MORAL CRISTÃ E VIOLÊNCIA GUERREIRA NO LIVRO DA ORDEM DE CAVALARIA DE RAMÓN LULL

June 12, 2017 | Autor: Daniel Ramos | Categoria: Ramon Llull, Conversão religiosa, As Cruzadas, Las Cruzadas, Cavalaria, Ordens Monásticas
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Moral cristã e violência guerreira no livro da ordem de cavalaria de Ramón
Llull



Daniel de Souza Ramos[1]

Resumo: Neste trabalho são abordados os temas da moral cristã e da
violência guerreira em "O livro da ordem de cavalaria" escrito pelo frade
franciscano catalão Ramón Llull. Este pensador que viveu no século XII
tinha como objetivo de vida converter os infiéis e expandir a fé cristã.
Quanto a isto era necessária a colaboração dos cavaleiros e para persuadi-
los, foi necessário a Llull prescrever a eles o que ele chamava de moral
cristã (algo difícil uma vez que os cavaleiros já eram dotados de uma moral
própria), controlar a violência guerreira e argumentar em favor do bom
funcionamento da ordem de cavalaria.

Palavras-Chave: Cavalaria, Moral Cristã, Violência Guerreira.

O presente trabalho tem por objetivo abordar os temas da moral cristã
e da violência guerreira no "Livro da Ordem de Cavalaria" de Ramón Llull.
Esta obra escrita entre 1279-1283 tinha por objetivo preparar os cavaleiros
para atuarem como defensores da fé católica e para converterem os infiéis
por meio de suas armas, assim eles ajudariam a expandir a cristandade.
Esta conversão dos infiéis era uma obsessão de Ramón Llull. Catalão,
pertencente à ordem terceira dos frades menores, escreveu diversas obras
com este fim, como por exemplo, "O Livro da Passagem", "O Livro do fim" e
"O Livro da Aquisição da Terra Santa". Nelas, Llull explica como os
cristãos deveriam se organizar e reconquistar as terras que um dia
pertenceram à cristandade. Lull acreditava que, caso os cavaleiros
adotassem a postura moral adequada, para ele a moral cristã, eles
exerceriam melhor sua função: isso porque, para Llull, a ordem da
cavalaria, bem como a ordem clerical ou monástica, existia para finalidades
soteriológicas e espirituais, neste caso a defesa e a expansão da fé por
meio do combate aos infiéis.
Neste trabalho, priorizo a cavalaria definida por Barthélemy em seu
livro "A cavalaria", a qual surge na Germânia antiga e modifica seus
costumes com o passar do tempo, apesar de manter aspectos de sua moral e
comportamento remanescentes deste tempo antigo[2], em oposição àquela
descrita por Flori em "La Caballeria", onde ele acredita que a cavalaria
aparece só após o fortalecimento dos senhores regionais por volta dos
séculos IX-X, sendo posterior ao fim do império carolíngio[3]. O motivo
desta escolha, foi a constatação de que traços da moral cavaleiresca do
século XIII surgiram bem antes dos séculos IX-X, como acredita Flori, o que
ficará evidente mais adiante. Quanto ao aspecto temporal e local da
cavalaria aqui retratada, ela é a cavalaria da França, da Normandia e da
Catalunha, no século XIII, inserida na época de ascensão dos reis e dos
grandes príncipes e imbuída de uma moral própria, na qual os cavaleiros
prezam muito a nobreza de coragem, as proezas individuais, as boas maneiras
e o respeito entre cavaleiros, o amor cortês e as atividades próprias
deles; como as justas, os torneios e as caças. Além disso, sua moral também
dizia respeito à maneira com que eles conduziam suas guerras: Eles evitavam
matar um inimigo de mesmo estrato social, ou seja, outro cavaleiro. Ao
invés disto, eles o faziam prisioneiro, o tratavam com cordialidade,
negociavam o resgate e algumas vezes tentavam transformá-lo em um futuro
aliado. Podemos perceber que esta moral foi construída ao longo do período
chamado de idade média, sendo muito influenciada pelos costumes surgidos na
Germânia antiga (como o gosto pela proeza individual e o respeito e boas
maneiras entre iguais) e pela leitura, no século XII, das Canções de Gesta
(onde se prezava mais a coragem e a proeza) e dos Romances Cavaleirescos
(onde se prezava o amor cortês e valores cristãos).
Voltemos à obra de Llull. Logo no prólogo de sua obra, que se
assemelha aos romances cavaleirescos dos séculos XII-XIII, Llull mostra sua
insatisfação com a cavalaria, a qual segundo ele encontra-se decadente, o
que pode ser comprovado pela seguinte passagem: "(...) este livro foi feito
para retornar a devoção, a lealdade e o ordenamento que o cavaleiro deve
ter em sua ordem" (RAMÓN LLULL, 1279-1283, p.3). Esta decadência pode ser
compreendida pelo fato dos Cavaleiros não se comportarem como queria Llull,
daí a necessidade destes cavaleiros adotarem uma moral que Llull julgava
cristã. Esta moral cristã proposta por ele, tinha o intuito de transformar
a Cavalaria em uma ordem espiritual: Llull associa as funções dos clérigos
e dos cavaleiros, que segundo ele são as mais nobres de todas, pois eles
são responsáveis pela defesa da fé e pela conversão dos infiéis; ele
prescreve aos cavaleiros sete virtudes que devem ser usadas para combater
os sete pecados: a fé, a esperança, a caridade, a justiça, a prudência, a
fortaleza e a temperança; ele exige aos cavaleiros que conciliem a sua
função com os dez mandamentos, com os sete sacramentos e com os catorzes
artigos que fundamentam a fé católica.
De fato os clérigos prescreviam isto a todos os cristãos, mas Llull é
enfático ao prescrever isto aos cavaleiros. Ele chega a escrever que os
cavaleiros que não agem desta maneira não merecem a cavalaria, ele exige
inclusive um exame minucioso do escudeiro que quer se tornar cavaleiro,
para que seja verificado se este possui algum grave vício que o
desqualifique da função. Isto comprova ainda mais a intenção de Llull em
aproximar clérigos e cavaleiros, pois processo semelhante a este era
realizado nas ordens religiosas antes da admissão de um novo frade, o qual
deveria provar que era bom católico. Ao prescrever as sete virtudes
citadas, fica evidente a vontade de Llull em transformar a cavalaria em
ordem espiritual: "Todo cavaleiro deve saber as sete virtudes que são raiz
e princípio de todos os bons costumes e são vias da glória celestial
perdurável" (RAMÓN LLULL, 1279-1283, p.23). Outra passagem que deixa
explícita a vontade de Lllull é quando ele prescreve aos cavaleiros a
virtude da Fortaleza quase como se falasse com clérigos, o que mostra ainda
mais a vontade dele em transformar os cavaleiros em verdadeiros ascetas:


"Fortaleza é virtude que está em nobre coragem
contra os sete pecados mortais: glutonia, luxúria,
avareza, preguiça, soberba, inveja e ira, que levam aos
tormentos infernais que não têm fim. Logo, cavaleiro que
vai por tais carreiras abandona a fortaleza onde a nobreza
de coração faz sua habitação e sua estada" (RAMÓN LLULL,
1279-1283,p.24).


Percebemos aqui, que para Lull os cavaleiros deveriam ser tão ascetas
quanto os monges, ele parece querer enquadrar toda a cavalaria nos moldes
das ordens religiosas guerreiras dos templários, hospitalários e
teutônicos, as quais vinham exercendo um importante papel na expansão da
cristandade, que era o objetivo de Llull.
O próprio Llull reconhece que, na prática, os cavaleiros de seu tempo
não se comportavam da maneira idealizada por ele. Ele chega a dizer que
muitos seriam expulsos da ordem caso o pecado da luxúria – vício mais
abominado por ele- fosse punido de maneira correta. Para que a cavalaria
adotasse a moral que ele desejava, Llull usou em sua obra argumentos
persuasivos. Um exemplo disso é quando Llull afirmou o seguinte: "(...)os
cavaleiros destes tempos não estão na ordem na qual eram os cavaleiros de
antes" (RAMÓN LLULL, 1279-1283,p.13). Parece que Llull teve a intenção de
remeter os cavaleiros a seus antepassados, aos quais ele julgava
possuidores desta moral cristã e a quem, segundo Barthélemy, os cavaleiros
queriam estar à altura. Os cavaleiros consideravam como seus antepassados
Carlos Magno, seu filho Luís, heróis guerreiros francos e até mesmo os
troianos[4]. Este argumento de Llull reforça o ponto de vista de Barthélemy
quanto às origens da cavalaria em tempos bem mais remotos que a época do
fortalecimento dos senhores regionais. Vale ressaltar também que além da
questão moral, remeter aos antepassados pode ter sido uma forma de Llull
persuadir os cavaleiros a participarem das cruzadas, já que Carlos Magno
havia combatido os infiéis (neste caso os "sarracenos" da península ibérica
e os germânicos pagãos da frísia e da saxônia), ou seja, tinha expandido a
cristandade, algo que os cavaleiros de seu tempo também deveriam fazer se
quisessem estar à altura dos seus antepassados.
Entretanto, é questionável se em algum momento no passado, a cavalaria
teve esta moral alegada por Llull. Os cavaleiros, como cristãos que são,
possuem algumas características desta moral cristã pretendida por Llull:
Muitas vezes eles eram piedosos com os inimigos vencidos, oravam e pediam
benção aos clérigos antes das batalhas, carregavam consigo estandartes de
santos protetores e relíquias sagradas (o que denota sua fé), faziam
doações às igrejas, peregrinações e penitências quando cometiam uma falta
grave. Alguns até se tornaram monges devido ao arrependimento e como
garantia de salvação, porém como ressaltou Barthélemy, a maioria fazia isto
apenas no leito de morte. Apesar destes traços de uma moral cristã, o que
predominou mesmo na cavalaria foi a sua moral própria, já descrita
resumidamente.
Mesmo desejoso de que os cavaleiros adotassem a moral cristã proposta
por ele, Llull era a favor de atividades relacionadas ao uso das armas, as
quais eram prezadas pela moral cavaleiresca. Estas atividades eram
defendidas por Llull, pois graças a elas os cavaleiros mantinham-se
habituados a guerrear, o que era essencial para o sucesso da conversão por
meio das armas:

"Cavalgar, justar, andar com armas, torneios,
esgrimir, caçar cervos, ursos, javalis, leões, e outras
coisas semelhantes a estas são ofício de cavaleiro; pois
por todas essas coisas se acostumam os cavaleiros a feitos
de armas e a manter a ordem de cavalaria. Ora, menosprezar
o costume e a usança disso pelo cavaleiro é desrespeitar a
ordem de cavalaria." (RAMÓN LLULL, 1279-1283, p.8)


Llull acusa o menosprezo destes costumes como uma falta de respeito,
pois muitos clérigos criticavam e condenavam os torneios e as justas, o que
colocava em risco o condicionamento dos guerreiros, algo essencial para a
luta contra os infiéis. Entretanto logo após defender estas práticas
cavaleirescas, Llull relembra aos cavaleiros que mesmo as exercendo, eles
não deveriam se esquecer das virtudes da alma, que compunham a moral cristã
e sem as quais não seriam indignos da ordem de cavalaria:


"Assim como todos estes usos acima ditos pertencem
ao cavaleiro quanto ao corpo, assim justiça, sabedoria,
caridade, lealdade, verdade, humildade, fortaleza,
esperança, esperteza e as outras virtudes semelhantes a
estas pertencem ao cavaleiro quanto à alma. E, por isso, o
cavaleiro que usa destas coisas que pertencem à ordem de
cavalaria quanto ao corpo, e não usa quanto à alma
daquelas virtudes que pertencem à cavalaria, não é amigo
da ordem de cavalaria, porque se o fosse, seguir-se-ia que
o corpo e a cavalaria juntos fossem contrários à alma e à
suas virtudes, e isso não é verdade." (RAMÓN LLULL, 1279-
1283, p.8)


Porém, existia um aspecto da moral cavaleiresca, que Llull precisava
modificar para alcançar seu objetivo: o respeito e as boas maneiras entre
iguais. Como vimos, os cavaleiros evitavam matar os de mesmo nível social
em batalha e eram respeitosos entre si. O problema era que isto não se
estendida apenas à cavalaria cristã, mas também à cavalaria muçulmana.
Segundo Barthélemy, os francos viam os sarracenos como adversários
valorosos, uma vez que eles não eram desleais em combate, e também
admiravam o seu equipamento de guerra. Não muito diferente dos francos, os
cavaleiros e cruzados dos séculos seguintes mantinham esta admiração pelos
turcos seljúcidas e outros povos seguidores do islã e, com exceção da
religião, não viam muita diferença entre eles e os "sarracenos".
Logicamente este comportamento era um risco ao desejo de Llull em
empreender uma conversão por meio das armas. Quanto a isto, ele pregava
como dever dos cavaleiros a defesa da fé e o combate aos infiéis, pois é
isto que tornava os cavaleiros tão nobres como os clérigos:


"Ofício de cavaleiro é manter e defender a santa fé
católica pela qual Deus, o Pai, enviou seu Filho para
encarnar na virgem gloriosa Nossa Senhora Santa Maria, e
para a fé ser honrada e multiplicada sofreu neste mundo
muitas afrontas e grande morte. Daí que, assim como nosso
senhor Deus elegeu clérigos para manter a Santa Fé com
escrituras e com provações necessárias, pregando aquela
aos infiéis com tão grande caridade que até a morte foi
por eles desejada, assim Deus elegeu cavaleiros que por
força das armas vençam e submetam os infiéis que cada dia
pugnam em destruir a Santa Igreja. Por isso, Deus honrou
neste mundo e no outro tais cavaleiros que são
mantenedores e defensores do ofício de Deus e da fé pela
qual nos havemos de salvar." (RAMÓN LLULL, 1279-1283, p.6
e p.7)


Como já foi dito, a cavalaria do século XIII é contemporânea à época
da ascensão dos reis e grandes príncipes, que ocorria desde o século XI na
França e na Normandia. Segundo Barthélemy, por volta do ano 1100 ocorre uma
mutação cavaleiresca: Os cavaleiros antes submetidos em relação homem a
homem com seus senhores, passam a estar submetidas aos príncipes e reis.
Além disso, por volta de 1100 os citadinos também se encontram em ascensão
nas cidades. Diante desta concorrência, os cavaleiros buscaram se
justificar: eles reforçam suas práticas e sua moral com o apoio dos
príncipes, e assim, se estabeleceram como uma classe distinta[5]. Flori
também percebe em sua obra, que de fato ocorreu um reforço do ideal
cavaleireso por volta do ano 1100. Ele também atribui isto a uma mutação,
só que neste caso a uma mutação no equipamento e no modo de combater dos
cavaleiros que se tornaram distintos dos da infantaria. Isso contribuiu com
que os cavaleiros se tornassem uma espécie de elite guerreira[6]. Quanto a
estas duas visões, a de Barthélemy se enquadra melhor no presente trabalho,
o que ficará evidente quando analisarmos o conceito de violência guerreira
na obra de Llull.
A violência guerreira no "Livro da ordem de cavalaria" é abordada de
duas formas. A primeira forma de violência aparece de forma explícita e diz
respeito à violência física, tanto aquela exercida a terceiros como aquela
exercida à própria integridade do cavaleiro. Sendo assim, qualquer ato
praticado pelos cavaleiros que fosse contrário à moral cristã defendida por
ele eram condenados e podem ser considerado como violência, como por
exemplo: a entrega aos vícios, matar os desamparados,saquear, trair,
mentir, praticar crueldade e roubar. De certa forma estas práticas eram
condenadas há muito tempo pela igreja, porém, como podemos ver na obra de
Barthélemy, existiam várias ressalvas como esta: "Eu não incendiarei casas
- jura o cavaleiro- salvo se eu encontrar aí um cavaleiro que seja meu
inimigo ou um ladrão (...)." (L'na mil et la paix de Dieu apud BARTHÉLEMY,
2010, p.192). Obviamente que ressalvas como estas serviam de pretexto para
os cavaleiros exercerem a violência e ir contra os preceitos da moral
cristã defendida por Llull, além de permitir a violência entre cristãos,
algo condenado por ele: "Cavaleiro que tem fé e não usa da fé e que é
contrário àqueles que mantêm a fé, é assim como o homem a quem Deus tem
dado a razão e usa de desrazão e de ignorância" (RAMÓN LLULL, 1279-1283,
p.7). Quanto a isto, ele direciona a violência guerreira para o combate aos
infiéis. O argumento usado por Llull é que assim como a indumentária dos
clérigos, as armas e o equipamento dos cavaleiros também possuem
significado que convém ao seu ofício. Desta forma, ele dá significados à
indumentária e ao armamento dos cavaleiros, relacionados à defesa e
expansão da fé cristã e à proteção contra os vícios contrários à moral
cristã:


"Ao cavaleiro é dada a espada, que é feita à
semelhança da cruz, para significar que assim como nosso
Senhor Jesus Cristo venceu a morte na cruz na qual
tínhamos caído pelo pecado de nosso pai Adão, assim o
cavaleiro deve vencer e destruir os inimigos da cruz com a
espada." (RAMÓN LLULL, 1279-1283, p.19).

"Cota de malha significa castelo e muro contra
vícios e faltas; porque assim como castelo e muro estão
contidos em volta para que homem não possa entrar, assim
cota de malha é encerrada por todas as partes e tampada
para que dê significado à nobre coragem de cavaleiro para
que não possa entrar nela traição nem orgulho nem
deslealdade nem nenhum outro vício." (RAMÓN LLULL, 1279-
1283, p.20).

A segunda forma de violência abordada por Llull encontrada de maneira
implícita no "Livro da ordem de cavalaria", seria aquela ocorrida quando os
cavaleiros ou seu senhor que também é cavaleiro, seja ele rei ou príncipe,
cometem atos contrários ao bom funcionamento da ordem da cavalaria. A
violência então aparece na obra de Llull como qualquer infração contra a
hierarquia da ordem e contra a própria existência da ordem. Podemos
observar isso nas seguintes passagens da obra de Llull:
"Ofício de cavaleiro é manter e defender o senhor terreno,
pois o rei, nem o príncipe, nem nenhum outro barão sem
ajuda poderia manter justiça em suas gentes; logo, se um
povo ou algum homem é contra o mandamento do rei ou do
príncipe, convém que os cavaleiros ajudem a seu senhor ...
Logo, o cavaleiro vil que antes ajuda o povo em detrimento
de seu senhor, ou que quer despossuir seu senhor, não
segue o ofício pelo qual é chamado cavaleiro." (RAMÓN
LLULL, 1279-1283, p.8).


"(...) o maldoso cavaleiro que não ajuda a seu
senhor terrenal contra outro príncipe, não pode ser
chamado cavaleiro, pois assim a cavalaria seria injuriosa
ao cavaleiro que combate até a morte por justiça e pelo
seu senhor." (RAMÓN LLULL, 1279-1283, p.9).


"Rei ou príncipe que destrói em si mesmo a ordem da
cavalaria, não somente destrói o cavaleiro que existe em
sua pessoa, como também os cavaleiros a ele submetidos; os
quais, pelo mau exemplo de seu senhor e para que sejam
admirados por ele, seguem seus ensinamentos perversos e
fazem o que não pertence à ordem dos cavaleiros. " (RAMÓN
LLULL, 1279-1283,p.9).


Já foi visto que para Llull atingir seu objetivo de conversão dos
infiéis, ele precisaria da cavalaria. Então era necessário uma cavalaria
coesa que respeitasse sua hierarquia interna. Com isso Llull quer
assemelhar ainda mais a ordem da cavalaria às ordens clerical ou monástica
as quais são coesas e hierárquicas, uma vez que ambas são responsáveis pela
defesa e pela expansão da fé. Desta forma, esta cavalaria concebida por
Llull estaria apta para também defender e expandir a fé, e qualquer ato que
atentasse contra sua coesão e hierarquia, poderia ser considerado então um
ato de violência.
Podemos perceber que Llull ao prescrever uma moral quase ascética aos
cavaleiros, direcionar o uso da violência contra os infiéis e condenar
implicitamente em sua obra qualquer ato que viesse a ser contrário à
cavalaria, tanto a idealizada por ele, como a de fato existente, realmente
transformaram seu livro em um potente objeto que faria com que os
cavaleiros se tornassem aptos para converter os infiéis e expandirem a fé
cristã, pois antes de converter os outros, é preciso se converter primeiro.
Por meio desta pesquisa, não foi possível saber ao certo quem exatamente
leu a obra de Llull, onde ela foi lida e se ela teve a repercussão esperada
por ele, mas podemos deduzir as respostas. Segundo José Antonio Merino, a
obra teve grande difusão e se tornou um clássico no que diz respeito a
regras de conduta para a cavalaria. Certamente ela deve ter sido lida por
cavaleiros da Catalunha e em outras regiões da península ibérica, uma vez
que nela havia infiéis a serem convertidos e combatidos. A obra pode ter
sido bastante lida também na França, onde a cavalaria era mais evidente e
por qualquer guerreiro, cavaleiro ou infante, que tinha o desejo em
participar das cruzadas. Apesar da grande difusão da obra observada por
Merino, acredito que a repercussão da obra, certamente não foi a esperada
por Llull, pois a cavalaria não adotou a moral cristã proposta por ele, uma
vez que ela já possuía sua moral própria, a qual segundo Barthélemy
perdurou até o século XVI[7], ainda que com pouco vigor. Outro fator que
pode ter atrapalhado a repercussão da obra de Llull, foi a decadência do
modelo de cavalaria como ordem espiritual graças ao fim dos templários
durante o século XIV, bem como o fracasso das cruzadas. Conjugado a estes
fatos, a cavalaria perde seu papel principal na guerra, durante os séculos
XIV-XV, graças à evolução dos armamentos e das táticas dos infantes, os
quais passaram a exercer papel cada vez mais fundamental na resolução das
batalhas, bem como ao uso cada vez mais constante de máquinas[8], inclusive
os canhões que utilizavam a pólvora, a qual iria tornar progressivamente
obsoletas as antigas táticas de combate da cavalaria, o que diminuiu sua
importância na sociedade.

















Fonte:

RAMON LLULL. O Livro da Ordem de Cavalaria (1279-1283). São Paulo:
Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio/Editora
Giordano, 2000



Bibliografia:

BARTHÉLEMY, Dominique. A cavalaria. Da Germânia antiga à França do século
XII. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.



BARTHÉLEMY, Dominique. 'O historiador tem mais a tomar da antropologia do
que a lhe dar'Jornal da Unicamp. Campinas: 21 a 27 de março de 2011 – ANO
XXV – Nº 487. Entrevista concedia a Néri de Barros Almeida Disponível em:

. Acesso em 16/09/2011 13:50



FLORI, Jean. La Caballeria. Alianza Editorial, 2001.



MERINO, José Antonio. História de la filosofia franciscana. Madrid:
Biblioteca de Autores Cristianos, 1993.



VIANNA, Luciano José. A cavalaria medieval e a formação inicial de Jaime I
como rei cavaleiro no Libre dels Fets (c.1252-1274) Disponível em:
. Acesso em:
25 ago. 2011 08:33



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[1] Graduando em história na UFMG

[2] BARTHÉLEMY, Dominique. A cavalaria. Da Germânia antiga à França do
século XII. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.

[3] FLORI, Jean. La Caballeria. Alianza Editorial, 2001.
[4] BARTHÉLEMY, Dominique. A cavalaria. Da Germânia antiga à França do
século XII. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. P.21, P.333.
[5] BARTHÉLEMY, Dominique. A cavalaria. Da Germânia antiga à França do
século XII. Campinas: Editora da Unicamp, 2010, p 18, pg 587.
[6] FLORI, Jean. La Caballeria. Alianza Editorial, 2001.Pgs 73-75
[7] BARTHÉLEMY, Dominique. 'O historiador tem mais a tomar da antropologia
do que a lhe dar'Jornal da Unicamp. Campinas: 21 a 27 de março de 2011 –
ANO XXV – Nº 487. Entrevista concedia a Néri de Barros Almeida Disponível
em:

. Acesso em 16/09/2011 13:50
[8] FLORI, Jean. La Caballeria. Alianza Editorial, 2001. P172.
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