALEZ; HASENBALG, 1982), divisando a negritude entre zonas ou “áreas moles” e “duras” (SANSONE, 1996), ou seja, construindo simbolicamente e circunscrevendo socialmente o negro a determinadas espacialidades, ocupações, camadas sociais e papéis sóciossexuais delimitados. Em estudos elaborados sobre as relações étnicorraciais nas cidades baianas de Camaçari e Salvador, Sansone (1996) discerniu as relações de cor basicamente em três espacialidades, ou seja, “áreas duras”, “áreas moles” e “espaços negros”. As primeiras correlacionam-se aos mercados de trabalho, às confluências da paquera (e do matrimônio) e aos contatos com a polícia, minimizando ou inexistindo as possibilidades de trânsito. As segundas delineiam todas as esferas acessíveis ao negro, permitindo-lhe a consecução de prestígio, tais como o âmbito do lazer em geral, onde se evita a abordagem das nomenclaturas de cor e até mesmo do racismo, tais como nas igrejas e centros espíritas. Já as terceiras configuram os locais nos quais ser negro é vantajoso, p. ex. o bloco afro, a batucada, o terreiro de candomblé, a roda de capoeira; frequentemente denominadas pelo termo “cultura negra”.

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Destacamos da mesma forma que as aplicações de questionários expuseram um autodesempenho estudantil insatisfatório para 61,53% dos estudantes, em sua maioria esmagadora, pardos e pretos. Percentual corroborado através das observações em salas de aulas e entrevistas informais, no período em que foi realizada essa investigação. Para nós estes dados indiciam também a ponderação de uma “razão sensível” (MAFESOLI, 1998) e a importância das componentes “raça”, “classe social”, “gênero” e “psicoafetiva”, na leitura e interpretação de informações que tangem ao autodesempenho insatisfatório discente, sendo uma “questão complexa” (MORIN, 2011), portanto multifrontal, variada e plurívoca; estando (in)direta e implicitamente relacionada à autoestima, afetos, sentimentos, concepções de mundo (cosmologias), perspectivas de vida e, consequentemente, às construções identitárias.

Autodesempenho: 1-insatisfatório; 2-satisfatório Fonte: Elaboração própria

A razão sensível em Mafesoli aposta numa sabedoria relativista, considerando a inexatidão, a incerteza e o inacabamento do conhecimento. Logo, desdenha uma concepção epistemológica totalizante da scientia e anuncia a potência que a interação entre as verdades parciais podem oferecer às interpretações na produção de teorias

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sociais. Assim, tal percepção observa a ciência como a cristalização de um “saber disperso na vida, através do mundo cotidiano”, indiciando simultaneamente a ambição e a modéstia de toda progressão do conhecimento que deve encarnar na realidade empírica. Tal razão se conecta à produção de um saber "dionisíaco", que visa achegarse tão quanto possível de seu objet de connaissance, estabelecendo a topografia da incerteza e do imprevisível, da desordem e da efervescência, do trágico e do nãoracional, por conseguinte tocando as multiplicidades da realidade e os "imponderáveis da vida real" (MALINOWSKI, 1998), sendo portanto, um instrumento conceitual interessante para se pensar o fenômeno social (e sociológico) do racismo, considerando a sua cartografia de fluxos multitudinários e as suas dimensões micropolíticas. A leitura desses dados também pode revelar sinais de um sofrimento psíquico (pathos) vivenciado por vários estudantes na dimensão dos afetos (e sentimentos), segundo

os

estudos

sobre

a

psicopatologia

fundamental

freudolacaniana

e

consequentemente, uma insuficiência imunológico psíquica. Apriori sendo um epifenômeno da questão social (associado à relação entre o capital e trabalho, portanto à esfera da reprodução da vida material), uma vez que as inserções destes estudantes nas estruturas familiares e comunitárias não foram investigadas nesta pesquisa.

34

4. Considerações Finais

Os

estudos

que

até

agora

congraçamos

nas pesquisas

acerca

das

representações sobre o negro na esfera das Escolas Públicas da Grande Vitória, englobaram estudos de caso que realizamos nos colégios Clotilde Rato (neste trabalho específico) e Almirante Barroso (realizado em 2013, sob a orientação da Prof.ª Amorim e publicizado em 2015)14, dessa forma compondo um mosaico para a constituição duma lente interpretativa, com vistas a uma antropossociologia das relações étnicorraciais nesse âmbito. Conduzindo investigações no orbe das escolas, percebemos que a construção do negro nas representações sociais, no seio das escolas públicas dessa região, apresenta-se atravessada por atributos negativos e essencialismos, que influenciam no ordenamento das relações étnicorraciais cotidianas, logo na autoestima, pensamentos, afetos, sentimentos, compreensões de mundo e (ou) cosmologias, perspectivas de vida e construções identitárias dos estudantes negros. Basicamente, interpretamos e analisamos os conteúdos das formas simbólicas das representações sociais, presentes na ordem dos discursos, colhidas através das observações etnográficas de campo nas salas de aulas, pátios institucionais, mediante entrevistas informais e questionários semiestruturados aplicados. Ademais, apropriamonos

dessas

informações

para

elaborar

reflexões

sobre

a

construção

e

institucionalização do racismo na sociedade brasileira, sensibilizados por um aporte teórico e metodológico, orientado pela hermenêutica de profundidade e pelo indiciarismo, na construção do conhecimento. Por fim, apontamos outras possibilidades de interpretações dos dados coletados e (ou) do aprofundamento da questão abordada, a partir da consecução de dados mais detalhados, como por exemplo, através de uma análise mais rotunda do perfil socioeconômico do grupo social que permeia o espaço escolar e da (re)constituição das narrativas das histórias de vidas desses estudantes, confrontando o diagnóstico dos resultados e o exame das tópicas que aqui enfocamos, de modo a enfatizar as 14

Novamente cf. o artigo Considerações sobre o racismo no Brasil, a partir das representações acerca do negro, no imaginário das Escolas Públicas, na Grande Vitória-ES (2015).

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interconexões entre a relação capital x trabalho, a raça/etnia e o gênero. Em projetos e planos posteriores, poderíamos prosseguir com uma investigação social mais apurada, desde que haja demanda, recursos e espaço-tempo alocados disponíveis.

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Referências

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37

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38

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Anexo 1

Questionário aplicado aos estudantes do Colégio Clotilde Rato. Informações gerais:

Nome: ________________________________________________________________ Data de nascimento: _________________________ Sexo: ( ) F

( )M

( ) outros

Bairro em que mora:________________________ Tel./Cel:______________________ Qual é a sua raça/cor?____________________________________________________ De acordo com as categorias de cor/etnia do IBGE (branco, preto, pardo, amarelo e indígena), como você se classifica?__________________________________________ Qual a sua religião?______________________________________________________ Série em que você estuda: ( ) 1º ano

( ) 2º ano

( ) 3º ano

Por que você estudar na Escola Clotilde Rato? _____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ Com quem mora? (

) ambos os pais 

(

) mãe

(

) pai

(

) mora com os

parentes ou outras pessoas. Com quem?_____________________________________ ______________________________________________________________________ Qual a renda da sua família? ______________________________________________ Faz atividades fora da escola: ( ) não

( ) sim

Quais atividades você faz fora da escola? (

) nenhuma

(

) curso de línguas

(

) esportes

(

) estágio

(

) trabalho

( ) outras atividades. Quais? ______________________________________________ ______________________________________________________________________

Sobre o preconceito racial na sociedade brasileira: 1 – Quanto ao preconceito racial no Brasil, o quê você acha? ( ) O preconceito racial existe abertamente no Brasil.

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( ) O preconceito racial no Brasil existe, porém ele “apresenta-se oculto”. ( ) Não existe preconceito racial na sociedade brasileira. 2 – Você acha que o preconceito racial na sociedade brasileira é discutido ou ignorado? ( ) O preconceito racial é discutido. ( ) O preconceito racial é ignorado.

3 - Você sabe quais são as reivindicações do movimento negro aqui no Brasil? ( ) não

( ) sim. Quais? ________________________________________________

______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 4 – Quanto à ideia de que haveria igualdade de oportunidades para negros e brancos na sociedade brasileira, assinale uma das alternativas abaixo: ( ) Existe igualdade racial no Brasil. ( ) A ideia da igualdade racial está presente no imaginário social brasileiro, porém não se confirma na nossa sociedade. ( ) Nunca existiu igualdade racial no Brasil.

Políticas afirmativas na UFES: 5 – O que você acha das cotas para os estudantes de escolas públicas no vestibular da UFES? ( ) sou contra

( ) sou a favor

Por quê? ______________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 6 – O que você acha das cotas para os estudantes de escolas públicas negros e pardos no vestibular da UFES? ( ) sou contra

( ) sou a favor

Por quê? ______________________________________________________________

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______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________

Acerca do desempenho e perspectivas de futuro:

07 - Você se considera boa aluna (ou bom aluno)? Por quê? Você tem notas boas? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ 08 – O quê você pretende fazer, quando terminar o ensino médio (trabalhar, fazer vestibular, um curso técnico etc.)? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ _____________________________________________________________________

Questões específicas sobre o preconceito racial: 09 – Escreva o que lhe vier à mente de imediato, ao ler cada uma destas palavras e expressões: a. Cor dos olhos: ____________________________________________________ _________________________________________________________________ b. Tipo de cabelo: ____________________________________________________ _________________________________________________________________ c. Cor da pele: ______________________________________________________ _________________________________________________________________ d. Branco: __________________________________________________________ _________________________________________________________________ e. Negro: ___________________________________________________________

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_________________________________________________________________ f. Macumba:________________________________________________________ _________________________________________________________________ 10 – Você já sofreu algum preconceito racial na escola ou presenciou alguma atitude racista nela? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________

11 - Em relação ao ambiente escolar, você acha que existem diferenças no tratamento dado aos estudantes brancos e negros?  ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 12 – Você pode descrever situações na sua vida, em que você sofreu algum preconceito racial ou presenciou alguma atitude racista (infância, escola, família, trabalho...)? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________

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