Monografia Vitor Gurgel - Um remédio contra os capoeiras.pdf

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“Um remédio contra os capoeiras”: Uma breve análise da atuação dos capoeiras na política da segunda metade do século XIX sob o olhar de uma crônica Machadiana.

Vitor Gurgel

Monografia do Curso de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Licenciado em História. Orientadora: Prof. Dra. Fabiane Popinigis

Seropédica 2016

“UM REMÉDIO CONTRA OS CAPOEIRAS”: UMA BREVE ANÁLISE DA ATUAÇÃO DOS CAPOEIRAS NA POLÍTICA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX SOB O OLHAR DE UMA CRÔNICA MACHADIANA.

Vitor Gurgel

Orientadora: ____________________________________________ Monografia do Curso de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Licenciado em História.

Aprovada por:

_ Presidente, Prof.

______________________________________ Prof. Dr.

______________________________________ Prof. Dr.

Seopédica 2016

A todas e todos, visíveis e não visíveis que, de alguma forma, contribuíram para que eu pudesse chegar até aqui.

AGRADECIMENTOS Agradeço às minhas famílias consanguínea, “do santo” e da vida por me acompanharem e me ajudarem “na alegria, na tristeza, na saúde e na doença”. O esforço e a ajuda de vocês não foi em vão, pelo contrário, foi muito apreciada. Eis aqui o fruto das suas ajudas ao longo dos nossos tempos. Em especial às mais velhas da família Dona Arlette Adolphina Gurgel, a matriarca da minha família e que com o suor do rosto passando roupas dias e dias a fio ajudou para que todos pudessem trilhar um caminho diferente e seguindo seus próprios sonhos; à minha falecida tia avó Anna Maria Gurgel, suas memórias não se perderão, obrigado por me mostrar uma vida mais doce. À “mulher da cobra”, vulgo Mãe Lourdes, a yalorixá, nordestina, italiana mais carioca que eu já conheci, a gente deu um jeitinho em tudo! Axé Yá! Ao mais novo da minha família, João Cândido Gurgel, meu querido irmão, infelizmente ainda não conseguirá ler estas palavras hoje ou amanhã, mas quando conseguir, saiba, você é um dos motivadores da continuidade dessa caminhada, mesmo com todos os percalços. Por me mostrar que a humanidade não se vai com títulos acadêmicos, meu muito obrigado por insistir em me ajudar num dos momentos mais (in)tensos da minha vida, Alain Pascal Kaly, muito obrigado. Estendo minha imensa gratidão pela paciência e ajuda à mãe, esposa, feminista, professora doutora e minha orientadora, Fabiane Popinigis, obrigado pelo carinho! Vocês não poderiam deixar de aparecer aqui, afinal, foram as primeiras que me deram acalanto e um norte dentro dos mundos da Rural, Professora Gisele Souza e Samantha Piler. A caminhada foi longa mas, está chegando ao fim e ao início de outras etapas, que vocês possam sempre me acompanhar. Às companheiras dos mais diversos momentos, minhas “bixetes”, Meine Anny, Ana Luiza e Natália Rosário, obrigado pela conversa, cumplicidade, carinho e incentivo ao longo desses anos de Rural. Agradeço também às longas conversas com a senhora, Geiza Oliveira, infelizmente nossos caminhos se distanciaram, mas ainda tenho um carinho muito grande você e por tod@s de sua casa, sou muito grato pela sua ajuda e carinho de alguns anos atrás quando eu estava tão perdido. Estendo aqui minha gratidão ao professor Nilton Sousa pela possibilidade de aprendizagem enquanto bolsista do Lapsiafro e pelo encorajamento em seguir a caminhada acadêmica quando a maré não era tão favorável. Agradeço muito aos meus amigos Josué Barroso, Jhonny Martins, Roberto e Iuri Ferreira, Arthur Rodrigues e Claudio Cezar pelos anos de parceria, cada um de vocês é muito importante na minha vida, obrigado a vocês, juntos de mim desde quase sempre. E que estejam por tantos anos mais de nossas vidas! Aos amigos que, ao que parece, caíram de paraquedas na minha vida, mas me ajudaram tanto. Luana Neves obrigado pelas conversas para desembaralhar a minha “cabeça de pisciano”. Marcelo Mansur, os nossos encontros quinzenais ficaram escassos pelas circunstâncias adversas da vida, mas sempre levo comigo seus conselhos das horas de espera e conversa, amigo. Mariana Santos, quem diria que estalinhos numa festa junina nos colocariam aqui, quase cinco anos depois, a caminhada foi difícil, graças as suas ajudas, um pouco menos, te amo. Taís Agbara e Felipe Bárbaro, meus professores de capoeira, obrigado por cada rasteira e cada martelo, por cada música e por cada palma, mesmo não podendo fazer parte dos treinos de capoeira, a capoeira nunca vai deixar a minha vida, obrigado pelo incentivo e pelo carinho ao longo dos anos de capoeiragem. Maria Lúcia Foguinho e Moisés Carvalho, vocês me ensinaram os valores da camaradagem e da amizade nesse mundo cheio de rasteiras e ponteiras, gratidão, sempre. Aos meus professores de física dos tempos de nilopolitano, Anselmo Oliveira e Wildson, não poderia deixar de mencioná-los, afinal, foi com a ajuda e o aconselhamento de vocês que essa jornada universitária se tornou possível.

A tant@s outr@s que esta página não pode comportar, sintam-se aqui contemplados, vocês são igualmente importantes. Não foi seletividade, apenas dificuldade de colocá-los todos nesse espaço tão curto.

GURGEL, Vitor. “Um remédio contra os capoeiras”: Uma breve análise da atuação política dos capoeiras cariocas na política da segunda metade do século XIX sob o olhar de uma crônica machadiana/ Vitor Gurgel. Seropédica: UFRRJ/ICHS, 2016. Número de páginas pré-textuais: VIII, Número de Páginas Textuais: 66 Orientadora: Fabiane Popinigis Monografia Licenciatura - UFRRJ/ Instituto de Ciências Humanas e Sociais/ Departamento de História, 2016. Referências Bibliográficas: f. 69-73 1. Classificação temática geral. 2. Classificação temática específica. 3. Tema principal. 4. Campo Temático. I. POPINIGIS, Fabiane. II. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto Ciências Humanas e Sociais, Curso de História. III. Licenciatura.

“Um remédio contra os capoeiras”: Uma breve análise da atuação dos capoeiras cariocas na política da segunda metade do século XIX sob o olhar de uma crônica Machadiana.

Vitor Gurgel Orientadora: Fabiane Popinigis

O presente estudo monográfico visa problematizar as clivagens de sentidos dos conteúdos necessários para a análise de uma crônica machadiana que trata das ações dos capoeiras na segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro. Escrita sob o pseudônimo de Lélio e publicada na Gazeta de Notícias em 1885, a crônica propõe como “remédio contra os capoeiras” que fosse trancada a imprensa às suas “valentias”. Tanto a capoeira como a imprensa tiveram papeis fundamentais na segunda metade do século, sobretudo com a eminência de declínio da monarquia, a capoeira e a imprensa operam de lados opostos nesta contenda política da segunda metade do século. O objetivo da pesquisa é problematizar conteúdos históricos sobre a imprensa e a capoeira que apresentam elementos para a compreensão crítica dos conteúdos da crônica. Palavras-chave: Capoeira; Balas de Estalo; Crônica, Política; Machado de Assis; Lélio.

“A medication against the capoeiras”: A brief analysis of the role of the capoeiras cariocas in the politics of the second half of the nineteenth century under the eyes of a Machadian chronic.

Vitor Gurgel Orientadora: Fabiane Poopinigis

The present monographic study aims at problematizing the cleavages of meanings of the contents necessary for the analysis of an Machadian chronicle that deals with the actions of capoeiras in the second half of the 19th century in Rio de Janeiro. Written under the pseudonym Lélio and published in the Gazeta de Notícias in 1885, the chronicle proposes as a "remedy against the capoeiras" that the press be locked to his "braveries". Both capoeira and the press played key roles in the second half of the century, especially with the eminence of decline in the monarchy, capoeira and the press operating on opposite sides in this political struggle of the second half of the century. The objective of the research is to problematize historical contents about the press and capoeira that present elements for the critical understanding of the contents of the chronicle. Keywords: Capoeira; “Balas de Estalo”; Chronicles, Politics; Machado de Assis; Lélio.

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SUMÁRIO: Introdução ............................................................................................................................................... 9 1 – Apresentando o “remédio contra os capoeiras” ............................................................................... 12 1.1 – A Gazeta de Notícias na história da Imprensa ............................................................................. 15 1.2. – Seguindo os passos da popularização da Gazeta de Notícias: elaborando propostas de leitura dos conteúdos do Jornal. ....................................................................................................................... 18 1.3 – Um breve perfil da crônica em Balas de Estalo ........................................................................... 30 2 – Historicizando a capoeira da crônica de Lélio................................................................................. 34 2.1 – Os bons, os maus e os capoeiras: repensando referenciais da narrativa histórica acerca dos capoeiras................................................................................................................................................36 2.2 – “O capoeira gosta da ociosidade, e entretanto trabalha” .............................................................. 41 3 – A solução de Lélio, “o remédio contra os capoeiras”. .................................................................... 50 3.1 – A formulação do personagem-narrador: Quem a final é Lélio?................................................... 52 3.1.1 – As crônicas de Lélio ou de Machado de Assis? Um breve tratado sobre a autoria da crônica....................................................................................................................................................55 3.2 – Explicitando os alvos da “Bala” Machadiana: Pintando os alvos de Lélio. ................................. 57 Considerações finais ............................................................................................................................. 65 Fontes .................................................................................................................................................... 68 Bibliografia: .......................................................................................................................................... 69

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Introdução

Durante grande parte do século XIX a capoeira transita pela a imprensa e os registros policiais como uma das grandes ameaças à segurança nas ruas, sofrendo um período de retração com o envio de uma grande quantidade de capoeiras para o front na Guerra do Paraguai1. Na segunda metade do XIX, com o retorno das tropas, as maltas retomam suas atividades na vida urbana: desfilam à frente das bandas de música e procissões,

exibindo

sua

destreza

e

provocando

tumultos

e,

incorporados

paulatinamente à cena política, produzindo segurança ou insegurança, dependendo de quem os tivesse aliciado ou de sua vontade política naquele momento. Segundo Marcos Luis Bretas, a capoeira da segunda metade do XIX poderia ser vista como um exército das ruas, que foi incorporado também nas fileiras das forças urbanas regulares, com as funções mais variadas, como por exemplo, agentes de polícia a celebrar uma identidade entre a Ordem e a desordem2. Em meio à turbulência social da segunda metade do XIX, em 14 de março de 1885, Lélio, um dos cronistas de uma coluna intitulada “Balas de Estalo”, começa sua crônica dizendo ter “um remédio contra os capoeiras”. A princípio, podia parecer mais um dos inúmeros artigos a tratar com certo rancor das peripécias de capoeiras nas ruas do Rio de Janeiro. Contudo, ao final da crônica Lélio propunha um curioso e audacioso remédio, que fosse “trancada a imprensa às valentias da capoeiragem”3. Historicamente, o tal remédio poderia ser justificado pelos inúmeros relatos da imprensa sobre ações dos capoeiras nas ruas do Rio de Janeiro, “transformando figuras anônimas em heróis por um dia”4, com direito a relatos que giravam em torno de brigas entre as maltas nas praças e largos da cidade à ferimentos mais ou menos graves de

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MELO Morais Filho. Capoeira e capoeiragem no Rio de Janeiro. In: Festas e tradições Populares do Brasil. 1901. p. 330 BRETAS, Marcos Luis. A queda do Império da Navalha e da Rasteira: A República e os Capoeiras. Estudos AfroAsiáticos, V. 20, 1991. P. 240. 3 Lélio (Machado de Assis). Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 14-03-1885 4 DIAS, Luiz Sérgio. Quem tem medo da capoeira? 1890-1906. Rio de Janeiro, tese de mestrado, departamento de história da UFRJ, 1993. P. 88. 2

9

sujeitos apontados como capoeiras à transeuntes ou na resolução de algum tipo de querela.5 A capoeira é um dos fenômenos que tensionam as relações sociais do século XIX, sobretudo na segunda metade do século. Com as crises e levantes escravos que marcaram Brasil do XIX, a constante presença das “correrias” e tumultos proporcionados por grupos organizados de capoeiras, faz com que se reelaborem determinadas engrenagens sociais e assim, no Rio de janeiro ela passa a ser não somente perseguida, mas aliciada para fins políticos, gerando o fenômeno da repressão seletiva de determinadas maltas de capoeiras, as “ondas de repressão”6. Sobre as maltas e a política, certamente na segunda metade do XIX, não houve melhores agentes para afugentar ou arregimentar votantes do que os capoeiras7, o que, com o desenrolar do século fez com que ganhassem opositores, dentre os quais a imprensa. A segunda metade do século XIX também marca o surgimento de um número cada vez maior de publicações impressas, sobretudo de jornais e periódicos. Após o período de consolidação da imprensa brasileira e, consequentemente de alguns periódicos, pode-se observar em grande parte deles a construção de um projeto político que se opunha diretamente ao Estado Monárquico8 e suas Instituições. Com paulatino, mas eficiente desmanche simbólico do Estado Monárquico9 ao longo da segunda metade do XIX, a imprensa se mostrava cada vez mais simpática às ideologias republicanas. As instituições agregadas ao Estado, mesmo que informalmente pelo laço 5

Ao longo de “A negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890)”, Líbano Soares trata de uma série de casos de conflitos que envolviam capoeiras em casos que variam de pequenas disputas de indivíduos em situações quotidianas à grandes conflitos entre grupos organizados de capoeiras – maltas – ou entre as maltas e políciais. Ao longo do processo de pesquisa, um fator preocupante foi avistado, a questão da generalização de indivíduos os quais por algumas características genéricas eram apontados como capoeiras, sem, contudo pertencerem à alguma malta ou serem pegos praticando capoeira. Tal ação acaba por provocar a banalização da nomenclatura “capoeira” nos relatos de ocorrência ou notícias sobre os capoeiras no XIX, sobretudo na segunda metade do XIX. Cf. Annaes do Parlamento Brazileiro.Câmara dos Deputados. Tomo V. Sessão em 5 de setembro. P. 20. [Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/30100; Acesso em 16-08-2016] 6 SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890). Dissertação apresentada no programa de Pós-Graduação em filosofia da UniCamp - SP. 1993. pp.: 353-355 7 MELO, Op. Cit. p. 329 8 Maria Tereza C. MELLO em “A modernidade Republicana” trata que sobretudo, na década de 1880, a imprensa construía a ideia de a monarquia estar ligada a uma série de retrocessos e se pautando, dentre outras coisas, no panorama político internacional onde o Brasil seria um dos últimos países nas Américas que ainda estava sob um regime monárquico, “A sensação era a de que o regime só se mantinha pela força porque se tornou um sistema sem projetos, um sistema que não se via no futuro”. A Modernidade Republicana. Tempo, v. 13, n. 26, 2009. P.17 9 MELLO, Maria Tereza Chaves de. A República Consentida: cultura democrática e científica do final do Império. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV/Edur/anpuh, 2007. P. 10–11.

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da conivência das ações, como no caso da capoeira, eram pautas de constantes ataques por parte da imprensa. O quadro somente se agrava com o crescente recrutamento de capoeiras nas ultimas décadas de monarquia para fazerem parte da força repressiva do Estado contra a oposição, sobretudo, política. A capoeira e a imprensa passam então a ocupar lados opostos de uma contenda entre dois diferentes projetos de Brasil, de um lado a Monarquia e a capoeira e de outro, grande parte da imprensa da segunda metade do XIX e a República. E entre ambos se encontrava a crônica Machadiana escrita sob o pseudônimo de Lélio em 1885 na série de crônicas Balas de Estalo. Publicada na Gazeta de notícias entre 1883 e 1886, a série de crônicas Balas de Estalo se diferenciava no trato com as notícias quotidianas por sua abordagem satírica à proporcionar, mesmo nas notícias mais efêmeras, um enfoque de crítica política a qual, por vezes, a Gazeta de Notícias não poderia abarcar. Tratava-se de um exercício quotidiano de uma mistura de “artilharia e confeitos” 10 e “embaladas” por ao todo 12 pseudônimos, dentre os quais, Lélio, o pseudônimo adotado por Machado de Assis. Nosso objetivo aqui é analisar os conteúdos da crônica à luz do processo histórico de crise do Governo Imperial no final do século XIX.

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Cf. José do Egypto. Balas de Estalo. In Gazeta de Noticias. 08/05/1883. Apud. RAMOS, Ana Flávia Cernic. História e crônica: "Balas de Estalo" e as questões políticas e sociais de seu tempo. IFCH/UNICAMP, 2001. P.21.

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“Um remédio contra os capoeiras”: Uma breve análise da atuação dos capoeiras na política da segunda metade do século XIX sob o olhar de uma crônica Machadiana.

1 – Apresentando o “remédio contra os capoeiras” Nas ultimas décadas do século XIX, no então Município da Corte nos deparamos com o objeto de estudo do presente trabalho. Um “flerte” perigoso a desferir cabeçadas e pernadas em quem passasse à frente de seus cortejos os quais, sem dúvida, eram prelúdios de grandes conflitos das maltas pela cidade. Que tais figuras fossem tão logo conhecidas por navalhistas, faquistas, certamente não se tratou de coincidência, nomenclaturas essas que já nos trazem um pequeno vislumbre dos bolsos e buchos abertos a golpes de afiadas facas e navalhas em meio aos “exercícios públicos de agilidade e destreza” de Nagoas e Guaiamus. Conta-se que Nagoas e Guaiamus em certa época no século XIX, dividiam a cidade tanto geográfica quando politicamente, por vezes sendo até mesmo chamados de “partidos”, de tamanha influência que chegaram a agregar para si e exercer na segunda metade do século XIX. Guaiamús, recebiam apoio e apoiavam os “liberais”, ocupando as áreas de maior densidade populacional e redondezas de espaços que podem ser observados como marcos de fundação do Rio de Janeiro. Enquanto isso os Nagoas recebiam apoio e apoiavam os “conservadores”. Ocupavam áreas menos populosas, isso se estendendo por áreas como a Lapa e a atual Glória como de quilombos nas redondezas da então capital, ou seja, áreas em processo de formação populacional.11 Não havia razão de passarem sem ser notados, talvez fosse por suas “calças largas, paletó-saco desabotoado, camisa de cor, gravata de manta e anel corrediço, colete sem gola, botinas de bico estreito e revirado e chapéu de feltro” 12, pela destreza a ser mostrada nos espaços públicos. Razão exata certamente não há. Fato mesmo é que quando seu cortejo passou, o conflito começou e chamou a atenção:

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Sobre a formação das maltas na segunda metade do XIX e o processo de aglomeração de maltas menores em torno de Nagoas e Guayamús como uma clivagem de questões políticas da época, ver: SOARES, Carlos E. L. A negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890). Cap. II. 12 MELO Morais Filho, J.; “A. Capoeira e capoeiragem no Rio de Janeiro.” In: Festas e tradições Populares do Brasil. 2002 P.: 327. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/1061. Acesso em 12-09-2016

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[sic.] Os assaltos, os combates se davam nas praças, nas ruas, em sítios mais ou me nos distantes e desertos. Às vezes, interrompendo a marcha de uma procissão, o desfilar de um cortejo, ouvia-se, aos gritos das senhoras correndo espavoridas, das negras levando os senhores moços ao colo, dos pais de família pondo a abrigo a mulher e os filhos, o horroroso: Fecha! Fecha! Os caxinguelês13 voavam na frente, a capoeiragem disparava indômita, se guindo-se ao distúrbio cabeças quebradas, lampiões apedrejados, facadas, mortes... A polícia, amedrontada e sem força, fazia constar que perseguia os desordeiros, acontecendo raríssimas vezes ser preso este ou aquele, que respondia a processo.14

O relato tratado acima é um trecho de Festa e tradições populares do Brasil, do autor Melo Morais Filho que em sua obra publicada 1888

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, o autor dedica uma

unidade intitulada “A capoeira” em seu capítulo sobre os “Tipos de Rua”, um dos muitos relatos sobre as ações da capoeiragem no século XIX sendo observadamente um dos mais completos. O texto não situa sua cronologia. Entretanto, sugerimos como seu marco inicial o recrutamento de capoeiras para servirem na Guerra do Paraguai e como o marco final as eleições, aparentemente, de 1870, quando os capoeiras já começam a atemorizar votantes em algumas localidades no Rio de Janeiro. Contudo, há margem para pensarmos no início da década de 80, ainda no século XIX, quando trata da perseguição que os capoeiras passam a enfrentar. Contudo não são Melo Morais Filho, ou sua obra, o alvo principal de nosso esforço de pesquisa, mas uma crônica publicada na década de 1880 do século XIX nas páginas da Gazeta de Notícias e assinada por Lélio, a princípio, um nome ou um pseudônimo qualquer que fora relegado ao esquecimento. Mas, se de fato as páginas da história acabaram por suprimir Lélio, o mesmo não ocorreu com o homem que durante a pesquisa se mostrou sob a máscara de Lélio, 13

Caxinguelês: [sic.] meninos que iam à frente das maltas provocar bairros inimigos, até à dos mestres que serviam para exercícios preparatórios, esses cursos regulares funcionavam conhecidos, sendo os mais freqüentados o da praia do Flamengo, o do morro da Conceição, o da praia de Santa Luzia, não falando nas torres das igrejas – ninhos atroadores dos capoeiras de profissão. MELO Morais Filho, J. Idem, p.329. 14 Idem, P.330. 15 O primeiro volume da obra foi publicado em 1888, todavia, alguns autores relatam que a obra completa somente teria sido publicada em 1901. Atualmente a biblioteca digital do senado conta com um exemplar digitalizado, contudo, não consta o ano de publicação na obra. Ver: ABREU, M. C.. "Mello Morais Filho, Festas, Tradições Populares e Identidade Nacional".In: CHALHOUB, Sidney; PEREIRA, Leonardo Afonso de M.. (Org.). A História Contada: Capítulos da História Social da Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. P. 179.

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seu nome: Machado de Assis. Tido como um dos nomes mais importantes da literatura de sua época, entre os anos de 1883 e 1886 no jornal Gazeta de Notícias, Machado assinava as Balas de Estalo sob o pseudônimo de Lélio, um dos 12 personagensnarradores das “Balas de Estalo”.16 A crônica a ser tratada aqui data de 14 de março de 1885 e propunha a princípio um objetivo incomum para o Lélio que ficara conhecido por “fazer reclames à Camisaria Especial e a outros comércios e produtos”17. A “Bala” da vez era não se tratava de uma guloseima, tratava-se de artilharia pesada e em seu conteúdo Lélio prescrevia um remédio “bem eficaz” para erradicar um determinado mal que se propagava pelas ruas do Rio de Janeiro daquela época: o “surto de capoeira”. Neste capítulo abordaremos a especificidade da crônica como gênero literário, e a possibilidade de utilizá-la com fonte de um estudo histórico. Dessa forma, ao iniciarmos o trabalho de análise da crônica, logo nos deparamos com a Gazeta de Notícias, contudo, há certos detalhes ainda a serem esclarecidos acerca do período histórico o qual o periódico surge, portanto as considerações não poderiam deixar de passar em algum momento pela história imprensa carioca do século XIX, pois, como nos faz atentar o próprio Machado de Assis, “os dois maiores acontecimentos dos últimos trinta anos nesta cidade foram a Gazeta e o bond”.18 Objetivarei, portanto historicizar a “Gazeta” traçando um breve percurso do jornal, sua popularização e o destaque dado à crônica. Para isso utilizarei duas obras, o “Dicionário de Verbetes da Primeira República” Gazeta de Notícias e a defesa da crônica”.

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e “A Vida Carioca nos Jornais:

Outro passo a ser dado é o de

problematizar a crônica a partir da ambivalência de sua narrativa como formadora de uma proposta específica de leitura de fatos a princípio “menores”, os quais se 16

Acerca dos “personagens-narradores” ver: RAMOS, Ana Flávia Cernic. “Política e humor nos últimos anos da Monarquia. A série ‘Balas de Estalo’”. In. CHALHOUB, S., NEVES, M. S., PEREIRA, L. A. M.(orgs). História em Cousas Míudas: Capítulos de História Social da Crônica No Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2005. P. 97-99. 17 RAMOS, Ana Flávia Cernic. “Política e humor nos últimos anos da Monarquia. A série ‘Balas de Estalo’”. In. CHALHOUB, S., NEVES, M. S., PEREIRA, L. A. M.(orgs). História em Cousas Míudas: Capítulos de História Social da Crônica No Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2005. P. 101. 18 “A Semana” In Gazeta de Noticias, 6 de agosto de 1893. Disponível em http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/cronica/macr12.pdf. Ver P. 111-113. 19 Dicionário histórico-biográfico da Primeira República. Rio de Janeiro,CPDOC/FGV. 20 ASPERTI, Clara Miguel. A Vida Carioca nos Jornais: Gazeta de Notícias e a defesa da crônica. VII Jornada Multidisciplinar: Humanidades em Comunicação FAAC/UNESP-Bauru. Outubro 2005.

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apresentam como subterfúgios para a exposição de conteúdos críticos acerca de fatos “maiores”.21 Trabalharei de forma a analisar de maneira breve a série de crônicas “Balas de Estalo” até chegarmos à formação dos personagens narradores. Analisaremos, em seguida de que forma no periódico Gazeta de Notícias, a crônica como um gênero de discurso e os “personagens narradores” se aliam de forma a gerar um conteúdo de proposta específica.

1.1 – A Gazeta de Notícias na história da Imprensa Tracemos então um breve percurso da Gazeta de Notícias dentro da história da imprensa do século XIX e para isso, é o próprio Machado quem começa a nos dar pistas acerca das particularidades do local de fabricação de suas “Balas”. Antigamente as folhas eram só assinadas; poucos números avulsos se vendiam e, ainda assim, era preciso ir comprá-los ao balcão, e caro. Quem não podia assinar o Jornal do Comércio, mandava pedi-lo emprestado, como se faz ainda hoje com os livros [...]. As outras folhas — não tinham o domínio da notícia e do anúncio da publicação solicitada, da parte comercial e oficial; demais, serviam a partidos políticos. 22

O presente trecho foi extraído de uma das crônicas de “A semana” em 6 de abril de 1893. Sob a escrita de Machado de Assis a série “A semana” foi publicada na Gazeta de Notícias entre 1982 e 1900.23 Esta crônica trata do aniversário de dezoito anos da Gazeta de Notícias e traz muitas informações que podem nos ajudar no desenvolvimento desta unidade, que se propõe refletir mais objetivamente acerca do seguinte problema: o que dentro da sociedade carioca daquela época representava a Gazeta de Notícias e como, no trajeto de sua formação, podemos encontrar o fio condutor dos discursos contidos em suas páginas?

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CHALHOUB, Sidney(Org.). História em Cousas Míudas: Capítulos de História Social da Crônica No Brasil. Pp. 9-19. ASSIS, Machado de. “A Semana” In Gazeta de Noticias, 6 de agosto de 1893. Disponível em http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/cronica/macr12.pdf. P. 111. 23 Houve outro período de publicação da crônica “A semana” que corresponde aos anos de 1879 e 1880, todavia, somente atribui-se a escrita de Machado nessa série de crônicas somente entre 1982 e 1900. 22

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Dentro da perspectiva de compreendermos o que dentro daquela sociedade representava a Gazeta, proponho que empreendamos então nossos esforços para perceber e problematizar os substratos de seu início. Novamente Machado nos mostra um possível caminho a trilharmos: [sic.] O bond foi posto em ação, e a Gazeta veio no encalço. Tudo mudou. Os meninos, com a Gazeta debaixo do braço e pregão na boca, espalhavam-se por essas ruas, berrando a notícia, o anúncio, a pilhéria, a crítica, a vida, em suma, tudo por dois vinténs escassos. 24

Machado de Assis no trecho acima nos dá pistas de como podemos orientar nossa pesquisa acerca da Gazeta de Notícias, sob a perspectiva de se pensar a modernidade a partir da reelaboração das relações dos homens e mulheres com os espaços e o tempo. Tudo parecia imprimir um ritmo mais ágil à vida na cidade do Rio de Janeiro, o bonde, a política, os novos moldes da imprensa.25 É interessante problematizar a presença dos bondes no trecho acima, considerando que poderiam ter sido feitas outras referências: tratar da popularização do acesso aos espaços públicos significava marcar um lugar na crítica à conjuntura política da época, isso tendo em vista que o Manifesto Republicano26 havia sido assinado há menos de cinco anos do nascimento da Gazeta. Trata-se portanto de uma de escolha, um cuidado associativo na construção da narrativa. Associar a chegada dos bondes, a popularização dos espaços públicos à possibilidade de mostrar a possibilidade de adquirir o jornal através das mãos de meninos vendedores de rua em detrimento à dificuldade de acesso a conteúdos de jornais como o Jornal do Commercio27, significava situar a Gazeta dentro de um projeto específico, a modernização28 do Brasil. A Gazeta de Notícias modernizou a imprensa daquela época não somente por ser vendido em volumes avulsos, não somente em balcões, mas também nas ruas e por um preço baixo, o que já nos primeiros anos de sua publicação logo lhe garante a fama 24

ASSIS, Machado de. “A Semana” In Gazeta de Noticias, 6 de agosto de 1893. Disponível em http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/cronica/macr12.pdf. P.112. 25 Cf. RAMOS, Ana Flávia Cernic. 2005. Op. Cit. P 89. 26 Texto na integra em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/185599. 27 Para uma breve história do Jornal do Comércio ver o verbete “Jornal do Comércio” In: BELOCH, Israel, ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário histórico-biográfico da Primeira República. Rio de Janeiro, CPDOC/FGV. [Disponível em http://cpdoc.fgv.br/dicionario-primeira-republica/bibliografia. Acesso em: 22-03-2014] 28 Trato aqui como modernização as ações que visavam sincronizar as atividades do Brasil com as do mundo capitalista do velho continente promovendo assim sucessivas tentativas de equiparar a ex-colônia aos países da Europa. Ver: PRADO JR, Caio. História econômica do Brasil. 43ªed. São Paulo: Brasiliense, 2012. P. 195

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de um jornal popular.29 Portanto, se o bonde popularizou o acesso aos lugares, a Gazeta de Notícias popularizou o acesso à conteúdos escritos a uma massa letrada ainda à margem do acesso a conteúdos diversos da época. A popularidade da Gazeta fica evidenciada quando comparamos sua tiragem antes de completar seu primeiro ano (1876) era de 12 mil e subiu para 20 mil exemplares em 188030, números bem expressivos considerando que a Gazeta era um jornal relativamente novo, sendo publicada sua primeira edição em agosto de 1875. Tal volume de tiragem somente era possível, pois, segundo o Dicionário de Verbetes da Primeira República, a Gazeta foi o primeiro jornal brasileiro a instalar uma rotativa isso já em 1879 31 – uma das marcas da modernização da Gazeta uma vez que tal maquinário era muito avançado para a época, chegando a produzir até dez mil exemplares por hora32; a instalação de outras rotativas se dá somente cerca de dois e três anos depois, respectivamente pelo Jornal do Commercio e Revista Illustrada. Portanto, a Gazeta de Notícias alcançou logo antes de sua primeira década de lançamento uma grande tiragem, considerando os padrões da época33, e antes do chamado período de organização industrial da imprensa. Segundo Asperti, o Brasil teve sua primeira produção jornalística própria na primeira década do século XIX, mais precisamente em 1808, com a chegada da família real e a importação de maquinário adjacente à sua vinda34, e somente no final do século XIX, a imprensa começa a se consolidar o que a autora chama de organização industrial.35

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ASPERTI. Ibid. Op. Cit. P.4. Ver informações do cabeçalho sobre tiragem em: Gazeta de Notícias, ano II, n 1 & ano VI, n 11. A escolha do n. 11 no ano VI se deu por ser o primeiro número do ano sem perda significativa de material das páginas digitalizadas na hemeroteca, os outros números as páginas apareciam rasgadas ou com outros defeitos que inviabilizavam a identificação da tiragem nos números anteriores. Todavia, é bem improvável considerar que a tiragem tenha mudada para mais ou para menos em tão poucos números do mesmo ano, utilizei-me de tais dados para melhor embasar minha argumentação. 31 Ver verbete: Gazeta de Notícias, In: BELOCH, Israel, ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário histórico-biográfico da Primeira República. Rio de Janeiro, CPDOC/FGV. [Disponível em http://cpdoc.fgv.br/dicionario-primeirarepublica/bibliografia. Acesso em: 22-03-2014] 32 Para mais dados sobre o maquinário de impressão utilizados pela imprensa do século XIX e XX disponíveis em: portal. imprensanacional.gov.br/museu/acervo/; Acesso em 21-02-2016. 33 Em 1881 a tiragem da Gazeta de Notícias atinge 24 mil exemplares, ao passo que O País atinge os 15 mil exemplares somente em 1885. Ver: PEREIRA, Leonardo A. M..O Carnaval das Letras: literatura e folia no Rio de Janeiro do século XIX. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004, p. 54. 34 ASPERTI. Ibid.Op.Cit. P. 1-3. 35 ASPERTI. Ibid.Op.Cit. 30

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Certamente o surgimento da Gazeta, sua popularização e consolidação estavam atrelados às diversas questões trazidas pela modernização, dentre elas podemos citar novamente a popularização dos espaços públicos através da implantação dos bondes, melhora nos serviços de comunicação e transmissão de informações. Contudo, a modernização não poderia ser abreviadamente a única razão da popularização, o que nos levou a outros caminhos que não somente perceber a facilidade do acesso ao jornal pelo seu preço barato e pela sua forma de distribuição. A saída encontrada então foi problematizar alguns aspectos acerca da elaboração dos conteúdos trazidos pelo jornal.

1.2. – Seguindo os passos da popularização da Gazeta de Notícias: elaborando propostas de leitura dos conteúdos do Jornal.

Para compreendermos melhor as propostas de conteúdo da Gazeta de Notícias tratamos de elaborar algumas frentes de análise: como o conteúdo se apresenta; como é visto por alguns autores e por fim as aproximações bem como as distâncias entre uma e outra exposição. Pretendemos também utilizar a crônica para analisar a popularização do jornal e a modernidade a caminhar de mãos dadas com a Gazeta de Notícias. Para tanto, tratei de delimitar um marco a fim de lidar com a questão de como o conteúdo se apresenta. É importante salientar que aqui não trato, ainda, da forma ou do formato da publicação36, mas do conteúdo. Tendo tal perspectiva em vista, logo em sua primeira página temos a seguinte apresentação: [sic.] Além d’um folhetim-romance, a Gazeta de Noticias dará um folhetim de actualidade. Artes, litteratura, theatros, modas, acontecimentos notáveis, de tudo a Gazeta de Noticias se propõe a trazer ao corrente os seus leitores.37

Levando em conta os padrões da época, e até para os padrões de hoje, a Gazeta mostrava-se um jornal bem completo, o que fica mais explicito quando temos em vista 36

Trato aqui como questão da forma e formato como sendo pertinente à formula narrativa da crônica e a questão de não ser uma crônica isolada, mas fazer parte de uma série de crônicas. 37 Gazeta de Notícias, edição inaugural de 2 ago. 1875. Rio de Janeiro. Não consta autoria. [Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_01&PagFis=1].

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outros periódicos mais antigos e já consolidados na época do lançamento da Gazeta tal qual o Jornal do Commercio, que voltava suas publicações para política, comércio, notícias nacionais e do exterior. Durante seus primeiros anos, a Gazeta de Notícias possuía irregularmente entre oito e vinte páginas. Além de colunas com os assuntos já descritos na citação, por vezes em seus folhetins publicava a tradução de algum romance, os quais em sua maioria eram originalmente franceses, isso além de um suplemento econômico semanal escrito em francês, Le Brésil économique. 38 O Jornal do Commercio foi, da primeira metade do século XIX até o advento de outros periódicos39, já nas últimas décadas do XIX, o periódico melhor conceituado40 a tratar de assuntos como os já listados anteriormente, tendo prioritariamente tópicos relacionados ao comércio e à política. Portanto, a variedade de assuntos, o preço acessível, a venda em locais públicos em “volumes avulsos” –, foram prováveis fatores que contribuíram para a popularização da Gazeta de Notícias, principalmente entre as camadas médias letradas, logo nos anos iniciais de sua publicação, em detrimento do “conservadorismo” de outros jornais, tanto nos conteúdos quanto na comercialização e circulação. Isso proporcionava aos letrados das camadas médias e menos abastadas acesso a conteúdos os quais dificilmente acessariam antes do surgimento e da leitura de “A Gazeta”, uma vez que periódicos a tratar de tantos assuntos de forma conjunta não existiam e se existiam, não se popularizaram tanto quanto a Gazeta. No entanto, tais conteúdos devem ser observados dentro de uma análise historicizada e, portanto, não podem ser extirpados de seus meios, no caso, não podemos negar a historicidade tanto da Gazeta e de suas publicações, que construíram narrativas explicitando percepções específicas a respeito de fatos e acontecimentos de sua época e tecendo críticas a respeito deles. A tiragem era de 40 mil exemplares na

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A Gazeta de Notícias, In: BELOCH, Israel, ABREU, Alzira Alves de. Op. Cit. No século XIX entre o final da década de 70 e inicio da década de 80, comaçam a surgir periódicos, dentre os quais: Revista Illustrada (1876), Gazeta da Tarde (1880), O País (1884), A Notícia (1884), Diário de Notícias (1885), Cidade do Rio (1888). Sendo consolidado como um jornal popular já no final da década de 80 a Gazeta de Notícias, lançado em 1875. Cf. ASPERTI. Op. Cit. P.1. 40 ASPERTI. Op. Cit. 39

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primeira década de publicação41, isso sem considerar a possibilidade do empréstimo de jornais entre os populares da época. Passemos então a investigar a proposta de formulação de conteúdo da Gazeta de Notícias para que possamos tratar dos desdobramentos mais cruciais que sua popularização acaba ocupando: [...] O objetivo do periódico no momento de sua fundação era lutar pela abolição da escravatura e pela instauração da República. Para levar a efeito esse propósito, José Ferreira de Araújo reuniu uma equipe que incluía figuras de destaque na vida pública da época, como Quintino Bocaiúva, Silva Jardim e José do Patrocínio. 42

A citação acima trata da fundação da Gazeta e dos que foram convocados a fazer parte de sua equipe já em sua primeira edição. Todavia há de se explicitar o trato abolicionista e, se não republicano, ao menos liberal dado pela citação ao abordar a agenda de conteúdos da Gazeta. Tal meta não era uma especificidade da Gazeta, Mello nos diz que esta característica de lutar pela abolição e instauração da república na verdade foi o “traço marcante” da expansão da imprensa e surgimento de periódicos no final do século XIX, sobretudo na década de 1880.43 O trecho a seguir trata do primeiro editorial da Gazeta de Notícia, assinado por Lulu Sênior, o pseudônimo de José Ferreira de Araújo, um dos idealizadores e dono do periódico: [sic.] A Gazeta de Noticias apresenta-se assim. Não é isto um programma, é um retrato. Não diz o folhetim o que nós pretendemos fazer, diz o que somos. De onde viemos? Da mocidade! O que queremos? Viver moços, rindo, amando, crendo no que é bom e justo, respeitando o que merece respeito, desprezando o que deve ser desprezado, erguendo altares a quem for digno delles, abatendo as estátuas dos falsos idolos, tendo 41

Tal número é o volume da tiragem do ano VII, n.10 da Gazeta de Notícias. Mesmo considerando alguns fatores como venda em menor quantidade do que a tiragem impressa, já se trata de um grande volume de pessoas a lerem a Gazeta. Mesmo considerando a venda em menor número que a tiragem, o número de leitores pode ficar ainda maior caso consideremos que além da venda total ou parcial da tiragem, o ato do empréstimo do jornal, narrado por Machado acerca do Jornal do Commercio, também poderia ocorrer com os volumes da Gazeta, tais dados podem nos dar um breve panorama da disseminação das ideias contidas nos jornais. Sobre a questão dos empréstimos dos jornais ver: MELLO, M. T. C.. A República Consentida: cultura democrática e científica do final do Império. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV/Edur/anpuh, 2007. P. 79-80. 42 “Gazeta de Notícias”, In Dicionário histórico-biográfico da Primeira República. Op. Cit. 43 MELLO. Op. Cit. P. 81.

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em uma mão o incenso para o talento e a virtude, na outra um chicote para os vendilhões do tempo. Não temos com isso a pretensão de encorajar os inteligentes e virtuosos, porque não precisam disso, nem de corrigir os máos, porque não somos a palmatória do mundo. A nossa pretensão é simples: dizer o que pensamos e sentimos, ser o que somos.44

Há algumas ideias fundamentais a serem observadas dentro da citação acima. Primeiramente há a ideia de mocidade quando se pergunta de “onde vem” e “o que se quer”, fato que também é suscitado por Machado alguns anos depois em “A Semana”: A folha era pequena; a mocidade do texto é que era infinita.45 Tracemos então algumas considerações acerca desta. Certamente há inúmeras maneiras de tratarmos essa tal mocidade em questão. Uma delas seria trabalhar a juventude das camadas médias letradas que circulava pela Rua do Ouvidor46, o reduto dos principais escritores, boêmios e literatos da segunda metade do século XIX, e sua tentativa de viver das publicações de jornal o que nos fez atentar para uma pequena frase logo no cabeçalho da Gazeta em suas edições a partir de 1880: “os artigos enviados a redação não serão restituídos ainda que não sejam publicados”. Tal afirmação dos dá um breve vislumbre sobre a vida dos jovens literatos que por vezes mesmo ganhando pouco ou nenhum subsídio financeiro, enviavam seus artigos às redações dos jornais para ao menos vê-los publicados47. Afinal, como afirmou o próprio Lélio: Um dos característicos do homem é viver com o seu tempo. Ora, o nosso tempo [...] padece de uma coisa que poderemos chamar — erotismo de publicidade. Uns poderão dizer que é ataque. Outros que é apenas uma recrudescência de energia. [...] E depois, o nome da gente, em letra redonda tem outra graça [...]; sai mais bonito, mais nítido, mete-se pelos olhos dentro, sem contar que as pessoas que o hão de ler, compram as folhas, e a gente fica notória sem despender nada. Não nos envergonhamos de viver na rua; é muito mais fresco. 48 44

Gazeta de Notícias, edição inaugural de 2 ago. 1875. Extrato da coluna “Folhetim da Gazeta de Notícias”. Autor: Ferreira de Araújo sob o pseudônimo de “Lulu’ Sênior”. [Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_01&PagFis=1]. 45 ASSIS, Machado de. “A Semana”, Ibid. Op. Cit. 46 MELLO. Op. Cit. P. 67-91. 47 Leonardo Affonso de Miranda indica outra possibilidade de trabalharmos a “Geração de intelectuais boêmios”. O autor pontua que tais literatos poderiam ser observados dentro do espectro de popularização da possibilidade de acesso às letras. Sua avidez em publicar seus textos viria da importância observada por estes literatos que da formação proporcionada através do acesso as letras 21-23. Ver: PEREIRA, Leonardo A. M..O Carnaval das Letras: literatura e folia no Rio de Janeiro do século XIX. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004 P. 58-61 48 ASSIS, Machado de (Lélio). “Balas de Estalo” In. Gazeta de Notícias, 14 de março de 1885. [Gazeta de Notícias, 14 de março de 1885 disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_02&PagFis=8360

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Machado através de Lélio é providencial na descrição do que, para ele, seria característica de seu tempo, o tal “erotismo de publicidade” a qual, observadamente podemos aplicar aos jovens literatos boêmios os quais, segundo Mello, se encontravam sempre mal vestidos e, quando empregados, se permitiam viver da imprensa, frequentando bares e as ruas de diversos locais noites à dentro, sempre retornando alcoolizados e ou drogados pelo absinto.49 Mello trata que a ambiguidade a qual tais boêmios literatos condensaram em si, se deu como sinal de ressignificação que a rua passava a apresentar em 1880. Um espaço estigmatizado pelo Império como lugar de doenças, sujeira, escravos e vadios, em suma, da desordem, opondo-se a ela o Estado e a Casa como espaços do governo. Quando a rua passa a ser ressignificada como espaço de uso público da razão e da crítica50, conserva ainda seus aspectos primeiros e os tais boêmios acabam por fazer de si parte e reflexo das mudanças e permanências das questões que envolviam a rua. Segundo Maria Tereza Chaves de Mello: Eram desordeiros, pessoas de costumes poucos recomendáveis para a boa sociedade. Entretanto, devido ao seu nível cultural — membros que eram da Cidade das Letras, muitos deles com curso superior —, eram respeitados e o que é mais... admirados! 51

Se segundo Mello para as classes médias essa tal “casta” de boêmios intelectuais eram as “celebridades da rua”

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, havia outro grupo de sujeitos das classes

populares que clamavam para si ser a “alma das ruas” 53: os capoeiras que faziam fluir parte da vida social daquela conturbada época. Antes dos bondes, as ruas eram dominadas pela predominante movimentação de escravos, ditando um ritmo específico o qual somente era ultrapassado por dois sujeitos: os carregadores e seu “canto monótono”54; a outra classe de sujeitos a romper esse ritmo marcado com suas

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M. T. C. MELLO. Op. Cit. P. 69. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema: a formação do Estado imperial. Acess, 1994. pp. 103-121 Apud. M. T. C. M. T. C. MELLO. Op. Cit. P.29-30. 51 M. T. C. MELLO. Idem, P. 69-70. 52 M. T. C. MELLO, Idem, P. 67-70. 53 “[...] esse retrato que a percepção pode construir e deve transmitir, que é algo intrínseco à alma da cidade, só pode ser captado no fluir das multidões pelas ruas, no ritmo que alimenta o seu cotidiano. Algo que se reproduz dia após dia, e que não morre nunca.” Cf. DIAS, Luiz Sérgio. Quem tem medo da capoeira? 1890-1906. Rio de Janeiro, tese de mestrado, departamento de história da UFRJ, 1993. P. 28. 54 DIAS, Idem, P.23. 50

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“surpreendentes correrias” e assim fazer fluir ao seu modo o ritmo das ruas e largos na cidade do Rio de janeiro eram os capoeiras, “a alma das ruas”. [...] o fluir humano é o átomo que acaba por constituir a alma de cada rua. O fluir, ou melhor, o ato de fluir, não pode ser entendido como "algo em si" que independesse da própria natureza de cada rua: largura, pavimentação, característica dos edifícios e Lojas, fachadas e finalidade das construções que compõem a própria rua. Existem, assim, como notou João do Rio, ruas tristes, alegres, sérias, ruas de trabalho, ruas de festas, ruas de pecado. 55

Deixando de lado por um instante ou dois a questão da “alma das ruas” e retomando o centro de debate acerca da Gazeta de Notícias, é importante ter-se em vista que a “Gazeta” surge em um momento de atribulações no palco da política. Tanto para republicanos quanto para conservadores e liberais monarquistas era o momento de se posicionar publicamente acerca dos problemas políticos da época. Para os liberais e republicanos, tal posicionamento não ocuparia somente as páginas de periódicos, agora encontrava outro solo muito mais frutífero, a rua. Portanto, acerca da “alma das ruas”, se um dos objetivos da Gazeta, através de seus ideais liberais republicanos, era “abater estátuas de falsos ídolos” – o Império e suas instituições – e erguer altares a “quem for digno delles” – a República – a partir dos movimentos de democratização dos espaços públicos e tendo as ruas como palco para a propagação de suas ideias, certamente encontrou dificuldades em passar por entre a guarda desses “falsos ídolos” e erguer os tais altares. Após o que Mello chama de ressignificação da rua, já encaminhada segundo a autora desde a metade da década de 1870, onde a rua passa a ser entendida como um espaço público e de uso da palavra através da exposição do pensamento crítico em seus meetings e através dos discursos públicos que inflamavam multidões nas ruas em diversos pontos da cidade56. É possível afirmar que uma reação ao constante ataque executado por jornais e periódicos simpatizantes do republicanismo a surgirem principalmente entre as décadas de 70 e 80 do século XIX, fosse justamente a não repressão à ação dos capoeiras quanto

55 56

DIAS, Idem, P.28. MELLO; Op. Cit., p. 52-62.

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a atemorização e repressão violenta dos meetings, comícios, e discursos públicos de republicanos e aos seus frequentadores. Nesse sentido, a principio, a capoeira passa a operar como um instrumento não formal57 de repressão do estado aos seus opositores. É importante ressaltar que o grupo de intelectuais que fazia parte do corpo de produção da “Gazeta” era parte do que posteriormente ficou conhecido como a Geração de 1870,58 comprometido com as causas liberais e republicanas59 para compreender melhor os conteúdos apresentados na Gazeta de Notícias, sobretudo na década de 1880. O que se objetiva com isso é abordar as especificidades dessa geração na elaboração de conteúdos que acabam por vezes nas páginas de periódicos, para repensar as clivagens dos sentidos mais essenciais que tais conhecimentos acabam por gerar nas massas não letradas. Afinal, a República não se fez sozinha, muito menos somente pela massa intelectual.

1.2.1 – Repensando possibilidades de circulação de ideias. Ao tratarmos das possibilidades de circulação de ideias entre a massa não letrada, alguns dados necessitam ser apresentados logo nos primeiros momentos. Na segunda metade do século XIX, o Rio de Janeiro era a maior cidade escrava do Brasil, havia ainda uma grande parcela da população de imigrantes de variadas nacionalidades, um grande número de negros e mestiços, livres e escravos a transitar nos espaços da cidade. Assim sendo, mesmo com um grande índice populacional, certamente poucos entre a grande massa da população teriam acesso ao letramento e em idade mais 57

A capoeira somente passa a ser o que pode ser observado como “instrumento de repressão formal do estado” com a formalização da Guarda Negra da Redentora, isso já nos últimos anos do império, após a Lei Áurea . Tal Guarda tinha a finalidade de proteção da princesa Isabel, contudo, não somente, segundo relatos a Guarda Negra ocupava uma espaço entre a proteção e a repressão, sobretudo da oposição ao regime monárquico. Mesmo as ações de repressão podem ser avistadas ainda dentro do conceito de proteção, uma vez que ao dispersar, mesmo que de forma violenta, opositores do Império, tratavam com isso de defender o regime monárquico representado pela da figura da Princesa Isabel. Pode-se alegar portanto, a defesa do corpo simbólico do governante. 58 Para uma breve exposição da historiografia a discutir a geração 1870 ver: ALONSO, Ângela. “Crítica e Contestação: o movimento reformista da geração 1870.” Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 15, n.44, p. 35-55, 2000; Para um debate mais amplo ver: ALONSO, Ângela. Idéias em movimento: a geração 70 na crise do Brasil-Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002. 59 Uma vez atribuída uma dupla pertença antiescravista e republicana como objetivos do jornal e adotamos a premissa de que sua produção como alinhada a tais objetivos, deve-se pensar ainda pelo viés de que tratamos aqui de liberais e republicanos, uma vez que era podemos atribuir como sendo também do interesse de liberais as políticas antiescravistas. Em contrapartida por parte dos republicanos, “[...]no próprio Manifesto Republicano de 1870 não encontramos um claro posicionamento antiescravista”. Cf. MELLO, M. T. C.; “A Modernidade Republicana.” Tempo, v. 13, n. 26, 2009, p. 27.

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avançada, ao universo das letras, dessa forma, um dado trazido por Asperti, estima-se que 1,72% da população do Rio de Janeiro em 1872 seriam de pessoas letradas.60 Para melhor construir a imagem dos letrados que combatiam as instituições monárquicas e da circulação de ideias entre a população em geral. Para tanto, tomemos por base alguns dados do NHPED61, que além de digitalizar o Recenseamento do Município da Corte de 1870 elaborou um relatório crítico sobre o processamento dos dados do censo de 1872 e como metodologicamente lidaram com determinadas dificuldades e entraves durante o processo de elaboração do relatório. Quando tomamos em mãos os dados do recenseamento do Município da Corte para tentarmos delimitar a massa de intelectuais da cidade do Rio de Janeiro, logo avistamos algumas dificuldades. Diferentemente do senso que abrangia todo o Império, não consta no recenseamento do Município da Corte a população de letrados somente outros dados como: população total62, 235.381 indivíduos, entre os quais 120.372 livres, não imigrantes; e 50.092 escravos (pouco mais de 21% da população). O número de e a de imigrantes era de 61.917 (pouco mais de 33% da população). Entretanto, os dados do recenseamento do Município da Corte se revelaram com dados insuficientes para apurarmos a informação da quantidade de pessoas letradas no “Município da Corte”. O quadro do censo populacional do Império em 187263 o nos traz algumas peculiaridades, trata-se de um dos censos populacionais mais complexos, sendo referenciado até hoje de forma positiva devido vastidão de categorias analisadas nele o que o faz ser uma base de dados bem completa da época. Além de libertos e escravos, como em sensos anteriores, este especifica as categorias raciais - pretos, pardos, caboclos e brancos - para a soma do total de pessoas no Império, além de especificar outras variáveis como gênero, migrantes, não migrantes, religião, letramento, dentre outros.

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ASPERTI, Clara Miguel. Idem. P. 2. Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica – NPHED. 62 NPHED. Publicação Crítica Do Recenseamento Geral Do Império Do Brasil De 1872. Minas Gerais, UFMG, 2012. P.19. [Disponível em: http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/wpcontent/uploads/2013/02/Relatorio_preliminar_1872_site_nphed.pdf; Acesso em 21-09-2015] 63 NPHED. Idem, p.20. 61

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Segundo o censo, a população de escravos (pretos e pardos) em todo o território seria de 1.510.806; a de livres (pretos, pardos, caboclos e brancos) de 8.419.672, dentre os quais 3.781.110 eram brancos (pouco menos do dobro da parcela oficial da população escravizada); a parcela da população que frequentava a escola, com idade de 6 à 15 anos (em processo de letramento), somada a letrados – o que, segundo o senso pode ser avistado na categoria de “sabem ler e escrever” - em todo o império, era de 1.817.246, sendo 1.631 escravos dentre esses indivíduos64. Trato aqui como dados trazidos “oficialmente”, pois segundo dados do NPHED, os números da população escravizada eram levantados partindo dos registros paroquiais, o que certamente poderia trazer certa imprecisão aos números. Mesmo com a obrigatoriedade do registro no momento do embarque antes de cruzarem o Atlântico e depois esse registro ser destinado às paróquias das localidades as quais eram comprados os escravizados, os números do tráfico interprovincial, sobretudo após a aprovação da Lei Eusébio de Queirós65 ficam excluídos da quantificação do censo, uma vez que a documentação dos escravizados poderia ser adulterada para facilitar a ação do tráfico. Os aquilombados ficam da mesma forma excluídos do processo de quantificação ou, provavelmente, quantificados na categoria de ausentes. Houve ainda outros fatores de imprecisão no processo de apuração dos dados – segundo os relatos oficiais. Ao todo 32 paróquias, as quais até a finalização do processamento dos dados não realizaram ou não os enviaram a tempo do processamento os dados demandados pelo censo, sendo 15 somente na província de Minas Gerais. Segundo o NEHPED, não há um padrão de justificativa ou localidade para tais omissões, contudo, levanto aqui uma hipótese que vai de encontro à uma das teses expostas por Flávio Gomes em sua obra, Histórias de quilombolas66: pela consciência de assentamentos quilombolas em suas terras e por possuírem prática de troca comercial, alguns indivíduos, donos de terras das proximidades de onde se localizariam os quilombos, omitiam dados pertinentes tanto à existência desses cativos em suas terras 64

Ver: Tabela 1 população total do Brasil – 1872. “Instrução”; “instrução – população escolar de 6 à 15 anos”. NPHED, Idem. P. 20. 65 Texto da Lei na integra em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-Hist%C3%B3ricosBrasileiros/lei-de-extincao-do-trafico-negreiro-no-brasil.html. 66 GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. Editora Companhia das Letras, 2006.

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quanto da existência desses acampamentos de cativos fugidos, que eram os quilombos, de seus donos ou de outras autoridades. Tal fato poderia justificar o não envio de dados para o senso e também a discrepância dos dados das paróquias em relação aos dados reais em relação ao quantitativo de negros, pardos, escravos ou não, que foram apresentados no senso. Outra discrepância nos dados também gira em torno da imprecisão acerca da categoria dos indivíduos “pardos”. Sua categorização como escravizados ou libertos67, segundo dados do NPHED, possuía grandes discrepâncias em seus dados, onde parte dos indivíduos mestiços relatados em algumas localidades no senso como libertos, na verdade estariam, segundo registros paroquiais, ainda na condição de escravizados, não de imigrantes ou libertos como por vezes declarados. Portanto estimamos que nacionalmente a população de letrados e/ou em processo de letramento corresponda a aproximadamente 17,5% da população do Império. Baseando-nos em tais dados, delimitamos que a população de pessoas livres, não imigrantes e letradas no Rio de Janeiro representava, à época, por volta de 1,3% do total de pessoas no território brasileiro, com esses números em mãos, voltemos aos dados do recenseamento do Rio de Janeiro. Ao calcularmos os números de forma a mantermos uma proporção entre a percentagem de população no Rio de Janeiro e sua massa letrada, levando em conta dados do recenseamento em conjunto com os do censo, os números que chegamos giram em torno de 4000 e 4400, isso entre indivíduos letrados ou em processo de letramento, dos quais, efetivamente letrados, chegariam no máximo aos 3000, ou seja, em torno de 2,45% da população do Rio de Janeiro, ainda uma percentagem bem baixa, que contudo difere dos dados de Asperti. Bem provavelmente essa percentagem cairia ainda mais caso conseguíssemos encontrar fontes de dados para calcular as pessoas que poderiam ter acesso à publicações impressas, mesmo dentro da faixa de letrados, isso em 1872, tendo em vista que ainda eram escassas as revistas ilustradas e os principais periódicos somente eram vendidos por assinatura.

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GOMES, Idem, p.25.

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Mesmo com o provável avanço no processo de letramento de indivíduos e imigração de letrados até o ano de 1885, que é o ano da escrita da fonte aqui em análise, em quase uma década, dificilmente tal número aumentaria de forma expressiva. Todavia, é importante pensar que o surgimento da Gazeta e de outros periódicos, sobretudo os ilustrados, em meados de 1870, acabou por diminuir a fronteira da circulação das ideias, sobretudo, entre as classes médias letradas da época. Outra saída para pensarmos um possível aumento na percentagem na massa de letrados em 1885 poderia ser a saída do processo de letramento dos indivíduos, os quais foram listados dentro dessa faixa em 1872, e acrescentar outros indivíduos a faixa de processo de letramento. Entretanto mesmo dessa forma, é bem provável que tal percentagem ainda se mostrasse pequena, pois para expressarmos tais números, teríamos de pensar em possibilidades tais como mortalidade de pessoas da massa de letrados, emigração destes e etc. Contudo ao pensarmos em termos de divulgação de ideias, tais números acabam pouco acrescentando ao debate aqui construído, uma vez que, tratando a questão da quantidade dos letrados como uma das bases para pensar no escoamento das publicações da imprensa e consequentemente de seus conteúdos, a questão da massa de letrados mostra-se insuficiente para se pensar o grau de popularização que determinadas ideias a circular em alguns periódicos do Rio de Janeiro, sobretudo na Gazeta de Notícias, ganham. Maria Tereza Chaves de Mello no livro A República Consentida68 nos traz possibilidades de repensar as formas de acesso ao conteúdo letrado por extratos diversos da população, mesmo os não letrados. A autora trata que tais conteúdos letrados poderiam ser facilmente acessados pela população não letrada através de momentos de troca narrativa que ficariam não somente a cargo de colunas de jornais e revistas ilustradas, essa troca poderia ser alcançada por meio dos meetings e também dos discursos públicos69, tais práticas aqui devem ser avistadas como possibilidades de troca oral de conteúdos letrados os quais ocupavam espaço nas publicações da época.

68

MELLO, M. T. C. A República Consentida: cultura democrática e científica do final do Império. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV/Edur/anpuh, 2007. 69 Idem, pp. 52-62.

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Outra possibilidade de acesso à informação por uma parcela não necessariamente letrada da população, seriam os seus locais de trabalho, tais como cafés, charuterias e outros locais de socialização de ideias da massa letrada de forma não escrita. Dessa mesma forma, a popularização das ideias de publicações escritas, sobretudo da Gazeta de Notícias, pode ser pensada dentro da perspectiva das trocas narrativas do quotidiano, dos empréstimos de jornais entre as classes letradas de menor poder financeiro, os conteúdos disseminavam-se em meio à população letrada ou não. Da disseminação de conteúdos variados entre as diversas camadas sociais através da construção de teias de conhecimento e troca de conteúdos, realizados de forma intencional ou não materializamos então algumas formas plausíveis de acesso a conteúdos os quais não, ou dificilmente, poderiam ser acessados, caso a ordem social de retenção e transmissão de conhecimentos não fosse, de algumas formas, transgredida. Retomando então a pergunta inicial sobre o que representava a Gazeta, compreendemos que o periódico representou um passo decisivo na popularização do acesso às publicações escritas acerca de diversos temas. Isso representava a popularização do acesso – principalmente pelo baixo custo do jornal – de uma massa letrada de estamentos sociais diversos às ideias modernistas, e positivistas a circular entre os intelectuais daquela época, a “Geração dos 70”. Contudo, certamente mesmo com a popularização que o acesso às informações contidas nas publicações impressas proporcionaram e as transgressões nas formas as quais eram disseminadas, elas certamente não foram os únicos meios de escoar as produções de determinados conteúdos letrados para o grande público, salientando aqui a participação dos discursos públicos, meetings e conferências das quais Mello trata em sua obra. Entretanto as Balas de Estalo não podem ser vistas como somente um fator, dentre tantos outros, que pode ter alavancado a popularização da Gazeta de Notícias, as “Balas”, devem ser pensadas como uma proposta entre a “artilharia e a guloseima” a qual era contemplada não só pela habilidade do escritor, mas pela forma a qual eram escritas. A fim de compormos mais profundamente o debate, adentremos brevemente no mundo da crônica e pensemos suas possibilidades de análise para a proposta de Balas de Estalo. 29

1.3 – Um breve perfil da crônica em Balas de Estalo

Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica. Machado de Assis, “História de 15 dias”. I de novembro de 1877s

No percurso da escrita até o presente momento, falou-se bastante sobre o gênero dissertativo da crônica, entretanto, pouco foi falado sobre sua proposta quanto gênero narrativo ou sobre suas especificidades. Sendo assim, julgo ser pertinente dedicar algum tempo para contemplar tal questão que surge da necessidade de analisar as características da fonte, seu conteúdo e forma de maneira conjunta, buscando historicizar este gênero literário70. Assim, tratarei aqui de traçar breve perfil da crônica para que possamos compreender o que ela representava dentro do panorama de modernizações da segunda metade do século XIX e dentro do programa político ao qual se propõe a Gazeta de Notícias. Para tanto, avistamos a proposta de análise do gênero através da asserção de Bakhtin: O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas [de atividade humana, orais e escritas], não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal [...], mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado,[...]. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de

70

Tal possibilidade de traçar perfil e não delimitar o que seria a crônica se dá pela fluidez que o gênero ocupa dentro da literatura sobretudo no final do século XIX, possuindo certas características chaves contudo possuindo tantas outras a diferirem entre um autor e outro, o que torna o trabalho de elaborar uma definição da crônica, uma pretensão tola pelo grau de especificidade o qual caberia no corpo, ainda mais visando os objetivos do presente trabalho.

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utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso.71

Dessa forma ao se pensar a análise dos conteúdos de determinado enunciado, deve se pensar para além do seu conteúdo, estilo de escrita e composição, as quais estariam associadas no enunciado, há de se pensar também os tipos de enunciados expressados através de determinadas estabilidades construídas nestes, tal ação entre a individualidade e a estabilidade em conjunto com a individualidade do enunciado, o autor nos atenta a pensa-los como “gêneros do discurso”. A primeira ocorrência de uma coluna de crônicas na Gazeta foi localizada já em 1875 com o “Folhetim da Gazeta de Notícias” coluna diária de nome genérico que abarcava crônicas da atualidade assinadas pelos mais diversos nomes da época [...].72

A época, o gênero ainda encontrava pouco espaço em publicações de maior circulação no Brasil, todavia já marcava presença em alguns jornais, sendo publicada por vezes com espaços de tempo irregulares. A Gazeta de Notícias é um dos primeiros, se não o primeiro periódico, a ter uma coluna semanal de crônicas, chegando a ter duas ou três colunas sob esse formato, estas com periodicidades variadas, a exemplo das Balas de Estalo que eram publicadas em dias alternados por diferentes autores. A crônica, segundo Arrigucci73, tem sua construção pensada para aproximar leitor e narrador, de forma a lançar de elementos que cumpram esse papel, dentre os quais, ao menos no caso de “Balas de Estalo”, a construção de personagens narradores específicos para determinados assuntos nas crônicas. O reconhecimento por parte do leitor opera de forma a construir conhecimentos os quais ressignificam fatos e acontecimentos sob a ótica dos enunciados expressos pelo narrador no espaço da crônica. Dessa forma, novamente, os sentidos de aproximação do leitor e narrador são construídos para facilitar o processo de reconhecimento e aproximação dos conteúdos enunciados na crônica e que podem perder o sentido quando observados de forma isolada de seu gênero discursivo, ou seja, fora da crônica.

71

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2007. P.77. ASPERTI. Op. Cit. P.5. 73 ARRIGUCCI JR , DAVI . “Fragmentos sobre A Crônica”. Folhetim da Folha de São Paulo, 01/05/1987, n. 534, 1987. P.6. 72

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Outra questão que a construção da aproximação do narrador com o leitor logo nos apresenta é a cuidadosa elaboração do personagem narrador para tratar de assuntos específicos dentro do universo das Balas de Estalo. Todavia ainda não é ainda propício nos aprofundarmos sobre essa questão, retomemos então o pensamento de Arrigucci sobre a crônica. Segundo o autor, inicialmente as delimitações da crônica como um estilo literário perpassam a noção e o conceito de tempo: crônica seria uma variável do grego chronos e, ao ser adaptada para a literatura teria a finalidade de designar uma pequena seção do jornal ou folhetim onde eram tecidos comentários ou apresentados relatos sobre fatos quotidianos. Sua forma narrativa equilibraria o fato e a ficção de forma a não sair de sua proposta de ser narrativa do tempo, dos seres, estruturas e fatos que transitam por ele, contudo, não poderia ser vista como uma narrativa construída para a posteridade. Deveria ser vista como uma narrativa do presente que suscitava ao leitor uma questão que pode ser traduzida pela dicotomia apresentar problema versus propor intervenção de forma a solucionar o problema em questão.74 Ainda segundo Arrigucci, dentro de uma concepção histórica, a crônica seria a disposição escrita de uma forma de percepção do tempo, pela sua origem etimológica, por ser forma específica de representação temporal e também por sua forma narrativa que trataria de tecer a continuidade do gesto humano na tela do tempo.75 Arrigucci defende ainda que a crônica seria o lugar narrativo de encontro entre alguns aspectos do tradicionalismo e da modernização da sociedade brasileira76, modernização essa a usar-se dos jornais como instrumento para variados fins – dentre os quais desestabilizar os sistemas simbólicos do estado monárquico –, dessa forma, até o narrador da crônica, mesmo não se dando conta, estaria dentro de um processo histórico de dimensões complexas.77 O autor também ressalta que os cronistas, mesmo com a proximidade aos pequenos eventos do quotidiano, deveriam tentar “driblá-los”, para que

74

ARRIGUCCI JR, Ibidem. p. 6-7. ARRIGUCCI JR, Ibidem. ARRIGUCCI JR., Davi. Enigma e comentário: ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo. Companhia das Letras, 2001. P. 57. 77 Idem, Ibidem. 75 76

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não caíssem na evanescência dos acontecimentos os quais buscariam narrar em suas crônicas.78 Podemos ainda nos enveredar por outros caminhos para pensar as possibilidades de análise da crônica, dessa vez tratando mais especificamente das publicações brasileiras da segunda metade do XIX. Tal caminho nos leva a pensar em conjunto com autores que tratam a crônica como sendo um desmembramento do folhetim, tratando-se na verdade de uma transgressão da forma79, cujo ponto de partida, teria sido o folhetim. Segundo essa ótica, o folhetim teria sido concebido na França, e seu estilo, marcado pela rapidez na narrativa. A construção de uma proximidade com o leitor, ao tratar de assuntos próximos ao seu universo, seria uma das marcas em comum que os autores tratam como características que marcam a estrutura narrativa do texto, e não se perdeu mesmo ao ser “emoldurada” como crônica.80 Todavia, diferentemente do folhetim, a crônica seria o espaço na narrativa bem como da intervenção acerca do que se narra, o julgar o fato e não somente narrar, como no folhetim. Tal ação pode ser vista como “ambivalência da narrativa”, marca que seria consensualmente uma característica da crônica em seu percurso de elaboração como gênero literário.81 Portanto, a crônica pode ser caracterizada, ao menos na imprensa brasileira da segunda metade do século XIX, como um gênero narrativo do quotidiano e que se desenvolve de forma a dissertar sobre a percepção específica da realidade a qual é apresentada pelo narrador em relação a um fato ou acontecimento, pela sua aproximação com a narrativa literária, não podemos tratar seus relatos como retratos ou espelhos da realidade, mas como uma construção narrativa a ser entendida dentro de seu tempo. 78

Idem, P.55. Ver: CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-chão. In: ______ (org.). A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. São Paulo: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa,1992, p. 13-22; MEYER, Marlyse. Voláteis e versáteis. De variedades e folhetins se fez a chronica. In: A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. São Paulo: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa,1992, p. 93-134. 80 CANDIDO, Antonio (org.). Idem.pp. 15-16; 94-97 81 Marlyse Meyer, Antônio Cândido e, sobretudo, Davi Arrigucci, tratam em seus respectivos artigos de características comuns as quais segundo os autores seriam as características as quais marcariam a crônica brasileira, desde seus primórdios como um gênero narrativo próprio. Uma das especificidades tratadas pelos autores seria a característica da ambivalência da crítica presente na crônica. 79

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Outra possibilidade de tratarmos questões para agregarmos ao perfil da crônica em “Balas de Estalo” é pelo olhar que alguns autores da coletânea História em Cousas Miúdas nos propõe.82 A crônica seria gênero menor, trataria das pequenas coisas, do efêmero, do acontecimento, a princípio, sem importância e, a elaboração da narrativa se daria de forma a construir o fato efêmero como algo de importância para o leitor, estabelecendo parte do vínculo de proximidade entre narrador e leitor. Contudo, se Arrigucci tratou o narrador como ser passível do desenrolar das ações de seu tempo histórico, segundo a perspectiva de Histórias em Cousas Miúdas devemos pensar cautelosamente na construção do narrador como um ator histórico e formador ativo e consciente de conteúdos. O narrador se apresentava sob um pseudônimo, Lélio, a marca narrativa de Machado de Assis em Balas de Estalo. Trata-se de uma ação com finalidades específicas dentro do projeto político que não poderia ser abarcado de forma objetiva pelo Gazeta de Notícias, encontrando espaço sob a forma das “Balas de Estalo” e estas só poderiam ser traduzidas como narrativas de seu tempo no seu tempo – o da crônica. Portanto em “Balas de Estalo” há o estabelecimento do elo invisível entre leitor e escritor através do encontro de um código comum a ser abordado na crônica, se tratam assuntos ou fatos efêmeros do quotidiano, sem perder o fio dos grandes acontecimentos.

2 – Historicizando a capoeira da crônica de Lélio. Os tempos tumultuosos da capoeira, como revelam os dados históricos, foram mais frequentes e intensos na cidade do Rio de Janeiro, cidade na qual os capoeiras, tiveram mais influência e participação na vida cotidiana do que em qualquer outro local no século XIX. O noticiário dos jornais da época dão conta disso ao narrarem as ações das maltas (grupos de capoeira adversários entre si) em conflito com elas próprias e a policia [...]. As notícias desses jornais acusam a veemente participação dos capoeiras do Rio em outros aspectos da vida da cidade, como na vida política [...]. Foi muito por conta do comportamento social dos capoeiras no Rio de Janeiro que se justificou a inclusão da capoeira como crime no Código Penal da República.83

82

CHALHOUB, S., NEVES, M. S., PEREIRA, L. A. M.(orgs). História em Cousas Míudas: Capítulos de História Social da Crônica No Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2005. 83 ABREU, Frederico José de. A repressão à capoeira. Revista Textos do Brasil, n. 14, p. 35-42, 2008.P.41

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Frederico José de Abreu ao longo de seu artigo trabalha a temática da repressão à capoeiragem ao longo do século XIX. No presente trecho, além de fazer referência à natureza diversificada das ações dos capoeiras, o autor localiza a imprensa como o lugar de diversas fontes sobre a capoeira no período o qual o autor se propõe a analisar. Lélio, visando solucionar – mesmo que de forma paliativa – parte dos problemas oriundos do excesso de publicidade das noticias acerca das ações dos capoeiras, as quais geram o que ele chama de “erotismo de publicidade”, Lélio propõe o seu “remédio contra os capoeiras”: “trancar a imprensa às valentias da capoeira”, argumentando que eles só cometeriam atos criminosos a fim de ver suas ações atingirem certo grau de publicidade.84 A história da capoeira acompanhou a do Rio de Janeiro em boa parte do percurso do século XIX, mas foi na segunda metade do século que de fato começou a narrativa de Lélio. Com o recrutamento forçado e a possibilidade de permutar suas prisões em serviço militar, foram à Guerra do Paraguai e quando retornam, os capoeiras passam a ser utilizados como um exército urbano para inúmeros fins, dentre os quais, fins políticos, mais precisamente, eleitorais; aliciavam eleitores das áreas de influência de suas maltas, convencendo-os a votar nesse ou naquele candidato.85 Fosse “ao ganho” ou por posicionamento político próprio e autônomo, suas ações tumultuavam ou impediam comícios republicanos, como acontecia com frequência, sobretudo nas décadas finais da Monarquia. Poderiam estar sozinhos, com a ajuda da polícia ou da guarda, fato mesmo é que, independente da companhia ou da solitude, o faziam, suprimiam com força e violência os comícios e meetings86. Para que possamos compreender melhor alguns conteúdos históricos ligados à capoeira carioca do século XIX que acabam permeando a crônica de Lélio, desenvolveremos a seguir algumas páginas acerca desta. O objetivo deste capítulo é dar substância histórica para a compreensão do conteúdo da crônica de Lélio bem como, em 84

Lélio (Machado de Assis). Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 14-03-1885 “Ninguém melhor do que eles [capoeiras] arregimentava fósforos[condução coercitiva de votantes ao local de voto],emprenhava urnas e afugentava votantes.” Cf. MELO Morais Filho. Capoeira e capoeiragem no Rio de Janeiro. In: Festas e tradições Populares do Brasil. 1901. p. 329 86 “[...] eram também capoeiras, sob juramento, os que aterrorizavam os meetings e conferências republicanas,[...]aos gritos de ‘Morra Silva Jardim! Morra Lopes Trovão!’” ; “[...]para acabar com meetings, a capoeiragem foi sempre rápida nos deslocamentos e demonstrações pelas ruas da capital.” Cf. DIAS, Luiz Sérgio. Quem tem medo da capoeira? 1890-1906. Rio de Janeiro, tese de mestrado, departamento de história da UFRJ, 1993. P. 116-117. 85

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certa medida, contrapor e demonstrar outras possibilidades de narrativas acerca da capoeira da mesma época da narrativa da crônica que expressam um conteúdo completamente diferente dela.

2.1 – Os bons, os maus e os capoeiras: repensando referenciais da narrativa histórica acerca dos capoeiras. Deixando por um momento a linguagem da objetividade acadêmica, podemos dizer que as pessoas “boas”, via de regra, não tinham muito a temer. As “más”, por outro lado, podiam esperar o pior. Claro que a própria definição do “mal”, como também as medidas para o reprimir, 87 mudam no espaço e no tempo[...] .

No trecho acima, Thomas Holloway, um dos precursores da história da polícia carioca trata de uma questão interessante no que tange a repressão à capoeira. O autor no presente trecho de seu artigo trata da questão do cometimento de infrações por parte de populares e da ação da força repressiva que a Guarda da Corte operava sobre estes, principalmente quando reincidentes. Entretanto, nesse caso, os “bons” nada tinham a temer, somente os “maus”, contudo, a figura do “mal” poderia mudar abruptamente, ideia que pode ser pensada na expressão cunhada posteriormente por Líbano Soares88 “ondas de repressão”. Assim, Holloway consegue sintetizar em poucas palavras a conturbada relação entre polícia, capoeira e sociedade no século XIX. É um ato de pesquisa muito interessante observar como a capoeira, em determinados momentos da segunda metade do XIX, flui com demasiada facilidade entre os dois pontos muito distintos: do de “clientes” ao de “agentes da violência”.89 Como “clientes” poderíamos citar a tenaz repressão aos capoeiras no período, ainda no século XIX que precedeu a Guerra do Paraguai. Enquanto que as ações sob a forma de “agentes”, um exemplo já tratado no capítulo anterior, as ações violentas que acabaram por encerrar demasiados meetings na segunda metade do XIX. Ou seja, os capoeiras são

87

HOLLOWAY, Thomas H. O saudável terror: a repressão policial para com os capoeiras e a resistência dos escravos no Rio de Janeiro no século XIX. IN: Caderno de Estudos Afro-Asiáticos, Nº.16. Rio de Janeiro: Cândido Mendes, 1989. P. 130. 88 Líbano desenvolve a ideia que a repressão da capoeira tinha sua intensidade relativa ao alinhamento político de quem comandava o gabinete de polícia da cidade do Rio de Janeiro, passando por vezes de momentos de repressão mais ativa a momentos de colaboração da polícia com os capoeiras. Ver: SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890). Dissertação apresentada no programa de Pós-Graduação em filosofia da UniCamp - SP. 1993. pp.: 353-355 89 Cf. SOARES. Idem. p. 392.

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tanto clientes quanto agentes da violência, e, por vezes não somente em momentos distintos. Para que melhor pudéssemos agregar conteúdo histórico ao conteúdo da crônica pensando essa relação de “clientes e agentes”, era necessário entender porque Lélio propunha “trancar a imprensa às valentias da capoeira”. Dessa forma, adoto a premissa que essa relação de “clientes e agentes da violência” tem relação direta com o uso dos pseudônimos pois, assim os 12 escritores das crônicas Balas de Estalo, poderiam cumprir de forma tranquila o seu quotidiano exercício de balística “inofensiva” direcionada a quem quer que fosse – pessoa ou instituição. Retomando a questão da capoeira na imprensa, como tratado na primeira citação do capítulo, extraída de um artigo de Frederico José de Abreu, grande parte da história da capoeira do século XIX se encontra também nas páginas de jornais como o Jornal do Commercio. Acerca do trato deste periódico com as noticias relacionadas às ações dos capoeiras, Sérgio Dias nos traz um breve panorama: [sic.] A leitura do Jornal do Commercio, particulmente da seção "Gazetilha", leva a rápida passagem da ironia a seriedade, na medida em que fornece informações sobre o cotidiano da capoeiragem no Rio de Janeiro, sem que possa ser notada a presença da reocupação burocrática dos relatórios de polícia ou do ministro da Justiça. [...]a "Gazetilha" proporcionava um acompanhamento da trajetória da capoeiragem pelas ruas do Rio de Janeiro, transformando figuras anônimas em heróis por um dia.90

É interessante que haja tal contraponto, tão próximo a questão da proposta de Lélio em sua crônica uma vez que o Jornal do Comércio era o principal concorrente da Gazeta de Notícias na segunda metade do XIX e que pode ter cooperado para que Lélio anunciasse o seu remédio. As notícias tratadas por Dias acabam por nos revelar um dado interessante: todas elas tinham em comum a repressão exercida pela ação Guarda Urbana e/ou o registro da ocorrência, e sua publicação na imprensa era uma constante. Entretanto, alguns dados devem ser observados:

90

DIAS, Luiz Sérgio. Quem tem medo da capoeira? 1890-1906. Rio de Janeiro, dissertação de mestrado, departamento de história da UFRJ, 1993. P.88.

37

[...] Não há hoje desordeiro, faquista, perverso, criminoso por ferimentos ou assassino, que não seja um capoeira; é um modo de dizer, é uma locução que se tomou julgar e que está na linguagem do povo, direi mesmo da polícia. Do mesmo modo se diz que ele deu uma navalhada ou estava com uma navalha; embora se trate de um estoque, de um canivete de mola, de um punhal, de uma faca, ou de outro instrumento cortante 91

O debate em questão na câmara dos Deputados era sobre a criminalização da capoeira, onde numa tentativa de delimitar o que seria capoeira, um dos deputados envolvidos no debate começa a discorrer acerca da generalização de termos que remetiam à capoeira e a capoeiragem. O objetivo aqui não é isentar a capoeira das suas ações violentas ao longo do XIX, o que se trata com a presente citação é propor que por parte dos registros também poderia haver uma generalização a qual acabou enquadrando como capoeira muitos outros indivíduos os quais não tinham relações com maltas ou que nem mesmo sequer praticavam a capoeira. Contudo, retomemos a citação de Holloway a qual tratava, dentre outras coisas, da relatividade e da possibilidade da reinvenção nos modos de repressão, sobretudo à capoeira, faremos a seguinte pergunta: “mau para quem e quando?”. Uma possível resposta é que, como já dito anteriormente, a capoeira passava ao longo do século XIX por ondas de repressão, os “maus” somente o eram de acordo com quem estivesse à frente do comando da guarda e da polícia. Para ensaiar uma resposta à essa questão, é necessário compreender a organização das maltas e de que forma estas acabaram por se inserir, ou serem inseridas, no meio da política da segunda metade do XIX. Afinal, como escreveu o cronista Melo de Morais Filho no início do século XX: “ninguém melhor do que eles[os capoeiras] arregimentava fósforos, emprenhava urnas, afugentava votantes”.92 Falar da capoeira do final do século XIX é, em certo momento, esbarrar na história da organização das maltas no Município da Corte. Sobre estas, um cronista contemporâneo aos tempos conturbados da capoeira nos escreve: [sic.] A organisação e a manutenção das maltas obedeciam ás disciplinas de uma regulamentação perfeita e um verdadeiro quadro de classe, desde as chefias e sub-chefias até os carrapetas que eram os mais novos, os aprendizes, alguns de, apenas, 12 e 13 annos de idade, 91 92

ANAIS, sessão de 5 set. 1887, p. 20. Apud. DIAS, Idem. p.87. MELO Morais Filho. Idem. p. 329.

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e já temiveis, tendo toda a malta os seus deveres e funcções 93 perfeitamente codificados.

As “maltas” eram organizações de capoeiras que agregavam de escravos e libertos e dividiam o espaço geográfico do Rio de Janeiro em áreas de influência94. Hierarquizavam-se com títulos específicos, os quais mensuravam o tempo de exercício dos indivíduos nas maltas, e definiam seu nível de proximidade ao comando efetivo da malta. Tal nível organizacional nota-se como muito próximo ao dos corpos militares, portanto, uma das perguntas que logo se segue é: onde se encontram as raízes desse nível de organização e hierarquização? Álvaro Pereira do Nascimento em sua obra tendo como tópico básico a historicização do recrutamento na Armada Imperial mostra que o recrutamento de menores, em sua maioria negros, eram enviados para que assentassem praça na marinha de guerra imperial evitando assim a ociosidade.

95

O recrutamento forçado de

capoeiristas para a Marinha de Guerra Imperial, segundo os dados trazidos por Nascimento, era uma prática bem comum e observadamente de longa data por parte dos chefes de polícia. 96 Na impossibilidade de impor castigos físicos a tais tipos, enviá-los aos vasos de guerra era a solução mais viável, uma vez que nas forças armadas o castigo físico ainda era prática comum em quartéis e nos conveses de navios, era um recurso comum para que fossem “corrigidos” mediante a disciplina dos corpos armados. [...] a capoeiragem disparava indômita, seguindo-se ao distúrbio cabeças quebradas, lampiões apedrejados, facadas, mortes... A polícia amedrontada e sem força, fazia constar que perseguia os desordeiros, acontecendo raríssimas vezes ser preso este ou aquele [...], essas cenas tiveram lugar durante a administração policial de Eusébio de Queiroz e de seus sucessores, desaparecendo totalmente com a guerra do Paraguai, que não acabou somente com os capoeiras, porém assinalou 97 o termo do patriotismo brasileiro.

93

L.C. "A Capoeira". IN: Revista Kosmos, III: 3, março, Rio de Janeiro, 1906. P. 3. Melo Morais Filho trata que as maltas seriam os grupos de vinte a vem que sairiam à frente dos batalhões, dos préstimos carnavalescos, nos dias de festas nacionais e esbordoam, ferem, fazem a desordem. Líbano Soares propõe que as maltas seriam a unidade fundamental da atuação e resistência de escravos e homens livres capoeiras no Rio de Janeiro, sobretudo na segunda metade do XIX, poderia ser formada por três ou até cem indivíduos. Cf. MELO, Op Cit. P. 237; SOARES, Op. Cit. P. 59; 95 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. A ressaca da marujada: recrutamento e disciplina na Armada Imperial. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001. P.: 85-95. 96 Ibid. Op. Cit. P.: 85-95. 97 MELO. Op. Cit. P.330. 94

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Nesse sentido o trecho de Melo Morais Filho exposto acima, traz um dado interessante, o que ele chama de “desaparecimento” dos capoeiras na cidade do Rio de Janeiro no período temporal da Guerra do Paraguai. Tal proposição dá maior embasamento ao argumento de que, se não eram maioria, boa parte dos negros que compunham as fileiras das forças armadas na guerra eram capoeiristas, o que teria provocado essa pequena desmobilização da capoeira no Município da Corte nessa época, além de que, com sua volta, teriam promovido a organização das maltas com características hierárquicas, pela influencia das dinâmicas militares. A Guerra do Paraguai nos traz ainda outra especificidade no que tange o campo do recrutamento de escravos, forçado ou não: a possibilidade de quitar sua dívida com seus donos, adquirindo assim a liberdade quando voltassem da guerra98. Sobre a possibilidade do dado do recrutamento pela permuta, forçada ou não, da pena, Líbano Soares argumenta que a promessa de alforria para os escravos engajados na guerra, teria feito com que quartéis se tornassem o ponto final das rotas de fuga de cativos de diversas partes do país99. Os enviados à guerra venceram, incluídos aí os capoeiras, que no final do ano de 1870, faziam parte de uma conjuntura fatos adversa: Saídos como marginais, obrigados a assentar praça nas fileiras de um desacreditado exército, eles retornaram como heróis. Alguns cobertos de medalhas, muitos libertos da escravidão pelo “tributo de sangue” ao servir nas forças armadas (escravos eram alforriados antes de ingressarem no serviço militar). Desmobilizados, estavam de novo nas ruas, alguns querendo reaver os “territórios” perdidos após a remessa 100 para o front.

Voltam então ao seu campo convencional de batalhas, ovacionados, de marginais à heróis de guerra, o “tributo de sangue” foi pago, liberdade conquistada, agora precisavam reconquistar seus territórios, reorganizar suas maltas. Dos sentidos de promiscuidade do cogito surge então uma pavorosa ideia: “O que fazer com essa gente?” e a resposta teria que estar à altura, teria que ser perniciosa como essa casta de gente a retornar e querer retomar seus espaços na cidade. Dá-se então um novo

98

Cf. SOARES. Op. Cit. P. 264-265. SOARES. Idem. P. 265. 100 SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Guarda Negra: a capoeira no palco da política. Textos do Brasil. 2008. P. 48. 99

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recrutamento de capoeiras, dessa vez, a Flor da Gente, malta de capoeira pertencente ao bairro da Glória, foi arregimentada pelo Duque-Estrada Teixeira do partido conservador, eleito deputado nas eleições de 1872.101 O nome “Flor da Gente”, segundo Líbano, surgiu quando Joaquim DuqueEstrada, recém-eleito para a Câmara de Deputados na eleição de 1872 foi abordado dentro do Parlamento sobre “de quem era a gente que recebeu ordem para atacar nas ruas candidatos e eleitores de oposição” ele teria então respondido: “da minha gente, da flor da minha gente”. 102 Segundo Líbano, após a vitória do presidente Abraham Lincoln nos EUA, o Brasil ficara sozinho como mantenedor do regime escravista nas Américas o que provocou determinadas crises nas estruturas e instituições do estado monárquico e com isso a necessidade de reinventar os modos de dominação dessa população cuja aglomeração já era temida desde as notícias do levante escravo que causou a emancipação do Haiti103. Líbano arguementa que o apoio dos conservadores às leis abolicionistas deriva de disputas com os liberais.104 Liberais e conservadores estavam ávidos por ocupar um determinado lugar social que pudesse ser favorável aos seus interesses de manter-se, no caso dos conservadores, ou ascender ao poder – e instaurar a república –, no caso dos liberais. Outra clivagem de tal ação é que ela acabou por aglutinar em favor dos conservadores determinados extratos sociais como favoráveis à causa imperial. A Flor da Gente e mais tarde a Guarda Negra da Redentora tornaram-se defensores da causa monárquica.

2.2 – “O capoeira gosta da ociosidade, e entretanto trabalha” O presente título é uma referência à obra de Melo Morais Filho, a qual repensa a trajetória dos capoeiras na cidade do Rio de Janeiro ao longo do Século XIX, trazendo 101

SOARES, Idem, Idem.

102

SOARES, Idem. Idem. 104 SOARES, Idem 2008. P. 49. 103

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perspectivas diversas para diferentes períodos do XIX de pensarmos a capoeira fora do espectro da vadiagem. O intuito dessa pequena unidade é de trazer ao debate algumas perspectivas sobre a capoeira a partir de alguns relatos de viajantes e cronistas, na segunda metade do século XIX. Comecemos então por Jean Charles Marie Expilly, viajante francês que em 1852 chega ao Brasil para tentar fortuna105, já tendo algumas obras publicadas na França e que mais tarde torna-se cronista do quotidiano do Rio de Janeiro. Trabalhou por um tempo na direção de uma fábrica de fósforos que pertencia a um primo seu. Quando surgiu a oportunidade de expandir os negócios, Expilly também viu a oportunidade de ampliação de seu capital intelectual106. Após retornar para França, Expilly escreve sobre suas experiências no Brasil, lançando alguns livros, no ano de 1863, Les femmes et les moeurs du Brésil e em 1862, Le Brésil tel u’il est. Este último, que em sua maior parte trata dos anos 1852-55 e faz referência ao tempo que Expilly esteve no Rio de Janeiro e obtém razoável sucesso, de forma que, segundo Scoville, em 1864, já era lançada a sua terceira edição. 107 A razão pela qual saliento aqui a obra Le Brésil tel qu’il est de Expilly, se dá pela contrariedade da narrativa que esse cronista tem em relação à muitos aspectos da vida quotidiana na capital, dentre os quais, a capoeira: A praça está invadida desde o inicio do dia por escravos de ambos os sexos que vêm tomar a água da fonte. É lá que acontecem os encontros e que se criam as ligações que o chicote desenlaça frequentemente. Durante as horas mais ardentes, a praça da Carioca está literalmente congestionada.[...] Eles se estiram sem modos na terra, como os Lazzaroni no mármore dos palácios. Uma multidão de negras quitandeiras ficam agachadas ao longo das casas ou circulando pela praça.[...] Você deve vê-los quando aparece um estrangeiro! Todos comendo seus doces, desconfiados, elas o chamam com entonações carinhosas: eles lhe sorriem graciosamente, lhe oferecendo suas frutas perfumadas. Algumas empreendem, à sua maneira, uma dança insolente ou fogosa [...] que tem um pouco da capoeira, uma dança do combate, e do batuque, dança apaixonada. Pitoresca e provocante, esta dança tem a sua marca, como menuet e a polka. Os desvios repentinos, os 105

SCOVILLE, A. O desejado e o rejeitado: o Sebastianismo que Charles Expilly encontrou por aqui. REVISTA LETRAS, CURITIBA, N. 68, P. 115-128, JAN./ABR. 2006. EDITORA UFPR. P. 166. 106 Ibidem. 107 Ibid. Op. Cit. P. 117.

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aventurados movimentos dos jovens cavalheiros habituados ao Château-Rouge e o de Mabille só apresentam uma insossa imitação do exercício o qual se empenham as negras na frente da fila dupla de arcos da Carioca. 108

Expilly traz através de sua narrativa de aspecto lúdico, de tom cadenciado, que nos remete a questão do divertimento proporcionado pela prática da capoeira pelos homens e mulheres de ascendência africana. Em sua narrativa ele aproxima os costumes dos negros no Brasil aos de sua terra natal, narrando então as tais amostras públicas da destreza física, por mais que estas também sejam imagens conceitualmente problemáticas, de forma positiva. A narrativa de folcloristas109 não se encolhem pelos medos de sua época, ainda que por vezes estes possam ser encontrados em suas entrelinhas, a narrativa do folclorista beira o fantástico sem perder seu cerne documental sobre o que se narra. Tais dados podem justificar a pegada narrativa de Expilly sobre a capoeira carioca. Contudo tal protagonista logo encontra seu antagonista. O seguinte relato que contradiz a imagem trazida através Expilly tem sua origem do extrato de um dos Ofícios do Chefe de Polícia da Corte presente na obra de Holloway: [sic.] Um dos mais freqüentes crimes nesta cidade, pelo menos durante os três primeiros meses de minha administração, é o homicidio e o ferimento mais ou menos grave; sendo singular que nem a vingança nem o desejo de roubar, a eles dêem causa. É o prazer de ver correr sangue, ou, para me servir de termo empregado por essa qualidade de criminosos, o desejo de "experimentar o ferro" [grifo meu], quem os leva a perpetrar tão graves atentados, sendo os autores deles conhecidos pelo nome vulgar de capoeiras. Só em um a tarde do mês de fevereiro, commeteram esses malvados sete mortes na freguesia de Sant'Anna110.

Os relatórios trazidos nos Ofícios do Chefe de Polícia da Corte, são documentos oficiais endereçados aos governantes para que tomassem providências

108

EXPILLY, Charles. Le Brésil tel qu'il est, Paris, 1862. P.93-95. Com os avanços dos estudos antropológicos sobre a cultura popular há um tendência cada vez maior à elaborar folcloristas como pessoas que propuseram a narrar e/ou a documentar a cultura popular e conhecimentos não formalizados oriundos desta. Todavia, na segunda metade do século XIX, os chamados folcloristas foram responsáveis por diversas narrativas de elaboração de projetos de nacionalidade os quais se posicionavam de forma contrária ao momento histórico de valorização da cultura europeia e valorizavam a mestiçagem e os povos tradicionais brasileiros. Ver: Ortiz, Renato. Cultura Popular: Românticos e Folcloristas. Editora olho d’agua. São Paulo. Sobretudo introdução e Cap.I. 110 Relatório 1853, A.N. Ij6 217, Ofícios do Chefe de Polícia da Corte, 20 jan. 1854, apud. HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de janeiro. Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: FGV, 1997. P.209. 109

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quanto aos ocorridos descritos, ressaltando a noção de crueldade e premeditação, a natureza banal dos atos violentos realizados pelos capoeiras, uma vez que “homicídio e o ferimento mais ou menos grave” por motivo de “vingança ou desejo de roubar”, parece ser um motivo mais aceitável, segundo o relato, do que a banalidade do “prazer de ver correr sangue”. A imagem dos capoeiristas trazida pela citação nos remonta à construção da ideia de propensão daqueles caracterizados como vadios à execução de crimes e delitos, como a vadiagem em si, ou hediondos como “homicídio e o ferimento mais ou menos grave” pelo o que o autor da fonte constata como o “prazer de ver correr sangue, ou, para me servir de termo empregado por essa qualidade de criminosos, o desejo de ‘experimentar o ferro’”. Consideramos que em meio à essa camada da sociedade atemorizada pela constante da presença dos capoeiras, estivessem donos e colunistas de jornais, como a própria Gazeta de Notícias, interessados, portanto na elaboração do imaginário social pejorativo por parte da imprensa em relação aos capoeiras: [...] tanto os contemporâneos quanto muitos daqueles que usaram e interpretaram seus testemunhos, dificilmente ficaram imunes à presença do vadio, um verdadeiro fantasma que apavorava de maneira 111 singular o Rio de Janeiro escravista.

Dias ao trazer o “vadio” para o debate, nos faz refletir sobre as inúmeras possibilidades de pensar as raízes desta referência, uma que tão logo se destaca, seria a possibilidade de se remeter ao código penal de 1890 o qual enquadrava mendigos, ébrios, vadios e capoeiras como contraventores sujeitos à prisão112. Sobre a imagem do vadio construída pela imprensa no período, Dias complementa: Esta imagem, como algumas outras, tornou-se simbólica no tocante ao capoeira. A partir dela passou a ser reproduzida historicamente a imagem do capoeira; por princípio avesso ao trabalho, disposto permanentemente à desordem e predisposto ao crime[grifo meu]. Um eterno disponível. As origens históricas dessa imagem estavam, em grande parte, nas visões dos viajantes e cronistas contemporâneos

111

DIAS, op. cit. p. 95 Código Penal de 1890, Estados Unidos do Brazil; Livro I; Dos Crimes e das Penas. CAPITULO XIII: Dos Vadios e capoeiras. In: DECRETO N. 847. DE 11 DE OUTUBRO DE 1890, CAP. XIII. Art. 402. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049

112

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ao grande momento da capoeiragem - o século XIX -, além das 113 versões dadas pela documentação de Polícia e Justiça.

Entretanto, quando tomamos a citação de Expilly e a do relato policial de 1830, podemos e encontramos certa divergência na natureza dos relatos relacionados à capoeiragem na primeira metade do século XIX, mesmo que no relato policial ainda fosse cabida a repressão, ele trata da capoeira sob seu aspecto lúdico. É questionável a causa de que tais relatos que possam contrariar a capoeira como um mal social não ganhem força e números na segunda metade do século. Dias nos traz em sua obra possibilidades de analise dessa questão:

Provavelmente, a fixação na figura do vadio favoreceu igual atitude [temor] com relação à figura padronizada e individualizada do capoeira. Isto dificultou, se não impediu, a percepção de algumas particularidades da capoeiragem no Rio de Janeiro, no século XIX: havia capoeiras articulados ao mercado de trabalho, muitos até com profissão definida, além de outros pertencentes ao Exército, à 114 Marinha e à Polícia.

Ao afirmar que muitos capoeiras estavam “articulados ao mercado de trabalho” e tinham até “profissão definida” Dias nos traz a possibilidade da articulação do capoeira com o trabalho, para além do engajamento no serviço militar e na marinha, que abordamos anteriormente. Acerca da associação dos capoeiras com o trabalho, alguns escritos de Melo Morais Filho115 tratam de endossar a presente afirmativa. Melo Morais ocupa um lugar distinto entre os locutores da história cultural do Brasil dos séculos XIX e XX. Possuía formação acadêmica em medicina, contudo escrevia poesias as quais foram publicadas em importantes jornais de sua época. Sua formação em medicina também possibilitou que desenvolvesse trabalhos etnográficos acerca das classes populares, dentre os quais, há de se fazer menção ao seu trabalho de etnografia das festas e costumes da população cigana116.

113

DIAS, Ibid. Op. Cit. P.95. DIAS, Ibid. Op. Cit. P.96. 115 MELO Morais Filho. Ibid. Op. Cit. 116 Além de “Os Ciganos no Brazil : contribuição ethnographica Mello Moraes Filho”, lançada em 1886, Melo Morais Filho escreveu no ano anterior, 1885, “Cancioneiro dos ciganos: poesia popular dos ciganos da Cidade Nova”. Amabas as obras foram pioneiras no que tange a documentação dos costumes da população cigana no Rio de Janeiro do século XIX. 114

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Martha Abreu, mesmo tratando da dificuldade de “rotular” obra e autor, considera Melo Morais Filho um historiador memorialista. Tal proposição se constrói, segundo a exposição de Abreu, pelas originalidades e ambiguidades na narrativa de Melo Morais Filho, evidenciadas em suas balizas narrativas de forma a propor crítica ao cientificismo da época e não agregando à sua narrativa, ao menos não por inteiro, uma proposta romântica. Sobre Festas e Tradições Populares, trata-se de uma obra na qual Melo documentou algumas práticas culturais de localidades diversas do território brasileiro. Sua obra se divide basicamente em quatro partes: Festas Populares, festas Religiosas, Tradições Populares e Tipos de Rua, sendo do nosso maior interesse o capítulo sobre os “Tipos de Rua”, mais especificamente sua unidade sobre os capoeiras. Acerca do ano de publicação, torna-se um dado importante à medida que podemos observar certos diálogos com a crônica de Lélio. A primeira publicação de “Festas e Tradições Populares” foi em 1888117 e possuía em seu capítulo sobre os tipos de rua uma unidade sobre os capoeiras do Rio de Janeiro, intitulada “Tipos da Rua”. Neste capítulo Melo traz ao leitor uma breve história da capoeira do século XIX, situando a capoeira como um esporte nacional e formadora de uma identidade nacional luso-africana118, ou seja, Melo Morais já observava a nacionalidade brasileira como mestiça nas últimas duas décadas do século XIX. Embora sua narrativa não delimite fatos com precisão no tempo, um marco muito utilizado pelo autor para tratar dos capoeiras é o da Guerra do Paraguai, evidenciando a década de 1860. Entretanto, sua perspectiva frequentemente faz grandes digressões temporais tratando períodos anteriores e posteriores ao período da guerra. Desenvolvidas algumas questões mais fundamentais acerca da obra de nosso célebre cronista das ruas e dos folguedos populares, voltemos então à questão dos vadios e capoeiras ainda dentro da obra de Melo Morais. Seguem alguns trechos: 117

Segundo o debate estabelecido por Abreu – ver: ABREU, ibidem. p.171 –, “Festas e Tradições Populares” somente teria sido publicada de forma completa em 1901, a versão anterior seria uma compilação de artigos publicados ao longo da primeira metade do XIX. 118 Uma possibilidade de trabalhar a ausência da figura do indígena na obra de Melo Morais é pensar como talvez sua dialética é construída de forma a se posicionar como contrária às teses naturalistas que circulavam na época e valorando a imagem do negro e do mestiço como integrantes do projeto de identidade nacional proposto por Melo Morais o qual procurava associar as manifestações populares, tais como festas e os tipos de rua, por exemplo, cujas origens diversas – luso-africanas – seriam a base da brasilidade pensada pelo autor. Cf. ABREU. Op. Cit. p.181.

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[sic.] “Os arsenais, o exército, a marinha, as classes menos abastadas fornecem contingentes avultados, e são na máxima parte mulatos e crioulos. A polícia também os possui, porém desligados da comunhão [...] O capoeira gosta da ociosidade, e entretanto trabalha [...] No seu ombro tisnado escorou-se até há pouco o Senado e a Câmara, para 119 onde, à luz da navalha, muitos dos que nos governam subiram[...].” “Qual o seu pessoal? Geralmente eram compostas de africanos, que tinham como distintivos as cores e o modo de botar a carapuça, ou de mestiços (alfaiates e charuteiros), que se davam a conhecer entre si pelos chapéus de palha ou de feltro, cujas abas reviravam, segundo 120 convenção”. “É geralmente sabido pela tradição que no Senado, na Câmara dos Deputados, no Exército, na Marinha, no funcionalismo público, na cena dramática e mesmo nos claustros havia capoeiras de fama, cujos nomes nos são conhecidos. [...] recordamo-nos ainda de um frade do Carmo, que, por ocasião de uma procissão do enterro, debandou a cabeça das e a rasteiras um grupo de indivíduos imprudentes que o provocaram. [...] nosso professor de francês o bacharel Gonçalves, 121 bom professor e melhor capoeira”.

Em tais trechos, Melo lista algumas das profissões exercidas por capoeiras no século XIX, como marinheiros, alfaiates e charuteiros, professor, ocupantes de cargos de governança, públicos ou da oficialidade dos corpos armados e que, segundo Melo, tal fato seria de conhecimento público. Além disso, o autor abordar a questão étnico-racial, ao citar os matizes de pele e o pertencimento étnico dos capoeiras, constata que “geralmente eram compostas de africanos[...], ou de mestiços”. Há ainda outra questão que merece destaque na citação de Melo. Ao tratar da questão do trabalho e ociosidade do capoeira o autor nos traz importante informação, o suporte dos capoeiras à ascensão de governantes eleitos pelo voto. Tal informação certamente nos remete a um problema, sobe o qual será necessário tecer algumas considerações. Primeiramente, caso consideremos os governantes como de maioria conservadora, fomentamos a tese de que o “partido capoeira” os apoiava de forma quase que exclusiva e irrestrita, portanto, combatia os votantes de políticos liberais os quais após a eleição seriam então minoria nas cadeiras do governo. Construir essa afirmativa

119

MELO Morais Filho. op. cit. MELO Morais Filho. op. cit. p.328. 121 MELO Morais Filho. Ibidem. p.330. 120

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significa necessariamente propôr nas entrelinhas duas coisas: a primeira, liberais não aliciavam capoeiras. Entretanto, tal proposição se torna inviável de forma que ao tomarmos em mãos os relatos de Líbano e Dias e observarmos os conflitos entre Nagoas e Guaiamús como uma clivagem da prática do aliciamento dos capoeiras pelos dois partidos políticos da época. Aos poucos os capoeiras foram se agrupando, ao ponto de constituírem duas “nações”; [...] uma das “nações” se ligara aos conservadores, outra aos liberais. Assim, quando eram perseguidos os “Guaiamus”, folgavam as costas dos “nagôs”, e vice-versa.122

Tal prática em determinado momento pode ter sido subvertida pelos capoeiras, tornando-se algo que lhes era favorável. Ao usar capoeira para fins e repressão dos opositores aos que lhes recrutavam – referencial aos dois partidos –, tratava-se da afirmação da concessão de uma legitimidade, mesmo que informal, do exercício da capoeira com um determinado fim, o de reprimir a oposição o que acaba por gerar as “ondas de repressão”123. Entretanto, no espaço entre as ondas, e até mesmo nas ondas, uma vez que a repressão era lateralizada, havia por parte dos capoeiras a possibilidade de continuar suas práticas em espaços públicos, uma vez que, ao que tudo indica, na segunda metade do século XIX, as maltas com menor número de integrantes aglutinaram-se em torno de “Nagôas” e “Guaiamus”. Portanto, a proposição que exclui os liberais do recrutamento de capoeiras para fins políticos, não se sustenta. Tratar da associação dos capoeiras somente aos conservadores trata-se não da construção de uma narrativa de fatos, mas de um projeto político identitário onde o moderno, sendo representado pelo advento da República a se sobrepor à Monarquia, que seria associada ao velho, ao atraso de suas estruturas e instituições, dentre elas a capoeira, associada ao Estado Imperial – sobretudo após a criação da Guarda Negra. E para que tal advento da república ocorresse, as instituições, mesmo as simbólicas, teriam que ser paulatinamente desconstruídas, e a capoeira por ser construída como exclusivamente associada à repressão dos liberais e republicanos, certamente estaria 122

MORAIS, Evaristo de, 1985. Apud. SOARES, 1993. p. 60. Líbano em “Negregada instituição” propõe que a repressão aos capoeiras era mais ou menos amena, sobretudo na segunda metade do século XIX, devido à associação em maior ou menor número de políticos no poder a se associarem com os capoeiras, dando a ideia de ondas de repressão, irregulares, inconstantes. Ver: SOARES, 1993. p. 353-354.

123

48

dentro das instituições a serem desconstruídas dentro de esferas sociais diversas, dentre elas a simbólica. Nossa intenção aqui é associar o trabalho dos capoeiras ao exercício da política. Como mostramos até aqui, a capoeira, além de atividade lúdica como outrora já exposto aqui, exercida, no final do século, por descendentes de africanos, crioulos, mestiços e até portugueses familiarizados com a prática, o recrutamento de capoeiras se torna fato a ser exercido tanto por liberais quanto conservadores. Sobre esse último momento em especifico a historiografia por vezes trata os capoeiras como mercenários ao ganho, os quais somente agiam mediante o aliciamento ao ganho de um ou outro partido político.124 Esta visão foi sendo desmistificada, principalmente após a popularização dos trabalhos de mestrado e doutorado de Líbano. Tais trabalhos, sobretudo em “A Negregada Instituição” já visualiza a associação dos capoeiras como uma forma de aumentar os intervalos entre o que Líbano chama de “ondas de repressão”, isso além de agregar certa legalidade e conservar o exercício da prática de capoeira, contudo não trabalham a questão da “formalização da informalidade” da capoeira como um trabalho ou ocupação na época. Tais ações de repressão política são para Líbano, algumas das ações que marcam a existência do “Partido Capoeira” na política da corte. Assim, pode ser que o exercício de capoeira “ao ganho”, principalmente após a volta dos capoeiras com o término da Guerra do Paraguai, momento em que passam a ser associados aos partidos políticos, liberais ou conservadores, possa ser avistado como algo para além da questão do recrutamento de mercenários. Esse exercício tinha finalidade específica: a retaliação de ações públicas do partido de oposição ao qual fossem recrutados, sendo mais observado o recrutamento por parte de conservadores, chegando até a formação de uma associação de libertos, capoeiras, a se agregar ao estado monárquico nos seus últimos anos125. Tais ações podem ser observadas como uma ocupação ou trabalho, por institucionalizar determinados extratos da sociedade

124

SOARES, Idem. 2008. P. 47-50 Para acesso mais amplo aos debates que giram em torno da Guarda Negra da Redentora ver: MIRANDA, Clicea Maria Augusto de. Guarda negra da redentora: verso e reverso de uma combativa associação de libertos. Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ como requisito à obtenção do grau de Mestre em História, 2006.

125

49

como aparelho repressivo – a princípio informal e passando a ser formal e observadamente ao ganho com a criação da Guarda Negra.

3 – A solução de Lélio, “o remédio contra os capoeiras”. Em 14 de março de 1885, Lélio, um homem de aproximadamente cinquenta 126

anos

que teria deixado de lado sua vida de burocrata da agricultura, bem como sua

“philosophia braz cubica”127 para fazer os tais reclames à “camisaria especial nas Balas de Estalo”128, diz trazer em sua crônica um “remédio contra os capoeiras”: Trago aqui em meu bolso um remedio contra os capoeiras. [...] A minha droga pode dizer-se que tem em si o signal da immortalidade. [...] Agora, pincipalmente, que a guarda urbana foi dissolvida [...], receiam alguns que haja uma explosão de capoeiragem [...] enquanto que outros creem que a substituição da guarda é o bastante para fazer recuar os maus e tranquilisar os bons. [...]Capoeira é homen. Um dos característicos do homem é viver com o seu tempo. Ora, o nosso tempo (nosso e do capoeira) padece de uma cousa que podemos chamar – erotismo de publicidade. [...] basta andar na aldeia sem ver as casas, para reconhecer que nunca esta espécie de affecção chegou ao grau em que a vemos. [...] Já o leitor adivinhou o meu medicamento. [...] Sim, senhor, adivinhou, é isso mesmo, não publicar nada, trancar a imprensa ás valentias da capoeiragem. Uma vez que não se dê mais notícia, elles recolhem-se ás tendas, aborrecidos de ver que a critica não anima os operosos. [...] Victória completa: elles aceitam o derivativo que os traz ao céu de Racine e à terra de Corneille, emquanto as navalhas, restiuidas aos barbeiros, passarão a escanhoar os queixos da gente pacífica. Ex fumo dare Lucem. Lélio (Machado de Assis). Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 14-03-1885.

Mesmo tomando por base a ambivalência129 da narrativa, uma das principais características da série Balas de Estalo, trata-se de um objetivo incomum para um

126

Na crônica de Decio a qual ele narra as características de cronistas das “Balas”, dentre os quais Lélio que segundo Decio teria ficado conhecido por seus “reclames à camisaria especial”. Decio na crônica em questão diz não poder falar a idade de Lélio, contudo, na crônica de 14-03-1885, Lélio diz ter completado seus cinquenta anos. Ver: Decio. Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 01-01-1884; Lélio (Machado de Assis). Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 14-03-1885. 127 Decio. Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 01-01-1884. 128 Cf. Decio. Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 01-01-1884. 129 Cf.RAMOS, Ana Flávia Cernic. Política e humor nos últimos anos da Monarquia. A série “Balas de Estalo”. In. CHALHOUB, S., NEVES, M. S., PEREIRA, L. A. M.(orgs). História em Cousas Míudas: Capítulos de História Social da Crônica No Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2005. p. 90-95.

50

narrador-personagem cuja marca seria fazer “reclames à camisaria especial”. Algumas questões precisavam ser trazidas mais para a superfície da análise da crônica. Lélio propõe que, de maneira geral entre os capoeiras, não seria o “gosto de fazer mal, mostrar agilidade e valor” numa “perversão por entranhas”. Lélio a partir da aproximação dos capoeiras com a sua “humanidade”, trata que “a natureza humana não comporta a extensão de tais sentimentos”, mas deixando evidenciado nesse ponto que não duvida que “excepcionalmente um ou outro nutra essa perversão por entranhas”. Contudo, o problema a essa altura não seria a questão do mal que fazem, seria então o fato que somente o fariam para ver seu nome em “letra redonda” pois: [...] o nome da gente, em letra redonda, tem outra graça, que não em letra manuscrita; sai mais bonito, mais nítido mete-se pelos olhos dentro sem contar que as pessoas que o hão de ler, compram as folhas, e a gente fica notória sem despender nada. [...] O capoeira está nesta matéria como Crébillion em matéria de teatro. Perguntou-se a este, por que compunha peças de fazer arrepiar os cabelos; ele respondeu que, tendo Racine tomado o céu para si e Corneille a terra, não lhe restava mais que o inferno, em que se metera. O mesmo acontece ao capoeira [...] todos os porcos nascemlhe com uma só cabeça, nenhum modo de ocupar os outros com a sua preciosa pessoa. Recorre à navalha, espalha facadas, certo de que os jornais darão notícias das suas façanhas e divulgarão nomes de alguns. Lélio (Machado de Assis). Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 1403-1885.

Numa tentativa de explicar o referido “erotismo da publicidade” e argumentar em favor da crueldade não como o objeto de fetiche das ações do capoeira, mas sim a publicidade do seu nome que suas ações geram nos jornais, Lélio nos traz uma interessante possibilidade de interpretação acerca de onde figuravam e onde, segundo ele, deveriam figurar os acontecimentos ligados aos capoeiras. Mesmo com os avanços ligados à imprensa, de reprodução e cópia de um volume cada vez maior de publicações em “letra redonda”, uma expressão comum referente à fonte usada nos jornais da época, as “letras redondas” ainda não eram tão comuns em documentos como boletins de ocorrência e processos crime, os quais, mesmo com curtos períodos mais gerais escritos à máquina, grande parte dele era escrito à mão, sendo uma provável referência ao que Lélio trata no primeiro parágrafo da citação acima. Para melhor compreender as possibilidades de interpretação dos conteúdos da crônica e entrelaçar a imprensa e a capoeira da segunda metade do XIX, proponho que

51

no presente capítulo se analise o conteúdo da crônica baseando-se nos conteúdos outrora expostos. Uma vez que parte do conteúdo, sobretudo acerca da capoeira já foi posto em debate no capítulo anterior, o presente capítulo tratará de analisar os desdobramentos dos sentidos de compreensão da crônica dentro dos panoramas históricos já expostos no decorrer do trabalho. Para que se alcance tal objetivo o norte de análise tratará de pensar associativamente autor, narrativa e contexto histórico a fim de elucidar tais questões.

3.1 – A formulação do personagem-narrador: Quem afinal é Lélio? Tal qual nos propõe Arrigucci130, uma vez avistada a necessidade da construção de um elo entre leitor e narrador por diversos fatores, dentre os quais o sentimento de identificação tanto acerca da proposta de leitura de determinado fato apresentada pelo personagem-narrador, ou da formulação a qual o personagem narrador passava ao longo da série. Nesse sentido é interessante notar a complexa e a constante formulação dos personagens ao longo da série das Balas de Estalo. A forma a qual aproximam o conteúdo do leitor de forma a abrir mão de características as quais pudessem despertar, em alguma instância, a empatia do leitor em favor da “cousa” escrita na crônica ou do próprio narrador, dependendo do tema da crônica. Contudo, acerca da formulação de Lélio ao longo das Balas de Estalo, quando observadas entre linhas escritas pelo próprio, nos davam poucas pistas acerca da proposta de sua narrativa, era necessário visitar outros narradores das “Balas” para que pudéssemos reunir mais pistas sobre Lélio. Numa das andanças no universo das “Balas”, eis que encontramos a crônica de Décio, um dos pseudônimos da série Balas de Estalo que em 1883, tratou de fazer um breve balanço da série ate então. Nele fazia referência à vários cronistas da série, dentre os quais, Lélio. Talvez a narrativa que mais objetivamente agregava mais características de Lélio num só lugar durante toda a série das “Balas”:

130

ARRIGUCCI JR., Davi. Fragmentos Sobre a Crônica. FOLHETIM DA FOLHA DE S. PAULO (DE 1 DE MAIO DE 1987), n. 534, 1987. p. 6.

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Lélio é aquelle litterato chefe, poeta, draumaturgo e romancista, que depoz um dia a sua corôa de burocrata da agricultura e sua philosophia braz cubica para fazer em balas de estalo uma boa reclame a camisaria especial. Quando cabe-me o dia em sabbado, elle faz por mim as balas; por isso não posso dizer que foi elle quem inventou a phrase - não é impossivel - nem contar quantos annos tem elle. (Decio. Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 01-01-1884)

Tais características seriam mais objetivamente o que aproximaria Lélio de seus leitores, o que provocaria o carisma para com Lélio e sua narrativa. Mas quais seriam as características formativas da narrativa do personagem dentro do universo das Balas de Estalo? Buscando responder sobre as origens de Lélio, atentamos ao período de sua estreia na coluna “Balas de Estalo”, do jornal diário carioca A Gazeta de Notícias. Trata-se de um período muito próximo à um discurso proferido por Lafayette Rodrigues, à época presidente do Conselho de Ministros na Câmara dos Deputados no qual é citado um trecho da peça intitulada Sganarello de Molière, quando arguido sobre uma questão que havia provocado a queda do ministério anterior: [sic.]“[...] ao nobre Deputado pode parecer resposta de Sganarello (riso), mas que é: ‘Pode ser que sim, pode ser que não.’ Póde ser que sim, si o governo, depois de estudo reflectido, se convencer de que o projecto [de lei] satisfaz os interesses que se tem em vista, e então o governo o perfilhará, na linguagem do nobre deputado, e o remetterá á camára dos Srs, deputados. Agora também póde ser que não": si o governo se convencer de que o projecto é imperfeito, é defectivo, não o remetterá à camara dos Srs. deputados, mas organizará outro em harmonia com as suas vistas, e este será presente ao parlamento.” 131

A resposta de Lafayette acerca do projeto de lei o qual previa a divisão de rendas entre provinciais e gerais foi vista como uma “pérola” para a época, uma vez que Sganarello se tratava de uma peça tragicômica utilizada como resposta para uma questão que havia provocado a queda do ministério anterior ao de Lafayette, o autor da citação acima. A peça em questão, Sganarello, também possui um personagem de nome Lélio, cujas características atrapalhadas e exageradas acabavam por gerar um humor satírico que passou a ser uma das características do personagem132, mesmo quando aparecia em

131

Lafayette Rodrigues (Presidente do Conselho da Câmara dos Deputados): Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 19/06/1883. P. 232. [Disponível em http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp#/] 132 CALLIPO, 1998. Apud. Ramos, 2005. p.101-102.

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outras peças de teatro. Chacota ou não, o discurso ocorreu em 19 de junho de 1883 e Lélio aparece nas “Balas de Estalo” pouco tempo depois (02-07-1883) e Molière passa a ser um dos autores mais referenciados por Lélio.133 Não é nosso objetivo aqui perseguir todo o processo de construção do personagem que dá vida ao pseudônimo escolhido por Machado de Assis para caracterizar o autor da coluna em questão. Como mostrou Ana Flávia Cernic Ramos, a criação de um pseudônimo engloba tanto a tentativa de um anonimato quanto a “criação de personagens com características próprias”134 e, consequentemente, uma construção narrativa a basear-se nas especificidades da construção do personagem. Quando levamos então em consideração as especificidades da formulação de Lélio, podemos então começar a elaborar alguns sentidos para que melhor possamos compreender sua proposta de “remédio”, mas, primeiramente tracemos brevemente uma resposta à pergunta da unidade: quem é Lélio? Quando Décio faz um pequeno balanço da série Balas de Estalo e discorre brevemente sobre todos os narradores das Balas, inclusive de Lélio, Decio agrega certas características mais pessoais à Lélio, o que até então, por parte dele – Lélio – ou de qualquer outro narrador, não havia sido feito e nem posteriormente foi levado à diante, ao menos não de forma explícita para Lélio. Dessa forma, Décio suscita dados da carreira de Lélio e do percurso de vida que o teria levado às suas participações em Balas de Estalo, sendo talvez o dado mais relevante, mesmo que posto de forma satírica, a questão da tal “philosophia braz cubica” a qual Decio trata como associada à mudança de profissão de Lélio. Tal mudança teria feito com que Lélio deixasse de lado “a sua corôa de burocrata da agricultura” para “fazer em balas de estalo uma boa reclame a camisaria especial” e que na crônica em análise da autoria de Lélio, ele diz ter completado seus cinquenta anos. A subjetividade crítica que permeia pelas Balas de Estalo Lélio não poderia estar resumida às escassas referências de outros cronistas. Buscando mais a fundo, nos deparamos com uma proposta de uma crítica construída através de um humor satírico às 133

Idem. Idem. RAMOS, Ana Flávia Cernic. História e crônica: "Balas de Estalo" e as questões políticas e sociais de seu tempo. IFCH/UNICAMP, 2001. p. 32-34.

134

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questões de seu tempo, dentre as quais, a política. Assim, quando Machado de Assis entra em cena, através da escolha do pseudônimo de Lélio, demonstra um alto grau de interação e crítica às questões de seu tempo, que ganha corpo através da sátira, com a cena política e, nos traz com Lélio o exagero do personagem de Molière em conjunto com a tardia e objetiva caracterização de Decio. Contudo, quais seriam as reais influências dessa formulação de Lélio na crônica a qual ele trata da capoeira?

3.1.1 – As crônicas de Lélio ou de Machado de Assis? Um breve tratado sobre a autoria da crônica. Compreender a formulação de Lélio é um dos passos chave para que possamos compreender sua proposta na crônica aqui em análise, mas, ainda precisamos delimitar de forma mais explícita uma questão antes de prosseguir propriamente aos conteúdos da crônica. Para além da concepção de Lélio, existiriam pontos de proximidade para com Machado de Assis, seu criador? A fim de propôr reflexão crítica acerca de tal propositiva, trato aqui como pressuposto epistemológico para resolver tal questão a proposta de Chalhoub em seu texto: “Diálogos políticos em Machado de Assis”135. No texto em questão, Chalhoub trata de problematizar determinados conteúdos presentes em algumas obras literárias136 de Machado de Assis ligados à questão das “políticas de dominação vigentes na sociedade daquela época”, calcadas nas relações de dependência, mas considerando as possibilidades de agência dos dominados137: A ideologia de sustentação do poder senhorial incluía a imagem de que aquela era uma sociedade em que os pontos de referência – ou seja, de atribuição e formulação de consciência de lugares sociais – definiam-se na verticalidade. [...] No mundo construído por tal ideologia, [...] a medida do sujeito são as relações pessoais nas quais está inserido [...]. Não existe lugar social fora das formas instituídas –

135

CHALHOUB, S. Diálogos políticos em Machado de Assis. In: ______, PEREIRA, L. A. M. (orgs). A História Contada. Capítulos de História Social da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998. p. 95 – 122. 136 Relativo às obras ficcionais de Machado de Assis. Mesmo as crônicas sendo reconhecidamente um gênero literário desde aquela época, tratavam de narrar imagens e fatos do quotidiano da época, merecendo distinção nesse ponto da narrativa monográfica 137 CHALHOUB, Idem. p.95-96.

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formalmente, mas também pelo costume – de hierarquia, autoridade e 138 dependência.

Ao propor tal chave de entendimento para a sociedade da época, Chalhoub trata ainda que Machado de Assis teria sido mestre em abordar e problematizar tais questões de dominação social em sua obra através do que ele chama de “outro texto, contratexto, que se revelava nas entrelinhas (mas não a qualquer observador)”. Tais ações de “contratexto” poderiam aparecer na piada “talvez ingênua, no dito chistoso, na ambivalência das palavras, na ambiguidade da intenção”.139 E iam além, ainda segundo o autor, tratava-se de ratificar a ideologia paternalista, na aparência, quando na verdade, “roía-lhe os alicerces”140. Mesmo tratando da parte literária ficcional de Machado de Assis, penso que é proveitoso agregarmos o pressuposto metodológico do autor para a análise das obras ficcionais à análise da crônica. Tomando em perspectiva o exercício da capoeira como uma possibilidade de quebra no modelo vigente de dominação da época referenciado por Chalhoub, os capoeiras aparecem como “clientes da violência” – não somente física como trata Líbano Soares141, mas como clientes de uma violência simbólica construída ao longo de anos de cativeiro, perpetrada naquela sociedade paternalista a qual Chalhoub faz referência. A capoeira fazia com que seus praticantes operassem fluidamente entre os polos de “agentes e clientes da violência”, relativos estes ao momento da “onda de repressão”142 vigente, e dessa forma, ao transgredir a ordem de dominação em voga, desestabilizava e colocava os clientes das violências, na outra ponta da estrutura de dominação, sob a função de agentes das violências, o que não poderia ser visto com

138

Idem. Idem. p.96. Idem. Idem. p. 99. 140 Idem. 141 Cf. SOARES, 1993. p.392 142 A perseguição policial movida contra as maltas de capoeiras durante os governos do Segundo Reinado podem ser comparadas a uma sucessão de ondas, que se seguem depois de longos tempos de calmaria. Este perfil pode ser inicialmente entendido como resultante da rede de relações que a capoeira construiu, durante décadas, com o aparato policia1-mi1itar e com as elites políticas do Império. Esta simbiose, contraditória e complexa, que tentaremos entender em toda a sua magnitude, explica o duplo caráter das vagas repressivas lançadas contra as maltas, as vezes buscando realmente eliminar a capoeira como prática criminal, outras vezes pretendo simplesmente aliciá-los como aliados ocasionais de interesses políticos. Cf. SOARES, 1993. p. 353- 354. 139

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bons olhos para os que se valiam positivamente da estrutura de dominação paternalista da segunda metade do XIX. Nesse sentido, a formulação de Lélio como homem de seus cinquenta anos, que há relativamente pouco tempo “depoz” sua carreira de chefe burocrata da e sua “philosophia braz cubica”, é observadamente complementar à reprodução do discurso das estruturas de dominação paternalista as quais podem se fazer presentes em suas crônicas. Mesmo a questão de Lélio assumir, nos finais de semana, as crônicas de Decio na coluna “Balas de Estalo”, também pode ser avistada como a construção de uma qualidade de Lélio, uma vez que quando retomamos o discurso de dominação da época, a vadiação era considerada uma “doença moral”, cuja a cura seria o trabalho. Portanto o oposto disso, o trabalho, mesmo quando era cabido descanso, pode ser observado como a construção de uma virtude de Lélio. Por conseguinte, o aparecimento da capoeira como um problema para os viventes da época pode se tratar de uma referência ao perigo o qual a capoeira – principalmente quando passam a ser parte do aparelho repressivo do Estado Monárquico143 – representava para as classes que encontravam uma voz no exagero e na jocosidade de Lélio, sem contudo, compreender que poderia se tratar de uma crítica à essas estruturas de dominação, isso seguindo a proposta de análise de Chalhoub.

3.2 – Explicitando os alvos da “Bala” Machadiana: Pintando os alvos de Lélio. [...]os tempos mudaram. Veio o movimento político, que deslocou a atenção. Veio a imprensa jornalística e a sua polêmica acerba, a morfina, o folhetim, a pedido, o romance. Veio o theatro, a mágica, o acréscimo da população. Veio o vapor, o tracto frequente e rapido com a Europa, collocar os dois continentes na situação de vasos de liquidos comunicantes que por fim se nivelam. Veio o bonde, a immensa, a maior força de transformação que já incidiu sobre essa cidade. Pouco a pouco foi esboroando-se a velha organização. Sentimentos, ideias, ações, pontos de vista, intuitos, foi tudo mudando com maior

143

A capoeira faz- se presente como parte do aparelho repressivo do estado mesmo antes da institucionalização da Guarda Negra da Redentora – a qual só foi criada e institucionalizada após a assinatura da Lei Áurea –, o que pode ficar explicito na questão já apresentada nos capítulos anteriores da repressão dos capoeiras aos meetings e comícios republicanos. Ver: Melo, op. Cit. p. 30.

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ou menor lentidão[...]. (Mercutio. Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 03-04-1883)

O trecho acima trata de uma crônica na qual Mercutio, pseudônimo de um dos autores da coluna “Balas de Estalo”, para elaborar uma crítica à questão da perda de fiéis por parte da igreja católica, primeiro trata do ritmo diferente que as coisas parecem estar apresentando, tudo parece mais rápido. O que fica implícito na narrativa seria que tal rapidez seria uma das consequências das ações as quais tinham a finalidade de “collocar os dois continentes na situação de vasos de líquidos comunicantes que por fim se nivelam”, em outras palavras, a modernização. Podemos afirmar que uma das questões expostas na narrativa de Mercutio é a mudança no trato dos homens com o tempo, o que de certa forma também fica explicito em determinado ponto da narrativa de Lélio acerca das ações da capoeira: [...] Capoeira é homem. Um dos característicos do homem é viver com o seu tempo. Ora, o nosso tempo (nosso e do capoeira) padece de uma cousa que podemos chamar – erotismo de publicidade. [...] basta andar na aldeia sem ver as casas, para reconhecer que nunca esta espécie de affecção chegou ao grau em que a vemos. [...] Lélio (Machado de Assis). Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 14-03-1885

No trecho acima, extraído da primeira citação do capítulo, Lélio constrói uma questão interessante quando pensamos o norte de análise como sendo a crítica à capoeira, uma vez que os capoeiras se situavam à margem daquela sociedade que os punha, nas palavras de Líbano Soares, entre “clientes e agentes” da violência urbana. Havia de se construir a proximidade não somente com o leitor, mas com o problema – a capoeira – para que a crítica fosse pertinente. A capoeira somente passa a ser um problema quando ela não se comporta – no sentido de não caber, não se encaixar – nos moldes da sociedade a qual, segundo Chalhoub, exerce uma dominação notadamente paternalista144, pelo contrário, ela representava a possibilidade de transgredir a ordem repressiva e de dominação paternalista da sociedade. Daí, transgredir a própria noção de trato com o tempo dos extratos sociais os quais se situavam como gestores da ordem repressiva de dominação paternalista.

144

CHALHOUB, 1998, op. cit. p. 95-96.

58

Luís Sérgio Dias propõe que o ritmo das ruas era ditado pela “movimentação predominante de escravos ao ganho e de aluguel”, os quais impunham um ritmo com seu “trote” acompanhado por um “canto monótono”. Tal ritmo – antes dos bondes – somente era quebrado pelas “correrias surpreendentes” da capoeira.145 Quando levamos mais adiante a proposta de pensar a capoeira como um marco referencial temporal nas ruas do Rio de Janeiro em contraposição ao bonde, podemos elaborar ainda outro sentido o qual fazia a capoeira não se “comportar” como proposto pela estrutura de dominação da sociedade na segunda metade do século XIX. Com as observações de Mercutio, podemos tratar o bonde como pertencente ao campo das ações as quais tratam de ligar e equiparar o Brasil à alguns países da Europa. Em contraponto, temos a capoeira e o escravismo, o ultimo junto do Estado monárquico desde seus primórdios no Brasil. A capoeira, passa a ser aliciada sistemicamente para sustentar as bases da monarquia em declínio, principalmente após a volta dos que serviram na Guerra do Paraguai. Além de serem partes integrantes e fundamentais à sustentação do Estado Monárquico e de seus apoiadores, sobretudo na segunda metade do XIX, por esta relação, estavam atrasados necessariamente ao atraso, ao retrocesso que a monarquia representava aos olhos dos modernistas, intelectuais e outras classes que comungavam com a ideia do avanço representado pelo advento da República. Portanto, ao tempo em que Lélio escreve sua crônica, a rua já não é mais o palco da movimentação dos escravos, da correria dos capoeiras, o bonde abre espaço para que outros mais povoem as ruas e vielas da cidade do Rio de Janeiro, dentre os quais, uma massa de intelectuais a ocupar ainda certa margem na literatura, tanto ficcional quando jornalística, da época. A rua passa a ser o lugar do contraponto da violência e das disputas físicas, passa a ser o lugar da disputa de ideias146, por isso, nenhum palco seria melhor concebível para os conflitos entre o “modernismo e o retrocesso”, republicanos e capoeiras, do que a rua e, pela rua, era inviável vencer esta querela.

145

Cf. DIAS, op. cit. p. 23. MELLO, Maria Tereza Chaves de. A República Consentida: cultura democrática e científica do final do Império. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV/Edur/anpuh, 2007. 12; 29-30

146

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A questão pode ser explicitada mediante alguns dados históricos. Como dito na fonte e no capítulo anterior, há um notável excesso de publicidade para as ações dos capoeiras por parte dos periódicos da época, ação compreensível uma vez que, segundo grande parte desses periódicos, há constantes ações violentas de capoeiras e de suas maltas nas ruas da cidade. Todavia, há um “porém” nessa afirmativa, a questão da generalização: [...] O que é capoeira, o que é capoeiragem? Eu já fui, nesta cidade, autoridade policial três anos, e duvidaria afirmar, como testemunha, em um processo, que tal gesto, tal meneio ou agilidade constitui ato de capoeiragem. Se há palavra de sentido vago, indefinido, lato, pelo abuso que dela se faz, é o termo – capoeira. [...] Não há hoje desordeiro, faquista, perverso, criminoso por ferimentos ou assassino, que não seja um capoeira; é um modo de dizer, é uma locução que se tomou vulgar e que está na linguagem do 147 povo, direi mesmo da polícia.

O trecho acima foi retirado dos anais da Câmara dos Deputados do ano de 1887. O debate posto no momento da citação era de como legislar a capoeira como crime, enquanto um dos deputados – Ratisbona – defendia veementemente um projeto de lei proposto pelo ministro da justiça. Tal projeto criminalizava, em todo o território Brasileiro148, o “exercício de agilidade com o fim de fazer mal”149, a capoeira. Outro deputado – Álvaro Caminha que diz ter sido autoridade policial na cidade do Rio de Janeiro por um período de três anos – defende a não criminalização sob pena de propor uma generalização a qual acabaria sendo prejudicial aos pacíficos e inofensivos, dentre os quais, os menores aprendizes da capoeira que iam à frente dos cortejos150. O questionamento de Álvaro Caminha se desenvolve em favor de uma regulamentação da ação coercitiva e repressiva em relação à a formação de coletivos,

147

ANAIS do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. 1887, tomo V, sessão de 5 de setembro de 1887. p. 19 -20. [Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/30100#. Acesso em: 08-10-2016] 148 Nos anais há outro importante debate para além da questão da criminalização da capoeira. Há uma notória preocupação em se definir a capoeira como manifestação de um local específico, no caso, na Cidade do Rio de Janeiro, o que é chamado de “Município Neutro” na fonte. E sendo manifestação de um ou poucos mais locais específicos, não havia necessidade de se legislar no âmbito da totalidade do território, cabendo então a legislação delegar poderes às câmaras municipais para que legislassem em favor de sanar o problema da capoera. Ver páginas 20-25 dos Anais do parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. 1887, tomo V, sessão de 5 de setembro de 1887. p. 20-25. 149 ANAIS, Idem. p. 22. 150 Idem, Idem. p. 21.

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tanto de capoeiras quanto de gatunos151, e não dos “exercícios de agilidade”, que poderiam ser enquadrados como capoeira. É importante que sejam ressaltadas algumas questões acerca da fonte. Primeiramente, o fato de a coerção à capoeira circular como assunto na câmara dos deputados somente ratifica o incômodo causado pelas ações das maltas de capoeira. Um segundo fator ao qual deve se atentar é o ano em que se deram esses debates na câmara: 1887, ou seja, dois anos após a escrita da crônica machadiana. Contudo, salienta que, apesar da proposição de que fossem tomadas medidas coercitivas e repressivas acerca das ações dos capoeiras, considerava-se necessária uma legislação específica para regular sua repressão, ainda nos anos de monarquia. A repressão da capoeira nos anos de monarquia nos trazem a partir da discussão exposta no parágrafo anterior uma proposta de análise interessante. Ao contrário do que pode se afirmar com a institucionalização da Guarda Negra da Redentora como parte do aparelho repressivo do Estado Monárquico, uma postura favorável à capoeiragem por parte do regime monárquico, a repressão da capoeira não foi restrita aos anos de República, haviam políticos já nos tempos de monarquia que eram contra, não somente a formação das maltas, mas à pratica da capoeira em si; o que fica explicito nos anais quando se busca com um projeto de lei criminalizar os “exercícios públicos de agilidade e destreza corporal com o fim de fazer mal”.152 Se a crônica de Lélio, em 1885 propunha que fosse trancada a imprensa às “valentias da capoeiragem” no Rio de Janeiro e em 1887 a Câmara Municipal discutia as formas legais de criminalização e repressão da capoeira, podemos supor que as tentativas de suprimir a prática da capoeira foram, durante o período monárquico, relativamente ineficazes. Certamente uma ou outra tentativa acaba sendo eficiente, ao menos temporariamente. Dias nos traz o dado de que no ano de 1884 cerca de 1200 capoeiras teriam sido presos e muitos destes haviam sidos obrigados a assentar praça como voluntários153, sem explicitar se no exército ou na marinha. Como demonstrou Álvaro 151

Idem, Idem. p. 22 ANAIS do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. 1887, tomo V, sessão de 5 de setembro de 1887. p. 19 -20 153 DIAS, op. cit. p. 115. 152

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Pereira do Nascimento154, ao tratar do recrutamento forçado de capoeiras ao longo do século XIX para servir à Marinha Imperial, havia, com frequência, grandes conflitos entre marinheiros e policiais nas áreas próximas ao cais do porto. Essa falta de eficácia da repressão à capoeira por parte do Estado teria que deixar rastros na história. O próprio Lélio analisa assim a dissolução da guarda urbana em 1885: Agora, principalmente, que a guarda urbana foi dissolvida, entregando ontem os rifles, receiam alguns que haja uma explosão de capoeiragem (só para os moer), enquanto que outros creem que a substituição da guarda é bastante para fazer recuar os maus e tranquilizar os bons. Hão de perdoar-me: eu estou antes com o receio do que com a esperança, não tanto porque acredite na explosão referida, como porque desejo vender a minha droga. Pode ser que haja nesta confissão uma ou duas gramas de cinismo; mas o cinismo, que a sinceridade dos patifes, pode contaminar uma consciência reta, pura e elevada, do mesmo modo que o bicho pode roer os mais sublimes livros do mundo. Lélio (Machado de Assis). Balas de Estalo. In. Gazeta de Notícias. 14-03-1885.

Mesmo sob “uma ou duas gramas de cinismo”, Lélio trata em determinado ponto de sua narrativa da dissolução da Guarda Urbana e do temor de “uma explosão de capoeiragem”, dizendo que está antes com receio do que esperançoso, uma vez que deseja “vender sua droga”, seu remédio contra os capoeiras. É interessante observar o trato satírico dado por Lélio com a possibilidade de substituição da Guarda Urbana, uma vez que, ao que parece, percebendo-a como uma possível solução ao mal da capoeira o qual ele trata na crônica. A coluna Chronica da Semana, publicada periodicamente aos domingos pela Gazeta de Notícias logo em sua primeira página, em 15 de março de 1883, comenta a dissolução da Guarda e faz duras críticas à coorporação: Neste momento a população do município neutro, tranquila e sossegada, profere o requieseat in pace sobre a sepultura ainda quente da finada guarda urbana. Nem uma palavra de agradecimento ou de boa recordação; nada para disfarçar o alívio do neutro município ao ver desaparecer o chanfralho do urbano da esquina. [...]Também o Sr. Chefe de polícia julgou prudente [...] trancar os livros que poderiam conter boa caligrafia, porém péssimos relatórios. De sorte que, exceção feita da ordem do dia do comandante da exguarda urbana, [...] cuja existência teve dois traços característicos: ser 154

NASCIMENTO, op. cit. p. 90-95.

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recolhida a quartéis todas as vezes em que se esperava movimento na cidade; esbordoar a valor todos os bêbados que encontrava caídos sobre as calçadas das ruas. Terminou o reinado da blusa de brim [...], e o pessoal escolhido entra no caminho da posteridade, não a correr como quando fugia diante dos marinheiros nacionais ou estrangeiros [...]; Casos há porém em que nos há de fazer falta a guarda urbana – pois que era a taboa de bater roupa para nós os que escrevinhamos, e era um armazém de pancadas – para os capoeiras em exercício. (Não consta autoria. Chronica da Semana. In. Gazeta de Notícias. 15-03-1885)

Além da explícita crítica à Guarda, salientando sua conduta vexatória até mesmo no acesso aos registros de suas ações, o trecho acima salienta as ausências em momentos de necessidade, o que, quando referente aos capoeiras e marinheiros nacionais, pode facilmente ser articulado com o que Líbano trata como as “ondas de repressão”. Se na perspectiva do articulista da Chronica da Semana a guarda urbana somente servia para espancar bêbados, fugir dos marinheiros e produzir material para a crítica dos jornalistas, no dia anterior, a “ordem do dia” do Major apresentou um contraponto ao defender a corporação: “Na presente ocasião, este comando tem necessidade de significar a cada um dos oficiais e praças deste corpo [...] porque em todos tem encontrado solidariedade de vistas para o bom desempenho de múltiplos deveres. Este comando pela ultima vez que se dirige a este corpo, [...] dá parabéns a fortuna, por ter comandado um grupo composto de tão dignos cidadãos, cujos serviços a causa pública não podem ser olvidados. As imputações desfavoráveis que se tem feito a este corpo, não conseguem sufocar na consciência deste comando uma justa revolta, porque elas não tem sido justas; porque elas saltam por cima de tantos atos de dedicação, probabilidade e heroísmo, praticados pelo pessoal deste corpo, cuja história subsistirá muda no respectivo arquivo, até que o tempo, juiz austero e sempre seguro, confirme a sua condenação ou proclame sua absolvição[...].” Major Neltenio, Coluna de Reclamações. In. Gazeta de Notícias. 14-03-1885

Devemos prestar atenção a alguns fatores da fonte. Primeiramente, como uma introdução à nota do Major da Guarda, o redator trata que teria recebido a tal nota havia dois dias e foi publicada na mesma data do texto da coluna “Balas de Estalo”, escrita por Lélio, aqui analisada. A coluna “reclamações” recebia, em geral, um grande número de pedidos, mesmo que na crônica ela seja tratada como “ordem do dia”. Levando em consideração o histórico satírico de “Balas de Estalo”, podemos propor que tal

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“coincidência”, tratava-se na verdade de uma possibilidade de responder à reclamação do Major da Guarda e salientar a ineficácia da Guarda em suprimir as ações dos capoeiras ao longo da existência da Guarda. Ao passo que o Major tratou, em seu texto, como “desfavoráveis” as críticas postas à Guarda, a Chronica da Semana e a “Bala de Estalo” no mesmo dia de publicação ressaltou a conduta vexatória diante dos “males” daquela sociedade, sobretudo diante das ações da capoeira. Enquanto os tais “atos de dedicação, probabilidade e heroísmo” somente se davam com os bêbados, menos favorecidos e afins. Segundo Líbano Soares, A Guarda Urbana teria sido criada em 1866 com a missão de “manter a ordem nas freguesias mais centrais da cidade”155, os alvos preferenciais da repressão tratavam-se de vadios, sobretudo mestiços a habitar livremente as ruas do Rio de Janeiro. Com a volta dos soldados e militares de baixa patente da Guerra do Paraguai na década de 1870, o foco da vigilância foi deslocado para estes por sua constante presença em conflitos com policiais nas ruas. O que justificaria o conflito entre as partes, assim como o notório desprezo dos egressos da Guerra do Paraguai para com os policias e guardas, ainda segundo Líbano Soares, devia-se à origem social e forma de recrutamento a qual muitos foram conduzidos, mesmo que à contragosto, aos corpos militares e consequentemente à guerra.156 Todavia, a incapacidade em reprimir a capoeira somente teria se dado após A lei 2033, de 20/09/1871 [...] (que) em seu artigo 13, modificou a prisão preventiva no caso de crime; afiançável, retirando sua prerrogativa da autoridade policial para o juiz competente[...]. Na prática, a nova legislação anulava o poder da autoridade policial em decretar a prisão dos suspeitos na grande maioria dos crimes ocorridos, que eram ferimentos e pequenos furtos, transferindo esta competência ao poder judiciário[...]. Todos os chefes de Polícia após 1871 foram unânimes, em seus relatórios, na condenação desta medida [...] que concentrava o poder de prisão em uma estrutura jurídica 157 arcaica e lenta.

155

SOARES, op. cit. 1993. p. 371. SOARES, Idem. p. 371-372. 157 SOARES, Idem. p. 374. 156

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Tal proposição de Líbano acaba por sustentar a possibilidade de generalização e banalização do uso da palavra “capoeira” na segunda metade do XIX, uma vez que, ao se pensar no objeto de repressão, se pensava nos crimes cometidos por pessoas as quais, ao que parece, comumente eram atribuídas o fato de serem capoeiras. O que fica expresso mediante à esse quadro é que não somente a capoeira operava como um aparato informal de repressão do Estado Monárquico, foi legitimada pelo mesmo Estado que buscou reprimi-la durante a primeira metade do século XIX. Dessa forma, quando retomamos o argumento de Lélio acerca de um dos males de seu tempo – e dos capoeiras – o do erotismo da publicidade, fica explicito que não se trata somente de capoeiras, ou de literatos que buscavam eternizar seus nomes através de textos publicados em jornais. Lélio, numa das chaves de entendimento possíveis de sua crítica na crônica, para além de cooperar com o desmanche simbólico das instituições do Estado monárquico, no presente caso a Guarda Urbana– mas, sobretudo, a capoeiragem. Ele elabora como o alvo de sua “bala” a possibilidade de legitimação, por parte do estado, da violência urbana, principalmente quando era operada pelos capoeiras para com a população branca, não imigrante, com possibilidade de acesso ao letramento e às letras, mas sobretudo os simpatizantes da República – mesmo que essa simpatia fosse conquistada/ construída através do desmanche simbólico das instituições do estado monárquico ou futuramente no 14 de maio de 1888. E Lélio foi ainda além, questionava o lugar e a publicidade que tais ações ganhavam nos jornais e periódicos de sua época.

Considerações finais Talvez uma das maiores questões a se apresentar no decorrer do trabalho tenha sido a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de elaborar fronteiras as quais possam distinguir Machado de Assis de seu pseudônimo, Lélio caminho argumentativo o qual optei por não adentrar na monografia. Para tanto, como premissa de análise, adotei a autoria do conteúdo da crônica à Lélio, sem, contudo, excluir completamente a influência de Machado na elaboração deste.

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Durante a pesquisa, muitas vezes havia possibilidade de se avistar Machado como muito próximo à Lélio, levando em conta os acontecimentos históricos da época, como uma maneira de escrever determinados conteúdos sem maiores preocupações. Todavia, da mesma forma ao levarmos outros autores e autoras que trabalham questões políticas ligadas às narrativas de Machado de Assis, não poderia ser descartada a possibilidade da formulação do conteúdo como algo feito para ser cabido a Lélio, um pseudônimo construído sob determinadas características próprias as quais o distanciavam de Machado. Por isso o meu esforço em trazer as questões relacionadas às ambiguidades da narrativa, procurando compreender a atribuição de sentidos variados ao conteúdo da crônica, procurando nos aproximar dos sentidos coevos a partir do contexto histórico em que se inseriam. Dessa forma, os conteúdos trazidos por Lélio, para nós e para seus contemporâneos, podem ser lidos sob diversas chaves de análise e possibilidades de interpretação. Nesta pesquisa visamos investigar outras possibilidades de análise documental acerca das narrativas sobre a capoeira do século XIX, pouco exploradas anteriormente. As fontes trazidas para o trabalho monográfico foram todas pensadas partindo do conteúdo da crônica Machadiana. A crônica em questão foi uma janela aberta a qual nos fez adentrar para um tempo de rasteiras, navalhas, tensões sociais, políticas e correrias pelas ruas do Rio de Janeiro as quais, cedo ou tarde mostravam algum envolvimento da capoeiragem. A narrativa machadiana tornou-se um fato, mas um norte de pesquisa a ser seguido futuramente com maior afinco. Não se tratou de relativizar o cenário de violência urbana ações, tanto de capoeiras quanto de outros indivíduos observados pela imprensa e por outros relatos sob a máscara de capoeiras, mas de observar sua atuação nas disputas políticas e em torno deles, entre o Império e a República. Lélio era representante de uma crítica satírica à extratos sociais da sociedade da época que poderiam ler o conteúdo elaborado por ele. Procuramos aqui, portanto, salientar aspectos da série Balas de Estalo, e que se mostraram desde a sua primeira edição, como a sátira e a crítica ambivalente às questões de seu tempo. Ainda acerca da crítica, é interessante notar que a mesma dificilmente se apresentava sobre um assunto em específico, mas se mostrava como fio 66

condutor de algo que se mostrava de suma importância social, ao menos para uma parcela do público leitor da Gazeta de Notícias. Dessa forma, a crítica desenvolvida por Lélio em sua crônica sobre a capoeira, perpassava por outros assuntos para tratar de seu objetivo: “trancar a imprensa às valentias da capoeira”. Lélio situava como parte do problema da propagação da violência urbana por via dos que ele trata por “capoeiras” a ineficácia da Guarda Urbana a qual, por decreto, havia sido dissolvida no dia anterior. A crônica machadiana nos abria a possibilidade de pensarmos a crítica à um alvo ainda maior. Levando em conta a conjuntura política da época e as ações, tanto da capoeira quanto dos instrumentos repressivos do estado, poderia estar se propondo uma crítica à estrutura a qual o Estado Monárquico teria não somente criado, mas corroborado para que tais ações de violência urbana acontecessem. Aqui é importante salientar que a mesma era operada não somente por sujeitos genericamente chamados de capoeiras ou por capoeiras de fato, mas pela Guarda Urbana e outros aparatos repressivos ligados formalmente ao estado. Por fim, poderíamos ir ainda além, propor que o alvo da Bala de Machado não seriam as estruturas do Estado Monárquico as quais fomentam a violência urbana exercida para com o extrato social o qual o pseudônimo de Machado, Lélio, seria constantemente afetado pelas ações dos capoeiras no Rio de Janeiro. O problema de Lélio poderia ser algo muito mais profundo, o excesso de publicidade das ações dos capoeiras o que poderia ser visto como uma questão de banalização da violência urbana. A construção da crônica de Lélio, mostra-se, assim, como uma narrativa construída de forma a abrir possibilidades de entendimento não excludentes denotam um ar mais fluido à analise e mostram que a análise históriaca pode ter muitas nuances.

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