Monteiro Lobato e a Primeira República

July 22, 2017 | Autor: Enio Vieira | Categoria: História do Brasil, História e Literatura, Monteiro Lobato, Primeira República
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Descrição do Produto

"Universidade Nove de Julho – Uninove "
"Curso: História "
"Disciplina: História do Brasil III (2012-1) "
"Professor responsável: Geraldo José Alves "
" "
"Enio E. A. Vieira – RA: 911200134 – Turma 3º semestre – Período: "
"Noturno "
" "
"TEMÁTICA: HISTÓRIA E LITERATURA NA PRIMEIRA REPÚBLICA "
" "
"Problema Vital dos Jecas Tatus "
"Um apanhado da Primeira República pelo olhar de Monteiro Lobato "
" "
"Sobre o autor "
" "
"Não nos cabe aqui fazer uma biografia completa sobre Monteiro "
"Lobato. Porém, para um melhor entendimento de sua obra – e "
"consequentemente do período em que viveu –, é interessante termos "
"alguns aspectos de sua vida destacados, em especial aqueles que "
"influíram na sua escrita, e que são diretamente notados na obra "
"aqui analisada: Problema Vital. "Depois de Euclides da Cunha e Lima"
"Barreto, foi Monteiro Lobato quem melhor apontou as mazelas do "
"Brasil oligárquico da 1ª República" (cfme BOSI apud PASSIANI, 2003 "
"p. 20), e o estudo da sua vida e obra é importante para "
"especialistas, ou mesmo para curiosos, pois fornecem elementos que "
"ajudam "a entender uma parte da história cultural do Brasil" "
"(PASSIANI, 2003, p. 20). "
" "
"Na introdução da edição de 2010 de Problema Vital, Jeca Tatu e "
"outros contos, temos um texto introdutório que fala como esse "
""homem de múltiplas facetas [...] nascido em Taubaté [...] "
"extrapola o universo da literatura infanto-juvenil, gênero em que "
"foi pioneiro (______, 2010, p. 7)1. Nascido de uma família "que "
"viveu na pele a derrocada do Vale do Paraíba em decorrência da "
"crise da cultura do café na região" (PASSIANI, 2003, p. 110), "
"direcionou sua carreira ao intelectual, cursando Direito na "
"faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo (______, 2010, p. "
"7)1. Sobre o tempo de estudos em São Paulo, Passiani nos diz que: "
" "
"Frequentar a faculdade de direito permitiu a Lobato alcançar mais "
"do que o diploma de advogado: possibilitou complementar sua "
"formação literária, isto é, muniu Lobato de um capital intelectual "
"e simbólico importantíssimo para sua entrada posteriormente no "
"campo literário (PASSIANI, 2003, p. 113). "
" "
"Entrada essa que seria retardada pelo tempo que passou "
"administrando a fazenda de sua família em sua terra natal. No "
"entanto, esse tempo na fazenda Buquira também foi fundamental para "
"a formação de Lobato, já que foi lá que "passou a conviver com o "
"caipira diariamente, vendo-o com um olhar diferente daquelas suas "
"intuições literárias" (RODRIGUES, 2007, p. 72). Esse contato direto"
"com o caboclo ajudou Lobato a conhecer a realidade do campo "
"brasileiro, do homem comum e seus problemas, e levou o autor a "
"atacar frontalmente o romantismo, e sua descrição de caboclos "
"heroicos e fortes, que falseavam a realidade ao idealizar uma "
"figura quase mítica, sem nenhum apego ao mundo concreto, "
"atrapalhando, com isso o acesso aos "verdadeiros" problemas "
"nacionais (PASSIANI, 2003, p. 121). "
" "
"Esse ataque ao romantismo e coragem de denunciar as condições de "
"vida do meio rural causou diferentes reações, com muitos elogiando "
"seu "olhar arguto" e outros o acusando de antinacionalista "
"(PASSIANI, 2003, p. 122), acusação essa que o próprio Lobato se "
"defende ao se indagar se seria "falta de patriotismo fazer "
"diagnósticos claros", pois considera que o verdadeiro patriotismo "
"não está em disfarçar os problemas com receio de o "que pensará de "
"nós o estrangeiro", mas sim "desvendar as mazelas todas, "
"escarná-las sem nenhum pudor" (LOBATO, 2010, p. 59). "
" "
"Outro ponto importante da vida de Monteiro Lobato, que teve grande "
"influência na Primeira República, foi sua atuação como editor. Ao "
"adquirir a Revista do Brasil em 1918, "lançaria as bases da "
"indústria editorial no país [...], aliando qualidade gráfica a uma "
"agressiva rede de distribuição" (______, 2010, p. 7). Graças a tais"
"iniciativas é que "
" "
"Lobato, num certo sentido, dessacralizou o livro, desfez a aura que"
"o cercava e que o definia como um artigo de luxo, cujo usufruto era"
"restrito a uma pequeníssima parcela da população, alguns poucos "
""eleitos" que tinham acesso àquele totem. Lobato encarava o livro "
"como uma mercadoria – de primeira necessidade, é certo. E por isso "
"deveria estar na mesa e ser consumido pelo maior número possível de"
"brasileiros. (PASSIANI, 2003, p. 205). "
" "
"Portanto, estes aspectos aqui apontados: seu pertencimento a uma "
"família decadente da aristocracia cafeeira; seus estudos em São "
"Paulo; sua convivência direta com os caboclos enquanto cuidou da "
"fazenda de sua família; sua atuação como escritor militante e "
"editor inovador; (RODRIGUES, 2007, p. 83), são os aspectos que mais"
"se destacam, pelo menos no caso da obra a ser tratada aqui, que "
"merece algumas linhas gerais sobre sua importância. "
" "
"Sobre a obra "
" "
"Lançado em 1918, logo após adquirir a Revista do Brasil, Monteiro "
"Lobato lança seu segundo livro, Problema Vital. Diferentemente de "
"seu antecessor Urupês, Problema Vital "
" "
"não é um livro de contos, mas artigos e crônicas por meio das quais"
"torna-se o aliado de Belisário Pena e Artur Neiva na campanha pelo "
"saneamento no Brasil [...]. O mergulho na "realidade" do sertão "
"brasileiro, as vicissitudes que vive o sertanejo, o descaso em "
"relação às condições dos trabalhadores rurais, a miséria que exala "
"do sertão. De certa maneira, todos esses temas já estão presentes "
"nos artigos e contos publicados anteriormente, tornando evidente o "
"caráter social e militante da obra de Lobato. (PASSIANI, 2003, pp. "
"134-135). "
" "
"Problema Vital também é uma espécie de redenção para o autor. Isso "
"se deve ao fato de que, em seus escritos anteriores já aparecera "
"seu personagem mais consagrado, o Jeca Tatu, que praticamente "
"imortalizou o caboclo caipira "à imagem de um parasito predador das"
"propriedades rurais", como um trabalhador "indolente e nômade", de "
"baixo rendimento econômico. (RODRIGUES, 2007, p. 60). "
" "
"A caracterização mais famosa de Jeca Tatu seria a sua indolência e "
"incapacidade para o trabalho racional. Lobato o descreve como um "
"nômade, que trabalha o mínimo possível, somente o necessário para "
"que não ocorra o padecimento por fome (RODRIGUES, 2007, p. 64). "
" "
"Porém, com o avanço da medicina e das campanhas de saneamento, o "
"próprio Monteiro Lobato escreve que O caipira não "é" assim, ele "
""está" assim (LOBATO, 2010, p. 69). "
" "
"Se por um lado, o Jeca Tatu foi inicialmente retratado como um "
"fugitivo da civilização, representante de uma espécie cuja "
"indisposição ao trabalho era natural, por outro, essa interpretação"
"não subsistiu por muito tempo. Em consonância com os debates "
"higienistas, que se propagavam nos círculos intelectuais paulistas,"
"novos fatores para explicar a indolência e o nomadismo de Jeca Tatu"
"foram encontrados (RODRIGUES, 2007, p. 76). "
" "
"Por isso, Lobato procurou uma nova interpretação do caboclo "
"brasileiro. "O novo Jeca não é mais o parasita, mas sim parasitado."
"Explorado, roubado e sugado, agredido por bactérias, vírus e "
"protozoários, pelos fazendeiros, pelos políticos e pelo próprio "
"estado" (RODRIGUES, 2007, p. 80). Daí Monteiro Lobato buscar "
"desfazer a figura inicial do Jeca Tatu, nessa coletânea de artigos "
"jornalísticos que é Problema Vital. Essa tarefa de desconstrução da"
"imagem do caipira nacional não foi nada fácil, pois "mesmo quando "
"ele foi considerado um doente, infeccionado por micro-organismos, "
"sua representação no imaginário dos brasileiros continuou negativa""
"(RODRIGUES, 2007, p. 124). "
" "
"Trataremos agora da obra Problema Vital em si. Através de trechos "
"extraídos diretamente da obra de Monteiro Lobato, exploraremos o "
"que se pode entender do período em que este homem vivera; os "
"problemas que procurou combater, assim como as possíveis origens e "
"desenrolar desses problemas, considerando as limitações que um "
"trabalho como este pode apresentar, esperando um dia ter a "
"possibilidade de revisitá-lo e buscar fazer análises mais profundas"
"enquanto trabalho acadêmico. "
" "
"Os principais aspectos da Primeira República no olhar de Monteiro "
"Lobato "
" "
"Desorganizados pelo 13 de Maio e desprovidas de colonos italianos, "
"as ricas fazendas de outrora, em penúria de músculos, apelavam em "
"vão para os urumbevas ribeirinhos. O piraquara não dava de si "
"nenhum trabalho compensador, ainda quando armado da melhor boa "
"vontade. Não valem o que comem – dizia todo mundo (LOBATO, 2010, p."
"67). "
" "
"Braços! Braços! Há fome de braços. Um país de 25 milhões de "
"habitantes não consegue fornecer braços para a lavoura do café, "
"[...] o que obriga a lavoura ao ônus indireto de importar músculos "
"europeus, ou chins, ou japoneses – o que haja... (LOBATO, 2010, p. "
"36). "
" "
" "
"Essas duas passagens ilustram bem dois processos simultâneos e "
"intrinsecamente ligados que ocorriam em nosso país durante a "
"transição da Monarquia para a República: o fim da escravidão e a "
"suposta substituição da força de trabalho que aqui se encontrava – "
"o ex-escravo – pelos colonos europeus. Cláudio Batalha nos chama a "
"atenção para a famosa imagem que muitos de nós temos hoje da classe"
"operária na primeira República, de que ela era "branca, fabril e "
"masculina" e como cada um desses atributos falseia a realidade ao "
"seu modo (BATALHA, 2003, p. 164). A historiadora Emília Viotti da "
"Costa, em seu texto "Patriarcalismo e Patronagem: mitos sobre a "
"mulher no século XIX", afirma que após o fim da escravidão, houve "
"de fato uma diminuição das mulheres na força de trabalho, mas que "
"nos primeiros anos do século XX "um número cada vez maior de "
"mulheres começou a trabalhar em fábricas têxteis, onde elas "
"constituíam cerca de 80% da força de trabalho" (COSTA, 2010, p. "
"508). "
" "
"Considerando as afirmações acima de Monteiro Lobato, o primeiro "
"falseamento de suas afirmações viria da desorganização dos "
"fazendeiros pela Abolição. Se houve uma momentânea desorganização "
"do trabalho, ao se remover os entraves à entrada de imigrantes, as "
"zonas da lavoura em expansão cresceram, e o ritmo de "
"desenvolvimento econômico do país se acelerou. Ainda assim, as "
"condições de vida do trabalhador rural não mudaram muito, e os "
"preconceitos elaborados durante a escravidão permaneceram "
"inalterados (COSTA, 2010, p. 342). Tais preconceitos são "
"confirmados por Lobato pela generalização que os caipiras, chamados"
"aqui de "piraquaras", "não valem o que comem". "
" "
"Imigrantes europeus já estavam entrando no país em número crescente"
"desde o século XIX, mas a imigração cresceu com o fim da "
"escravidão. "Só o Estado de São Paulo recebeu [...] entre 1890 e "
"1901 cerca de setecentos mil colonos", segundo Emília Viotti. A "
"autora também aponta como a maioria desses imigrantes foi "
"encaminhada para as lavouras de café, em substituição aos escravos."
"No entanto, muitos desses imigrantes, "assim que puderam, "
"abandonaram as lavouras de café" voltando à sua pátria de origem ou"
"localizando-se em núcleos urbanos (COSTA, 2010, p. 254). "
" "
"Enquanto isso, a capital federal recebia um grande contingente de "
"imigrantes, chegando sua população a um crescimento de 68% nos "
"primeiros vinte anos do século XX. Porém, a cidade não estava "
"preparada para tal crescimento: "
" "
"O plano geral da cidade, de relevo acidentado e repontado de áreas "
"pantanosas, constituía obstáculo permanente à edificação de prédio "
"e residências, que desde pelo menos 1882 não acompanhavam a demanda"
"sempre crescente dos habitantes (SEVCENKO, 1995, p. 52). "
" "
"Ainda que durante o século XIX ocorrera no país muitas "
"transformações, elas "não foram de molde a alterar profundamente os"
"padrões tradicionais de urbanização" (COSTA, 2010, p. 236). Apesar "
"de toda a concentração urbana em algumas regiões, "o país continuou"
"essencialmente rural" sendo que em 1900, somente "quatro cidades "
"tinham mais de cem mil habitantes"2 (COSTA, 2012, p 268). No início"
"do século XX, essa urbanização "
" "
"em cidades dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais,"
"prédios particulares eram edificados sob influência de estilos "
"europeizados como o neoclássico e o art noveau. Essas influências "
"partiam da Europa e chegavam às grandes urbes brasileiras e, desses"
"novos pólos difusores, eram disseminadas para as cidades mais "
"afastadas (RODRIGUES, 2007, p. 34-35). "
" "
"O importante, na área central da cidade, era estar em dia com os "
"menores detalhes do cotidiano do Velho Mundo. E os navios europeus,"
"principalmente franceses, não traziam apenas os figurinos, o "
"mobiliário e as roupas, mas também as notícias sobre as peças e "
"livros mais em voga, [...], tudo enfim que fosse consumível por uma"
"sociedade altamente urbanizada e sedenta de modelos de prestígio "
"(SEVCENKO, 1995, p. 36). "
" "
"Monteiro Lobato, em especial no período em que escreveu os artigos "
"que compõe Problema Vital, se mostra contra essa excessiva "
"europeização dos padrões comportamentais brasileiros, e "se engaja "
"na defesa da arte nacional como contraponto à transposição dos "
"estilos europeus" (RODRIGUES, 2007, p. 41-42), pois para o autor, "
"havia coisas mais importantes com o que seu preocupar: "
" "
"Ah, se o Brasil que fala e pensa e age consagrasse ao estudo e "
"solução dos problemas internos um décimo das energias despendidas "
"em comentar os fatos europeus... "
"Mas é impossível isso. Não há tempo, nem é chique. (LOBATO, 2010, "
"p. 32). "
" "
"E quais eram esses problemas internos de que fala o autor? Ainda "
"que o crescimento urbano houvesse alterado as condições de vida "
"política, passando a população urbana a pesar nessa balança; ainda "
"que a urbanização e a industrialização trouxessem consigo novos "
"problemas e acentuassem as diferenças entre as várias regiões do "
"Brasil; ou que aumentasse o contraste entre zonas rurais e urbanas,"
"que causavam tensões nas esferas políticas e sociais (COSTA, 2010, "
"p. 426); as ideias de como promover melhorias ao nosso país, para "
"Lobato, se resumiam em, quase que exclusivamente, melhorias "
"sanitárias e higienistas: "
" "
"Programa patriótico, e mais que patriótico, humano, só há um: "
"sanear o Brasil. "
"Guerra com a Alemanha só há uma: sanear o Brasil. "
"Reforma eleitoral só há uma: sanear o Brasil. "
"Fomento da produção só há um: sanear o Brasil. "
"Campanha cívica só há uma: sanear o Brasil. "
"Serviço militar obrigatório só há um: sanear o Brasil (LOBATO, "
"2010, p. 38). "
" "
"Tal problema de saneamento nos é dado por Sevcenko, ao descrever a "
"insalubridade da capital federal, que era no início da Primeira "
"República "foco endêmico da varíola, tuberculose, malária, febre "
"tifoide, lepra, escarlatina e sobretudo da terrível febre amarela" "
"(SEVCENKO, 1995, p. 52). Porém, o principal problema que tais "
"doenças causavam, na visão da elite brasileira, era a constante "
"turbulência política, que intimidava os europeus. "
" "
"Era preciso pois findar com a imagem da cidade insalubre e "
"insegura, com uma enorme população de gente rude plantada bem no "
"seu âmago, vivendo no maior desconforto, imundície e promiscuidade "
"(SEVCENKO, 1995, pp. 28-29). "
" "
"Esse clima de transformações criou ainda a imagem de uma "
""tradicional preguiça", que era própria aos brasileiros. Por causa "
"de tal preguiça, a urbanização na capital federal, também chamada "
"de Regeneração, tinha como objetivo redimir o "estigma de "
"preguiçosos com que os estrangeiros açulavam". Para Monteiro "
"Lobato, no entanto, essa preguiça crônica era fruto não de fatores "
"deterministas, como o clima nos trópicos ou a mestiçagem, e sim, "
"das más condições de saúde do brasileiro em geral, em especial do "
"sertanejo: "
" "
"A nossa gente rural possui ótimas qualidades de resistência e "
"adaptação. É boa por índole, meiga e dócil. O pobre caipira é "
"positivamente um homem como o italiano, o português, o espanhol. "
"Mas é um homem em estado latente. "
"Possui dentro de si grande riqueza em forças. Mas força em estado "
"de possibilidade. "
"E é assim porque está amarrado pela ignorância e falta de "
"assistência às terríveis endemias que lhe depauperam o sangue, "
"caquetizam o corpo e atrofiam o espírito. "
"O caipira não "é" assim. "Está" assim. "
"Curado, recuperará o lugar a que faz jus no concerto etnológico "
"(LOBATO, 2010, p. 69). "
" "
"E ainda, o autor elogia a ação de Oswaldo Cruz e nos diz como "foi "
"grande coisa arrancar o Rio às unhas da febre amarela" (LOBATO, "
"2010, p.32,p. 63). Não obstante, combater essa febre amarela não "
"foi tarefa das mais fáceis, nem das mais pacíficas. Tal ação "
"ocorreu no governo de Rodrigues Alves, que logo ao tomar posse, "
"promoveu obras de saneamento e de reforma urbana, tendo como "
"diretor do serviço de Saúde, Oswaldo Cruz, que "
" "
"enfrentou, em primeiro lugar, a febre amarela [...]. Atacou a "
"doença por dois lados, pela extinção dos mosquitos e pelo "
"isolamento dos doentes em hospitais. Logo a seguir, voltou-se para "
"a peste bubônica, cujo combate exigia a exterminação de ratos e "
"pulgas, e a limpeza e desinfecção de ruas e casas (CARVALHO, 1987, "
"p. 93-94). "
" "
"O historiador José Murilo de Carvalho ainda nos diz como essa "
"desinfecção das casas, acarretava na visita de autoridades nas "
"áreas mais pobres, e isso "
" "
"perturbou a vida de milhares de pessoas, em especial os "
"proprietários das casas desapropriadas para a demolição, os "
"proprietários de casas de cômodos e cortiços anti-higiênicos, "
"obrigados a reforma-los ou demoli-los, e os inquilinos forçados a "
"receber os empregados da saúde pública, a sair das casas para "
"desinfecções, ou mesmo a abandonar a habitação quando condenada à "
"demolição (CARVALHO, 1987, p. 95). "
" "
"E para onde iam essas pessoas? Sevcenko escreve que, expulsos de "
"certas áreas da cidade, eram empurrados para as regiões mais "
"desvalorizadas capital federal, se refugiando "nos morros que "
"cercam a cidade, terras públicas inabitadas" (SEVCENKO, 1995, p. "
"57). "
" "
"Degradados social e moralmente, tanto quanto ao nível de vida, eram"
"virtualmente impossível contê-los quando explodiam em motins "
"espontâneos [...] quando o Regulamento da Vacina Obrigatória passou"
"a ser discutido e divulgado, a simples menção da invasão e "
"derrubada dos prédios anti-higiênicos e a manipulação dos corpos "
"por médicos e enfermeiros acompanhados de soldados foram o golpe de"
"misericórdia (SEVCENKO, 1995, p. 66). "
" "
"Ainda sobre a Revolta contra a Vacina Obrigatória, Nicolau Sevcenko"
"nos diz no texto introdutório do terceiro volume da História da "
"Vida Privada no Brasil como tal revolta é um dos "episódios menos "
"compreendidos da história recente do Brasil", já que as autoridades"
"e elites da época acreditaram que "as pessoas se revoltaram porque "
"na sua ignorância tinham medo e desconheciam o processo de "
"imunização pelas vacinas" (SEVCENKO, 1998, p. 24). Uma análise mais"
"profunda nos mostra que a Revolta contra a Vacina Obrigatória foi, "
"de fato, a gota d'água contra a rigidez do recém-adotado regime "
"republicano, que ao invés de ampliar a cidadania, decepcionou e "
"desanimou não só a população, como também os defensores do regime "
"(CARVALHO, 1987, p. 56). "
" "
"Nota-se nas consciências puras uma revolta geral contra a "
"degradação política do regime republicano (LOBATO, 2010, p. 51). "
" "
"Mas que outras razões trouxeram tanto descontentamento para a "
"população, em especial as de baixa renda? Um primeiro motivo seria "
"a já citada Regeneração, que recebeu das camadas populares o "
"sugestivo apelido de "O Bota-Abaixo". Se o nome já não fosse "
"sugestivo o suficiente, Sevcenko ainda diz que "a ditadura do "
"'bota-abaixo'" não previa "quaisquer indenizações para os "
"despejados e suas famílias" e nem sequer "tomou providência para "
"realoca-los" (SEVCENKO, 1998, p. 23). Se a tal Regeneração era "
"vista como uma ditadura, o mesmo se pode dizer das políticas "
"saneadoras fluminenses, já que "mesmo os que apoiavam a "
"obrigatoriedade (da vacina) se opuseram" contra a rigidez das leis "
"de obrigatoriedade (CARVALHO, 1987, p. 100). "
" "
"O inimigo não era a vacina em si, mas o governo, em particular as "
"forças de repressão do governo. Ao decretar a obrigatoriedade da "
"vacina pela maneira como o fizera, o governo violava o domínio "
"sagrado da liberdade individual e da honra pessoal. A ação do "
"governo significava tentativa de invasão de espaço até então "
"poupado pela ação pública (CARVALHO, 1987, p. 136). "
" "
"Muito mais poderia ser escrito sobre esse levante popular, mas para"
"os fins de um trabalho de dimensões como este, encerramos sobre a "
"Revolta contra a Vacina Obrigatória, mais uma vez nas palavras e "
"análise de José Murilo de Carvalho, que ao final de seu capítulo "
"inteiro dedicado a esta revolta na obra "Os Bestializados", escreve"
"que ela "permanece como exemplo quase único na história do país de "
"movimento popular de êxito baseado na defesa do direito dos "
"cidadãos de não serem arbitrariamente tratados pelo governo" "
"(CARVALHO, 1987, p. 139), direito esse que, gostaríamos de "
"acreditar, não fora esquecido pelo povo tupiniquim. "
" "
"Considerações finais "
" "
"Revisitar a obra de Lobato como adulto – e como historiador – foi "
"particularmente de um grande prazer como leitor, e enorme "
"aprendizagem como estudante de graduação de História. Especialmente"
"pelo revival que ocorre hoje das obras de Lobato, resgate esse "
"pelos motivos errados, sendo o autor criticado por pessoas que nem "
"se dão ao trabalho de ler sua obra, e deixar que o homem se defenda"
"com suas próprias palavras. "
" "
"Só tem direito à vida quem não mente às leis naturais, quem se "
"defende, quem luta. Se és inerme e não esboças gesto de defesa "
"contra mim, por que hei de privar-me de crescer e prosperar à tua "
"custa? Impede-me de estrangular-te, se podes; do contrário, "
"resigna-te (LOBATO, 2010, p. 54). "
" "
"E quem cresce a prospera à custa de análises supérfluas e "
"anacrônicas da obra de Lobato são justamente pessoas que o atacam "
"injustamente, que não procuram entender o autor por quem ele é: um "
"homem da Primeira República, representante das elites, e na minha "
"sincera opinião, um homem vanguardista em comparação ao que temos, "
"não só nas elites do início do século XX, mas até mesmo "
"comparando-o com as elites atuais. Acredito que cabe a academia não"
"se resignar e resgatar a obra deste homem, e dar-lhe a sua devida "
"importância, tanto no âmbito literário, quanto no de lutas sociais "
"que empreendeu. "
" "
"Termino esse trabalho acadêmico parafraseando o próprio Lobato, que"
"dizia que o Jeca não era um preguiçoso, estava um preguiçoso devido"
"às doenças que tinha. Em nossa sociedade que vê tudo que não é "
"politicamente correto como um grave defeito de moral, como "
"bullying, o mesmo pode se dizer de Lobato e sua obra. Monteiro "
"Lobato não foi racista, está racista. Quem sabe em um futuro "
"próximo uma sociedade menos retrógrada fará uma análise mais justa "
"deste homem, considerando seu tempo, espaço, e classe a qual "
"pertenceu. "
" "
"Mas é impossível isso. Não há tempo, nem é chique. "

Notas

1 Não há informações sobre quem escreveu a introdução da edição de 2010 de
Problema Vital, Jeca Tatu e outros textos da Editora Globo.
2 Emilia Viotti da Costa só cita duas dessa cidades: Rio de Janeiro e São
Paulo.

Bibliografia


BATALHA, Claudio H. M. Formação da classe operária e projetos de
identidade coletiva, in: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia A. N.
(org.) O Brasil Republicano I: O Tempo do Liberalismo Excludente.


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COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. –
9.ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2010.


LOBATO, Monteiro, 1882 – 1948. Problema vital, Jeca Tatu e outros textos
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PASSIANI, Enio. Na trilha do Jeca: Monteiro Lobato e a formação do campo
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RODRIGUES, D. O. Jeca Tatu e u urbe maravilhosa. Campo, cidade e
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2007.


SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação
cultural na Primeira República. SP: Brasiliense, 1995.


SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do
progresso, in: SEVCENKO, N. (org.). História da Vida Privada no Brasil
(v. 3). – São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
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