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June 1, 2017 | Autor: Karin Philippov | Categoria: Art History, History of Art, História da arte
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FUNDAÇÃO ARMANDO ÁLVARES PENTEADO

SAUDADE

KARIN PHILIPPOV

Trabalho de Conclusão de Curso Pós Graduação em História da Arte São Paulo/2006

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KARIN PHILIPPOV

SAUDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Pós Graduação em História da Arte da Fundação Armando Álvares Penteado, como exigência parcial para obtenção de certificado de conclusão, sob a orientação da Profa.Dra. Elaine Dias.

SÃO PAULO/ 2006

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Ficha Catalográfica

___________________________________________________________ PHILIPPOV, Karin. Saudade. Karin Philippov

Trabalho de Conclusão de Curso – FAAP – São Paulo, 2006.

1. Almeida Júnior 2. Saudade 3. Século XIX 4. Pintura francesa 5. Pintura italiana ____________________________________________________________________

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À memória dos meus avós José e Elvira, Constantin e Tatiana. Aos meus pais e à minha irmã. À memória de José Ferraz de Almeida Júnior.

5 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha orientadora Profa. Dra. Elaine Dias por todo apoio e orientação obtidos nessa longa pesquisa. Agradeço à Profa. Dra. Priscila Rossinetti Rufinoni por todas as dicas e conselhos durante minha pesquisa. Agradeço à Profa. Dra. Suzana Torres por toda a ajuda na difícil arte de formatar minha monografia, arte esta mais difícil do que a própria pesquisa. Agradeço à Profa. Dra. Ana Paula Simioni pelas dicas quando o trabalho para sua disciplina foi feito, pois a partir deste é que minha vontade de aprofundar o estudo sobre a obra de Almeida Júnior se intensificou. Agradeço a todos os professores da FAAP pelas maravilhosas e edificantes aulas que tive e por tudo que aprendi no decorrer do curso. Agradeço aos funcionários das bibliotecas da FAAP, da ECA-USP, do Museu Paulista, do Instituto de Estudos Brasileiros - IEB, da Pinacoteca do Estado de São Paulo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU-USP e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp por todo o auxílio na pesquisa bibliográfica. Agradeço ao setor de Museologia da Pinacoteca do Estado de São Paulo por ter me cedido informações precisas sobre a documentação da obra Saudade. Agradeço ao meu estimado Renato Brolezzi pelas dicas que ajudaram a elucidar certos pontos do estudo. Agradeço, enfim, a todos que me ajudaram de alguma maneira nessa longa jornada, mesmo que não consiga me lembrar com exatidão. Agradeço a Deus por ter me dado forças para prosseguir em meus estudos nos momentos mais difíceis, trazendo paz, calma e confiança. Mais uma vez meu muito obrigada por tudo.

6 RESUMO Partindo da obra Saudade, pintada por José Ferraz de Almeida Júnior, em 1899, nosso estudo de caso discute as relações que permeiam sua produção, reveladas através do diálogo estabelecido pelo artista dentro de sua própria obra, bem como com a tradição francesa e italiana. Ou seja, partindo da observação de Saudade, verificamos todas as relações possíveis entre o pintor ituano e a tradição que o circunda. Uma vez que Almeida Júnior vai à Itália em 1882, nosso estudo busca os possíveis diálogos entre o pintor de Saudade e Domenico Morelli, estabelecendo de forma mais decisiva a afinidade com o discípulo deste, Henrique Bernardelli, o qual sendo contemporâneo quase exato de Almeida Júnior traz em sua produção características semelhantes de composição e de não idealização. Sendo assim, além de buscar o referido diálogo com a tradição européia, nosso estudo propõe outras questões relacionadas à poética de Almeida Júnior, tais como seu contato com a pintura de gênero e sua aproximação com a fotografia. Aqui, consideramos que ambos os tópicos estão presentes na obra tema, uma vez que Saudade possui semelhanças formais com a pintura de gênero holandesa do século XVII. Do mesmo modo, consideramos que a fotografia também tem um papel relevante em sua produção, tanto como captação de um instante quanto como presença física através da “carte de visite” trazida na mão da personagem da obra em questão. Nosso estudo ainda observa outros elementos, sobretudo, no que tange à não idealização, à composição ortogonal e à paleta empregada pelo artista, a qual parte do negro como cor e como origem de todas as outras. Cabe ressaltar aqui, que a presença de tais elementos é posta em relação aos contextos histórico-social e artístico do Realismo francês, através de Gustave Courbet, Édouard Manet, Jean-Baptiste-Camille Corot, Charles Giron, Gavarni, Léon Augustin Lhermitte, Jean Béraud, Fernand Pelez e de Jules Breton.

7 SUMÁRIO Introdução. 13 Metodologia 15 Capítulo1 - Reflexões Internas à Obra de Almeida Júnior 17 1.1 Caso Maria Laura do Amaral Gurgel 18 1.2 A figura feminina em Partida da Monção e em Nhá Chica 21 A figura feminina em A Noiva 27 1.3 A figura feminina em Leitura 31 1.4 Exemplos que remetem à Saudade 34 Capítulo 2 – Saudade: Uma Fortuna Crítica 36 2.1 Considerações sobre a fortuna crítica de Saudade 42 Capítulo 3 – Saudade e seu Diálogo com os Franceses, com a Pintura de Gênero, com Domenico Morelli, Henrique Bernardelli e Aproximação com a Fotografia 45 3.1 Aspectos formais, históricos e estéticos da viagem de Almeida Júnior à Paris 46 3.1.1 Almeida Júnior e sua relação com a pintura de gênero 51 3.1.2 A viagem de Almeida Júnior à Itália: contatos com Domenico Morelli e Henrique Bernardelli 55 3.2 A aproximação de Almeida Júnior com a fotografia 63 Capítulo 4 – O Diálogo de Almeida Júnior com os Pintores Franceses 68 Considerações Finais 95 Anexo 98 Bibliografia 100 Referências Bibliográficas 102 Webgrafia 104

8 SUMÁRIO DAS ILUSTRAÇÕES Este sumário consiste das imagens analisadas no texto em sua primeira aparição. Capítulo 1 Fig.1. José Ferraz de Almeida Júnior. Saudade, 1899, óleo sobre tela, 197 x 101 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo. – p. 17. Fig.2. Maria Laura do Amaral Gurgel, fotografia, s/d. – p.19. Fig.3. Belmiro Barbosa de Almeida Júnior. Arrufos, 1887, óleo sobre tela, 89 x 116 cm, Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. – p.20. Fig.4. Rodolfo Amoedo. Más Notícias, 1895, óleo sobre tela, 100 x 74 cm, Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. - p.20. Fig.5. José Ferraz de Almeida Júnior. Caipira Picando Fumo, 1893, óleo sobre tela, 202 x 143 cm, Pinacoteca do estado de São Paulo. – p. 21. Fig.6. José Ferraz de Almeida Júnior. Partida da Monção, 1897, óleo sobre tela, 640 x 390 cm, Museu Paulista. – p.22. Fig.7. José Ferraz de Almeida Júnior. O Violeiro, 1899, óleo sobre tela, 141 x 172 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo. – p.24. Fig.8. José Ferraz de Almeida Júnior. Leitura, 1892, óleo sobre tela, 95 x 141 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo. – p.25. Fig.9. José Ferraz de Almeida Júnior. Nhá Chica, 1895, óleo sobre tela, 109 x 72 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo. – p.25. Fig.10. Jan Vermeer van Delft. Mulher Segurando uma Balança, 1662/3, óleo sobre tela, 42,5 x 38 cm, National Gallery de Washington. – p.26. Fig.11. José Ferraz de Almeida Júnior. A Noiva, 1886, óleo sobre tela, 64 x 50 cm, Coleção Particular, São Paulo. – p.28. Fig.12. Spinello, Medalha de Poliziano, data ignorada, medalha, medidas ignoradas, destino ignorado. – p.28. Fig.13. Camafeus, data ignorada, 23 x 18 cm, Museu Dom Bosco. – p. 28. Fig.14. Piero della Francesca. Duplo Retrato de Battista Sforza e Federico da Montefeltro, 1465/66, óleo sobre painel, 47 x 33 cm cada, Galleria degli Uffizi, Florença. – p. 29. Fig.15. Antonio del Pollaiolo. Retrato de Mulher Jovem, circa 1475, têmpera sobre Madeira, 55 x 34 cm, Galleria degli Uffizi, Florença. – p. 29. Fig.16. Leonardo da Vinci. A Bela Ferronière, circa 1490, óleo sobre painel, 63 x 45 cm, Museu do Louvre, Paris. – p.29. Fig. 17. Jan Vermeer van Delft. Moça com Brinco de Pérola, circa 1665, óleo sobre tela, 46,5 x 40 cm, Mauritshuis, Haia. – p. 30. Fig.18. Alexandre Cabanel. O Nascimento da Vênus, circa 1863, óleo sobre tela, 130 x 225 cm, Museu D’Orsay, Paris. - p.32. Fig.19. Tiziano Vecellio. Maria Madalena Penitente, década de 1560, óleo sobre tela, 118 x 97 cm, Hermitage, São Petersburgo. – p.32. Fig.20. Alphonse Mucha. Dança, 1898, painel decorativo, 38 x 60 cm, destino ignorado. – p.32. Capítulo 31 Fig.21. Gustave Courbet. Os Quebradores de Pedra, 1850, óleo sobre tela, 160 x 259 cm, anteriormente na Gemäldegalerie, Dresden, destruído na Segunda Guerra. p. 47. 1

O capítulo 2 não possui imagens.

9 Fig.22. Jean-François Millet. O Angelus, 1859, óleo sobre tela, 55,5 x 66 cm, Museu D’Orsay, Paris. – p.47. Fig.23. José Ferraz de Almeida Júnior. O Derrubador Brasileiro, 1879, óleo sobre tela, 227 x 182 cm, Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. – p.48. Fig.24. Gustave Courbet. O Enterro em Ornans, 1849, óleo sobre tela, 315 x 663 cm, Museu D’Orsay, Paris. – p. 49. Fig.25. Gustave Courbet. O Estúdio do Pintor: Uma Alegoria Real Somando Sete Anos de Minha Vida Artística, 1854/55, óleo sobre tela, 360,7 x 599,4 cm, Museu D’Orsay. – p.50. Fig.26. Tiziano Vecellio. Amor Sacro e Amor Profano, 1514, óleo sobre tela, 118 x 279 cm, Galeria Borghese, Roma. – p.50. Fig.27. Jacob van Ruysdael. Queda-d’água em Paisagem Montanhosa Setentrional com Castelo e Chalé, circa 1665, óleo sobre tela, 99,7 x 86,36 cm, Fogg Art Museum, Massachusetts. – p.53. Fig.28. José Ferraz de Almeida Júnior. Fuga para o Egito, 1881, óleo sobre tela, 333 x 226 cm, Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. – p.54. Fig.29. José Ferraz de Almeida Júnior. Descanso do Modelo, 1882, óleo sobre tela, 98 x 131 cm, Museu nacional de Belas Artes do Rio de janeiro. – p.54. Fig.30. Domenico Morelli. Torquato Tasso ed Eleonora d’Este, 1861, óleo sobre tela, dimensões ignoradas, Museu di Capodimonte, Itália. – p.56. Fig.31. Domenico Morelli. Conte di Lara, 1861, óleo sobre tela, 74 x 98 cm, Galleria Von Vuiller di Napoli, Itália. – p.57. Fig.32. Édouard Manet. O Bebedor de Absinto, 1859, óleo sobre tela, 177,5 x 103 cm, New Carlsberg Glyptotek, Copenhagen, Dinamarca. – p.57. Fig.33. Henrique Bernardelli. Retrato de Senhora, 1895, óleo sobre tela, 150 x 73 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo. – p.59. Fig.34. Henrique Bernardelli. Bandeirantes, 1889, óleo sobre tela, 130 x 113 cm, Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. – p.60. Fig.35. Henrique Bernardelli. Mulher Italiana, circa 1880, nanquim sobre papel, 47,5 x 32,6 cm, Museu nacional de Belas artes do Rio de Janeiro. – p.61. Fig.36. José Ferraz de Almeida Júnior. Caipiras Negaceando, 1888, óleo sobre tela, 281 x 215 cm, Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. – p.63. Fig.37. José Ferraz de Almeida Júnior. Amolação Interrompida, 1894, óleo sobre tela, 200 x 140 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo. – p.63. Fig.38. José Ferraz de Almeida Júnior. Cena da Família Augusto Pinto, 1891, óleo sobre tela, 106 x 137 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo. – p.65. Fig.39. Edgar Degas. Place de la Concorde, 1875, óleo sobre tela, 78,4 x 117,5 cm, Hermitage, São Petersburgo. – p.66. Capítulo 4 Fig.40. Alexandre Cabanel. Retrato de Catharine Lorillard Wolfe, 1876, óleo sobre tela, 171,5 x 108,6 cm, Metropolitan Museum of Art, New York. – p.70. Fig.41. Jean-François Millet. As Respigadeiras, 1857, óleo sobre tela, 83,5 x 111 cm, Museu D’Orsay, Paris. – p.72. Fig.42. José Ferraz de Almeida Júnior. Cozinha Caipira, 1895, óleo sobre tela, 63 x 87 cm, Pinacoteca do Estado de São Paulo. – p.75. Fig.43. Léon Augustin Lhermitte. O Pagamento dos Ceifeiros, 1882, óleo sobre tela, 215 x 272 cm, Museu D’Orsay, Paris. – p.75. Fig.43a. detalhe de O Pagamento dos Ceifeiros. – p.75. Fig.44. Jules Breton. Jovem Camponesa, 1882, óleo sobre tela, 52 x 46 cm, Museu Van

10 Gogh, Amsterdam. – p.77. Fig.45. Fernand Pelez. Sem Asilo, circa 1890, óleo sobre tela, 87 x 100 cm, Museu do Petit Palais, Paris. – p.78. Fig.46. Piet Cornelis Mondrian. Composição em Vermelho, Amarelo e Azul, 1921, óleo sobre tela, dimensões ignoradas, Museu Amersfoort, Holanda. – p.79. Fig.47. Bartolomé Esteban Murillo. O Jovem Mendigo, circa 1645/50, 134 x 100 cm, Museu do Louvre, Paris. – p. 81. Fig.48. Jean-Baptiste-Camille Corot. A Leitura Interrompida, 1865/70, óleo sobre tela, 92,5 x 65,1 cm, Instituto de Artes de Chicago, EUA – p.83. Fig.49. Charles Giron. Mulher de Luvas, dita A Parisiense, 1883, óleo sobre tela, 200 x 91 cm, Museu do Petit Palais, Paris. – p.86. Fig.50. Gavarni. A Vendedora de Laranjas, s/d, litogravura, dimensões ignoradas, destino ignorado. – p.89. Fig.51. Jean Béraud. Esperando ou Rua de Chateaubriand, 1935, óleo sobre tela, 56 x 39,5 cm, Museu D’Orsay, Paris. – p.91. Fig.52. John Singer Sargent. Madame Pierre Gautreau, 1884, óleo sobre tela, Metropolitan Museum of Art, New York. – p.92. Fig.53. Édouard Manet. Retrato de Berthe Morisot, 1872, óleo sobre tela, 55 x 38 cm, coleção particular. – p.93.

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12 FICHA TÉCNICA DA OBRA: Autor: José Ferraz de Almeida Júnior Datas de nascimento e morte: 8 de maio de 1850, Itu – 13 de novembro de 1899, Piracicaba, São Paulo. Título da obra: Saudade Técnica: óleo sobre tela Dimensões: 197 x 101 cm Doação de Leonor Mendes de Barros – Instituição Particular de doação em 18/04/1982. Valor da obra na época: Cr$ 2.000.000,00 (sem parâmetros financeiros atuais). Data de entrada no acervo: 28/04/1982 Número de tombo: 3177 Assinatura: Almeida Jr. 1899, no canto inferior esquerdo da obra. Fonte: Setor de Museologia da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

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INTRODUÇÃO

A análise da obra de José Ferraz de Almeida Júnior (Itu, 1850-Piracicaba, 1899) nos permite refletir sobre seu papel dentro da História da Arte Brasileira do século XIX. Para compreendermos sua posição neste contexto artístico-histórico, propomos aqui um estudo de uma obra, a qual comunica por si só revelando-nos ainda diálogos possíveis com as tradições francesa e italiana. Assim, partindo da obra Saudade, pintada por Almeida Júnior em 1899, analisamos a maneira pela qual estrutura sua obra, ou seja, quais recursos emprega para compô-la, tanto em relação aos aspectos formais, estéticos e cromáticos, quanto em relação às aproximações intelectuais estabelecidas com pintores contemporâneos seus, contatos estes tomados em sua viagens à Paris, de 1876 a 1882. Através do contato mantido com o artista francês Alexandre Cabanel (18231889) - seu professor na Ecole Supérieure des Beaux-Arts -, além do contato efetivo com as obras de Gustave Courbet (1819-1877), Édouard Manet (1832-1883), JeanBaptiste-Camille Corot (1796-1875), Charles Giron (1850-1914), Sulpice-Guillaume Chevalier (1804-1866), conhecido como Gavarni, Léon Augustin Lhermitte (18441925), Jean Béraud (1849-1935), Fernand Pelez (1848-1895) e Jules Breton (18271906), buscaremos na obra de Almeida Júnior, especialmente em Saudade, os elementos que permeiam o diálogo deste último com a tradição francesa, com o intuito de explorar os traços em comum. Também cotejaremos a obra de Almeida Júnior com o artista mexicano de nascimento e radicado no Brasil, Henrique Bernardelli (1858-1936) e com Domenico Morelli (1823-1901), professor deste último na Itália. Deve-se ressaltar aqui, que Almeida Júnior esteve na Itália em 1882, ano em que encontrou Henrique Bernardelli e seu mestre. O presente estudo também visa aproximar Almeida Júnior da fotografia, invenção do século XIX e que se faz presente em sua obra, como será demonstrado com maior detalhamento mais adiante. Além disso, pretendemos analisar algumas questões biográficas sobre seu relacionamento com Maria Laura do Amaral Gurgel, o qual desencadeou o assassinato do pintor, por seu primo, conforme veremos no capítulo 1 e no anexo, o qual traz a cópia da carta que desencadeou a tragédia. Entretanto, se tais eventos não determinam o

14 andamento de sua obra, ao menos parecem ter influenciado Saudade. É inegável que a obra faz parte da biografia do artista. A obra de Almeida Júnior em questão, Saudade, vai muito além de seu possível relacionamento com Maria Laura do Amaral Gurgel. É preciso que se considere que sua obra faz parte de uma poética inerente ao pintor e ao contexto histórico, social e artístico do qual faz parte. E é com todas estas relações artísticas, estéticas, históricas e formais que o trabalho em questão se desenvolve. Desta maneira, no capítulo 1 trataremos da análise de Saudade em relação à Maria Laura do Amaral Gurgel e colocaremos a obra tema em diálogo com outras obras do pintor, tais como, Partida da Monção, A Noiva, Leitura e Nhá Chica. Além disso, nosso estudo visará cotejar a obra em questão com a pintura de gênero de Jan Vermeer, pintor holandês do século XVII que explora em suas cenas de interior aspectos compositivos e luminosos que remontam à produção de nosso mestre ituano. No capítulo 2 discorreremos acerca da fortuna crítica de Saudade com o intuito de entender como os autores interpretaram a referida obra ao longo do tempo, partindo de uma visão romântica e chegando ao debate crítico relacionado ao tema. Então, poderemos lançar nossa própria interpretação sobre as já realizadas, destacando aquilo que se afigura como mais pertinente à nossa análise. Em seguida, no capítulo 3 prosseguiremos nosso percurso com mais subsídios para compreender o modo como Almeida Júnior dialoga com as tradições francesa e italiana, estabelecendo parâmetros comparativos, ou seja, focaremos nosso olhar para as questões sociais envolvidas na produção artística tanto dos franceses, em especial Gustave Courbet, além do cotejo entre o ituano, Domenico Morelli e Henrique Bernardelli. Aqui, também lançaremos uma nova interpretação sobre o pintor ituano na abordagem de sua obra em relação à pintura de gênero representada por Jan Vermeer. Outra novidade que este capítulo traz concerne à relação do pintor de Saudade com a fotografia. Finalmente, no último capítulo deste estudo de caso, voltaremos nosso olhar com mais atenção ao diálogo que Almeida Júnior estabelece com a tradição francesa, apontando para questões como a estrutura ortogonal, o emprego do negro como vestimenta e como cor da qual todas as outras partem. Com isso, pretendemos elaborar uma nova leitura sobre sua obra buscando, através dos detalhes observados e da pesquisa bibliográfica, novas conclusões sobre o assunto.

15 METODOLOGIA O presente estudo tem por objetivo a análise da obra Saudade, de José Ferraz de Almeida Júnior, e suas possibilidades de diálogo com as produções francesas, brasileiras e italianas contemporâneas ao artista. Partindo de um olhar centrado em uma obra de arte, ou seja, um olhar que se quer metonímico, o trabalho se desenvolve neste processo já muito explorado dentro do debate historiográfico da arte. Com a crise das grandes metáforas nacionais francesas, surgidas após a Revolução Francesa, e que pretendiam englobar todos os cidadãos franceses do século XIX dentro da disciplina histórica de Jules Michelet, por exemplo, vemos surgir um esgotamento desse padrão metafórico e generalizante, além da criação de outras disciplinas científicas tais como, o positivismo, o darwinismo e a sociologia, que pretendem dar conta do papel desempenhado pelo homem na sociedade, o qual começa a refletir por meio de questionamentos muito mais voltados para a própria arte, surgida enquanto ciência e disciplina no próprio século XIX, com Jacob Burckhardt (teórico suíço que partiu de estudos teológicos até chegar ao estudo sobre a civilização do homem do Renascimento), com o vienense Aloïs Riegl, criador da Universidade de Viena, além do também vienense Erwin Panofsky e do alemão Aby Warburg, por exemplo. Mas é preciso que guardemos as diferenças e as semelhanças entre os três historiadores. Burckhardt parte, por exemplo, de um estudo voltado para as civilizações a fim de compreender a produção artística do homem do Renascimento. Já, Panofsky tem seu olhar voltado para abordagens iconográficas e iconológicas, além de trabalhar com o conceito de “Kunstwollen”, criado por Aloïs Riegl, ou seja, da vontade artística surgida naquilo que o artista produz dentro de um determinado período histórico, aliás tal conceito revela um caráter psicologizante da obra, pois não cabe ao artista optar por produzir isto ou aquilo, mas sim, desenvolver seu pensamento plástico conforme o contexto histórico no qual vive. Finalmente, Warburg traz uma contribuição de suma importância para a historiografia da arte, ao propor constantes formais presentes nas obras de arte, que se perpetuam ao longo dos séculos e das tradições, por exemplo, em seus estudos sobre Botticelli (1902), encontramos formas que se repetem, oriundas de sarcófagos romanos, ou formas provenientes da astrologia. Warburg também nos propõe que estas constantes formais são transmitidas de geração a geração através do que ele chama de “pathos formel”, ou seja, as formas produzem empatia no artista e no

16 espectador. Porém, vale ressaltar que o presente estudo apenas enumera algumas das diferenças entre estes teóricos-historiadores, sem pretender aprofundar questões inerentes a eles. Assim, o presente estudo revela como a análise da obra Saudade pode ser conduzida dentro de uma abordagem que considere os aspectos panofskianos de iconografia e iconologia, o “Kunstwollen” de Riegl, além da relação com o “pathos formel” de Warburg, mas sem, contudo, desprezar o contexto histórico no qual as obras foram feitas, mesmo porque Burckhardt, Panofsky, Riegl e Warburg são historiadores da arte e seus pensamentos giram em torno de questões históricas e metodológicas. E uma vez que estamos pensando a obra Saudade de Almeida Júnior em relação à produção francesa, brasileira e italiana, representadas por Alexandre Cabanel, Gustave Courbet, Edouard Manet, Jean-Baptiste-Camille Corot, Charles Giron, SulpiceGuillaume Chevalier, conhecido com Gavarni, Léon Augustin Lhermitte, Jean Béraud, Fernand Pelez, Jules Breton, Henrique Bernardelli e Domenico Morelli, torna-se necessário que nossa análise siga alguns dos preceitos expostos aqui, levando em conta o contexto histórico no qual as obras foram realizadas, bem como fundamentar o percurso a partir da análise iconográfica, iconológica, da “Kunstwollen” e do “pathos formel”. Entretanto, o presente trabalho não desconsidera o fato de que toda análise deve estar inserida dentro do âmbito da História da Cultura, ramo da história já trabalhado por Aby Warburg, para que se possa ter uma maior compreensão do universo representacional de Almeida Júnior, dos valores expressos em cada uma de suas pinceladas. Desta forma, o estudo pretende unir todas as possibilidades de análise descritas acima à História da Cultura, com a finalidade de esclarecer algumas questões sobre sua obra.

17 1 - REFLEXÕES INTERNAS À OBRA DE ALMEIDA JÚNIOR Um dia, estando eu arrebatado em frente do misterioso quadro, interrogando-o, o meu espírito encontrou o do artista, que daqueles traços femininos olhava cá para fora, e eis que naquele contacto recíproco se acendeu de improviso uma centelha, e eu exclamei com alegria: ‘És mesmo tu, amigo Giorgione’ e o quadro respondeu: ‘Sim, sou eu’. 2 Uma mulher. Uma mulher que chora e não contém suas lágrimas ao olhar para uma fotografia. A fotografia do estilo “carte de visite” que ela segura com sua mão esquerda parece mostrar a imagem de um ente querido. Seria um amor que partiu definitivamente ou por morte ou por abandono? Com seu xale simples e desgastado pelos anos, ela cobre parcialmente o rosto, mas ainda podemos ver a dor em seus olhos inchados, em suas lágrimas que percorrem o nariz, nas vestes escuras de sua figura encolhida no canto de um cômodo simples, de parede de tijolos retratados com grande rigor descritivo. Ela está apoiada em uma janela aberta, de madeira, e em um baú entreaberto, encimado por aquilo que parece ser um álbum de fotografias, coberto por um pano. Na parede de tijolos, vemos um chapéu de palha diáfano pendurado. Além de trajar roupas simples e escuras, calça sapatos bastante desgastados pelo tempo e pelo uso. Estas constituem as primeiras observações da obra Saudade3 de José Ferraz de Almeida Júnior, óleo sobre tela de 1899, ano de sua trágica morte.

detalhes. Fig.1 J. F.de Almeida Júnior. Saudade, óleo sobre tela, (1899).

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Considerações sobre o retrato no. 143, da Galeria Borghese, MORELLI, apud, Giulio Carlo ARGAN. Guia de História da Arte, p. 94. 3 Em se tratando da obra Saudade, a fonte utilizada estará grafada em itálico. A exceção se dará quando o título fizer parte de um texto grafado em itálico, com a utilização da fonte normal.

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Saudade, detalhes da obra.

Analisar uma obra de arte não constitui tarefa fácil, pois seu “sacerdócio” requer muita dedicação, estudos aprofundados e constantes pesquisas. Neste estudo de caso, o que ocorre não é diferente, pois partindo de uma simples, porém não descuidada observação da obra podemos inferir, através de uma série de comparações dentro da própria obra de Almeida Júnior, semelhanças formais e conteudísticas com a obra em questão. Além disso, a análise de textos críticos escritos sobre o assunto nos permite reforçar essa ligação existente entre Saudade (1899), Partida da Monção (1897), A Noiva (1886), Nhá Chica (1895) e Leitura (1892). Mas, afinal, do que trata tal relação? Quais são os possíveis contatos entre estas obras? O que há de comum nisto tudo? Vejamos o que a historiografia nos traz e o que os vários elementos biográficos nos fornecem, nesse sentido.

1.1 - Caso Maria Laura do Amaral Gurgel A historiografia aponta que além de amante de Almeida Júnior, Maria Laura do Amaral Gurgel também serve de modelo para o pintor. A observação de seu retrato nos permite concluir que ela posa para ele em algumas de suas obras, como A Noiva e Leitura.

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Fig.2Maria Laura do Amaral Gurgel, fotografia s/d.

Não constitui objetivo aqui conduzir uma análise biográfica do pintor, mas se torna fundamental discutir o papel que Maria Laura teve na carreira de Almeida Júnior, naquilo que pode contribuir para nosso estudo. É fato que o que desencadeou o assassinato de Jujiquinha, apelido de José Ferraz de Almeida Júnior, foi a descoberta do adultério e traição cometidos por ele contra seu próprio primo e marido de Maria Laura, José de Almeida Sampaio. A traição foi descoberta, segundo Hugo Pedro Carradore4, quando Sampaio foi a São Paulo e ficou hospedado na casa do pintor. Lá, segundo dizem os relatos, encontrou por acaso um maço de cartas de amor, identificadas como sendo de sua esposa. Para isto, não há provas muito conclusivas. Então, Sampaio decide armar a emboscada de 13 de novembro, na qual desfere a punhalada decisiva em seu primo, que diante da amante Maria Laura, tomba morto, dizendo: “Estou morto”. Portanto, resgatar estes aspectos biográficos se torna relevante para o entendimento de seus percursos iconográficos, sobretudo no tocante a Saudade, uma vez que através de suas constantes formais, podemos compreender a enorme contribuição que o artista traz não só para a História da Arte Brasileira do século XIX, mas também para a arte como um todo. Após esta pequena digressão, retomemos as rédeas da análise em questão. Maria Laura de fato serve de modelo para o pintor em A Noiva e Leitura. Mas será que também posa para Partida da Monção e para Saudade? De acordo com Affonso de Escragnolle Taunay5, a hipótese não se confirma em relação à primeira tela, pois: No primeiro plano da enorme tela e à sua extrema direita vê se (sic) um rapazola de espingarda a tiracolo despedindo-se da namorada, toda chorosa. (...), sendo a jovem uma moça de 4

Hugo Pedro CARRADORE, Os Caminhos de Almeida Júnior: o criador do realismo brasileiro, p.28ss. Affonso de Escragnolle TAUNAY. Apud Oséas SINGH JR. Partida da Monção:tema histórico em Almeida Júnior, 2004, p.223. 5

20 notável beleza por nome Maria Amélia, filha de um amigo íntimo do pintor. Em relação à Saudade, não sabemos se a modelo é Maria Laura ou não. O que as obras revelam neste sentido? O que se afigura mais pertinente destacar é que na História da Arte do século XIX, a presença de figuras femininas que choram ou que lêem faz parte da iconografia da época, como podemos ver não só em suas obras, mas naquelas de outros artistas do século XIX, por exemplo, em Belmiro Barbosa de Almeida Júnior (1858-1935) e Rodolfo Amoedo (1857-1941).

Fig.3B. B. de Almeida Júnior. Arrufos, (1887).

Fig.4 R. Amoedo. Más Notícias, (1895).

Na Partida da Monção, única pintura histórica de Almeida Júnior, há, no canto direito do quadro, a figura de uma mulher que chora pela ausência iminente de seu amor que vai para a monção. A cena denota o destino incerto, isto é, não se sabe se ele voltará ou não. Em Saudade, o choro da mulher remete certamente à ausência, pode significar alguém que partiu ou que morreu, por exemplo.

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detalhe de Partida da Monção e Saudade.

Tanto a presença da representação feminina da mulher chorosa em Almeida Júnior e em Belmiro de Almeida, quanto o fato de o pintor representar a figura do caipira empunhando sua arma, por exemplo, durante suas atividades de descanso, como no Caipira Picando Fumo (1893), tem também uma relação com os esquemas iconográficos e culturais do século XIX, sobretudo da arte francesa realista, conforme veremos mais adiante, no capítulo 4. Com isso, tentaremos demonstrar que o pintor traz em suas composições um “pathos formel” ou um “Kunstwollen”, na medida em que sua obra reflete sentimentos comuns à época traduzidos iconográfica e culturalmente, através de constantes formais que se repetem, conforme vemos em nosso percurso pelo capítulo 1. Não podemos deixar de considerar, entretanto, as relações pessoais presentes na escolha desta iconografia por Almeida Júnior, como o envolvimento com Maria Laura, o qual suscita tantas questões.

Fig.5 J.F.de Almeida Júnior. Caipira Picando Fumo,(1893).

1.2 - A figura feminina em Partida da Monção e em Nhá Chica Ao analisarmos a obra Partida da Monção (1897) podemos destacar algumas questões referentes à representação da figura feminina, à direita da obra.

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Fig.6 J.F.de Almeida Júnior. Partida da Monção,(1897)

(detalhe de Partida da Monção)

Saudade (1899)

Iconograficamente, ambas as figuras estão representadas de pé e trajam vestes negras. No entanto, as semelhanças vão além desta primeira observação. Tanto uma como a outra carregam um sentimento de profunda melancolia inerentes à situação em que estão vivendo. Na primeira imagem, a mulher, de certa forma, prevê que não voltará mais a ver seu marido, restando-lhe apenas o consolo de sua menina, que também chora pela pressentida ausência do pai. Já na segunda imagem, tema de nosso estudo, temos praticamente a mesma figura feminina, só que encerrada em seu ambiente doméstico, chorando de forma comedida pela ausência de alguém bastante próximo a ela, representado pela fotografia que segura com sua mão esquerda. As duas imagens relacionam-se no que diz respeito à ausência. A primeira é a ausência iminente – a Partida da Monção – e a segunda, a ausência de fato – Saudade -, representada pela fotografia, compondo uma espécie de narrativa sentimental. Em uma análise mais profunda, podemos propor algumas questões relativas à técnica empregada pelo pintor. Na Partida da Monção, Almeida Júnior nos traz uma figura em tamanho natural, trajando um manto negro azulado sobre um vestido

23 vermelho esmaecido pelo próprio tom do manto, como se as cores emergissem do negro, recurso muito utilizado pela pintura realista francesa, do século XIX, como veremos mais adiante, no capítulo 4, o qual versará acerca do diálogo entre o pintor ituano e os artistas franceses com os quais toma contato. Além disso, também percebemos que o artista opta por uma fatura bem mais sumária, na medida em que não emprega fortes empastamentos cromáticos, com exceção de algumas pequenas áreas da bochecha e do nariz, do lado esquerdo. Comparando esta obra com a do nosso estudo de caso, percebemos que em Saudade, Almeida Júnior dá um acabamento bem mais completo, de uma execução bem menos sumária. Devemos considerar, contudo, que não se trata de um fragmento da tela, como em Partida da Monção. Podemos notar em Saudade os recursos de empastamento cromático presentes no peitoril da janela, (que nos remete aos seus quadros de caipiras, certamente, o qual será discutido adiante), no xale – na fronteira com o braço direito, na orelha, na bochecha, nas bordas da fotografia e em alguns dedos de ambas as mãos. Entretanto, o pintor contrapõe seus empastamentos com zonas de fatura lisa, diluídas com terebintina, presentes nos tijolos da parede, na canastra (baú entreaberto) e no chão. Em outras áreas da pintura ele utiliza pinceladas mais espessas, que não chegam ao limite do empastamento, mas dão certo destaque a obra, como por exemplo, no vestido negro azulado, na base do pé esquerdo e nas fendas da janela.

detalhes de Saudade.

24 Cumpre ainda ressaltar que o artista tem por característica estruturar ortogonalmente suas obras como se inserisse suas figuras dentro de composições geométricas, ou seja, marcadas com rigor por um sistema de horizontais e verticais que amarra o todo, tais como podemos bem observar em Caipira Picando Fumo (1893), com a casa ao fundo, como destaca Jorge Coli6 ao afirmar que na obra de Almeida Júnior, “a geometria é sua grande aliada”; em O Violeiro (1899), com as duas figuras contra a janela; em Leitura (1892), com a mulher sentada em uma cadeira diante de uma grade de terraço; em Saudade (1899) e em Nhá Chica (1895), dentro de um espaço fechado de um cômodo, por exemplo. Esta característica pode ser reforçada por seu aprendizado em Paris, através do contato com a arte francesa, a qual por aspectos inerentes a sua própria historicidade se apresenta dentro de um sistema de ortogonais, conforme veremos nos capítulos 3 e 4, quando cotejaremos a obra tema de nosso estudo com artistas franceses os quais Almeida Júnior estabeleceu diálogo.

J.F.de Almeida Júnior. Caipira Picando Fumo, (1893).

Fig.7 J.F.de Almeida Júnior. O Violeiro, (1899).

6

Jorge COLI. Como Estudar a Arte Brasileira do Século XIX?, p.103.

25

Fig.8 J.F.de Almeida Júnior. Leitura, (1892).

J.F.de Almeida Júnior. Saudade, (1899).

Fig.9 J.F.de Almeida Júnior. Nhá Chica, (1895).

Além do forte rigor estrutural de Almeida Júnior, deve-se destacar uma outra característica que também é bastante evidente em sua obra, representada pelo rigor

26 descritivo de seus elementos personificados pelos tijolos de Saudade, pela fachada da casa de Caipira Picando Fumo, pela janela com sua estrutura de taipa aparente em O Violeiro, e assim por diante. Aqui, podemos estabelecer um paralelo entre sua obra e a obra de um artista holandês do século XVII, como Jan Vermeer van Delft (1632-1675), o qual compõe suas cenas com o mesmo rigor descritivo - típico, de resto, à pintura flamenga -, ainda que seu propósito, séculos antes, seja diferente daquele de Almeida Júnior. Em relação a este tópico, veremos com maior detalhamento mais adiante, na seção 1.5 deste capítulo.

Fig.10 J.Vermeer, Mulher Segurando uma Balança (1662/3).

Ao compararmos nossa obra tema com Nhá Chica (1895), podemos estabelecer alguns parâmetros comparativos, sobretudo no que diz respeito à forma como o pintor estrutura suas obras no espaço. Desta maneira, observamos que ambas possuem muitas semelhanças em seu ambientes, os quais até parecem ser o mesmo, com a diferença que as duas figuras estão em poses invertidas, como se formassem um “pendant” 7. Ambas estão diante de uma janela de um ambiente altamente rústico, mas de tão forte rigor descritivo que se tornam sofisticadas. Entretanto, em Saudade a mulher olha para uma fotografia conforme vimos anteriormente, enquanto que em Nhá Chica, temos o oposto representado pela figura que fuma seu cachimbo olhando para o mundo exterior. Novamente, torna-se evidente o diálogo entre o pintor ituano e Vermeer, através do uso da cena de gênero inserida em um ambiente doméstico que possui uma janela que banha o ambiente com uma luz que revela e oculta detalhes da cena, revelando sutilezas de uma poesia pictórica, conforme constatamos nas obras supracitadas.

7

O modo como Saudade e Nhá Chica estão expostas na Pinacoteca reforça nossa idéia, uma vez que estão dispostas lateralmente, apenas separadas pelo vão que dá acesso à outra sala.

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Saudade

Nhá Chica

Mulher Segurando uma Balança

E ainda em relação à Partida da Monção podemos destacar que, o pintor insere suas figuras retratadas de corpo inteiro em um espaço ao ar livre, a beira do rio Tietê e em Saudade, a figura encontra-se dentro de um espaço fechado, provavelmente em seu ambiente doméstico. Podemos inferir que, embora o artista disponha suas figuras em ambientes tão opostos, a luz que permeia ambas as obras é bastante semelhante, ou até poderíamos arriscar a afirmação de que é quase a mesma, em razão do recurso da janela. Almeida Júnior escolhe representar seu único quadro histórico sob a luz diáfana do amanhecer às margens do Rio Tietê, porém, esta luz guarda afinidades de intensidade com a tela do presente estudo. Assim, percebemos constantes formais nas figuras que são retomadas pelo artista, além das luminosas e cromáticas em sua obra, o que nos permite concluir que em ambas, Almeida Júnior possui um forte sentido daquilo que Aloïs Riegl8 chamou de “Kunstwollen”, ou seja, de uma vontade artística a qual se manifesta em suas representações, ou seja, sentimento expresso pela própria obra. E que, por sua vez, tais representações estão perfeitamente conectadas à sensibilidade artística do século XIX e ao momento histórico no qual foram produzidas.

1.3 - A figura feminina em A Noiva Se em Partida da Monção e em Saudade, Maria Laura não esteve presente como modelo para Almeida Júnior, ela certamente deu esta contribuição para A Noiva (1886).

8

Giulio Carlo ARGAN, Guia de História da Arte, p. 91.

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Fig.11J. F.de Almeida Júnior. A Noiva, (1886).

Neste retrato de 1886, temos um tipo de execução bastante diferente das duas obras posteriores tratadas acima. Aqui, neste perfil hierático de Maria Laura, apenas quase vemos sua cabeça, como se estivesse flutuando em um espaço de luz branca. A imagem nos traz um rosto doce e meigo, que ainda não sofre por amor ou por sua perda, como nas telas anteriormente analisadas. Dado o seu forte hieratismo, sua iconografia nos faz pensar em antigas medalhas, em camafeus (muito utilizados ainda no século XIX) ou em retratos renascentistas, como os de Piero della Francesca (1416-1492), os de Antonio del Pollaiolo (1431/32-1498) e os Leonardo da Vinci (1452-1519), por exemplo.

Fig.12 Spinello, Medalha de Poliziano.

Fig.13 camafeus

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Fig.14Piero della Francesca. Duplo Retrato de Battista Sforza e Federico da Montefeltro, (1465-66).

Fig.15Antonio del Pollaiolo. Retrato de Mulher Jovem (Circa 1475)

Fig16Leonardo da Vinci. A Bela Ferronière, (c.1490)

Entretanto, Almeida Júnior não parece querer afirmar a personalidade de Maria Laura da mesma maneira que Piero della Francesca, Antonio del Pollaiolo e Leonardo da Vinci o fizeram, ao retratar suas personagens naquilo que as mais caracteriza, ou seja, destacando sua posição social ou seu status atribuídos dentro da sociedade renascentista a qual pertencem, por exemplo. O que parece mais pertinente afirmar é que A Noiva possui algo de sacro em seu aspecto, como se ela fosse uma representação religiosa. Entretanto, com isto não se deve desconsiderar os seus aspectos psicológicos, como marca de uma personalidade ou de um estado de alma, pois certamente podemos observar estas características nesta obra também. Se aqui temos a figura da noiva representada por aquilo que a distingue dentro de uma sociedade e de uma época, i.e., com todos seus atributos de pureza, presentes na cor branca do fundo, no véu com seus enfeites de pérolas que cobrem sua cabeça e, finalmente por seu brinco de pérola, da mesma forma que Jan Vermeer van Delft (16321675) utilizou em sua Moça com Brinco de Pérola (c.1665), parecemos ter o oposto acontecendo em Saudade. Nesta tela, o artista a apresenta com todo o sofrimento de quem viu sua ilusão de felicidade se transformar em um vale de lágrimas, atributos estes representados pelas lágrimas, pelo possível luto, pelo brinco negro e pelo chapéu pendurado na janela, simbolizando, talvez, a ausência de seu amado.

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Fig.17 Jan Vermeer van Delft. Moça com Brinco de Pérola, (c.1665)

Da mesma forma, A Noiva também traz em si algo que pode ser tido como momento que antecede um rito de passagem exemplificado pelo casamento. Basta que se veja como seu olhar concentra uma carga de emoção e de excitação causados pelo próprio momento pré-nupcial em que a modelo vive. Talvez, neste caso, o pintor tenha projetado em Maria Laura todos seus sentimentos por ela, ou ela tenha expressado o que sente por ele, haja visto que, de acordo com o levantamento biográfico traçado por Vicente de Paulo Vicente de Azevedo9 foram amantes nessa época. No entanto, as escolhas formais opõem as duas obras: a intensa brancura de um, e os tons terrosos e escuros de outro. Mas o que podemos propor é que Almeida Júnior tratou esta figura classicamente, colocando a personagem no centro do campo de representação e de perfil, da mesma maneira que fizeram Piero della Francesca, Antonio del Pollaiolo, Jan Vermeer van Delft e Leonardo da Vinci, por exemplo, embora este último tenha representado um avanço em relação aos demais por ter inserido sua figura fitando o observador, em médio perfil assim, propondo um olhar diferente dos outros artistas em questão. Não trataremos aqui do desenvolvimento da retratística nestes artistas, mas eles nos servem como apoio para abordagem tomada por Almeida Júnior. Aliás, Almeida Júnior é um artista que se distingue pela estrutura. Mesmo quando não há estrutura de fundo aparente, como em A Noiva, percebemos que ela se destaca do fundo e se equilibra no todo através da cor e da luz. A observação do conjunto de sua obra nos permite propor que o pintor ituano possui esta característica de estruturar firmemente suas composições através das linhas e que esta característica, portanto, lhe é constante, conforme podemos observar em suas mais diversas obras, incluindo Saudade, Leitura, Partida da Monção, Nhá Chica, O Violeiro e Caipira Picando Fumo. Em relação a este assunto, voltaremos mais tarde, no decorrer dos capítulos 3 e 4, ao analisarmos Saudade em relação à tradição francesa.

9

Vicente de Paulo Vicente de AZEVEDO. Almeida Júnior: o romance do pintor, 1985.

31 1.4 - A figura feminina em Leitura Segundo a historiografia, da mesma forma que em A Noiva (1886), Leitura (1892), também parece ter por modelo sua amante, Maria Laura.

J.F.de Almeida Júnior. Leitura, (1892).

Nesta obra de 1892 que retrata um ambiente burguês, em contraposição ao ambiente rústico de Saudade, Almeida Júnior insere sua figura no terraço de seu atelier situado à Rua da Glória, número 74, em São Paulo. De acordo com a historiografia, novamente, aqui temos Maria Laura, já casada com o primo do pintor. Entretanto, o que importa ao nosso estudo é analisar a imagem e cotejá-la à Saudade, com o intuito de buscar semelhanças entre suas obras. Assim, podemos tratar dos aspectos formais, estruturais, cromáticos e luminosos da obra de Almeida Júnior. Em primeiro lugar, percebemos que a personagem está ao ar livre, ainda que dentro de um espaço doméstico. Portanto, ao estar sentada em uma cadeira calmamente lendo seu livro, a figura desempenha um papel principal na obra e, se não estivesse presente, o quadro perderia seu sentido enquanto tal, assumindo o papel de uma paisagem. Sua horizontalidade é reforçada pela grade que está atrás dela, recurso estrutural de separação entre a paisagem ao fundo e a cena de gênero, na qual temos a mulher sentada desempenhando sua leitura, conforme atesta o título da obra, o que nos permite insistir no rigor estrutural que o pintor tanto utiliza em suas obras, conforme já vimos até então. Entretanto, o que confere ou ao menos parece conferir estabilidade à composição, são os longos cabelos de Maria Laura, que se esparramam pelo chão, quebrando a horizontalidade da tela, equilibrando-a. Porém, a razão dos cabelos tão longamente esparramados pode ser, além de uma questão de moda da época, uma alusão às figuras de Vênus e de Maria Madalena, tão presentes na História da Arte. Vejamos alguns exemplos:

32

Fig.18 A.Cabanel.O Nascimento da Vênus,(c.1863)

Fig.19Tiziano Vecellio. Maria Madalena Penitente, (década de 1560)

Assim, seguindo os parâmetros de um olhar que busca compreender as constantes formais existentes em Almeida Júnior, podemos perceber que a representação de Maria Laura talvez siga uma linha iconográfica tradicional à História da Arte, linha esta que remonta à representação da figura da Vênus, conforme podemos notar em seu mestre francês Alexandre Cabanel (1823-1889), o qual representa a figura da Vênus com seus cabelos que viram ondas do mar e o artista tcheco Alphonse Mucha (1860-1939), representante do Art Nouveau que transforma o cabelo em elemento decorativo ou arabesco semelhante a uma serpente, conforme podemos observar em sua Dança, painel decorativo de 1898, embora posterior à tela em questão.

Fig.20 A. Mucha. Dança, (1898).

Entretanto, guardadas as diferenças estilísticas entre ambos os artistas, o que parece comum talvez seja a iconografia que persiste ao longo do tempo, a da figura de uma mulher de cabelos longos e sensuais. Entretanto, é preciso que se considere que

33 talvez Maria Laura10 tivesse cabelos bastante longos ou o pintor tenha criado esta marca para sua pintura. Também se deve considerar o ambiente no qual a figura de Leitura está inserido, ou seja, em um ambiente doméstico o qual acentua o caráter de naturalidade com que ela se comporta em relação à sociedade burguesa e citadina da qual faz parte. Em contraposição ao ambiente rústico, porém não descuidado de Saudade, graças ao rigor descritivo já explorado anteriormente neste capítulo, Leitura representa o refinamento de um ambiente tipicamente burguês do final do século XIX, com sua personagem absorta em seus afazeres do ato de ler, os quais refletem a pintura praticada na mesma época e exemplificada por Rodolfo Amoedo, conforme vimos logo acima, através de sua tela Más Notícias (1895), tela contemporânea à Leitura de Almeida Júnior.

Más Notícias

Leitura

A análise iconográfica de Más Notícias nos revela a figura de uma mulher que sentada em sua chaise, segura uma carta com a mão direita, sobre seu colo, enquanto apóia sua mão esquerda sobre o queixo, ao mesmo tempo em que fita o espectador em uma postura que denota uma atmosfera de tristeza ou de melancolia, haja visto que o título da obra traz justamente o tema da má notícia. A contrapartida ocorre em Leitura, realizada três anos antes, pois aqui temos uma figura feminina que se entrega ao prazer da leitura, sem se preocupar com o mundo exterior. Portanto, como podemos relacionar Leitura, obra exposta e premiada na Exposição Internacional Colombiana em Chicago, em 1893 à Saudade? O que pode haver de comum, com a obra tema de nosso estudo? Talvez, se possa simplesmente afirmar que a cor da roupa seja uma constante para a época, haja visto que para a Paris do século XIX o uso da cor negra constitui uma prática corrente, conforme veremos no capítulo 4. Em Leitura, além da questão do ambiente burguês já levantada anteriormente, cumpre destacar que a obra traz uma cadeira vazia com um casaco

10

Não foram encontradas outras fotografias de Maria Laura do Amaral Gurgel.

34 pendurado no encosto e no braço e no assento, um objeto que parece ser um livro coberto por um pano branco, segundo nossa observação. E se a cadeira vazia representa a ausência temporária de alguém que não está mais ali porque se levantou com o intuito de fazer algo e retornando em seguida, em Saudade temos, em um ambiente rústico, esta mesma ausência caracterizada pela fotografia, pelas lágrimas que percorrem seu rosto e pelo chapéu de palha diáfano pendurado na parede do cômodo.

Leitura

Saudade

Portanto, em Saudade podemos admitir que a dor existe, de fato. Mas por que ela está presente? A ausência presentificada pela fotografia de Saudade seria a mesma que em Partida da Monção? E em relação à cadeira vazia de Leitura? Quem está ausente? O que nos afigura como hipótese é que em Partida da Monção, a ausência iminente se pauta pela partida do homem, presente na cena; em Saudade, a provável ausência se daria pelo choro, pela fotografia que ela porta e pelo chapéu de palha. E, finalmente, em Leitura a ausência talvez possa ser explicada como temporária e sem nenhum sinal de dor, como se alguém tivesse levantado há pouco para fazer alguma outra coisa, até mesmo pintar a cena, através de todos seus atributos descritivos.

1.5 - Exemplos que remetem à Saudade Em relação a Almeida Júnior, o presente estudo buscou tratar de suas relações formais com outros quadros igualmente pintados por ele, tais como Partida da Monção, A Noiva, Leitura, Nhá Chica, Caipira Picando Fumo e O Violeiro além de relacioná-lo à figura de Maria Laura do Amaral Gurgel, bem como a outras referências iconográficas. Um outro paralelo importante a ser destacado se refere à Jan Vermeer, pintor holandês do século XVII, que pelo uso da luz que incide na personagem e pelo modo

35 como insere esta mesma personagem de maneira concentrada em seus afazeres domésticos dentro de um espaço fechado, revela um importante paralelo com Saudade e com Nhá Chica, de José Ferraz de Almeida Júnior.

J.Vermeer, Mulher Segurando uma Balança (1662/3) Saudade (1899)

Nhá Chica(1895)

Um olhar mais cuidadoso sobre as imagens de Vermeer e de Almeida Júnior permite que se estabeleça um conjunto de paralelos, os quais se manifestam no modo como ambos estruturam suas imagens intelectualmente, dentro de um rigoroso sistema de ortogonais, tendo a figura da mulher como foco central. No caso de Vermeer, as verticais formadas pela mulher são reforçadas pelo quadro ao fundo, pela janela e pela própria horizontal da mesa sobre a qual ela se apóia. Da mesma maneira, em Almeida Júnior, em Saudade, a grande linha vertical da mulher é acentuada pela janela e pela parede sobre a qual está apoiada e, a canastra entreaberta desempenha o mesmo papel que a mesa faz em Vermeer, ou seja, arremata o conjunto da imagem. Da mesma forma, em Nhá Chica, as linhas verticais da janela, a cerca ao fundo e as linhas da saia da mulher estruturam a cena a qual se equilibra pelas diagonais presentes no braço dela, no cachimbo e no peitoril da janela, que arremata o conjunto, enquanto ela olha para fora do ambiente no qual está inserida. Também se deve destacar o modo pelo qual ambos tratam a luz, ou seja, temos uma luz que entra por uma janela, banhando as figuras que desenvolvem seus papéis na cena: a primeira segura uma balança, a segunda, chora olhando para uma fotografia e a terceira olha para fora do espaço, sem se importar com o que ocorre tanto em seu ambiente doméstico rústico, como com o observador do lado de cá; porém, todas as três estão em um espaço no qual não importa o que ocorra do lado de fora, pois seu silêncio, seu recolhimento e seus pensamentos em nada serão perturbados.

36 2 - SAUDADE: UMA FORTUNA CRÍTICA (...) “nada é visível sem a luz; nada é visível sem um meio transparente; nada é visível sem a cor; nada é visível sem a distância; nada é visível sem um mecanismo”. (Poussin 1594-1665) 11 Refletir sobre José Ferraz de Almeida Júnior e sua obra Saudade também requer considerar o que já foi escrito sobre o assunto. Os trechos citados a seguir estão em ordem cronológica a fim de possibilitar uma melhor organização do conjunto. Também cumpre destacar que as citações apenas trazem os trechos considerados relevantes para o presente estudo de caso. Assim, poderemos visualizar somente o que foi escrito sobre nosso quadro tema, sem corrermos o risco de nos perder em elucubrações as quais não trariam quaisquer contribuições à análise. Miranda Azevedo12: O quadro Saudades é uma obra prima de Almeida Júnior; aquela mulher relendo uma carta dos tempos felizes (sic), o modesto baú entreaberto, o canto do aposento, harmonizam tanto, que não é possível contemplar-se essa cena sem que a emoção e a melancolia nos ganhem. Há vida e alma nessa tela, que impressiona tanto como a Pietà do grande mestre italiano. Monteiro Lobato13: “Saudades”, faz parte desse grupo de telas preciosas. É talvez o quadro de mais sentida expressão que possuímos. Uma mulher do povo, moça ainda, morena, do moreno quente peculiar ao nosso clima, vestida de lucto (sic) modesto, contempla á luz duma janella o retrato do marido morto. A luz dá-lhe de chapa no rosto onde se lê a dor muda duma viuvez precoce. Brotam lagrimas (sic) dos olhos, lagrimas (sic) da amante inconsolável (sic). É dor e é saudade. Quanta verdade naquillo (sic)! Quanto sentimento! Que poema inteiro de maguas (sic) resignadas naquella (sic) expressão!

11

“Poussin resumindo as condições necessárias para a visão… ‘nothing is visible without light; nothing is visible without a transparent medium; nothing is visible without colour; nothing is visible without distance; nothing is visible without a mechanism’”. Martin KEMP, The Science of Art: optical themes in western art from Brunelleschi to Seurat, p.127. (Trad. da autora). 12 Miranda AZEVEDO. Apud, Oséas SINGH JR. Partida da Monção: tema histórico em Almeida Júnior. Dissertação de mestrado, p. 207. 12 José Bento Monteiro LOBATO. Almeida Júnior, Revista do Brasil, v.IV, pp.47-8, jan. - abril de 1917.

37

Prof. Elias Mello Ayres14: Até a sua tela – ‘Saudades’ – é profundamente brasileira. É psicologicamente brasileira. Todo poema de dor no veludo de uns olhos de morena. A mulher viúva, envolvida em chalé preto, à meia luz que entra pela janela, em dolorosa ternura, contempla o retrato do marido. Expressiva manifestação da saudade brasileira – dessa saudade que ‘revela muita angústia, talvez: os soluços do negro escravizado o clamor do silvícola espoliado e a nostalgia do fado português...’ Gastão Pereira da Silva15: ... Saudades é, por outro lado, uma obra prima. O quadro representa a figura de uma mulher relendo uma carta dos tempos felizes (sic). ‘Ao lado, o modesto baú entreaberto e o canto do aposento, harmonizam tanto, que não é possível contemplar-se essa cena sem que a emoção e a melancolia nos ganhem’. – ‘Há vida e alma nesta tela, que impressiona tanto como a Pietà do grande mestre italiano’16. Maria Cecília França Lourenço17: (sobre Saudade e Recado Difícil) Esses dois quadros têm as figuras humanas tratadas num ‘close’ fotográfico, que amplia o espaço por elas ocupados, eliminando os aspectos secundários, particularmente da paisagem e dando maior ênfase a pequenos detalhes, como batentes de porta e janela, ou buracos na parede, que revelam a técnica construtiva de casas bem simples. Esse recurso de ‘close’ começa a ser desenvolvido por Almeida Júnior em 1893, com Caipira Picando Fumo. (...) Outra forma característica de Almeida Júnior é isolar os personagens que transmitem o tema, através do contraste de luz e sombra; assim, se os personagens estão em uma área de luz, encerra-os em uma linha poligonal formada por áreas de sombra, ou vice-versa...

14

Alocução do Prof. Elias Mello Ayres, Catedrático da escola Normal de Piracicaba, p.20. In: Organização Atual do Conselho de Orientação Artística do estado de São Paulo, Almeida Júnior – Documentário, 1941. 15 Gastão Pereira da SILVA. Almeida Júnior: sua vida, sua obra, 1946, p.136. 16 Aqui Gastão Pereira da Silva cita as palavras de Miranda Azevedo, conforme podemos constatar logo acima. 17 Maria Cecília França LOURENÇO. Almeida Júnior: o poeta e o caipira, concurso de monografia sobre Almeida Júnior, menção honrosa -proc. 81322/77 A.P., pp.66,75.

38

Vicente de PauloVicente de Azevedo18: A tela, porém, em que Almeida Júnior pôs toda a força de seu talento, imprimiu o melhor de sua sensibilidade, em que sublimou o seu poder de expressão, pintada no mesmo ano de sua morte, 1899 – foi aquela em que traduziu, retratou o sentimento da saudade. Maria Cecília França Lourenço19: ... já em ‘Saudade’ há todo um peso emocional, triste e silencioso da mulher que chora pela morte de seu ente querido. Está de luto fechado e presumivelmente olha para uma fotografia, visto que há um álbum de fotos em cima da canastra, que completa a cena; do lado esquerdo há um chapéu de palha e a casa é tipicamente da zona rural, com chão de tijolos grandes, janelas com tábuas de encaixe e tramela. Como foi realizada no ano da trágica morte de Almeida Júnior em crime passional, fica no ar a pergunta: foi autobiográfica? Teria antevisto seu fim dramático? Seria o próprio artista, o retratado da foto observada por essa bela viúva? (...) A dor humana foi igualmente expressa pelo artista ituano, em seu aspecto universal, tomada sem retórica e com a simplicidade habitual de suas telas. Dois exemplos podem ser destacados nas telas Puxão de Orelha (col. particular) e Saudade, tendo na primeira a dor da criança repreendida e na outra o pesar da morte, aliás tema usualmente corrente entre os realistas. O enfoque emocional dessas telas foi também pleno de sofrimento, porém completamente avesso ao melodrama ou passividade contemplativa clássica. (...) Há também a dor da mulher inconformada com a realidade seja esta de uma partida, como se observa na personagem em primeiro plano à direita, em Partida da Monção (Museu Paulista), ou desalentada por uma partida sem volta, como em Saudade. O sofrimento não é romântico, como nas mulheres de Delacroix, que não esboçam reação. Há sem dúvida, uma expressão mais carregada de sentimentos, mais realista, a ponto de colocar uma lágrima luminosa nos olhos da figura de Saudade. Vicente de PauloVicente de Azevedo20: 18

Vicente de Paulo Vicente de AZEVEDO. Saudade, Separata do no. 95 da Revista da Academia Paulista de Letras, 1978, p.124. 19 Maria Cecília França LOURENÇO. Revendo Almeida Júnior, dissertação de mestrado, 1980, pp.89-90, 104,139.

39 Monteiro Lobato assim se expressa: ‘Brasileira é a sua arte. Inconfundível o seu nacionalismo. O tão falado Cristo e a Adúltera, de Bernardelli, tanto podia ser de sua autoria, como de escultor italiano ou francês. Tão gabada, tão admirada A Carioca (nu de Pedro Américo) nunca dirá nada a ninguém: é um nu mudo e vazio. Já a viúva de Saudade falará sempre e sempre será compreendida. Enquanto houver coração dentro do peito, aquela simples figura de mulher conviverá profundamente’. (...) Não se deu a atenção devida ao conjunto que se vê no canto direito: um quadro que poderia até ser destacado. Parece acrescentado: um bandeirante moço se despede da mulher chorosa, tendo uma criança ao pé. O jeito da moça, levando com a mão direita à altura do rosto o xale, é exatamente o mesmo de Saudade. O marido traz no ombro direito a espingarda e uma bolsa pendurada. A espingarda, não é um trabuco, como em outros lugares do quadro, o pintor colocou nas mãos dos que partiam: é uma espingarda de caça, com seu cano delgado, dir-se-ia até um anacronismo. Tanto a espingarda de caça – lembremo-nos de que a caça era a distração favorita do pintor – como a bolsa (está com o nome de bolsa de viagem) figuram na arrecadação de pertences, móveis e alfaios a que se procedeu na casa da Rua da Glória. Foi arrecadado um lote de peles, e se deduz que foi por ocasião de seu falecimento. E mais: na caça, dava preferência aos animais de pelo e aves. No quadro Caipiras Negaceando, é evidente que a caça visada é um animal de pelo. Assim, sem esforço de imaginação, pode-se conhecer que foram os mesmos sentimentos de Saudade que ditaram, por antecipação: o pintor se despedindo da amada, tendo um dos ídolos ao pé. Por antecipação, figura A Partida, que é de 1897, ano da conclusão e Saudade, que é de 1899. (...) A tela, porém, em que Almeida Júnior pôs toda a força de seu talento, imprimiu o melhor de sua sensibilidade, em que sublimou o seu poder de expressão, pintada no mesmo ano de sua morte 1899-, foi aquela em que traduziu, retratou o sentimento da saudade. Sobre Saudade escreveu Monteiro Lobato (Revista do Brasil, vol. IV, jan - abril de 1917, transcrito em Paulistânea, no. 34, maio-junho de 1950) ... ‘Saudade faz parte desse grupo de telas preciosas, da mais sentida expressão que possuímos. Uma mulher do povo, moça ainda, morena, desse moreno quente peculiar ao nosso clima, vestida de luto modesto, contempla à luz d’uma janela o retrato do marido morto. A luz dá-lhe de chapa no rosto, onde se lê a dor muda da viuvez precoce. 20

Vicente de Paulo Vicente de AZEVEDO. Almeida Júnior: o romance do pintor. 1985, pp. 21, 61, 72, 76-77, 80.

40 Brotam lágrimas de seus olhos, lágrimas da amante inconsolável. É a dor da saudade. Quanta verdade naquilo! Quanto sentimento, que poema inteiro de mágoas resignadas naquela expressão!’ Nem é preciso invocar a opinião de Monteiro Lobato, ou de quem quer que seja: basta ter olhos para ver e um mínimo de sensibilidade. Saudade é a mais vívida tela de toda a sua obra. Tem alma. Fala ao espectador. Com o xale junto à boca, a moça abafa soluços. Na mão esquerda a carta, ou o retrato do amado. Entre as pálpebras inchadas de chorar, tão tênue é a fresta, que não se enxergam os olhos. Corre ainda uma lágrima incontida. A dor humana não podia ter encontrado expressão mais próxima da realidade. A dor, a mágoa irresistível da saudade, em face do irreparável. A quadra popular vinda de Portugal, donde nos vieram também a herança do sentimento e da palavra, assim se expressa: Nossa Senhora das Dores Tem sete espadas no peito. Saudade tem sete letras Que ferem do mesmo jeito. Todo o sentimento de uma saudade irremediável, definitiva, sem luz, sem esperança. Toda a crueza de um coração despedaçado pela dor. Vamos, leitor amigo, dar um mergulho na alma do pintor, à procura da inspiração de Saudade? Obra de fantasia, de simples imaginação ou, por antecipação, ele compartilhava do sentimento da Saudade? De cogitação, havíamos nos fixado nesta interpretação: trata-se de uma concepção com base em manifestação premonitória. O quadro foi pintado no ano de sua morte. Os gênios, poetas, pintores, escritores possuem esta faculdade de antecipação, para a qual a parapsicologia com todo seu progresso, ainda que promovida a ciência, não alcançou desvendar a antevisão de uma cena, de uma situação. O quadro Saudade representaria a amada depois da morte do pintor. Assim, naquele ambiente pobre, modesto, de roça, a moça relê carta do amado ou contempla, uma vez ainda, o seu retrato. E chora a última esperança. Chora em face da fatalidade do irremediável. Mas, amigo, uma conjectura, por mais lógica que pareça, por mais que assente em fatos certos ou circunstâncias provadas, raramente acerta. É sempre uma hipótese, um palpite. Hoje possuo e posso exibir a fonte de inspiração íntima de Almeida Júnior. Ele pintou o quadro tendo presentes, vivas, palpitantes na memória afetiva, vozes, expressões, sentimentos. Pintou-o, colhendo a imagem, o ambiente, as cores, na paleta do coração. (...) A concepção, a realização de Saudade não são filhas inteiras da fantasia. Nasceram da sinfonia gravada no coração, brotaram da expressão da mais viva e sincera ternura, a mais incendiada paixão. ... Mas é preciso conhecer os fatos, conhecer as

41 pessoas, apreciar as circunstâncias para mostra a candidez daquele amor e pedir a absolvição dos homens. ... Mereceram perdão pelo muito que sofreram. Muito sofreram, porque muito amaram. Maria Laura e Jujiquinha descansam na mansão dos justos. Nereide Schilaro Santa Rosa21: E sobre a pintura Saudade comentou: ... Uma mulher do povo ... contempla o retrato do marido morto ... a luz no rosto destaca a dor ... é a dor da saudade ... Quanto sentimento, que poema inteiro de mágoas... 22 Aracy Amaral23: ... Já no Brasil, a luz – não aquela fragmentadora de formas dos impressionistas, mas a luz como tema, tão forte quanto o ‘assunto’ – surgiria com intensidade em suas obras, e exemplo disso é, em particular, Saudades... ... Essa mesma luz tropical caracteriza como soturno o interior penumbroso, despojado e pobre de Saudades, a conferir um ambiente emotivo à obra.... (...) Ao mesmo tempo, a personagem feminina no canto inferior direito de Partida das Monções, dor manifesta pela mão no rosto segurando a manta, é a bela figura na mesma postura no extraordinário Saudades. Hugo Pedro Carradore24: Almeida Júnior pintou a história do homem preso à terra. Caipira Negaceando é considerada para muitos a obra-prima do artista, e Saudade, o retrato da sensibilidade do ‘poeta do pincel’. (...) Em 1882, antes de deixar Paris, com o término de sua bolsa, expõe no Salão a tela Descanso do Modelo, e viaja para a Itália, onde se encontra com Rodolfo e Henrique Bernardelli. (...) Em 1896, viaja mais uma vez para a Europa, agora em companhia de Pedro Alexandrino. ... No dia 13 de novembro desse ano25, aos 49 anos ele foi assassinado na porta do Hotel Central.

21

Nereide Schilaro SANTA ROSA. José Ferraz de Almeida Júnior, 1999, p.31. A autora cita as palavras de Monteiro Lobato escritas em 1917. 23 Aracy AMARAL. A luz de Almeida Júnior. Almeida Júnior: um artista revisitado, 2000, pp.8,10. 24 Hugo Pedro CARRADORE. Os Caminhos de Almeida Júnior: o criador do realismo brasileiro, 2001, pp. 22,27-29. 25 O texto se refere ao ano de 1899. 22

42 Almeida Júnior e o primo José de Almeida Sampaio eram amigos. De bom costume o pintor costumava passar temporadas em rio das Pedras na fazenda do primo, com cuja esposa mantinha uma relação amorosa. Essa ligação vinha de longa data. Antes de sua viagem para a França o artista fora enamorado de Maria Laura do Amaral Gurgel. Durante sua estada na Europa de 1875 (sic) a 1882, Maria Laura casou-se com José de Almeida Sampaio. No dia 11 de novembro26, José de Almeida Sampaio foi à São Paulo e hospedou-se na casa do pintor na Rua da Glória, não obstante este estar ausente, tal a familiaridade entre ambos. Por uma causalidade fatal, ao abrir uma gaveta, viu um maço de cartas de amor, cuja caligrafia reconheceu imediatamente ser de sua esposa. Em lugar de ocupar-se dos assuntos objeto de sua viagem, telegrafa a Maria Laura para que ela o esperasse no Hotel Central, regressando no dia seguinte para Piracicaba. No dia 13 estava na porta do Hotel Central esperando a família, pelo trem da Ituana vindo do Porto João Alfredo (Ártemis) às 2:30 da tarde. Não sabia que Almeida Júnior encontrava-se com sua mulher na fazenda de propriedade de Joaquim Fernando Barros, próxima a estação. Realmente, chegaram a esposa Maria Laura, os cinco filhos e uma irmã, porém escoltadas pelo pintor. O carro de praça que os trouxe da estação parou no largo da Matriz em frente ao Hotel Central. Almeida Júnior estava pagando o cocheiro, o negrinho David, quando foi agredido pelo marido traído, que desferiu-se (sic) uma punhalada. Mortalmente ferido o artista retrocedeu um passo, sacou de sua faca de picar fumo e cambaleante deu um passo e caiu. Maria Laura cingi-o (sic) nos braços, o artista balbuciou, sentenciando: - ‘Estou morto’. Eram três da tarde. José de Almeida Sampaio recebeu voz de prisão de Antonio Góes, oficial de justiça que passava pelo local. Poucos instantes depois chegava o Delegado de Polícia que levou o assassino para a cadeia em um coche de aluguel. Segundo Francisco de Assis Iglesias, João Batista de Castro (Janjão), dono do Hotel Central, não autorizou recolher o corpo de Almeida Júnior para o interior de seu estabelecimento, que foi levado ao necrotério da Santa Casa na carruagem de praça de Antônio Francisco, o Totó Louco. 2.1 – Considerações sobre a fortuna crítica de Saudade Da mais antiga referência escrita sobre Saudade a mais atual temos um conjunto de considerações que trazem traços em comum tanto em relação ao modo como os 26

11 de novembro de 1899.

43 autores descrevem a obra, quanto no que propõem como forma de análise. Por exemplo, podemos perceber o quanto Miranda Azevedo (1898/9) e Monteiro Lobato (1917) desenvolvem seu corpus descritivo baseado em concepções românticas, inerentes ao período no qual escrevem, ou seja, ambos ressaltam aspectos emotivos na obra em questão. Assim, Miranda Azevedo emprega palavras como “emoção, melancolia, vida e alma” e Lobato fala em “lágrimas, dor, saudade, mágoas e sentimento”. Mesmo nos outros autores citados acima temos certo teor romântico, embora em grau menor, em prol de uma análise mais descritiva e pormenorizada como encontramos em Maria Cecília França Lourenço (1980), por exemplo. Lourenço nos traz uma rica descrição dos elementos constitutivos de Saudade, conforme podemos observar acima. Também a autora levanta a hipótese da obra em questão ser autobiográfica, antes dos fatos ocorrerem, isto é, neste caso Saudade seria premonitória, tendo na figura feminina que chora pela ausência de seu amado morto. Mas aqui ocorre um fator bastante interessante para nosso estudo de caso. Embora Lourenço não trate diretamente sobre o assunto, podemos estabelecer um olhar metonímico, no qual, ao mesmo tempo em que o chapéu de palha e a fotografia evocam a ausência do amado, o trazem de volta a cena, como se ele estivesse presente. Outro aspecto de igual importância é o modo como este chapéu está representado. Preso à parede ao lado da janela, na parte superior da obra, podemos perceber que metade do chapéu de palha está imerso na sombra e a outra metade é translúcida, o que reforça o sentimento de ausência proposto pelo pintor. Embora pareça óbvio dizer e até onde nos é dado conhecer, chapéus de palha não costumam ser transparentes como vemos na obra analisada. Portanto, Saudade não é uma obra metafórica que representa alegorias ou fatos épicos. Trata-se de uma pintura que privilegia seu mundo interior, com seus sentimentos e emoções particulares, conforme a observação da obra nos permite ver. Outro dado relevante ao nosso estudo é o cotejo entre as figuras femininas de Saudade e Partida da Monção que Lourenço também evoca ao descrevê-las. Notamos como a sensibilidade de Almeida Júnior transita entre ambas as obras conforme vimos no capítulo 1, ou seja, tanto Saudade quanto Partida da Monção trazem duas figuras femininas bastante semelhantes em termos de indumentária – roupa escura e comprida, como em atitude – choram pela ausência definitiva, vista em Saudade e pela talvez derradeira presença, como em Partida da Monção. Em se falando de dor, Vicente de Paulo Vicente de Azevedo (1985) parece resumir bem a dor expressa pela figura de nosso estudo de caso, pois ao colocar uma

44 quadrinha que compara a dor que Saudade sente à dor sentida por Nossa Senhora das Dores, conforme analisamos no capítulo 1. No que diz respeito à luz empregada por Almeida Júnior, Aracy Amaral (2000) destaca os aspectos emotivos que o pintor traz para suas obras, “de interior penumbroso”. Desta forma, a luz em Saudade reforçaria os aspectos sentimentais propostos tanto pelo pintor, quanto por todos os que o analisaram neste capítulo. Por último, cumpre justificar a inclusão do bem detalhado depoimento de Hugo Pedro Carradore (2001) sobre o dia e as circunstâncias nas quais Almeida Júnior foi assassinado. O objetivo para tal inclusão não se deve ao fato de querermos traçar sua biografia ou especular sobre sua vida privada. O fato que parece substancial à nossa análise é que como Maria Laura foi a modelo utilizada pelo pintor para as obras A Noiva e Leitura, conforme destacamos no capitulo anterior, a hipótese de ser a modelo para Saudade, ou que a obra talvez seja autobiográfica, segundo Lourenço, faz com que seja necessário destacar os derradeiros momentos de Almeida Júnior, bem como o que teria desencadeado seu assassinato em 13 de novembro de 1899 diante do Hotel Central, em Piracicaba (mais informações, vide Cópia da Carta que Desencadeou a Tragédia em anexo à página 98).

45 3- SAUDADE E SEU DIÁLOGO COM OS FRANCESES, COM A PINTURA DE GÊNERO, COM DOMENICO MORELLI, HENRIQUE BERNARDELLI E APROXIMAÇÃO COM A FOTOGRAFIA O que é a arte senão o espelho onde se reflete a obra de Deus?27 Partindo da obra Saudade, de Almeida Júnior traçamos um percurso através de Partida da Monção (1897), Leitura (1892), A Noiva (1886), Caipira Picando Fumo (1892), O Violeiro (1899) e Nhá Chica (1895), igualmente do mesmo autor. Assim, com o intuito de refletir sobre o papel desempenhado por sua amante Maria Laura do Amaral Gurgel em sua produção e, a partir da observação dos vínculos interpretativos com a obra tema, sobretudo em relação aos paradigmas compositivos fortemente ortogonais e ao intenso caráter descritivo de suas obras, levantamos algumas questões já tratadas no capítulo 1. E que estas características que se referem à ortogonalidade e à descrição realista se relacionam tanto com o ambiente ao qual o pintor faz parte, como também são resultantes de uma tradição vinda da França e da Itália, conforme veremos neste e no próximo capítulo. Através da fortuna crítica de Saudade, desde 1899 até 2001 estabelecemos parâmetros comparativos dentro do campo narrativo, a fim de observar como os historiadores trataram o assunto, partindo dos mais românticos, como no caso de Miranda Azevedo28 e de José Bento Monteiro Lobato29 aos mais analítico-descritivos, como bem exemplificam Maria Cecília França Lourenço30 e Aracy Amaral31, por exemplo. Entretanto, agora é preciso pontuar e ressaltar outros tópicos de igual importância para aprofundar ainda mais nossa análise histórico-estética. Este capítulo tratará de algumas questões biográficas de Almeida Júnior em relação a sua carreira. Aqui, consideraremos a importância de sua grande viagem a Europa, como bolsa 27

“Qu’est-ce que l’art, sinon le miroir ou se reflete l’oeuvre de Dieu?”. Claude VIGNON, L’école classique ou grande école, La Promenade du Critique Influent, p.43. (trad. da autora). 28 Miranda AZEVEDO, José Ferraz de Almeida Júnior, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, v.IV, pp.605-8, 1898/9, apud, SINGH JR, Oséas. Partida da Monção: tema histórico em Almeida Júnior, p. 207. 29 José Bento Monteiro LOBATO, Almeida Júnior, Revista do Brasil, v.IV, pp.47-8, jan. - abril de 1917. 30 Maria Cecília França LOURENÇO, Almeida Júnior: o poeta e o caipira, concurso de monografia sobre Almeida Júnior, menção honrosa -proc. 81322/77 A.P., pp.66,75 e, Maria Cecília França LOURENÇO, Revendo Almeida Júnior, dissertação de mestrado, 1980, pp.89-90, 104,139. 5 Aracy AMARAL, A luz de Almeida Júnior, Almeida Júnior: um artista revisitado, 2000, pp.8,10.

46 concedida pelo Imperador D. Pedro II, em 1875 para ir estudar em Paris, cidade na qual permanece de 1876 a 1882. Entretanto, em sua visita a Itália em 1882, trava contatos com o pintor italiano Domenico Morelli e com o discípulo deste, Henrique Bernardelli, conforme veremos logo abaixo, neste mesmo capítulo. Também procuraremos estabelecer uma relação entre Almeida Júnior e a fotografia, a partir da questão do instante fotográfico presente nas obras da fase regionalista de Almeida Júnior, após seu retorno ao Brasil em 1882, conforme destaca Suzana Barretto Ribeiro32. Assim, poderemos discutir a possibilidade da obra Saudade (1899) ter ou não vínculos com a fotografia enquanto recurso imagético na produção iconográfica de Almeida Júnior, refletida pelo instante captado por uma lente. Ou se a fotografia apenas surge como elemento presencial nas mãos de nossa figura central.

3.1 – Aspectos formais, históricos e estéticos da viagem de Almeida Júnior à Paris Por incentivo do Imperador D. Pedro II, José Ferraz de Almeida Júnior ganha uma bolsa de trezentos francos mensais para estudar na Europa, ou em Paris ou em Roma. Entretanto, é sabido que o artista opta pelo aprendizado em Paris. Portanto, no final do ano de 1876, o pintor já está matriculado na École Supérieure des Beaux-Arts, onde permanece até 1882, como discípulo de Alexandre Cabanel (1823-1889). Mas, para além dos aspectos biográficos de Almeida Júnior, é preciso que se considere a relevância destes fatos para a análise de sua produção, em especial para o nosso tema de estudo: Saudade. Desta maneira, cumpre destacar o modo como o pintor dialoga com a produção francesa do período em que viveu em Paris, sobretudo em relação aos aspectos formais, históricos e estéticos inerentes a sua produção. Assim, dentro do que se convencionou no século XIX chamar de Realismo e Romantismo a partir da criação da História da Arte como disciplina, Saudade parece estar perfeitamente inserida, na medida em que possui elementos das duas tradições. Dentro do que podemos classificar como Realismo dos Oitocentos, Almeida Júnior apresenta sua figura encerrada em seu ambiente doméstico, sem nenhum tipo de idealização tanto na figura quanto no seu entorno. Mas, ao mesmo tempo, podemos observar que o pintor ituano traz para sua obra toda uma carga de sentimento real, de quem sofre pela ausência de um ente querido, conforme podemos constatar através da observação da imagem. 32

Suzana Barretto RIBEIRO, Almeida júnior e a fotografia:uma nova dimensão da obra do artista, texto da comunicação proferida no II Encontro de História da Arte – Unicamp, em março de 2006.

47

J.F.de Almeida Júnior, Saudade, 1899

Desta forma, podemos comparar sua produção com a de pintores realistas como Gustave Courbet (1819-1877) e perceber como ambos não utilizam a idealização em suas representações. O mesmo padrão de representação ocorre com Jean-François Millet (1814-1875), conforme podemos observar. Assim, tanto Courbet quanto Millet retratam suas figuras de trabalhadores camponeses sem nenhuma forma de idealização. Mas, qual seria a razão para este tipo de solução iconográfica? E qual seria o motivo para Almeida Júnior retratar sua figura do interior paulista sem qualquer forma de idealização?

Fig.21 Gustave Courbet. Os Quebradores de Pedra, (1850).

Fig.22 J. - F. Millet. O Angelus, (1859).

Aqui, podemos notar que Almeida Júnior compartilha não apenas soluções formais e iconográficas, mas também aspectos cromáticos, luminosos e estéticos com os franceses Courbet e Millet, por exemplo. A obra tema de nosso estudo de caso, traz uma

48 figura simples, ensimesmada em seus sentimentos mais profundos, conforme os autores Miranda Azevedo33 e José Bento Monteiro Lobato34destacam. Porém, deve-se assinalar a aproximação que ambos os autores fazem com o Romantismo, movimento que permeia também a obra de Almeida Júnior, na medida em que carrega sua figura central com o sentimento da perda, aspecto este não privilegiado pelo Realismo, o qual prefere retratar, no caso de Millet, o homem simples do campo desempenhando suas funções junto ao trabalho da terra. Todavia, há que se destacar a existência de uma outra vertente realista, a qual se constitui por aquela que privilegia também o realismo da cidade, conforme observamos tanto em Courbet quanto em Honoré Daumier (18081879), o qual veremos com maior detalhamento no capítulo 4. Esta característica realista pautada nas questões do homem vinculado a terra, também se faz presente em outras obras de Almeida Júnior, classificadas como pertencentes a sua fase regionalista, ocorrida de maneira mais acentuada depois de sua volta ao Brasil, muito embora tenha se iniciado em Paris, com obras como O Derrubador Brasileiro, de 1879.

Fig.23 J.F.de Almeida Júnior. O Derrubador Brasileiro, (1879).

Entretanto, em relação a esta obra o pintor ituano nos apresenta a figura de um homem simples que descansa sentado em uma pedra. Mas, o modelo escolhido por Almeida Júnior não é um brasileiro e, sim um italiano que trabalhava como modelo dentro da Academia, ambiente no qual o artista completou sua formação. Porém, há que se destacar também que embora a obra represente o derrubador brasileiro, a luz que ele utiliza, de acordo com Gilda de Mello e Souza35, não é uma luz brasileira, “pois não deriva da observação, mas de um esquema cultural importado” da Europa. E que este

33

Miranda AZEVEDO, José Ferraz de Almeida Júnior, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, v.IV, pp.605-8, 1898/9, apud, SINGH JR, Oséas. Partida da Monção: tema histórico em Almeida Júnior, p. 207. 34 José Bento Monteiro LOBATO, Almeida Júnior, Revista do Brasil, v.IV, pp.47-8, jan. - abril de 1917. 35 Gilda de Mello e SOUZA. Pintura Brasileira Contemporânea: Os Precursores. In: Exercícios de Leitura, 1980, p.231.

49 mesmo esquema cromático pode ser encontrado em Saudade, obra composta por cores e luz derivadas de suas referências européias. Ainda no que tange o diálogo de Almeida Júnior com a tradição francesa, cumpre destacar o papel que tal arte desempenhou na expressão do pintor brasileiro, principalmente se pensarmos em um artista como Courbet, por exemplo, haja vista as considerações tecidas por Stephen f. Eisenman36 em relação à situação da França naquele período especialmente nos meses anteriores ao coup d’état de Napoleão, em 2 de dezembro de 1851, a cultura popular- mais bem definida como a cultura não oficial da não elite – foi uma arma usada por camponeses, trabalhadores, e por seus aliados burgueses urbanos para ajudar a garantir a egalité prometida, mas não cumprida pela primeira Revolução Francesa. Courbet foi um soldado nessa guerra e a trilogia foi sua arma. Por trilogia, entendemos suas três maiores obras: Enterro em Ornans (1849), Os Quebradores de Pedra (1850) e O Estúdio do Pintor: Uma Alegoria Real Somando Sete Anos de minha Vida Artística (1854-55). Tais obras mostram, respectivamente, a burguesia provinciana perdida em meio à realidade de um enterro, simbolizando o enterro de uma sociedade, a dura vida do camponês ou a questão do trabalho na França, e, por fim, uma crítica bastante contundente a elite governante da França de Napoleão III, além de uma mulher nua, nada idealizada, posicionada no centro da tela. Entretanto, estes são apenas alguns dos pontos que podemos destacar a priori, na medida em que há outras questões não relevantes à nossa análise, uma vez que o aprofundamento traria questões as quais nos desviariam do objetivo central do trabalho.

Fig.24 G.Courbet. Enterro em Ornans (1849)

36

Stephen F.EISENMAN. The Rhetoric of Realism: Courbet and the Origins of the Avant-Garde. In: Nineteenth Century Art: A Critical History, 1996, p.217 (trad. da autora)

50

G. Courbet. Quebradores de Pedra (1850)

Fig.25 G.Courbet. O Estúdio do Pintor: Uma Alegoria Real Somando Sete Anos de minha Vida Artística (1854-55)

Assim, aqui temos duas instâncias representadas por Gustave Courbet, a primeira sendo a denúncia da exploração da mão-de-obra e a segunda rompendo com o sentido tradicional de alegoria37. Considerando-se a soma dos fatores sócio-políticos franceses da época de Napoleão III, temos em Courbet o introdutor de todo um clima de denúncia ante a situação do homem no campo, o qual desempenha sua dura rotina de exploração da mão-de-obra, exemplificado pelos Quebradores de Pedra (1850). Já em O Estúdio do Pintor: Uma Alegoria Real Somando Sete Anos de minha Vida Artística (1854-55) Courbet rompe com os sentidos tradicionais da alegoria através de uma interpretação moderna, reunindo em um só espaço um nu feminino não alegorizado, justaposto aos amigos do pintor, à direita da tela e à esquerda, entre outras personalidades, o próprio Napoleão III, em clara ironia ao momento no qual Courbet vive. Assim, naquilo que tange ao modo como os artistas eram tratados pelo Salão e 37

Por alegoria tradicional entendemos a representação de temas vinculados à mitologia, com a finalidade de expressar ensinamentos ou moralizações, como ocorre no Barroco, por exemplo. Entretanto, deve-se destacar que há também outras alegorias, como as de Tiziano, que representam temas os quais representam O Amor Sacro e Amor Profano, com um sentido que não parece estar vinculado a nenhuma forma de moralização. Informações colhidas a partir de Gombrich, de Panofsky, entre outros sem uma bibliografia específica.

Fig.26Tiziano Vecellio. Amor sacro e Amor Profano, (1514).

51 pelas Academias, ambos regidos pelo Estado é que Courbet insere sua irônica alegoria. Aqui, cabe lembrar que o Imperador foi o responsável pela situação das recusas constantes aos artistas nos Salões Oficiais franceses, e que Courbet foi igualmente recusado pelo mesmo38, embora tenha sido o mesmo Napoleão III aquele a autorizar a abertura do Salon des Refusés em 1863. Estas relações com a arte francesa serão retomadas com maior profundidade no capítulo 4. A outra instância a qual nosso estudo se refere está representada por Almeida Júnior, pois também tendo vivido na Europa, sobretudo em Paris, estabelece contatos não só com a arte francesa, mas também com o pensamento do local e suas implicações estéticas, sociais e políticas conforme atestam sua produção. E ao voltar de sua longa e profícua viagem, opta por se estabelecer, após breve permanência em São Paulo, no interior do Estado. Lá, entre o final do Segundo Reinado e o início da República, época da ascensão da burguesia cafeeira, decide se dedicar à pintura de temática regionalista, além de realizar retratos por encomenda para a vasta clientela desta mesma elite, retrata a dura vida do nosso camponês, o caipira sem nenhum traço de idealização ou heroísmo, em suas atividades comuns e rotineiras. Assim, além de produzir retratos de gosto acadêmicos para esta mesma clientela burguesa paulista, produz várias telas com a temática do caipira, bem como, a obra tema desse presente estudo. Este aspecto será esmiuçado no capítulo 4, quando trataremos das relações entre o uso da temática caipira, por Almeida Júnior e seu diálogo com a figura do camponês através da obra de Millet, de Lhermitte e de Pelez, além dos aspectos ligados à representação da burguesia, centrada em Leitura e seu correspondente na pintura de Cabanel, de Giron e de Gavarni, além de retomarmos as questões referentes ao seu diálogo com Courbet. Assim, em Almeida Júnior temos a presença de uma personalidade que se adequa à produção artística de sua terra dialogando com aspectos realistas oriundos da França Oitocentista. E este mesmo sentido de realismo permeia toda sua produção da fase regionalista, conforme podemos perceber tanto em Saudade quanto no Caipira Picando Fumo ou ainda em Partida da Monção. 3.1.1- Almeida Júnior e sua Relação com a Pintura de Gênero Com o intuito de reiterar nossa afirmação de que o pintor ituano possui uma arte ligada não só às questões da terra como também ligada ao pensamento estético e formal

38

A recusa a qual o estudo se refere diz respeito àquela que culminou na criação do Pavillon du Réalisme, criado por Courbet em paralelo ao Salão Oficial e a Exposição Universal, em 1855, como resultado de sua insatisfação ante o modo como sua arte foi acolhida pela Exposição Universal do mesmo ano.

52 da época podemos estabelecer o paralelo entre este e Jean-François Millet em relação aos efeitos de contraluz, para além de todas as possibilidades de diálogos discutidos até agora, cabe ainda ressaltar o que Dario Durbé e Anna Maria Damigella39 propõem sobre o pintor de O Angelus: “Millet obtém este efeito graças a uma pintura sintética: onde as grandes figuras no primeiro plano, isoladas e simples, se destacam do fundo como silhuetas e reproduzem seus gestos eternos, nos quais toda a energia se concentra”. Em Saudade, percebemos como Almeida Júnior posiciona sua figura, que ao invés de chorar a ausência de seu ente querido acompanhada por seus familiares ou amigos, preferiu colocá-la sozinha, em primeiro plano, com bastante simplicidade, destacando-a do fundo que compõe a cena.

Saudade (1899)

J.-F.Millet. O Angelus (1858/9)

Ao se tratar sobre a pintura de gênero, deve-se destacar sua origem, bem como, ainda que brevemente, discorrer sobre seus expoentes e, principalmente, mostrar quais os caminhos percorridos até a Saudade, de Almeida Júnior. Em primeiro lugar, de acordo com Seymour Slive40 a pintura de gênero surgiu na Holanda, no século XVII, a partir da necessidade de se representar temas não religiosos, uma vez que a Holanda era um dos países que aderiram à Reforma de Lutero. Com a rica burguesia existente no país, muitos artistas como Jan Vermeer (1632–1675), Jacob van Ruysdael (1628–1682), entre outros, recebiam encomendas da burguesia abastada para pintar retratos, cenas de gênero, tais como interiores com pessoas exercendo atividades rotineiras, além de paisagens. Assim, a Holanda se firmou como pioneira nas pinturas de gênero e grande especialista em paisagens. 39

Dario DURBÉ & Anna Maria DAMIGELLA, La Révolution de 1848 et Millet .In: Ecole de Barbizon. 1989. s.p., ( trad. da autora) 40 Seymour SLIVE. Pintura Holandesa 1600-1800, 1998, pp.122- 176.

53

Jan Vermeer. Mulher Segurando uma Balança (ca. 1662)

Fig.27

J.v. Ruysdael. Queda d’água em paisagem montanhosa setentrional com castelo e chalé (ca.1665)

Sendo assim, de acordo com Durbé e Damigella41 na França do século XIX, Courbet, e principalmente os pintores da Escola de Barbizon, assimilaram a atmosfera e as composições pitorescas dos holandeses, com seus efeitos encantadores de luz e sombra. Por exemplo, de Vermeer, tanto Millet, quanto Courbet, foram marcados pela luz acolhedora de seus interiores. Já de Ruysdael, o artista que mais foi influenciado foi Corot, em suas paisagens de cunho pitoresco e romântico, conforme veremos no capítulo 4 ao tratarmos de Corot em relação a Almeida Júnior. Entretanto, com relação à Saudade, a relação com a pintura holandesa se dá na disposição da figura dentro do cômodo e, também pelo modo como a luz incide de forma oblíqua na personagem. Ela também possui a mesma carga sentimental das pinturas de Vermeer, muito embora elas não estejam chorando, e sim, desempenhando atividades cotidianas. Pode-se falar ainda com relação a Almeida Júnior, que em sua obra, a moça está apoiada em uma janela que nada revela do mundo exterior, assim como Vermeer também o faz em seus interiores, ou seja, a luz entra, mas o mundo exterior em nada perturba o silêncio e recolhimento de suas figuras. Ressaltamos, desta maneira, que o estudo da obra de Almeida Júnior permite um resgate dos principais períodos da História da Arte, bem como a reflexão sobre os 41

Op.cit., Dario DURBÉ; Anna Maria DAMIGELLA.

54 caminhos percorridos por esse artista de importância monumental em uma época tão importante quanto à transição do Segundo Reinado para a República. Assim, dentro daquilo que nosso estudo propõe como resgate de formas que sobrevivem às tradições artístico-culturais podemos averiguar que a “Kunstwollen” ou “pathos formel” em Almeida Júnior pode estar representada por suas formas que se repetem internamente a sua obra e no diálogo com os pintores franceses do século XIX e também com os holandeses do século XVII, sobretudo com Vermeer, ou seja, na transmissão e no diálogo formal, estético e social com a produção destes mesmos artistas. Em seus anos em Paris, Almeida Júnior participa de vários salões42, a partir de 1879, ocasião em que expõe o Retrato do Dr.José de Magalhães43. No ano seguinte, participa novamente do Salão expondo, desta vez, O Derrubador Brasileiro e Remorso de Judas44.

O Derrubador Brasileiro, (1879). Fig.28 Fuga para o Egito, (1881). Fig.29 Descanso do Modelo, (1882).

Em 1881, apresenta ao Salão a tela Fuga para o Egito, a qual é oferecida ao Imperador D. Pedro II, e hoje faz parte do acervo do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Em seu último ano de viagem à Paris, participa do Salão Oficial com a tela Descanso do Modelo, a qual recebe elogios da crítica parisiense. Assim, através do conjunto de sua obra produzida e exposta no Salão Oficial entre 1879 e 1882, podemos entrever os traços que marcam sua produção da fase regionalista, a qual se distingue por retratar figuras simples com um realismo profundo, conforme podemos ver em Caipira Picando Fumo, por exemplo. Aqui, ao considerarmos esta vertente realista que parece partir de O Derrubador Brasileiro, podemos traçar seu percurso e verificar o quanto sua poética se coaduna à tradição realista francesa. 42

Conforme a cronologia presente em Almeida Jr. Coleção Grandes artistas Brasileiros, 1985, pp.21-22. Imagem não localizada. 44 Imagem não localizada. 43

55 Uma outra vertente que podemos observar em sua obra se pauta pelo modo como o pintor insere suas figuras dentro de um espaço interior, revelando um forte diálogo com a pintura de gênero, levando-nos de Descanso do Modelo até Saudade, sobretudo naquilo que se refere ao modo como Almeida Júnior estrutura suas imagens dentro de uma rigorosa construção ortogonal banhada por uma luz quente. Entretanto, é preciso que façamos a distinção entre ambas as obras, uma vez que Descanso do Modelo é amplamente ligada à tradição da Academia, trazendo uma figura de mulher nua a qual parece ser resultante de uma sessão de modelo vivo, ao passo que Saudade não parece ter esta origem. Em relação à luz, podemos estabelecer um paralelo entre Saudade, Nhá Chica, Cozinha Caipira, Fuga para o Egito e O Angelus, de Millet. Aqui, cumpre salientar o modo como Almeida Júnior utiliza o efeito de contraluz, embora suas obras não sejam religiosas, com exceção de Fuga para o Egito, ou seja, o pintor emprega a luz de maneira a atingir a cena por trás, como em Cozinha Caipira e Fuga para o Egito, ou lateralmente, também deixando suas figuras em um cenário penumbroso, como em Saudade e Nhá Chica, do mesmo modo que Millet o faz em suas obras. 3.1.2 - A Viagem de Almeida Júnior a Itália: contatos com Domenico Morelli e Henrique Bernardelli Em sua longa viagem à Europa, Almeida Júnior esteve em Roma no ano de 1882, quando estabeleceu contatos com o pintor e desenhista Henrique Bernardelli (1858-1936) e seu irmão, o escultor Rodolfo Bernardelli (1852-1931). Henrique, o irmão mais novo, estava estudando em Roma com o pintor Domenico Morelli (18231901) na ocasião. Porém, o que importa ao nosso estudo é verificar o que ocorre na arte italiana nesta mesma época e como esta pode interferir na obra de Almeida Júnior, em relação à Saudade, sobretudo. Observamos que a situação italiana é bastante diferente da francesa, no que diz respeito à política e à sociedade, uma vez que a França, em 1882 já havia passado por várias revoluções, inclusive pela Guerra Franco-Prussiana em 1870 e pela Comuna de Paris, em 1871 e que agora, vivia um clima ainda tenso, porém em menor escala. Em contrapartida, a Itália nessa mesma época passa por transformações ainda não consolidadas por completo em sua estrutura político-social, as quais certamente repercutem na arte.

56 Assim, segundo Giulio Carlo Argan45 dentro desse clima de incertezas temos uma produção artística que dialoga com os valores do passado renascentista italiano, através do resgate de artistas como Perugino e Rafael, por exemplo, unindo-os à pintura histórica de um Francisco Hayez46. E, ainda segundo Argan47 temos a afirmação de que A contradição emerge clamorosamente em Domenico Morelli, que por uma espécie de equivocado orgulho nacional considera as conquistas da pintura moderna, da qual está certamente a par, como um expediente técnico para galvanizar e tornar novamente emotiva a temática histórica nacional. Portanto, na arte de Domenico Morelli se torna lícito destacar sua aproximação com a arte francesa do século XIX, em especial com o Romantismo, conforme podemos observar em sua obra Torquato Tasso ed Eleonora d’Este (1861), a qual insere figuras da tradição humanista italiana, como Torquato Tasso e a mecenas Eleonora d’Este em um ambiente de gosto orientalizante caro a alguém como Delacroix. Além dessa primeira observação deve-se destacar que seu diálogo com a tradição também se faz presente na ekphrasis48 dos elementos que compõem a cena, como o livro e a caveira, os quais poderiam simbolizar49, respectivamente, o conhecimento expresso pelo mundo inteligível e o “vanitas” ou “memento mori”, representando a passagem inexorável do tempo.

Fig.30 D. Morelli, Torquato Tasso ed Eleonora d’Este, (1861).

Ainda em Domenico Morelli podemos destacar seu Conte di Lara (1861), retrato que parece dialogar tanto com a não idealização proposta pelo Realismo francês, quanto com Édouard Manet (1832-1883), devido ao uso do negro como cor e como elemento 45

Giulio Carlo ARGAN, História da Arte Italiana: de Michelangelo ao futurismo, 2003, pp.424-425. Artista veneziano que vive entre 1791 e 1882. 47 Ibid. p.425. 48 Descrição. 49 Op cit. Seymour SLIVE, 1998. 46

57 que faz emergir todas as outras cores da obra, por exemplo, se tomarmos O Bebedor de Absinto (1859), de Manet, podemos perceber semelhanças em relação à paleta utilizada por ambos. Além disso, cumpre salientar a atmosfera de mistério que parece envolver as duas figuras, muito embora a de Morelli seja um close e a de Manet, um retrato de aparato50. Tal mistério parece surgir do modo como apresentam suas figuras na composição, tendo Morelli colocado seu conde tentando se esconder por detrás de seu chapéu e Manet, envolvendo sua personagem que se apóia instavelmente em um banco de pedra, dentro de um espaço escuro.

Fig.31D. Morelli.Conte di Lara,(1861).

Fig.32 É.Manet. O Bebedor de Absinto, (1859).

Após esta breve comparação entre Morelli e Manet, voltemos ao nosso estudo de caso sobre Almeida Júnior. Aqui, podemos perceber como o “Kunstwollen” e o “pathos formel” ocorrem no modo como, tanto Morelli, quanto o ituano retratam suas figuras, ou seja, ambos compartilham o mesmo esquema cromático que agrega tons emergentes do negro e o mesmo modo de apresentar suas figuras dentro do espaço, embora em Almeida Júnior tenhamos muito mais força dado o seu forte rigor estrutural presente em seus caipiras e em Saudade, por exemplo. Ou melhor, seu Caipira Picando Fumo, Saudade, Nhá Chica e O Violeiro trazem um rigor estrutural que fortalecem a obra como um todo. Já, no retrato de Morelli, este mesmo rigor estrutural não se confirma, apesar do penetrante olhar melancólico de sua personagem que marcam a obra. Além disso, Morelli retrata um conde como se fosse um homem simples, um camponês e aqui não parece caber nenhuma ironia por parte do pintor. Em 50

Nesta obra não temos a tradicional monumentalidade que encontramos nos retratos de aparato, mas, sim, a figura de um notívago consumido pelo vício do absinto.

58 contrapartida, Almeida Júnior retrata seus caipiras e sua gente simples de forma tão genuína que os engrandece em sua simplicidade.

Saudade

Caipira Picando Fumo

Nhá Chica

O Violeiro

Entretanto, se pensarmos em Henrique Bernardelli, discípulo de Morelli de 1878 a 1884, podemos propor maiores semelhanças formais e representacionais entre Bernardelli e Almeida Júnior, sobretudo no modo como ambos retratam suas figuras femininas. Aqui, o “Kunstwollen” e o “pathos formel” se configuram mais pertinentes. Com isto, não queremos diminuir o valor da obra de Morelli, mas sim propor que Almeida Júnior está mais próximo da poética de Henrique Bernardelli do que da de Morelli, conforme podemos observar através da obra deste último. Mas o que podemos observar em Bernardelli? Quais são os pontos em comum? O que existe de afinidade entre ambos? Vejamos. Em primeiro lugar, devemos destacar que, assim como Almeida Júnior, Henrique Bernardelli também retrata suas figuras sem idealizá-las. Com isso, sua obra se apresenta realisticamente descrita dentro do mesmo mundo do pintor ituano, na medida em que temos figuras burguesas, porém retratadas com simplicidade e inseridas

59 dentro de um espaço doméstico, como em Retrato de Senhora, 1895. Vimos no capítulo 1 que Almeida Júnior também retrata a burguesia em obras como Leitura e A Noiva, além de retratar figuras simples, como Saudade e Nhá Chica.

Fig.33 H. Bernardelli.Retrato de Senhora,(1895)

J.F.de Almeida Júnior.Saudade,(1899)

Entretanto, o que parece aproximar o Retrato de Senhora à Saudade é o que Mário Barata51destaca em relação A pintura recente da época se ligava cada vez mais à realidade, como observaram historiadores italianos ao se referirem a críticas então feitas ‘em defesa da dignidade da pintura de história’, em abandono. Dessa forma, podemos estabelecer um diálogo entre ambos os artistas, uma vez que tanto na Itália quanto na França e no Brasil temos uma tradição artística comum a qual permeia os esquemas representacionais da arte, sobretudo dentro do debate historiográfico proposto tanto por Riegl quanto por Warburg, no que se refere ao “Kunstwollen”, do primeiro e ao “pathos formel”, do segundo. Além disso, tanto em Almeida Júnior quanto em Bernardelli, podemos perceber que ambos produzem não apenas uma arte inserida dentro de tradições correlatas, guardadas as diferenças de contextos histórico-sociais entre Brasil e Itália, como também estes desenvolvem temas semelhantes ligados à representação realista da figura humana. Assim, cumpre ressaltar que tanto Henrique Bernardelli quanto Almeida Júnior se assemelham pela maneira como retratam suas figuras, seja em Retrato de Senhora e Saudade, como também ambos representam temas ligados às questões da terra, presentes Almeida Júnior em Caipira Picando Fumo e Partida da Monção, por 51

Mário BARATA. Desenhos de Henrique Bernardelli: sensibilidade e época. In: Henrique Bernardelli: Uma Coleção de desenhos, 1976, s/p.

60 exemplo, e na obra de Bernardelli, Bandeirantes (1889), realizada como programa depois de sua volta ao Brasil52. Mas, aqui há que se perceber que temos duas instâncias, sendo a primeira ligada à noção de terra, representada por Almeida Júnior em Caipira Picando Fumo e a segunda, ao gênero de pintura histórica, exemplificado por Partida da Monção e por Henrique Bernardelli nas duas instâncias descritas acima. Portanto, a relação que parece se estabelecer entre os dois artistas, refere-se ao duplo caráter terracampo local de trabalho e terra-território de conquista, mesmo que seja pelo sentido da batalha ou do desbravamento, conforme observamos em Partida da Monção e em Bandeirantes, respectivamente. E, sobretudo em relação aos Bandeirantes, de Bernardelli temos o homem simples do campo desempenhando um papel heróico, caracterizado pelo ato de desbravar, de conquistar novos territórios, do mesmo modo que em Partida da Monção.

Caipira Picando Fumo Fig.34 H.Bernardelli. Bandeirantes, (1889)

Partida da Monção

Mas para além das questões sociais implicadas neste tipo de representação iconográfica, devemos considerar que em se tratando da figura humana, podemos estabelecer alguns paralelos, sobretudo no que diz respeito ao nosso tema de estudo. Em Saudade, conforme vimos, temos a figura de uma mulher que chora ao contemplar uma fotografia em sua mão esquerda. Se observarmos a obra uma vez mais, podemos propor mais alguns detalhes os quais podem estar relacionados à poética de Henrique Bernardelli. Vejamos a obra novamente e a comparemos com um desenho a nanquim chamado Mulher Italiana, feito por Bernardelli, em circa 1880, portanto, dezenove anos antes de Saudade. O que podemos inferir desta relação?

52

Assim destaca Mário BARATA, ibid, s/p.

61

Saudade

Fig.35 H.Bernardelli.Mulher Italiana, (c.1880)

Em uma primeira análise, podemos sugerir que talvez Almeida Júnior tenha tido contato com esta produção enquanto esteve viajando, em 1882, à Itália. E se não viu este desenho pessoalmente, possivelmente viu outros de Bernardelli. Assim, percebemos que a poética de ambos os artistas traz traços em comum no que se refere ao modo como retratam suas figuras, pois tanto Saudade quanto Mulher Italiana possuem estruturas compositivas bastante semelhantes. Entretanto, tais semelhanças não se constituem apenas dentro deste campo. Em relação à forma como estão dispostas, a posição levemente inclinada dos corpos, o tipo de roupa e o penteado e os sapatos que trajam, o modo como olham para baixo, o formato do rosto, enfim, todos os atributos iconográficos revelam total diálogo entre as obras. Mas por que e de que maneira esse diálogo ocorre? Além da diferença das técnicas e suportes empregados pelos dois artistas – Almeida Júnior utiliza a pintura a óleo sobre tela e Bernardelli, o nanquim sobre papel, a única diferença que parece ocorrer entre as imagens acima se dá em função da expressão de dor em Saudade, conforme já tratamos no decorrer do capítulo 1, ausente na obra de Bernardelli. Mas voltemos à questão que encerra o parágrafo anterior. Dentro do nosso debate sobre “Kunstwollen” e sobre “pathos formel”, podemos destacar que este tipo de iconografia é comum ao que se produz em termos de arte no século XIX, tanto no Brasil, quanto na França (discorreremos sobre esta questão no capítulo 4), quanto na Itália. Assim, neste processo de transmissão e de sobrevivência de formas53 e 53

A esta sobrevivência de formas, Aby Warburg a denomina com o termo Nachleben.

62 de conteúdos, encontramos as obras de Almeida Júnior e de Bernardelli. De igual maneira, não devemos nos esquecer de que nessa época o Realismo assumiu um papel importante, aliás fundamental a ambos. Aqui parece estar o cerne de nossa análise, uma vez que o Realismo enquanto movimento permeia as produções francesa, italiana e brasileira, de Gustave Courbet, Jean-François Millet, Domenico Morelli, Henrique Bernardelli e Almeida Júnior, na medida em que temos a representação do homem no campo e a não idealização, aspectos brilhantemente destacados por estes artistas.

G.Courbet. Os Quebradores de Pedra, (1850).

J.-F.Millet. O Angelus (1858/9).

D. Morelli.Conte di Lara,(1861).54

H.Bernardelli. Bandeirantes, (1889).

54

Embora este retrato represente um conde, ainda assim, podemos inserí-lo dentro do debate do Realismo, por seu aspecto nada idealizado e nada aristocrático, se pensarmos nos moldes franceses. Entretanto, temos a representação de um aristocrata da terra e não de um camponês, como em Almeida Júnior, Courbet e Millet.

63

J.F.de Almeida Júnior. Caipira Picando Fumo, (1893).

Portanto, podemos estabelecer este paralelo entre o pintor ituano de Saudade e Henrique Bernardelli partindo das questões que envolvem a constância temática e formal presentes nas obras de ambos, bem como inseri-los dentro do debate do Realismo, assunto a ser tratado no capítulo 4 com maior profundidade, por ser um ponto que permeia todo nosso corpus de análise, no que se refere à poética de Almeida Júnior.

3.2- A aproximação de Almeida Júnior com a fotografia Conforme propomos no início deste capítulo, neste tópico discorreremos acerca da questão da presença da fotografia na obra de Almeida Júnior, especialmente em relação à Saudade. Quais vínculos seriam possíveis estabelecer entre sua obra e a fotografia? Segundo Suzana Barretto Ribeiro55, dentro da fase regionalista de Almeida Júnior, podemos observar o modo como suas composições parecem emergir de instantes captados fotograficamente, os quais estariam evidenciados em obras como, Caipira Picando Fumo (1892), Caipiras Negaceando (1888) e em Amolação Interrompida (1894). De forma semelhante, Maria Cecília França Lourenço56, conforme vimos no capítulo 2 de nosso estudo destaca que Almeida Júnior trabalha com o recurso do close fotográfico, com o intuito de enfatizar, mais significativamente, os pequenos detalhes de suas pinturas, tais como batentes de portas, janelas, enfim, ressaltando aspectos das cenas que retrata nas suas obras da fase regionalista.

Caipira Picando Fumo, (1892).

55

Fig.36Caipiras Negaceando, (1888).

Fig.37AmolaçãoInterrompida(1894)

Op.cit., Suzana Barretto RIBEIRO, 2006. Maria Cecília França LOURENÇO. Almeida Júnior: o poeta e o caipira, concurso de monografia sobre Almeida Júnior, menção honrosa -proc. 81322/77 A.P., pp.66,75. 56

64

Mas o que podemos afirmar em relação à Saudade? Nas obras descritas acima podemos observar que o artista parece ter familiaridade com a linguagem fotográfica, surgida como técnica em 1839. Em seus estudos em Paris, certamente esteve mais próximo ainda desta, apesar de havê-la provavelmente conhecido antes. No que se refere à obra tema do presente estudo temos a figura de uma mulher retratada em close que olha para uma “carte de visite”. Talvez aqui possamos propor que seu esquema compositivo também revele aproximações com o instante fotográfico, uma vez que a cena pode ter sido captada por acaso, assim como Caipira Picando Fumo, Caipiras Negaceando e Amolação Interrompida57, por exemplo. Mas, é preciso ter em mente que as últimas obras mencionadas acima foram concebidas enquanto idéia ao ar livre, ao passo que, Saudade, Nhá Chica e Leitura se passam dentro de ambientes domésticos e, portanto, privados. Desta forma, o ato de captar o acaso não traria as mesmas características observadas por alguém que caminha e se depara com algo que ocorre inesperadamente, muito embora a cena de Saudade possa ter sido captada assim, porém em um nível diferente, na medida em que a fotografia se caracteriza pelo instantâneo captado por uma lente fotográfica, manipulada pelo olhar do fotógrafo.

detalhe de Saudade, com “carte de visite” .

Saudade, (1899). 57

Nhá Chica

Leitura

Cabe ressaltar que os três trabalhos citados acima possuem uma nítida relação com o tempo, uma vez que descrevem ações como picando, negaceando e amolação interrompida, ou seja, descrevem ações flagradas no instante em que o pintor as flagra. Tal relação tem total afinidade com a fotografia, a qual tem por função captar os instantes nos quais as ações se desenrolam.

65 É preciso destacar que a presença da “carte de visite” desempenha um papel importante em sua obra, na medida em que o artista a emprega como citação de um suporte que surge e ganha força monumental a partir do século XIX devido a enorme popularidade que assume. Assim, podemos demonstrar que a fotografia dentro da obra do pintor ituano se destaca enquanto captação de um instante, conforme vimos em Caipira Picando Fumo, Caipiras Negaceando e Amolação Interrompida, e também enquanto metáfora de uma linguagem expressa pela citação dentro de suas pinturas. Pois, além de Saudade, o pintor emprega o mesmo recurso da citação em Cena da Família Augusto Pinto, obra realizada por encomenda em 1891 para a família de um rico burguês da época.

Fig.38 J.F.de Almeida Júnior. Cena da Família Augusto Pinto, (1891).

Entretanto, por se tratar de uma encomenda, é preciso considerar que esta obra representa a família segundo os critérios determinados pelo encomendante. Mas, o que se torna evidente nesta obra é o fato de Almeida Júnior inserir a família burguesa dentro de um espaço privado sofisticado repleto de referências à fotografia. Observemos o modo como ela se faz presente por repetidas vezes, no menino em pé que folheia um álbum de fotografias, além das fotos expostas em porta-retratos atrás da figura da mãe, a qual está sentada ao fundo desempenhando os afazeres domésticos que lhe cabem no contexto do século XIX, ou seja, cuidar dos filhos e costurar. Assim, mais uma vez podemos propor que Almeida Júnior parece empregar o recurso do instante fotográfico e citá-lo enquanto presença formal em suas obras. No entanto, é preciso apontar que embora utilize tal recurso de captação do instante fotográfico, conforme destacamos desde o início deste tópico, cumpre ressaltar que seu olhar não exibe nenhuma forma de fragmentação, uma vez que o artista insere suas imagens dentro de uma totalidade cenográfica, na qual não apresenta nenhum recorte

66 das cenas principais, conforme podemos observar em suas obras. Ou seja, seu processo se revela oposto ao que um artista como Edgar Degas58 (1834-1917) faz vinte anos antes de Almeida Júnior, inserindo em suas obras o recurso da fragmentação, típico do enquadramento fotográfico. Embora Almeida Júnior não fragmente suas cenas como Degas, temos no autor de Saudade, a forte presença do instante caracterizado pelo forte rigor estrutural, o qual dialoga com a tradição acadêmica francesa, na medida em que apresenta a cena em sua totalidade, sem nenhuma forma de recorte, como Degas faz.

Saudade

Caipira Picando Fumo

Cena da Família Augusto Pinto

Fig.39 E. Degas. Place de la Concorde, (1875).

Desta forma, portanto, podemos concluir que Almeida Júnior confere a fotografia uma importância bastante significativa, ao empregá-la como recurso de captação do instante e como metáfora através da citação que utiliza em Saudade e em Cena da Família Augusto Pinto. Também, conforme já destacamos no capítulo 1, a fotografia que a figura de Saudade traz em sua mão esquerda evoca a memória de

58

É preciso destacar que Degas capta o instantâneo das cenas seguindo o mesmo recurso criado pelo Japonismo, movimento fundamental aos artistas do Impressionismo, embora este não seja impressionista, apenas participando das exposições do grupo. Degas também utiliza seu recurso de captação fragmentada do instante para retratar suas bailarinas e suas cenas de toilette, realizadas a pastel, a partir da década de 1890. Ou seja, Degas emprega este recurso em suas cenas íntimas também. Sobre este assunto vide Henri LOYRETTE. Modern Life. Origins of Impressionism. 1994, pp.265-293.

67 alguém que está ausente, e que esta ausência pode se afigurar como temporária ou como definitiva. Mais uma vez em Saudade, devemos destacar que a fotografia assume papel central dentro da representação, pois é através de sua presença enquanto suporte imagético, que a ausência é evocada provocando o choro em sua personagem. Em contrapartida, em Cena da Família Augusto Pinto, a fotografia surge como memória familiar, através do álbum folheado pelo menino que observa as imagens com uma curiosidade tipicamente infantil e através dos auto-retratos localizados atrás da figura materna. Entretanto, aqui não temos a mesma força expressiva que encontramos em nossa obra tema, já que as fotografias parecem possuir um aspecto decorativo, assim como o tapete, os quadros e os vasos que compõem esta elegante e sofisticada cena burguesa, na qual impera o forte senso descritivo dos atributos que distinguem esta família, atributos estes presentes na leitura e na música.

Saudade

Cena da Família Augusto Pinto

68 4- O DIÁLOGO DE ALMEIDA JÚNIOR COM OS PINTORES FRANCESES O artista é o intérprete que faz ver a natureza interior ou exterior no espelho de sua alma. (Mathilde Stevens, 1859) 59 Nosso estudo de caso até agora procurou estabelecer parâmetros de diálogo entre a obra Saudade, de Almeida Júnior colocando-a em relação com outras obras do pintor, com o artista italiano Domenico Morelli e seu discípulo Henrique Bernardelli, com o holandês Jan Vermeer, bem como aproximando a produção do ituano à fotografia. Entretanto, cumpre investigarmos as relações que permeiam sua produção no que concerne à arte francesa do século XIX. Conforme destacamos no capítulo 3, Almeida Júnior viajou à Paris, a partir da bolsa que recebe do Imperador D. Pedro II a fim de complementar sua brilhante formação iniciada na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, em 1869, com o professor de desenho Jules le Chevrel (1810-1872) e com o professor de pintura Vítor Meireles de Lima (1832-1903). Portanto, em 1876, o pintor parte para a Europa, onde permanece até 1882. Assim, passa seis anos estudando na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, sob os ensinamentos de Alexandre Cabanel (1823-1889), principalmente. Durante o período em que esteve em Paris, Almeida Júnior travou contatos com vários artistas, os quais contribuíram para sua formação através do diálogo estabelecido pelo brasileiro para a construção de sua obra. Ao analisarmos o período em que viveu na Europa, ou seja, de 1876 a 1882, podemos observar que o pintor de Saudade opta por dialogar com as tradições vindas da Academia, embora saibamos que a Escola de Barbizon, corrente com a qual ele dialoga se forma a partir do contato direto dos pintores com a natureza, buscando os efeitos luminosos observados diretamente sobre esta mesma natureza, além do tema do homem do campo, retratado sem qualquer idealização. Assim, dentro do universo analisado e estudado por Almeida Júnior continuamos a propor algumas questões pertinentes ao nosso estudo. Não devemos nos 59

“L’artiste est l’interprète qui fait voir la nature intérieure ou extérieure au miroir de son âme.” Mathilde STEVENS. Impressions d’une femme au Salon de 1859. In: Jean-Paul BOUILLON et allii. La Promenade du Critique Influent: Anthologie de la critique d’art en France 1850-1900, p.91.(trad. da autora)

69 esquecer ainda de que nesse momento, na França havia o grupo dos impressionistas, os quais desde 1874 vinham expondo seus trabalhos com certa regularidade. Entretanto, de acordo com Luís Martins60, Almeida Júnior teria ignorado por completo os avanços propostos por estes, “passando em brancas nuvens”, o que não parece ser de todo verdade, pois se observarmos seu Caipira Picando Fumo (1893), por exemplo, percebemos que o pintor está perfeitamente inserido na tradição acadêmica. Não só naquilo que se refere aos aspectos formais e estruturais o pintor dialoga com o ensino acadêmico, mas em relação ao esquema cromático e a luz que emprega, podemos observar o quanto ele dialoga com o Impressionismo, movimento este nascido dentro do mesmo ambiente61. Então, surge a seguinte pergunta: ele sempre foi assim? A resposta é negativa, na medida em que ao considerarmos seu Derrubador Brasileiro (1879)

62

,

vemos que tanto a luz quanto a cor utilizadas pelo artista são muito mais européias do que brasileiras e não parecem dialogar com o Impressionismo, mas sim com o Romantismo, devido à exploração de atmosferas que permeiam um gosto pelo sublime, porém sem o mesmo pathos63 , ou seja, sem o mesmo sentimento.

J.F.de Almeida Júnior. Caipira Picando Fumo, (1893).

J.F.de Almeida Júnior. O Derrubador Brasileiro, (1879).

Entretanto, se considerarmos os caminhos artísticos percorridos por Almeida Júnior em Paris, podemos centrar nosso estudo em torno de alguns dos mais importantes artistas da época, os quais contribuíram para o desenvolvimento da História da Arte do século XIX através de um conjunto de obras, que estão entre as mais ricas que a arte já produziu. E com isto, não podemos deixar de lado mais esse diálogo na produção de Almeida Júnior. Após esta breve introdução panorâmica ao nosso capítulo, cumpre apresentar os artistas com os quais o pintor de Saudade pode ter dialogado, e nossa 60

Luís MARTINS. Apud. Almeida Júnior, 1985, p.8. Aqui se devem destacar artistas como Claude Monet, por exemplo, que inicia sua formação dentro da Academia para, posteriormente romper com seus preceitos. 62 Aspecto já desenvolvido no capítulo 3. 63 Não nos refirimos ao “pathos formel”, de Aby Warburg. 61

70 escolha se deu a partir do processo de pensar por imagens, buscando afinidades possíveis entre nosso quadro tema e a produção destes artistas franceses. Mas quem são estes artistas? Em primeiro lugar, não podemos deixar de analisar seu mestre na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, Alexandre Cabanel (1823-1889). Em relação a Cabanel podemos propor que este, além de pintar figuras mitológicas, como O Nascimento da Vênus, aproximadamente em 1863, também realiza uma série de retratos femininos burgueses, como este retrato de Catharine Lorillard Wolfe, de1876. Mas como podemos relacioná-los a Almeida Júnior? Vejamos.

A. Cabanel. O Nascimento da Vênus, (c.1863)

Fig.40 Retrato de Catharine L.Wolfe, (1876)

Em relação à Saudade, nossa observação permite propor que o diálogo pode ser estabelecido em função da qualidade de acabamento que Almeida Júnior oferece ao seu trabalho, na medida em que este retrata sua figura com esmerada atenção aos detalhes, muito embora Saudade seja uma obra que traga um ambiente rústico e simples, porém sofisticado por sua descrição. Além disso, um outro aspecto deve ser salientado. Podemos perceber tanto em Cabanel quanto no pintor ituano, o forte rigor estrutural baseado na ortogonalidade presente no retrato de Catharine Lorillard Wolfe, ou na maneira hierática como sua figura se apresenta ao observador. Tal hieratismo também parece advir de sua posição social, haja visto que vemos uma personagem da burguesia, a qual orgulhosamente se apresenta ao espectador. Entretanto, devemos compará-la a um outro trabalho de Almeida Júnior, Leitura, o qual já foi analisado no capítulo 1, quando tratamos da questão Maria Laura do Amaral Gurgel. Mas, se pensarmos no modo como Almeida Júnior a representa, vemos que aqui o pintor reúne tanto seu rigor estrutural quanto seu forte gosto pela descrição dos elementos que a compõem em sua cena.

71

Saudade

CatharineL.Wolfe

Leitura

Porém, apesar deste retrato de Cabanel possuir uma paleta semelhante à Leitura, devemos destacar em relação à Saudade uma clara contraposição de ambiente, de personagem e, sobretudo no modo com a luz é utilizada, haja visto que Almeida Júnior emprega o recurso da contra luz. Assim, no que se refere ao Retrato de Catharine L. Wolfe, podemos propor que Cabanel a retrata sobre um fundo neutro, sintetizando o ambiente no qual sua personagem está inserida, com a finalidade de concentrar toda sua maestria na descrição esmerada de seu vestido. No tocante à luz, observamos que ela incide da direita para a esquerda, quase de forma frontal. Em contrapartida, o que se afigura mais pertinente ressaltar é que o pintor ituano parece ter privilegiado, em suas obras, características as quais o inserem no cerne do debate realista, conforme sua produção nos oferece. Desta maneira, Almeida Júnior se aproxima muito mais de artistas como Gustave Courbet (1819-1877) e de Jean-François Millet (1814-1875), conforme já vimos no capítulo anterior, devido à exploração que ambos fazem de um mundo que se quer real, sem qualquer traço de idealização e escolhendo por tema, retratar bem como, discutir as relações do homem com a terra na qual trabalha. Sendo assim, temos em Almeida Júnior, a figura do artista que exalta

72 estas qualidades quase heróicas e, ao mesmo tempo tão reais, tão pungentes em sua realidade material. Se pensarmos em Caipira Picando Fumo, em Amolação Interrompida e em O Violeiro, por exemplo, encontramos todas estas qualidades vindas de um realismo descrito com tanto rigor estrutural que nos faz esquecer, por alguns instantes que suas representações se constituem de figuras simples para assumir um aspecto grandiloqüente, devido ao forte caráter descritivo de suas figuras.

G. Courbet. Os Quebradores de Pedra, (1850)

Fig.41 J.-F.Millet. As Respigadeiras, (1857)

Caipira Picando Fumo

Amolação Interrompida

O Violeiro

Entretanto, conforme já destacamos anteriormente no capítulo 3, nesta simplicidade alcançada por Almeida Júnior em suas obras, podemos assinalar que devido ao grau de descrição que emprega e por seu aprendizado complementado em

73 Paris entre 1876 e 1882, o artista se expressa dentro de um rigor estrutural diferente daquele empregado tanto por Courbet quanto por Millet, como se sua arte se aparentasse ao Cubismo de um Picasso ou, segundo Jorge Coli64, ao Neoplasticismo de um Mondrian, ambos expressões do século XX. Desta forma, ao analisarmos o conjunto de obras do pintor ituano, podemos propor que sua arte se caracteriza por este marcado rigor de estruturas ortogonais, conforme já vimos nos capítulos anteriores. Assim, no que tange Saudade, nosso tema de estudo, é preciso considerar que na simplicidade na qual o artista dispõe sua figura, este mesmo rigor se confirma, tanto quanto nas obras citadas acima. Mas por que este rigor ocorre em sua obra? Talvez, uma resposta para esta questão seja o fato de que Almeida Júnior sempre conduziu seus estudos dentro do ambiente acadêmico, primeiro na Academia do Rio de Janeiro e, posteriormente, na Academia francesa. Também é preciso observar que seus mestres tiveram formação acadêmica e, para os padrões da época era impossível um artista conseguir reconhecimento fora do referido ambiente. Se em Courbet temos a figura do artista rebelde que rompe com a Academia, percebemos que, só a partir do Impressionismo é que esta prática começa a se firmar, apesar dos artistas impressionistas, de um modo geral, terem esta formação. Voltando de nossa digressão acerca da questão da formação dos artistas, é preciso destacar, mais uma vez, o sentido que a simplicidade dos ambientes descritos tem para Almeida Júnior, pois em sua obra esta se afigura com tamanha grandeza, que sua obra adquire níveis de sofisticação, revelando uma ambigüidade. Mas esta relação dialética parece estar presente também em Courbet e em Millet, na medida em que descrevem seus camponeses com tal grau de detalhe e de apuro técnico, que estes se tornam sofisticados também. Aliás, talvez aqui possamos propor que dentro desse processo narrativo, temos na figura do camponês e do caipira a busca de uma verdade adequada ao momento histórico contemporâneo a eles, o qual para Courbet e para Millet se configura como o de uma instabilidade sócio-econômica, de revoluções de cunho social e, para Almeida Júnior, represente a transição do Regime Imperial para a República. Portanto, cumpre salientar que a representação da gente simples do campo pode trazer algo de verdadeiro para o contexto no qual o artista vive, ou seja, da afirmação da cultura da terra, figurada por aquele que verdadeiramente a trabalha. Este é o ambiente de Almeida Júnior.

64

Op.cit. Jorge COLI, p.104.

74 Mas e em relação à Saudade? Ela também se insere neste mesmo debate por representar o sentimento de alguém que pertence a este mesmo contexto social. Cabe aqui ressaltar o diálogo que o pintor ituano estabelece com a tradição ao retratar figuras não idealizadas, simples e estruturadas ortogonalmente dentro do espaço no qual estão inseridas, desempenhando seus afazeres domésticos ou então, imersas em seu mundo interior o qual se revela através de uma luz que penetra o ambiente e sutilmente faz um jogo de ambigüidades entre ocultar e revelar, tão típico da arte de um Jan Vermeer e de um Millet, por exemplo, recurso este que envolve as personagens em ambientes interiores ou exteriores iluminados em contra luz.

Vermeer. Mulher Segurando

Millet. O Angelus

Saudade

uma Balança

Aqui também devemos considerar mais um outro trabalho de Almeida Júnior, o qual dialoga com esta tradição franco-holandesa, cuja especificidade parece ser a exploração dos efeitos de contraluz. Assim, podemos incluir, além de Nhá Chica – obra já discutida em nosso estudo, a obra Cozinha Caipira, pintada em 1895. Desta maneira, devemos observar como a “Kunstwollen”, de Riegl e o “pathos formel”, de Warburg se processam, pois nestas constantes trazidas pelos artistas com os quais Almeida Júnior estabelece seu diálogo, percebemos que há uma corrente contínua de referências que permeiam as obras e os pensamentos destes.

75

Nhá Chica

Fig.42 J.F. de Almeida Júnior. Cozinha Caipira, (1895)

Entretanto, em relação à temática adotada por Almeida Júnior, podemos perceber tanto em Saudade, quanto nas figuras de seus caipiras, um forte diálogo com um outro pintor do século XIX francês, igualmente representante do Realismo, assim como Courbet e Millet (embora este último tenha se afiliado de certa forma à Escola de Barbizon65). Assim, na figura de Léon Augustin Lhermitte (1844-1925), temos um artista que se dedica a pintar cenas que retratam a dura vida do camponês. Entretanto, observamos em seu realismo, uma exarcebação dos aspectos descritivos, trazendo para esta composição que utiliza uma luz irreal, ou seja, uma luz não exterior, um aspecto que ultrapassa os limites da não-idealização, fazendo com que suas figuras se assemelhem a bonecos de cera (vide detalhe da obra abaixo).

Fig.43 L.A. Lhermitte. O Pagamento dos Ceifeiros, (1882)

(43a) detalhe

Embora Almeida Júnior se aproxime de Lhermitte no que tange a temática e a composição, temos na fatura do pintor ituano muito mais daquilo que chamamos de

65

Escola que se estabelece na década de 1840, na região da Floresta de Fontainebleau, para pintar paisagens. Entretanto, sua poética mantém certas distinções pelo emprego de efeitos de contra luz, além de retratar figuras de camponeses no trabalho rompendo, assim, com a pintura de paisagens.

76 realidade, apesar de O Pagamento dos Ceifeiros possuírem esta carga de realidade expressa pelas roupas rasgadas e pelo olhar desesperançoso e cansado do homem sentado segurando seu instrumento de trabalho. De igual maneira, observamos nas roupas da figura da mulher que amamenta (vide detalhe acima), este mesmo grau de verdade. Entretanto, ao compararmos esta obra de Lhermitte com o Caipira Picando Fumo, de Almeida Júnior veremos que apesar da repetição da figura principal, a qual está sentada diante de uma casa, notamos o quanto o artista brasileiro descreve sua cena com uma luz bem mais natural, na medida em que emprega a observação do mundo exterior, apesar de pintar suas obras dentro de seu atelier. E que esta realidade se dá a partir da inserção de sua figura dentro de um espaço iluminado por uma luz que a envolve realmente. A partir de nossa observação vemos que Lhermitte nos oferece uma obra de indiscutível valor, porém, em contrapartida, sua luz não parece partir da observação do mundo exterior, mas sim, de esquemas formais prontos, vindos da tradição das academias. Assim, podemos evidenciar que Lhermitte compõe suas obras segundo sua relação com a tradição, assim como Almeida Júnior, porém este exibe figuras copiadas dentro das sessões de modelo vivo realizadas nos ateliers da Academia, empregando uma luz idealizada e não de fato observada. Daí, seu artificialismo e sua teatralidade.

Caipira Picando Fumo

O Pagamento dos Ceifeiros

Neste sentido, Almeida Júnior está mais próximo de Courbet, de Millet e também de Jules Breton (1827-1906), na medida em que estes pintores trazem para dentro de sua obra questões que permeiam as relações do homem com a terra na qual trabalham duramente. Assim, tanto o pintor ituano quanto Jules Breton se aproximam através da relação camponês-caipira, retratando suas figuras com forte senso de realidade, conferindo-lhes a grandiloqüência relativa ao sentimento expressado tanto

77 pelas obras quanto pelos artistas. A comparação entre as obras nos revelará mais detalhes, sobretudo no modo como ambos descrevem suas figuras, por exemplo. Vejamos a simplicidade sofisticada de Saudade em relação a Jovem Camponesa, 1882. Aqui, podemos verificar que ambos os artistas retratam suas imagens provenientes de ambientes rurais, destacando seus locais de origem sem qualquer traço de idealização. Porém, a observação nos aponta em Breton, uma expressão que possui semelhanças com Millet, sobretudo na utilização do recurso do contraluz, conforme analisamos anteriormente neste mesmo capítulo. De igual maneira podemos destacar que Breton, na busca pela representação de um mundo real, acaba atingindo o artificialismo, pois segundo nossa mesma observação, percebemos que no afã de captar a realidade, A Jovem Camponesa, de Breton parece distante de ser uma camponesa. Um olhar mais atento nos revela que a figura parece proveniente de uma sessão de modelo vivo da Academia, na qual uma modelo qualquer assumiria a pose desejada pelo artista e pela tradição. A partir desta sessão, Breton a travestiria de camponesa e a colaria ao ambiente desejado. Assim, a sensação que uma tela como esta provoca seria a mesma de O Pagamento dos Ceifeiros, de Lhermitte. Tal hipótese pode ser reiterada pelo modo com a figura de Breton se apresenta, adquirindo aspectos teatrais. Desta forma, Breton se afastaria da realidade, embora sua intenção fosse oposta a isso.

Fig.44 J.Breton. Jovem Camponesa, (1882)

Saudade

O Angelus.

Entretanto, deve-se destacar que embora a luz de Almeida Júnior seja tão natural quanto à de Millet e oposta a de Breton, naquilo que se refere à vestimenta, cumpre salientar que ambos retratam suas mulheres buscando destacar e distingui-las em sua simplicidade e força, mesmo que a Jovem Camponesa não esteja em pé, como Saudade. Com isto, nosso estudo aponta para o hieratismo de ambas as figuras, o qual está perfeitamente em diálogo com a tradição, pois em Breton, a grande diagonal da

78 ferramenta sobre a qual ela se apóia em atitude de descanso, nos transporta à serena horizontal do fundo. E, sem esta ferramenta não veríamos nem a torre da igreja e nem as árvores que quase se desfazem na atmosfera da composição estruturada ortogonalmente. Em relação à Saudade, conforme já analisamos no capítulo 1 e aqui retomamos, a figura da mulher é marcada por uma vertical levemente deslocada de seu eixo, acompanhada por elementos diagonais que equilibram e estruturam a cena. Assim como em O Angelus, os dois camponeses firmemente verticais que contrabalançam a paisagem ao fundo, além do garfo e do carrinho que introduzem o elemento diagonal utilizado tanto em Almeida Júnior, quanto em Breton e Millet para amainar o rigor ortogonal de suas composições. Assim, dentro do debate do Realismo podemos perceber nuances no que tange ao modo de representação de cada um dos artistas destacados. Em Almeida Júnior temos um realismo que procura evidenciar os aspectos da dor e da simplicidade em Saudade, bem como a mais honesta e verdadeira representação do caipira em sua relação com a terra. Embora tenhamos em Lhermitte e em Breton a busca de uma descrição da realidade a mais fidedigna possível, percebemos que seus resultados se configuram um tanto afastados desta, na medida em que revelam forte apego aos esquemas impostos pela tradição da Academia. Mas é preciso lembrar que Almeida Júnior também vem desta mesma tradição e possui a mesma formação didática, porém sua obra parece se abrir para um realismo sem a teatralidade de Breton e de Lhermitte. Sendo assim, podemos comparar o pintor ituano a um outro artista, cuja produção pode contribuir para a compreensão do diálogo proposto por nosso estudo de caso. Se pensarmos em alguém como Fernand Pelez (1848-1895) será possível observar em sua obra algo totalmente diferente e que, de fato, apresenta um clima próximo da realidade expressa por Almeida Júnior. Vejamos o que sua obra Sem Asilo nos revela.

Fig.45 F. Pelez. Sem asilo, (c.1890).

79 A análise da obra deste também discípulo de Alexandre Cabanel nos traz a figura de um menino pobre, talvez de rua, vendendo violetas dentro de sua caixa de madeira pendurada em seu pescoço. Aqui novamente temos um fundo ortogonalmente estruturado, o qual não fosse a presença do garoto, seria abstrato. Façamos uma comparação com O Violeiro (1899), de Almeida Júnior. Neste igualmente temos a mesma situação, com duas figuras dispostas sobre um fundo ortogonal, as quais fossem suprimidas, trariam o mesmo sentido abstrato à composição, remetendo-nos a um Piet Cornelis Mondrian66 (1872-1944), por exemplo.

O Violeiro

Fig.46P. C.Mondrian. Composição em Vermelho, Amarelo e Azul (1921)

Mas, para além da questão estrutural de Sem Asilo, a qual também nos remete à Saudade, dado sua marcante ortogonalidade, conforme vimos anteriormente nos capítulos 1 e 3 desta monografia, cumpre, agora, destacar outros pontos de relevância ao nosso estudo. Em relação ao “Kunstwollen” e ao “pathos formel”, devemos propor que Pelez e Almeida Júnior compartilham do mesmo sentimento de dor e de sofrimento contidos, os quais surgem magistralmente tanto em Sem Asilo, quanto em Saudade. Ou seja, ambos trazem a mesma carga de realismo expresso na descrição de suas figuras, o que um olhar mais atento revela ao espectador.

Sem Asilo

66

Op.cit., Jorge COLI, p.104.

Saudade

80 Aqui cabe ressaltarmos o contexto histórico-social retratado por Pelez em Sem Asilo, pois segundo Isabelle Collet67 Suas obras denunciam os desvios da cidade moderna, que abandona os mais fracos, crianças, velhos, operários, nas ruas da capital. Paris conheceu, com efeito, desde o início do século XIX, um crescimento extremamente rápido da população, de

que

resultaram

amontoamento

em

conseqüências

acomodações

nefastas:

insalubres,

miséria,

desemprego

crônico ou intermitente, criminalidade. Modestos paliativos à mendicância, os pequenos ofícios de rua ocupavam o espaço público de maneira mais ou menos lícita. Se na figura de Pelez temos o artista que denuncia a miséria humana, personificada pela exploração do trabalho infantil, em Almeida Júnior, esta denúncia adquire um tom mais disfarçado, na medida em que o artista oferece ao espectador uma forma de sofrimento igualmente contido, porém não encontramos a fome e a miséria de alguém que está na mendicância. Assim, a dor de Saudade se torna mais leve, nesse sentido, muito embora suas lágrimas tragam a dor sincera de quem perdeu algum ente querido. Uma outra questão que Sem Asilo nos traz se dá em relação ao modo como esta dialoga com a tradição, pois de acordo com Collet68, Pelez claramente deriva sua obra de Batolomé Esteban Murillo (1617-1682), pintor espanhol que dialoga com o Caravaggismo69. Tal diálogo se revela no modo como Pelez relê a obra Jovem Mendigo, pintada em circa 1645-1650 por Murillo. Nesta pintura de gênero temos a figura de um menino pobre e descalço, sentado no canto de um ambiente sujo e simples, porém iluminado por uma luz magistral, que entra pela janela, banhando-o e revelando em toda sua realidade, sua condição miserável.

67

Isabelle COLLET. A Parisiense. Paris 1900 na Coleção do Petit Palais, 2002, p.48. Op.cit., Isabelle COLLET. 69 Movimento que internacionaliza as propostas do Barroco de Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610). Este movimento leva para a Europa, inclusive para a Espanha e para os Países Baixos, suas características realistas as quais englobam a síntese de elementos descritivos, contrastes cortantes de claro-escuro, fundo neutro e escuro, cores que emergem do negro, bem como a representação de figuras do povo, especialmente de pessoas comuns, pobres e até prostitutas, no caso de Caravaggio. 68

81

Fig.47B.E.Murillo. O Jovem Mendigo, (c.1645/50)

Sem Asilo.

Assim, justapondo Murillo e Pelez, podemos observar o modo como ambos dialogam no tocante a cor, ou seja, nas duas obras temos o mesmo esquema cromático baseado em tons terrosos os quais partem do negro. Se observarmos atentamente, veremos que em cada cor e em cada elemento o negro se faz presente. Aliás, esta característica também nos mostra o quanto Pelez e Almeida Júnior estão vinculados aos ensinamentos da Academia. Em relação à Saudade, podemos verificar que na paleta adotada pelo ituano um diálogo com toda esta tradição longínqua e ainda tão arraigada nas obras dos artistas do século XIX, os quais empregam o realismo em suas representações, tais como Courbet, Millet, Breton, entre outros, conforme veremos mais adiante. Ainda cabe destacar um outro aspecto relevante à nossa análise. Trata-se do recurso empregado por Murillo, Almeida Júnior e Vermeer. Mas que recurso é este? Nas pinturas de gênero discutidas em nosso estudo, sempre destacamos a inserção de personagens em ambientes íntimos, iluminados pela luz que entra pelas janelas, estabelecendo um jogo que revela e oculta detalhes, com extrema sutileza e refinamento. Assim, nesta captação do instante, tal jogo nos traz para níveis de sofisticação dentro da aspereza que a realidade nos oferece em Almeida Júnior e em Murillo.

82

O Jovem Mendigo

Saudade

Mulher Segurando uma Balança

Até agora nosso estudo procurou evidenciar as relações que permeiam a produção de Almeida Júnior, no tocante à Saudade. Assim, buscamos relações naquilo que se refere ao modo como o pintor escolhe determinados elementos em detrimento de outros, no modo como adequa sua paleta à tradição da cor que emerge do negro, em seu forte realismo descritivo, no seu diálogo com a pintura de gênero, inserindo sua figura em um mundo que aponta para questões cotidianas, pertencentes ao mundo privado. Se pensarmos em Jean-Baptiste-Camille Corot (1796-1875), pintor que se caracteriza por sua linguagem realista e romântica, encontraremos em sua obra alguns elementos que coadunam com a produção de Almeida Júnior, principalmente se levarmos em conta o modo como retrata suas figuras femininas, ou seja, assim como Rodolfo Amoedo e o pintor ituano, Corot traz para dentro de sua poética o tema da leitura. Desta forma, podemos observar o quanto os três artistas retratam suas figuras em franco diálogo com a tradição. Desta forma, de acordo com Jean Leymarie70 temos a propósito da obra A Leitura Interrompida, realizada entre 1865 e 1870 um devaneio sem fim nascido da Leitura Interrompida suscita várias obras-primas, dentre as quais a do Art Institute de Chicago (1865-1870) se impõe por sua nobreza e sua monumentalidade. A construção é clássica, a expressão 70

“La rêverie sans fin née de la Lecture interrompue suscite plusieurs chefs-d’oeuvre, dont celui de l’Art Institute à Chicago (1865-1870) s’impose par sa monumentalité. La construction est classique, l’expression romantique, la vision realiste et l’execution presque impressionante, mais l’ensemble se fond dans une harmonie sans age ou se preserve la grâce unique de Corot”. Jean LEYMARIE. Corot, 1992, p.154. (trad.da autora).

83 romântica, a visão realista e a execução quase impressionante, mas o todo se funde em uma harmonia atemporal onde se preserva a graça única de Corot. Assim, a observação da obra citada acima nos traz um conjunto de considerações acerca do modo como Corot a situa em sua construção clássica71, com expressão romântica72 e visão realista73. Por exemplo, dentro de uma composição ortogonal clássica – corpo vertical e mesa horizontal-, com fundo neutro, vemos a bela figura sentada, segurando gentilmente um livro entreaberto por sua mão esquerda, o qual quase cai de seu colo, enquanto que apóia sua cabeça com o outro braço que está sobre a mesa. Desse modo, temos um contraposto formado por seus braços. Aqui, talvez possamos inferir que a leitura tenha evocado algum sentimento de melancolia, ou ela tenha se lembrado de algo que a desviou de sua leitura, observação reforçada por seu olhar melancólico e de devaneio74.

Fig.48 J.B.C. Corot.

Leitura, (1892).

A Leitura Interrompida, (1865-1870)

A comparação entre A Leitura Interrompida, de Corot e a Leitura, de Almeida Júnior, nos traz alguns dados comuns e algumas diferenças. Vejamos: em Corot temos uma figura estruturada ortogonalmente em relação ao todo, embora este seja extremamente sintetizado em seus elementos constitutivos. Já em Almeida Júnior, a estrutura ortogonal se faz presente com maior clareza na grade da varanda que separa a figura da paisagem ao fundo. Aqui, devemos considerar que a proporção da figura feminina, isto é, se tomarmos a medida do cabelo que toca o chão até seus pés, teremos

71

Ibid.,p.154. Ibid., p.154. 73 Ibid., p.154. 74 Op. cit. Jean LEYMARIE, p.154. 72

84 a mesma medida do topo da pilastra, a qual está mais próxima a ela. Assim, o pintor ituano consegue reforçar sua composição, garantindo estabilidade e harmonia. Um outro fator de semelhança entre ambos os pintores pode ser destacado pelas vestimentas utilizadas por suas mulheres. Ou seja, tanto a saia quanto o corpete são bastante parecidos, embora, aqui, tenhamos uma diferença fundamental quanto ao tratamento empregado. As pinceladas de Corot conferem maior peso à sua figura, ao passo que em Almeida Júnior, temos maior leveza, nesse sentido. Porém, cumpre ressaltar que não fosse seu tratamento tão denso, o pintor não alcançaria o efeito desejado, ou seja, não teríamos essa densidade psicológica tão extraordinariamente retratada. Em contrapartida, através da leveza das pinceladas de Almeida Júnior, podemos sentir todo o frescor de uma leitura prazerosa feita por uma personagem que não aparenta possuir qualquer preocupação, mesmo em se tratando, em ambas as obras de figuras burguesas. Entretanto, se pensarmos na obra Más Notícias, (1895), de Rodolfo Amoedo, encontramos em sua obra um sentimento semelhante ao de Corot. Assim, nestas três obras que retratam o tema da leitura, tão comum ao século XIX, temos um exemplo de leitura prazerosa, contraposto a dois de leitura que remetem à melancolia e ao sofrimento. Assim, em Almeida Júnior a atividade de lazer, em Corot, a melancolia suscitada ou pela leitura do livro ou por evocação de algum sentimento fortuito vindo de sua memória e, por fim, em Amoedo, a tristeza trazida pela leitura da carta, a qual igualmente quase cai em seu colo.

A Leitura Interrompida

Leitura

Más Notícias

Porém, se analisarmos o modo como Corot e Amoedo carregam suas figuras burguesas psicologicamente, com sentimentos de melancolia e de dor, respectivamente,

85 sentimentos estes reforçados pela pose típica da melancolia75, percebemos que através da não idealização, ambos expressam com profundo realismo o que propõem representar, e que o modo pelo qual retratam suas mulheres, condiz com o que o século XIX francês traz. Assim, temos dentro das representações urbanas e burguesas, portanto, um ambiente que não só evoca o prazer, como faz Almeida Júnior, em sua Leitura, como também, a dor e a melancolia. Porém, em Almeida Júnior temos a dor representada em Saudade, obra que, conforme já destacamos anteriormente, retrata a dor profunda de uma mulher simples, a qual nada parece pertencer ao mundo burguês.

Saudade.

Desta maneira, dentro da tradição das estruturas ortogonais, das cores que emergem do negro e das vestes escuras, podemos destacar outros artistas contemporâneos a Almeida Júnior, os quais retratam figuras femininas, de corpo inteiro, seguindo o que se chama de retrato de aparato, ou seja, obtido mediante uma pose que destaca a figura em sua monumentalidade. Dentre os artistas a serem destacados nesta fase de nosso estudo, a qual visa tratar dos aspectos da cor negra na moda do século XIX, inseridos no espaço urbano, sobretudo, burguês, surge na presença de Charles Giron (1850-1914). Este, assim como Almeida Júnior, foi aluno de Alexandre Cabanel na mesma época em que o ituano. O que podemos propor em relação à sua obra? Quais pontos em comum podemos assinalar em ambos os artistas? E quanto às diferenças? Comparemos, então. A partir da obra Mulher de luvas, dita A Parisiense, realizada em 1883, ano em que foi exposta no Salão, podemos destacar que através da representação de uma mulher 75

A pose da melancolia se constitui basicamente por um braço que apóia o rosto, enquanto o outro pende, sem qualquer força. Entretanto, o braço que se estende possui uma expressão que reitera a intenção do artista.

86 burguesa e urbana, Giron insere sua obra dentro de um mundo glamouroso, no qual não há espaço para dramas psicológicos nem tristezas de nenhuma sorte. Assim, a observação nos permite assinalar uma estrutura ortogonal formada pela mesa, como elemento estabilizador da grande figura vertical, da mulher, elemento este que reverbera no papel de parede ao fundo, o qual, assim, como a figura feminina, possui curvas dentro da grande vertical que a compõe. Desta forma, o todo se apresenta com uma graciosidade tal que o retrato de aparato, adquire leveza e movimento em detrimento da densidade que encontramos em Saudade, de Almeida Júnior.

Fig.49 C. Giron. Mulher de luvas, dita A Parisiense, (1883).

Segundo Isabelle Collet76 Pronta para sair ou acabando de chegar, A Parisiense usa um vestido de tarde particularmente elegante com bordados de azeviche e aplicações de veludo. As dobras de pano dispostas sobre os quadris se inspiram na saia de balão do século XVIII, cuja arte foi então posta em moda pelos grandes colecionadores parisienses. A presença de um consolo de madeira dourada no estilo rocalha confirma a citação ao século de Luís XV, enquanto que a decoração mural de entrelaços prefigura as sinuosidades do art nouveau. Partindo desta descrição e análise de Isabelle Collet podemos destacar o diálogo existente na arte, em busca da “Kunstwollen” e do “pathos formel”, igualmente 76

Ibid., Isabelle COLLET, p. 62.

87 presentes na arte de Giron. Também é necessário que se considere que este diálogo permeia toda a produção artística deste período, sobre o qual nosso estudo está calcado. Embora em Giron tenhamos sua expressão centrada na figura da mulher burguesa, aqui encontramos um paralelo importante com Almeida Júnior, na medida em que este, através do retrato de aparato, nos traz uma mulher vestida de negro, apesar de esta pertencer a uma esfera social totalmente oposta a de Mulher de Luvas. Nesse sentido, guardadas todas as implicações que tangem o porquê do suposto luto em Saudade, ambas se assemelham pela cor da roupa. Mas, é preciso que se considere também que no ambiente rural, a cor negra possa ter sido utilizada sem qualquer menção à dor ou ao luto, expressos pelas lágrimas de nossa obra tema. Dessa forma, devemos considerar que em Giron, a cor negra se distingue pela elegância e pelo requinte de uma cidadã burguesa ligada à moda de seu tempo e em Almeida Júnior, ou por luto ou por costume inerente à sociedade a qual pertence. De um lado, os veludos e os bordados, de outro o tecido simples, sem nenhum traço de sofisticação, apesar do artista trazer justamente o contrário, pelo rigoroso detalhamento.

A Parisiense

Saudade

Um outro aspecto apontado por Collet se dá em relação aos elementos decorativos presentes no fundo de A Parisiense, os quais dialogam com o Art Nouveau. Nesse sentido, se tomarmos uma das obras de Alphonse Mucha, artista contemporâneo a Giron, podemos destacar o modo como este articula seus elementos decorativos dentro da imagem. Assim, em seu painel decorativo Dança, de 1898, temos uma figura feminina que se desenvolve dentro de um rico conjunto de arabescos, os quais se assemelham aos de Giron, uma vez que A Parisiense foi pintada em 1883, revelando um

88 possível diálogo, apesar da diferença de quinze anos entre as obras podendo, assim, haver outras referências intermediárias.

A.Mucha. Dança, (1898).

A Parisiense

Além dos arabescos que se desenvolvem através da obra, podemos salientar que tanto Giron quanto Mucha trazem para suas obras uma leveza, só comparável à Leitura, de Almeida Júnior, a qual embora não possui elementos da estética Art Nouveau, é dotada de grande leveza e sofisticação próprias ao universo burguês do século XIX. Assim, após esta incursão pelo universo decorativo do Art Nouveau e pelas questões da moda, retratadas pelo uso do negro, voltemos à questão da cor que emerge do negro. Sobre este aspecto, deve-se ressaltar que Giron também faz uso desta vertente. Se observarmos as luvas de sua obra, percebemos que dentro do ocre de sua cor, encontramos o negro, que igualmente surge no piso, na mesa, nos cabelos da figura, enfim, na imagem inteira. Mais uma vez, cumpre destacar a recorrência desta característica como elemento constituinte da tradição francesa do Realismo e do Romantismo, elemento este presente também nas artes espanhola, italiana, flamenga e holandesa, não só do século XIX, mas nos séculos anteriores de igual maneira. A propósito deste aspecto podemos destacar que sua utilização torna as cores das obras muito mais amainadas, ou seja, a presença do negro faz com que os tons se rebaixem, evitando, assim, a explosão das cores, conforme veremos a partir do Impressionismo de um Claude Monet, por exemplo.

89 Após esta pequena digressão acerca das razões da utilização do negro que faz nascer as cores das obras, devemos apontar um outro artista que possui traços em comum com o pintor de Saudade. Na figura de Sulpice-Guillaume Chevalier, (18041866), conhecido como Gavarni, temos um ilustrador que seguindo a linha de Honoré Daumier77, explora através do desenho uma linguagem voltada à não idealização realista das figuras, destacando os costumes sociais, inclusive dos pobres em contraposição aos dos ricos. Mas, para além das questões sociais suscitadas na querela entre ricos e pobres, o que importa ao nosso estudo é comparar sua produção com a de Almeida Júnior, a fim de estabelecer parâmetros de diálogo naquilo que se refere ao realismo, ao uso das cenas de gênero e ao uso da cor negra em Gavarni.

Fig.50 Gavarni. A Vendedora de Laranjas, s/d.

O que este desenho nos traz? Em primeiro lugar, devemos destacar que na figura de uma mulher pobre que vende laranjas, temos a figura de uma senhora, sentada em uma cadeira, fumando seu cachimbo enquanto espera por possíveis consumidores. Por sua aparência, por suas roupas e sapatos, podemos verificar que estamos diante de uma senhora bastante pobre. Entretanto, para além desse primeiro olhar, devemos destacar o modo como Gavarni estrutura sua imagem. Novamente, aqui vemos os eixos ortogonais que estruturam o todo harmoniosamente. Salientemos em nossa análise a extraordinária composição que repercute seu colo de aspecto de palha, efeito alcançado pelas linhas que emprega, na carroça ao fundo. Uma imagem como essa pode ser colocada em diálogo tanto com Saudade, quanto com Nhá Chica, na medida em que ambos os artistas lidam com as cenas de gênero, destacando, nas atividades da vida comum, todo o senso do extraordinário, sem 77

Honoré Daumier (1808-1879): caricaturista, pintor e escultor que se destaca por sua vertente satírica em relação à política.

90 qualquer forma de idealização. Assim, dentro deste universo rústico encontramos um nível de sofisticação que faz com que as obras adquiram status de nobreza.

A Vendedora de Laranjas

Nhá Chica

Saudade

Um olhar mais cuidadoso nos revela que entre A Vendedora de Laranjas, Nhá Chica e Saudade temos todo um universo de elementos comuns naquilo que se refere ao modo como Gavarni e Almeida Júnior exploram suas poéticas. Nesse sentido, podemos destacar que em ambos a cena de gênero parece ocorrer dentro de espaços diferentes, pois em Gavarni sua figura parece estar em uma feira, ao passo que em Almeida Júnior, os espaços são privados. Entretanto, a figura de Gavarni parece estar tão absorta em seus pensamentos, que ela não aparenta estar ali de corpo e alma, sensação esta reforçada pelo cachimbo e por sua postura largada na cadeira. O mesmo sentido de distanciamento do mundo real parece ocorrer em Nhá Chica e em Saudade, uma vez que Nhá Chica fuma seu cachimbo enquanto olha pela janela, sem que saibamos para onde e para o que está olhando; e em Saudade, ela olha e chora devido à imagem da fotografia que traz em sua mão. O olhar da primeira se esvai na paisagem, enquanto que a segunda adentra a memória suscitada pela fotografia. Um outro aspecto que Gavarni nos traz se dá em relação à cor que utiliza, pois embora se trate de um desenho e não de uma pintura, podemos propor o quanto sua linha se materializa, adquirindo forte sentido pictórico. Assim, poderíamos propor que se fosse uma pintura, sua Vendedora de Laranjas certamente estaria trajando um vestido negro e seu avental seria de um tom ocre misturado ao negro, bem como todos os outros elementos da cena, até mesmo as laranjas, emergeriam do mesmo tom. Sendo assim, a obra de Gavarni estaria totalmente imersa dentro dessa tradição, bem como na da pintura de gênero. Se em Gavarni temos a representação de um universo voltado para a pintura de gênero, no qual destaca o papel desempenhado por suas figuras na sociedade, em Jean

91 Béraud (1849-1935) encontramos a representação de um mundo burguês e urbano, centrado na descrição de imagens femininas, vestidas de negro e inseridas no espaço público. Esta dimensão se contrapõe ao que Almeida Júnior parece buscar em suas obras, até mesmo em Leitura, obra que retrata uma mulher lendo um livro, sentada em um terraço tendo o espaço público ao fundo, como forma de paisagem. Assim, em Esperando ou Rua de Chateaubriand, tela pintada em 1935, ano de sua morte, podemos observar como a figura feminina trajando negro dos pés a cabeça, apenas portando uma flor vermelha em seu chapéu, se insere no espaço público.

Fig.51 J.Béraud. Esperando ou Rua de Chateaubriand, (1935).

Neste espaço ao ar livre, Béraud nos mostra em primeiro plano, a figura de uma mulher anônima, vestida de negro, apenas tendo uma flor vermelha sobre o chapéu e o cabo da sombrinha, com a mesma cor que a flor. Esta presença negra ecoa no fundo da obra, através da figura do homem, todo vestido de negro, parado diante de um poste de iluminação elétrica, negro também. O restante da obra nos traz uma luz mortiça, típica de um dia nublado e frio. Assim, aqui podemos propor que Béraud segue o esquema da cor que emerge do negro, muito embora tenhamos uma pintura que dialoga com o Impressionismo, devido ao recurso da pintura ao ar livre. Dessa maneira, o que podemos propor em nosso estudo sobre a obra Saudade, de Almeida Júnior se refere ao modo como Béraud pode dialogar com o ituano, ou seja, qual o grau de semelhança seria pertinente entre ambos. No que tange à questão da cor que emerge do negro e ao uso da cor negra como tendência, esta questão possui relevância. Entretanto, se considerarmos as implicações sociais, Béraud estaria mais próximo de Charles Giron, uma vez que este retrata em sua obra todo um universo de elegância, o qual também evoca o de John Singer Sargent, artista norte-americano que viveu entre 1856 e 1925.

92

Esperando

A Parisiense

Fig.52 J.S.Sargent. Madame Pierre Gautreau,(1884).

A sofisticação proposta por Béraud, por Giron e por Sargent ocorre em um nível diferente do proposto por Almeida Júnior, em Saudade. Pois embora o pintor ituano traga para o espectador a sofisticação oriunda do refinamento de sua técnica e de sua poética, nos outros três pintores citados acima, este elemento se traduz de igual maneira no apuro técnico, mas a preocupação destes parece residir na descrição do luxo de um mundo de encantamento, no qual as três figuras se inserem. Em contrapartida, Almeida Júnior nos traz a sofisticação através da simplicidade. Na representação do mundo burguês de Leitura temos todo um clima de naturalidade e sofisticação, na medida em que não há artificialismo, como encontramos em Sargent, por exemplo, em sua figura sinuosa como um arabesco Art Nouveau, de Alphonse Mucha. Já em Giron, a sofisticação adquire tons de nobreza e até de certo grau de pedantismo, se pode dizer.

93

Leitura

Madame P.Gautreau

Dança

Assim, por último, podemos pensar em Édouard Manet (1832-1883) e no modo como Almeida Júnior dialoga com sua tradição, uma vez que Manet emprega o negro, fazendo com que as cores partam dele. A observação de sua obra nos traz algumas questões relevantes ao nosso estudo. Vejamos o que a imagem nos revela.

Fig.53 É. Manet. Retrato de Berthe Morisot, (1872).

A observação da obra nos mostra a figura de uma mulher retratada em seu busto, de frente para o espectador. Mas quem é ela? Trata-se do retrato da pintora Berthe Morisot, vestida de negro, contra um fundo neutro. Novamente aqui, podemos perceber que Manet faz com que a cor parta do negro em todos os elementos da obra. Assim, verificamos o modo como este dialoga com a tradição oriunda do Barroco do século XVII, sobretudo espanhol. Em seu diálogo com a Espanha, podemos destacar Diego Velázquez (15991660) e Bartolomé Esteban Murillo (1617-1682), como instâncias nas quais Manet buscou referências para sua arte. Entretanto, o que deve ser salientado aqui é o modo como este incorporou em sua obra o uso do negro que fornece todas as cores do espectro cromático. Um outro fator que deve ser analisado corresponde à maneira pela qual Berthe Morisot encara o espectador, pois até então nenhuma outra obra apresentada em nosso

94 estudo, possui este olhar. Igualmente devemos destacar a rebeldia de seu penteado, haja visto que estamos diante de uma artista, mulher emancipada dos costumes do século XIX. Se compararmos esta obra com Saudade, veremos que as afinidades só se encontram na cor negra originária de todas as outras, nas vestes negras e na luz que banha ambas. Mas, as semelhanças não parecem ir adiante, pois em Saudade, temos a personificação da mulher caseira e humilde, que sofre pela ausência evidenciada pela fotografia.

Retrato de Berthe Morisot

Saudade

Já em Manet, temos uma artista que rompe com as barreiras impostas pela sociedade, para se dedicar à arte, muito embora esta emancipação seja relativa. Cabe lembrar que as mulheres no século XIX não podiam freqüentar as academias oficiais de arte e nem, tampouco, freqüentar os cafés para participar das reuniões dos impressionistas78. Também cabe ressaltar que Manet representa uma artista, que antes de tudo, é uma mulher pertencente ao mundo urbano e burguês, ao passo que Almeida Júnior nos traz uma mulher simples, pertencente ao mundo rural e rústico do caipira.

78

Aqui devemos lembrar de Mary Cassatt (1844-1926), artista impressionista de origem norte-americana, que era impedida de freqüentar as reuniões realizadas nos cafés pelo grupo dos Impressionistas. John REWALD. História do Impressionismo, 1991.

95 CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, partindo da observação da obra Saudade (1899), de José Ferraz de Almeida Júnior, nosso estudo de caso averiguou fatos biográficos relevantes à análise da obra em questão, sobretudo em relação à Maria Laura do Amaral Gurgel, com a finalidade de estabelecer parâmetros de diálogo com sua obra alcançando, desta maneira, uma multiplicidade de pontos em comum. Também, buscou-se comparar Saudade a outras obras de sua autoria, como tentativa de compreender seu percurso iconográfico. Nesta multiplicidade de percursos buscou-se evidenciar tudo o que já foi escrito sobre nossa obra tema, para que ficassem mais claros em nosso debate quais pontos de vista se afiguraram pertinentes conforme nossa análise. Portanto, através do exercício de sua fortuna crítica pudemos constatar uma seqüência narrativa a qual parte de um olhar mais romântico, chegando a considerações de cunho crítico, nas quais foi possível compreender a necessidade de rever alguns pontos, sobretudo na descrição da obra de Almeida Júnior, uma vez que encontramos algumas discrepâncias. Em seguida, buscou-se analisar Saudade destacando os sinais da tradição percorrida por Almeida Júnior em sua viagem à Europa entre os anos de 1876 e 1882, para estudar em Paris, bem como visitar a Itália no ano de seu regresso ao Brasil. Aqui, portanto, verificamos que Almeida Júnior entrou em contato com as culturas francesa e italiana, na medida em que sua arte demonstrou os diálogos com os debates do Realismo e do Romantismo, além do contato com a nova linguagem da fotografia. Portanto, através do contato direto com a Academia e seus preceitos, o pintor ituano reformulou sua obra, na medida em que inseriu elementos novos, por exemplo, na descrição de seus caipiras, bem como eliminou qualquer traço de idealização de suas obras. Assim, percebemos que o artista dialogou com a pintura de gênero, inventada na Holanda Barroca do século XVII, para executar uma das mais belas obras realizadas por ele. De sua viagem a Itália, vimos que a partir de seu contato com Domenico Morelli e seu discípulo Henrique Bernardelli, Almeida Júnior revelou tanto pontos em comum quanto diferenças, sobretudo em relação à Morelli, uma vez que no que tange a Henrique Bernardelli, as semelhanças foram fundamentais para a compreensão de seu percurso no que diz respeito à Saudade.

96 Portanto, através dos conceitos de “Kunstwollen”, de Aloïs Riegl e de “pathos formel”, de Aby Warburg, percorremos os meandros da viagem das imagens através dos tempos, centrando nosso olhar no século XIX, com o intuito de entender aquilo que é constante na obra de Almeida Júnior, ou seja, quais os caminhos percorridos pelo artista até chegar a Saudade. Também vimos que o pintor de nossa obra tema estabeleceu contatos inclusive com o que ocorria politicamente em Paris, naquele momento, sobretudo a partir do contato que este teve com os artistas franceses e sua produção marcadamente realista. Portanto, compreender o modo como a arte dos artistas franceses se processou, quais caminhos estes percorreram e o que propuseram através de suas composições foi igualmente revelador, por exemplo, na obra de Gustave Courbet observamos que através da não idealização e na expressão de valores humanos dignamente retratados, Almeida Júnior dialogou criando seus caipiras. Da mesma maneira, buscamos em Millet, os mesmos recursos de Courbet acrescidos do recurso da contra luz, o qual em nosso pintor ituano foram empregados não só em Saudade, como também em Nhá Chica e Cozinha Caipira. Nosso estudo também considerou a forte estrutura ortogonal empregada por Almeida Júnior, como traço que o distingue e como forma de diálogo com a tradição acadêmica francesa. Desse modo, através da observação e do estudo de obras de outros artistas como Fernand Pelez, Bartolomé Esteban Murillo (pintor espanhol do século XVII), Courbet, Jean-Baptiste-Camille Corot, Léon Augustin Lhermitte e Alexandre Cabanel nosso estudo verificou a presença da estrutura ortogonal em suas obras e estabeleceu paralelos com o pintor de Saudade. Um outro aspecto considerado por nossa análise ocorreu em relação à pintura de gênero presente não só em Jan Vermeer, como também em Almeida Júnior e em Sulpice-Guillaume Chevalier, conhecido como Gavarni. Nesta relação percebemos um fundamental diálogo não só em relação ao nosso quadro tema, como também em relação à Nhá Chica, relação esta devida ao modo como Almeida Júnior estrutura sua obra no espaço doméstico, além de empregar o recurso do negro como fonte de todas as demais cores, conforme também observamos em Gavarni. Por fim, investigamos também um outro aspecto de Saudade, este relacionado ao uso do negro como vestimenta e como cor da qual todas as outras emergem. Neste sentido, partindo da observação e da comparação com as obras de Charles Giron, Jean Béraud e Édouard Manet, por exemplo, constatamos o uso do negro como moda entre as

97 parisienses burguesas do século XIX. Assim, chegamos à conclusão de que em Saudade, o negro pôde ser mera questão de moda no universo rural ou de luto, devido à presença das lágrimas da mulher diante da fotografia que traz em sua mão. Também, em relação à fotografia vimos o modo como esta pode ser utilizada como mecanismo de criação para Almeida júnior, uma vez que o pintor parece se apropriar de seus mecanismos de enquadramento para compor suas imagens, conforme pudemos observar em Saudade bem como em outras obras suas as quase descrevem ações captadas sob forma de instantes fotográficos, como em Caipiras negaceando, Amolação Interrompida e Caipira Picando Fumo, por exemplo. Desta forma, em nosso estudo não pretendemos esgotar as possibilidades de análise sobre o tema, cabendo a futuros estudos e a outras gerações de historiadores, apontarem para novos caminhos e conclusões. Portanto, deixamos aqui nossa contribuição para a pesquisa sobre Almeida Júnior e sua relação com a disciplina da História da Arte, abrindo o caminho para novos percursos e novas descobertas dentro do infinito estudo da Arte.

98 ANEXO CÓPIA DA CARTA QUE DESENCADEOU A TRAGÉDIA79 De Maria Laura, para Almeida Júnior, na Europa: sem data, durante a sua referida permanência. 80

“Meu saudosíssimo O d’alma. Quero aproveitar um dia que tenho para ver se posso fazer-te chegar ás mãos nesse mundo tão diferente, as minhas pobres notícias que com o coração desesperado de imensos rancores (sic) vou te dar. Hoje, 34 dias da tua partida, e eu sem a mínima notícia de ti! Me prometeste dar notícias, até hoje, não calculas este triste coração como sente-se desesperado de mil cuidados, mil saudades, nem tenho expressões para te dar, todos os dias, de 6 a 8 dias para cá vou como louca esperar tua carta e nada, por que não escreves? Peço-te pelo amor de Deus, dê notícias, é uma tarefa para você bem sei, mas calculo que é essa a única tranqüilidade e o único desabafo de um coração oprimida, meu Deus, sem uma notícia tantos dias! Outrotanto, não te acontece talvez, que logo que chegaste recebeu a que ele te escreveu. Dê notícias como passa de saúde, que é todo o meu interesse, que por ela me sacrifico a todos os sofrimentos, tenho pedido a Deus e estou certa que tens passado bem e voltarás são. Felizmente nem uma má notícia tenho a te dar dos ídolos, estão fortes e bem dispostos, a Ozinha de nossa alma cada vez mais interessante e ativa, tenho muito dó dela, não passa um dia que não fale em você, que não repita os brinquedos que muitas vezes são ouvidos com chuveiros de lágrimas que não posso contar, sendo uma expressão tão igual que parece que herdou tudo, tudo, do saudoso e querido... O outro está muito ativo e bonitinho. Meu Deus! Agora que me vejo com quantos milhões de léguas separada, passando pelos cuidados que passo com a falta de notícias, só há de consolar-me a vista desses anjinhos, fazem-me uma recordação tão dolorida que não posso conter as lágrimas de saudades a todo o momento, é bom que desabafo-me. Quando vence ainda tanto tempo, meu Deus! Venha logo, - ou não posso mais, Deus me recompense com o que tanto aspiro que darei por muito feliz os sofrimentos que tenho. Ela foi a I. e eu fiquei sozinha alguns dias, dei-me por feliz não ter ido, porque só desejo a solidão, quero estar só para me recordar sem estorvo, de 79

Vicente de Paulo Vicente de AZEVEDO. A Carta. Almeida Júnior: o romance do pintor, 1985, pp.9496. 80 A carta está transcrita conforme Vicente de Paulo Vicente de Azevedo a colocou, conservando todos seus erros e características. Portanto, não há nenhuma alteração por parte da autora do estudo.

99 quem é meu tudo neste mundo, quando durmo sonho e sem poder e sem saber calcular nem ao menos as horas que deve ser lá esta (sic) que passo a pensar em ti... Quero demais poder fazer esta, que só d’aqui a 20 dias poderá receber, meu Deus, que distância!!! Receberei notícias esta semana? Já desespera a demora. As recordações, as saudades não poderei dizer em toda a caixa de papel, - vai somente para desabafar um pouco este teu pobre coração, que sentiu-se tão aliviado ao fazer seguir esta, quando receber ela alguma tua notícia eu ver que você recebeu esta, ponha um risco pequenito com a pena no canto, já eu sei que foi recebida. Tenho sofrido demais, meu Deus! – tudo é triste, tudo é feio, estes dias ao menos vou passar tranqüila o (palavra ilegível) foi ao júri e estou só aqui no rancho, aonde em todo o canto tem uma recordação. Conte quando vem mesmo, nem gosto de pensar nos dias que faltam, faço as contas todos os dias, tenho uma pressa que passem os dias que não calculas. Meu Deus já se foi o papel!!! Não me esqueço nem um dia ao acordar e a noite ao deitar-me da tua recomendação sobre os ídolos, que papel (?) o coração ainda está transbordando de saudade. Mas o que fazer? Aceite mil abraços e beijo dos teus queridos ídolos e aceite tudo, tudo quanto pode haver de afeto, saudades loucas, tudo enfim da tua eterna 666”.

- É o que estava escrito a lápis preto nas quatro páginas de uma folha de papel diplomata de formato pequeno; à margem estava escrito o seguinte:

“Estou deitada entre os dois ídolos, ouvindo o ressonar tão inocente desses anjos que sentem tantas saudades do querido O e da Mamãe. Si puder não deixe de ir a Lourdes e lá beije por mim N.Sa., a quem peço nossa felicidade e ela há de nos proteger, ela te acompanhará por todas as partes, livrando-te dos perigos. Meu Deus, tudo é triste, parece que estou num mundo extranho que tudo é diferente, tudo é triste. Meu Deus, eu quero te mandar esta, mas tenho medo que não recebas e paro por aqui. Escreva, escreva, escreva cada quinze dias quero receber tuas notícias. Adeus, beije mil vezes tua eterna 666. Podia eu fosse este papel? São meia noite, já sinto tão feliz em estar dizendo-te palavras que me saem do íntimo d’alma. Adeus! Adeus! Já não posso mais, eu quero te ver breve aqui, meu Deus! Vou te esperar logo, quero demais te ver. Adeus, abrace e beije a tua eterna 666. Vai com pingos de lágrimas de saudade. Tua eterna 666”.

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