\"Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo\" e \"Luvina\": Uma leitura da Ecocrítica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO GILBERTO CLEMENTINO DE OLIVEIRA NETO

“MONÓLOGO DE ISABEL VENDO CHOVER EM MACONDO” E “LUVINA”: UMA LEITURA DA ECOCRÍTICA

RECIFE 2016

Este trabalho tem como objetivo analisar, em dois casos específicos, como o meio-ambiente (de variadas formas) é capaz de exercer função narrativa primordial e mediar relações entre personagens de distintas matrizes epistêmicas. Tal intento se dará pelo uso dos fundamentos da Ecocrítica aplicados aos contos Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo, de Gabriel García Márquez, e Luvina, de Juan Rulfo, observando neles os aspectos oferecidos para uma perspectiva de leitura sob o prisma da já citada corrente teórica. Tomando como base a perspectiva de que o espaço Latino Americano e, por consequência, sua representação é um terreno de disputa política; de um confronto fundado na dificuldade em tornar verossímil uma realidade particular, pelo desencaixe entre a insuficiência de palavras dos vocabulários aos quais fomos impostos e a necessidade de representar nossa existência,1 observa-se, na literatura latino-americana, desde fins do século XIX e início do XX, uma tentativa de transformar uma certa vocação inata para o telurismo em instrumento para a afirmação de um discurso que se desprenda do ideal cartesiano da primazia da consciência individual e que consiga abarcar a multiplicidade epistêmica da relação homem-espaço. No esteio deste debate estão as chamadas Novelas de la tierra (na figura de escritores como José Eustasio Rivera, Jorge Isaacs, Romulo Gallegos, entre outros), que, embora ainda imbuídas de uma visão claramente romântica à moda europeia e quase mítica da natureza do continente, representaram um momento importante no decurso da caracterização da categoria do espaço na narrativa latino-americana. Importância reconhecida por escritores de gerações seguintes, como Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez.2 No momento seguinte, portanto, já estão García Márquez e Rulfo, os quais erigem de maneiras distintas uma natureza que, ainda mais independente e voluntariosa, é como um personagem efetivo, inventado por uma linguagem liberta da necessidade de caracterização realista, e capaz de lograr soluções espaciais que, embora dotadas de um enraizamento na experiência viva de quem conhece os velhos e persistentes problemas de sua origem, são capazes de suplantar a dificuldade das palavras pelo recurso da invenção de novos espaços narrativos. É o caso em Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo e em Luvina (cujas ações espelham os espaços de Macondo e Comala,3 os povoados prototípicos de cada “Un problema muy serio que nuestra realidad desmesurada plantea a la literatura, es de la insuficiencia de palabras.” (GARCÍA MÁRQUEZ, 1991, p. 125). (“Um problema muito sério que nossa realidade desmesurada apresenta à literatura é o da insuficiência de palavras” ; tradução nossa.) 2 Sobre essa herança, assim escreveu García Márquez (1991, p. 119), por exemplo: “Yo creo que esta gente removió muy bien la tierra para los que vinieron después pudiéramos sembrar más fácilmente”. (“Eu creio que essa gente removeu muito bem a terra para os que viemos depois pudéssemos semear mais facilmente”; tradução nossa.) 3 A referencia à relação íntima entre a atmosfera de San Juan de Luvina e Comala já foi desenvolvido por autores como Julio Ortega (“El evangelio de Juan Rulfo según Julio Ortega”), Katalin Kulin (“Luvina y Comala, dos caras de la misma realidad”) e Manuel Durán 1

autor). Analisemos, pois, a primeira das duas narrativas, e suas potencialidades para esta hipótese. “Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo” Essa narrativa faz parte do que pode ser concebido como “ciclo de Macondo”, isto é, uma série de contos e romances (incluindo alguns contos de “Os funerais da Mamãe Grande”, os romances ”A revoada” e “O veneno da madrugada”, e referências ao mesmo universo contidas em “A incrível e triste história da Cândida Erêndira e sua avó desalmada”, etc.) que descrevem ações passadas em Macondo, palco único do romance Cem anos de solidão, e por isso a interação entre os fatos descritos nas duas é fundamental para esta análise, uma vez que as ações do Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo são como microestruturas do episódio da longa chuva que assola Macondo durante quase cinco anos, modificando seu ambiente e as relações de seus habitantes. Quando, em Cem anos de solidão, chegam a companhia bananeira e a colônia de americanos que “Dotados de recursos que em outra época estavam reservados à Divina Providência, modificaram o regime das chuvas, apressaram o ciclo das colheitas, e tiraram o rio de onde sempre esteve [...]”,4 inicia-se um processo profundo de alteração do ambiente natural - além da imposição cultural violenta da episteme ocidentalizada nos costumes e nas relações políticoeconômicas de Macondo – o que irá culminar no episódio do massacre dos trabalhadores da companhia bananeira pelo exército. Logo depois de exterminados os grevistas (exceto José Arcadio Segundo, que professaria até a morte a verdade ignorada dos acontecimentos), começou a cair em Macondo um aguaceiro torrencial. O Sr. Brown, representante da companhia bananeira, então, condicionando a volta das atividades da companhia bananeira ao fim da chuva (“Quando estiar – disse. – enquanto durar a chuva suspendemos todas as atividades”),5 inadvertidamente, sentencia Macondo aos subsequentes anos de dilúvio. (McMurray [1995]6 observou o possível paralelo que se pode estabelecer entre o episódio da chuva em Cem anos de solidão e a narrativa do dilúvio bíblico.) Nesses dois casos, a chuva teria o papel de exercer a purificação da terra, como castigo pelo uso inapropriado de seus recursos e a violenta deformação de sua condição natural.

(“Juan Rulfo, cuentista: La verdad casi sospechosa”); o caso da ligação entre Cem anos de solidão e Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo é evidente. 4 GARCÍA MÁRQUEZ, 2000, p. 220. 5 GARCÍA MÁRQUEZ, 2000, p. 294. 6 “The hyperbolic rains in One hundred years of solitude […] reminds us of the purifying biblical flood […]” (MCMURRAY, 1995, p. 60). (“As chuvas hiperbólicas em Cem anos de solidão [...] nos fazem lembrar a purificadora enchente bíblica [...]”; tradução nossa.)

É precisamente nesse ambiente de “purificação através da água” no qual se desenvolve a trama de Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo. A agência da chuva sobre os sentidos dos personagens configura uma relação que corresponde ao que a Ecocrítica-material classifica como “agência-narrativa”, isto é, a maneira como o não-humano – sob a forma dos elementos ou de matérias inorgânicas – “[...] interact with each other and with the human dimension, producing configurations of meanings and discourses [...]”7 (IOVINO, 2015, p. 71). A chuva neste conto não é apenas a paisagem sobre a qual se desenvolvem as ações, inclusive porque estas estão restritas à descrição dos efeitos provocados pela chuva e à gradual confusão psicológica na qual os personagens humanos são postos. Tal percepção das faculdades interativas dos elementos, inseridas dentro do contexto epistemológico de Macondo, cuja cosmovisão tem caracteres de uma realidade inaugural, possibilita a percepção de interações marcadas pela separação pouco rígida entre as instâncias humanas e não-humanas, rompendo radicalmente com a perspectiva cartesiana, segundo a qual a consciência deve-se inferir a partir de si mesma, numa relação intrínseca e individual, o que, segundo Mignolo, “[...] sirve como fundamento teórico para la actitud dominadora del hombre europeo [neste caso, norte-americano] hacia dos tipos de ‘cosas’: la naturaleza y los seres humanos no-europeos”.8 Assim, a afirmação de Melquíades de que “As coisas têm vida própria [...], tudo é questão de despertar a sua alma”9 toma o sentido de uma máxima para a visão da Ecocrítica. Depois de despertada a alma da natureza, pois, o domingo de Macondo é assaltado pela chuva. Isabel, narradora autodiegética do conto, recebe-a primeiro com alegria (“Durante o resto da manhã minha madrasta e eu estivemos sentadas junto ao corrimão, alegres de que a chuva revitalizasse o alecrim e o nardo, sedentos nos canteiros, depois de sete meses de verão intenso, de pó abrasante”).10 Mas a alegria provocada pela surpresa e pela atmosfera benfazeja trazida pela chuva aos poucos vai causando as determinantes alterações de humor nos personagens. Ernesto Volkening (1967) assinala o incontornável papel que o clima exerce na obra de García Márquez: A todas luces, el arte narrativo de García Márquez se alimenta de una obsesión meteorológico-barométrica, manifiesta en la manera como aquel elemento cálido, húmedo, lúbrico o vaporoso penetra el tejido permeable de la narración, llena el espacio vacío que se extiende entre los personajes, los rodea de una especie de aura atmosférica y así se convierte en el “[...] interagem umas com as outras e com a dimensão humana, produzindo configurações de significados e discursos [...]”; tradução nossa. 8 “[...] serve como fundamento teórico para a atitude dominadora do homem europeu sobre dois tipos de ‘coisas’: a natureza e os seres humanos não-europeus”; tradução nossa. 9 GARCÍA MÁRQUEZ, 2000, p. 8. 10 GARCÍA MÁRQUEZ, 1974, p. 146. 7

medio unitivo, propio para crear la densidad peculiar del relato que nos tiene cautivos desde el principio hasta el fin (1967, p. 30-31).11 Na segunda-feira, então, Isabel vê-se amargurada pela constância da chuva, e começa a lhe perturbar a lembrança do marido; na terça-feira, a água já altera sensivelmente a rotina em sua casa: a temperatura que já “[...] não era fria nem quente; era uma temperatura de calafrio”12 atrapalha o pensamento, paralisando-o diante da força da chuva. Na quarta-feira, porém, é que o efeito da implacável constância da chuva começa a dobrar o ânimo dos personagens - “Na expressão dos homens [os empregados da casa], na própria diligência com que trabalhavam, percebia-se a crueldade da rebeldia frustrada, da forçosa e humilhante inferioridade sob a chuva”13 - e produzir uma sensação de vazio que sugere a Isabel uma possível inversão: enquanto a personagem começa a sentir-se transformada “[...] em uma pradaria desolada, semeada de algas e líquens, de fungos viscosos e moles, fecundada pela repugnante flora da umidade e das trevas”,14 sua descrição do aspecto da água assume qualidades próximas da antropomorfia: “[...] o chão coberto por uma superfície grossa de água viscosa e morta”.15 Aqui, portanto, a cosmovisão natural é capaz de conceber a ação dos elementos sob uma ótica diversa da racionalidade ocidentalizada, evidenciando, pela focalização específica de Isabel, o horizonte ideológico desta narração, onde a cultura (na forma da práxis cotidiana) é modificada radicalmente pelos eventos naturais, encetando um nivelamento dos papéis sociais dos personagens (WALTER, 2012): a “mendiga das terças-feiras”, Isabel (que pode ser vista, a partir dos dados oferecidos pela narrativa, como integrante de um estrato social minimamente de classe-média) e os empregados, todos têm sua autonomia reduzida ao que é permitido dentro do cenário cataclísmico produzido pela chuva, e igualados pela mesma situação de fragilidade diluvial. Mas a consequência mais radical da “condição sobrenatural”16 da atmosfera humana modificada pela chuva sobreveio quando, na quinta-feira, “A noção do tempo, transtornada desde o dia anterior, desapareceu por completo”,17 todos se tornaram

“A todas as luzes, a arte narrativa de García Márquez se alimenta de uma obsessão meteorológico-barométrica, manifesta na maneira como aquele elemento cálido, úmido, lúbrico ou vaporoso penetra o tecido permeável da narração, preenche o espaço vazio que se estende entre os personagens, rodeia-os de uma espécie de aura atmosférica e assim se converte no meio unitivo, próprio para criar a densidade peculiar do relato que nos têm cativos desde o princípio até o fim”; tradução nossa. 12 GARCÍA MÁRQUEZ, 1974, p. 149. 13 GARCÍA MÁRQUEZ, 1974, p. 151. 14 GARCÍA MÁRQUEZ, 1974, p. 151. 15 GARCÍA MÁRQUEZ, 1974, p. 151. 16 GARCÍA MÁRQUEZ, 1974, p. 152. 17 GARCÍA MÁRQUEZ, 1974, p. 153. 11

“corpos adiposos e improváveis”,18 os sentidos turvaram-se completamente, e Isabel pensou haver morrido diante do silêncio do estio. Segundo Mario Benedetti (1972), García Márquez ”[…] crea elementos de nivelación (el calor, la lluvia) para emparejar o medir seres y cosas”;19 em sua escritura, as palavras que medem as coisas e os seres, como bem definiu o autor, estão imbuídas pela conexão indissociável entre as instâncias humana e nãohumana que compõem o “inconsciente ecológico” (WALTER, 2012) de Macondo. No Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo, portanto, o encontro entre estas duas instâncias representa, seja como resposta da natureza à brutalização, seja como descrição dos efeitos humanos resultantes do desequilíbrio da ordem natural, uma configuração epistêmica de uma relação biótica profundamente interligada. Relação semelhante, em que a natureza produz “choques-epistêmicos”, pode ser observada em Luvina, de Juan Rulfo. “Luvina” Em Luvina, diferentemente do Monólogo de Isabel vendo chover em Macondo, não há rupturas. O clima, constante, molda a psicologia de seus habitantes segundo sua dinâmica própria. O que há de diferente é a percepção de um forâneo, representado pelo narrador-testemunha, sobre a geografia, a característica também quase antropomórfica do vento20 e a constituição epistêmica dos moradores da cidade: “Dizem os de Luvina que daqueles barrancos sobem os sonhos; mas eu a única coisa que vi subir foi o vento [...]”.21 Aqui, a brutalização é a do homem, numa atmosfera de permanente fatalismo motivada pela intermitência do vento. A percepção simbólico-poética dos moradores de Luvina é determinada pela aridez de sua geografia, e as relações humanas são também condicionadas por ela. As personagens que habitam Luvina são figuras espectrais, somente trazidas à vida em função de sua relação com o vento. Por isso, Luís Leal classifica o conto Luvina como um [...] cuento de ambiente, que se caracteriza por la poca importancia que se da a fabula, el poco relieve que se da a los personajes, la ausencia de un punto culminante y un desenlace sorpresivo y, sobre todo, la preponderancia que se da al ambiente, que eclipsa a los otros elementos del cuento, hasta

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GARCÍA MÁRQUEZ, 1974, p. 153. “[...] cria elementos de nivelação (o calor, a chuva) para emparelhar ou medir seres e coisas”; tradução nossa. BENEDETTI, 1972. 20 “Desce sobre Luvina agarrando-se às coisas como se as mordesse. [...] depois coça, como se tivesse unhas [...]”. RULFO, 1977, p. 168. 21 RULFO, 1977, p. 168. 19

el punto de convertirse en protagonista, en torno al cual se organiza el cuento (LEAL, 1974, p. 94).22 O contraste se estabelece na medida em que o narrador, dirigindo-se a um interlocutor anônimo (que irá mudar-se para Luvina em poucas horas), descreve a vida da cidade castigada pelo vento. Quando refere-se à cidade, a narrativa é marcada por um “lá”, em contraposição espaciotemporal ao “aqui” do primeiro plano diegético, a partir de onde o narrador descreve a lúgubre cidade que dá título ao conto. Sua descrição é constantemente permeada pelo “como se”, numa tentativa de abarcar pelo recurso da metáfora o inconcebível de uma realidade que não lhe parece verossímil. O narrador em questão conta a experiência do período em que viveu em Luvina com a profunda melancolia de quem foi afetado por um “choqueepistêmico”, isto é, o confronto entre duas visões opostas quanto aos pressupostos estruturais da realidade. Sua ida a Luvina fora motivada pelo ideal de levar seus conhecimentos à cidade isolada: “Nessa época eu tinha minha força. Estava cheio de ideias... O senhor sabe que a todos nós incutem ideias. E a gente vai carregando essa massa para moldá-la em todos os lugares. Mas em Luvina isso não deu certo”.23 O narrador refere-se à tentativa de moldar sua visão aos habitantes daquela cidade; não uma visão pessoal, mas a visão oficial do governo, pois fica claro que fora a Luvina sob instrução oficial - mas, como observa López García, “[...] la tristeza de Luvina constituye una entidad metafísica que oprime, sí, la razón” (2014, p. 5),24 e, por isso, o irredimível processo agônico produzido pelo vento está além do alcance da tentativa de imprimir à cosmovisão dos de Luvina os pretensos efeitos benéficos da razão ocidentalizada. Além disso, a relação dos habitantes de Luvina com o governo é de total descrença (“- Você diz que o Governo vai nos ajudar, professor? Você conhece o Governo?”).25 O motivo da recusa dos moradores de Luvina em abandonar a cidade demonstra também a sua relação peculiar com a morte e o tempo: É que lá o tempo é muito comprido. Ninguém faz a conta das horas, nem ninguém se preocupa com o amontoar dos anos. Os dias começam e acabam. Depois vem a noite. E só o dia e a noite, até o dia da morte, que para eles é uma esperança”.26

“[...] conto de ambiente, que se caracteriza pela pouca importância que se dá à fábula, o pouco relevo que se dá aos personagens, a ausência de um ponto culminante e um desenlace surpreendente e, sobretudo, a preponderância que se dá ao ambiente, que eclipsa aos outros elementos do conto, até o ponto de se converter em protagonista, em torno do qual se organiza o conto”; tradução nossa. 23 RULFO, 1977, p. 175. 24 “[...] a tristeza de Luvina constitui uma entidade metafísica que oprime, sim, a razão”; tradução nossa. 25 RULFO, 1977, p. 174. 26 RULFO, 1977, p. 173. 22

Os habitantes recusam-se a deixar para trás seus mortos, pois não querem deixá-los sozinhos; “aquilo é um purgatório. Um lugar moribundo onde até os cachorros já morreram e não há sequer quem ladre ao silêncio”.27 O narrador, finalmente, já prostrado pela bebida que consumiu durante o relato, cai num mutismo final, após revelar que Luvina havia acabado com ele. Pode-se inferir daí como a profunda divisão epistêmica que havia quando da chegada do narrador em Luvina foi a causa de um encontro violento de duas perspectivas de tal maneira opostas que o choque vivido fê-lo não poder mais habitar nenhuma das duas realidades, ficando entregue a um sensível estado de desgraça, consumido pela tristeza do vento de Luvina: “Eu diria que é o lugar onde se aninha a tristeza. [...] O vento que sopra por lá remexe nela, mas não a carrega nunca”.28 ... As duas histórias, assim, evidenciam o papel preponderante que a natureza é capaz de assumir dentro da economia narrativa, introduzindo-se como personagem atuante e reconfigurando relações de poder, disposições psicológicas, captadas sempre de acordo com as predisposições epistêmicas de cada cultura. Sob o ponto de vista da Ecocrítica, cuja intenção é de demonstrar como a natureza é, nas palavras de Barry (2009, p. 252): “[an] entity which affects us, and which we can affect, perhaps fatally, if we mistreat it”,29 estes dois exemplos, calcados na experiência latino-americana, incitam à apreensão da necessidade de uma tomada de posição moral e da introdução, no campo literário, de uma consciência quanto à importância de redefinir as relações de poder entre o homem (e os diversos outros afetados por sua reificação) (WALTER, 2012) e o mundo não-humano - com o qual compomos a totalidade da vida e do qual somos dependentes.

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RULFO, 1977, p. 175. RULFO, 1977, p. 170. 29 “[uma] entidade que nos afeta, e que nós podemos afetar, talvez fatalmente, se a maltratarmos”; tradução nossa. 28

REFERÊNCIAS

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