MORGADO, Fernando. Entre a cauda longa e os blockbusters: transformações na gestão de programação das rádios musicais brasileiras. In: Encontro Nacional de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 12, 2016, Salvador. Anais... Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2016.

May 26, 2017 | Autor: Fernando Morgado | Categoria: Music, Radio, Programming
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ENTRE A CAUDA LONGA E OS BLOCKBUSTERS: TRANSFORMAÇÕES NA GESTÃO DE PROGRAMAÇÃO DAS RÁDIOS MUSICAIS BRASILEIRAS Fernando Morgado1 Resumo: o presente artigo visa detectar tendências com vistas à renovação da relevância da programação musical no rádio brasileiro. Para isso, confronta as visões expostas por Chris Anderson e Anita Elberse em suas obras A cauda longa (2006) e Blockbusters (2014), analisa informações de mercado e elenca casos recentes protagonizados por emissoras de diferentes estados do Brasil.

Palavras-chave: rádio; música; programação. 1

Introdução

O universo praticamente ilimitado de opções de informação e entretenimento derruba paradigmas, hábitos e barreiras, compondo um cenário crítico para as mídias tradicionais. O rádio, meio quase centenário, aparece como um dos alvos preferenciais das previsões mais pessimistas, mesmo preservando alta relevância e penetração 2. De todo o universo de conteúdo oferecido pelas quase dez mil emissoras existentes no Brasil, a música é elemento primordial. O que antes era um tipo de conteúdo com reprodução fortemente controlada, hoje é disponível com grande facilidade e alta possibilidade de customização. Isso impacta não só o negócio das gravadoras, que reinavam absolutas, mas também das emissoras de rádio, com quem mantinham uma estreita relação de cunho notadamente comercial. Entre as diversas teorias que explicam esse ambiente de transformações no qual está inserido o mercado da mídia e do entretenimento, duas se destacam: a da cauda longa, que aponta para uma futura dominância dos nichos, e a dos blockbusters, que defende a manutenção dos grandes sucessos na liderança da briga pela atenção dos 1

Professor de História da Televisão Mundial e Direção e Produção em Rádio das Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA). Mestrando em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). E-mail: [email protected] 2

De acordo com dados da Kantar IBOPE Media (2015), 89% dos brasileiros das treze principais regiões metropolitanas brasileiras escutam rádio.

consumidores. Cada uma dessas teses impacta, a seu modo, a indústria do rádio, especialmente musical, que, conforme será visto mais adiante, representa a grande maioria das programações disponíveis gratuitamente, via dial, aos ouvintes. Nesse sentido, o presente artigo visa discutir os possíveis rumos do rádio musical à luz das semelhanças e diferenças entre as teorias da cauda longa, formulada por Chris Anderson (2006), e dos blockbusters, de Anita Elberse (2014). A partir de pesquisas bibliográfica e documental, busca extrair as visões que esses autores possuem do rádio musical e, cruzando com dados de mercado, estimar qual dessas teorias prevalecerá sobre o meio rádio. Os pontos levantados neste trabalho são ilustrados por exemplos de ações que já têm sido realizadas por emissoras musicais que tentam se adequar aos novos tempos.

2

Referencial teórico

2.1

Cauda longa

O conceito batizado de cauda longa, do inglês long tail, foi lançado por Chris Anderson em outubro de 2004 e aprofundado na forma de livro em 2006. Anderson, então editor-chefe da revista Wired, havia se interessado por investigar se paradigmas consagrados em mercados tradicionais permaneciam válidos também para as empresas da chamada “nova economia”, especialmente aquelas com forte atuação digital. Ao levantar os números de venda da imensidão de itens oferecidos por gigantes como Amazon, Netflix – ainda exclusivamente baseada no aluguel de DVD – e iTunes, da Apple, o autor observou que a grande maioria dos artigos oferecidos por eles geravam pouquíssimos negócios individualmente. O fenômeno pareceu ainda mais evidente para Anderson quando esses dados assumiram a forma de gráficos. Considerando o eixo “x” para portfólio de produtos e “y” para popularidade, a curva começava alta, mas logo descia e se convertia numa linha contínua, como uma “cauda longa”. De acordo com Anderson (2006), isso se tratava do oposto da crença, inspirada no teorema de Vilfredo Pareto, de que 80% das

vendas seriam geradas por 20% dos negócios, pois o somatório de pequenas vendas geraria resultados relevantes e, no futuro, poderia ultrapassar os grandes sucessos. Para Anderson (2006), o surgimento da cauda longa está condicionado à redução dos custos de alcançar os nichos, que, por sua vez, impulsiona três forças: (1) a democratização das ferramentas de produção; (2) a democratização da distribuição; e (3) a ligação entre oferta e demanda de forma mais facilitada. A partir disso, forma-se uma cadeia produtiva composta por: (a) produtores de conteúdo; (b) agregadores, sejam eles digitais híbridos ou puros; e (c) filtros, que têm por objetivo recomendar e classificar os conteúdos agregados. Nesse cenário, o público final, mais empoderado que nunca, exerce, na visão de Anderson (2006), um papel triplo: o de consumidor, o de produtor de conteúdo – ou prosumer, palavra-valise cunhada por Toffler (1980) – e o de filtro, influenciando, através de críticas e recomendações, a decisão de compra de outros consumidores. Na época do seu lançamento, a cauda longa foi amplamente festejada por grandes agentes do mundo digital. O então presidente do Google, Eric Schimidt, por exemplo, chegou a afirmar que se tratava “do futuro dos negócios” (EXAME, 2014, s/p). Ainda nesse clima de euforia, Anderson escreveu o livro Free: o futuro dos preços (2009), no qual aponta o grátis ou o freemium – palavra-valise que representa a oferta combinada de produtos ou serviços grátis com outros pagos – como os caminhos ideais para gerar negócios num mundo que, como ele acreditava, seria dominado pelos nichos. Tanto em A cauda longa (2006) quanto em Free (2009), casos ligados à música – definida por Anderson (2006, p. 97) como “o ponto zero da explosão da cauda longa” – foram exaustivamente usados pelo autor no esforço de comprovar sua teoria. A música em si não caiu em desfavor – muito ao contrário. Nunca houve melhores tempos para artistas e fãs. A Internet é que se tornou o veículo favorito para escutar música. O que caiu em desfavor foi o tradicional modelo de marketing de vender e distribuir música. O sistema de produção e distribuição de músicas, que atingiu proporções gigantescas, nas costas das máquinas de fabricar sucessos do rádio e da televisão, gerou um modelo de negócios dependente de grandes hits de platina – e hoje já não existe tanto arrasa-quarteirão. Estamos testemunhando o fim de uma era. (ANDERSON, 2006, p. 35)

O tempo poria em xeque a resistência das teses de Anderson (2006), nascidas quando, por exemplo, o Facebook tinha poucos meses de vida e ainda estava longe de revolucionar a forma como as pessoas de todo o mundo se comunicam e consomem conteúdo. Algumas referências de mercado usadas pelo autor em seu primeiro livro mudariam radicalmente, como o Napster e o Netflix, enquanto outras simplesmente desapareceriam, como o Ecast. Em paralelo a isso, players tradicionais dos mercados de mídia e entretenimento mantiveram suas posições de liderança e os hits não foram sufocados pela profusão de nichos. Essa realidade abriu brecha para que contestações mais contundentes à cauda longa logo fossem formuladas.

2.2

Blockbusters

Em 2014, exatos dez anos após o lançamento do conceito de cauda longa na revista Wired, Anita Elberse, professora da Harvard Business School, lançou o livro Blockbusters, que trilha num sentido oposto ao de Anderson. Enquanto ele aponta para uma ruptura do modelo dominante na indústria global do entretenimento, ela defende a manutenção dos grandes sucessos e vai além: as novas tecnologias e a profusão de nichos só reforçaria a prevalência dos hits. Felizmente para aqueles que apostam em sucessos em vez de nichos, dados reais sobre como os mercados estão evoluindo contam uma história muito diferente da que Anderson previu. À medida que a demanda muda, de revendedores físicos, com espaço limitado nas prateleiras, para canais online, com muito mais variedade, a distribuição de vendas não está crescendo na cauda. Ao contrário, à medida que os consumidores compram mais produtos on-line, a cauda [não] está alongando, mas afinando. A importância de best-sellers individuais não está diminuindo com o tempo, mas, diferentemente, aumentando. (ELBERSE, 2014, p. 163).

Elberse defende a “ideia de que grandes produtores invistam quantias desproporcionais de seus orçamentos em trabalhos que possam vir a ser um grande sucesso, fazendo enormes apostas” (ELBERSE apud CAPELAS, 2014, s/p). Apesar de reconhecer o alto risco desse tipo de estratégia, a autora acredita que ela é muito mais eficiente do que apostar no somatório de incontáveis nichos, como defende Anderson.

Como síntese dessa teoria, Elberse recorre à expressão “o vencedor leva tudo”, popularizada pelos economistas Robert Frank e Philip Cook, ou, escrita de outra forma, “os melhores ganham uma participação desproporcional do mercado” (ELBERSE, 2014, p. 90). Há poucos pontos em comum entre as defesas teóricas feitas por Anderson (2006) e Elberse (2014). Uma das únicas semelhanças é a opção feita por ambos de usarem o estudo de caso como principal método para validar seus pensamentos. Elberse recorre a exemplos vindos, principalmente, dos segmentos cinematográfico, esportivo e musical. Quando analisa o comércio de faixas musicais digitais em 2011, por exemplo, a autora ressalta a alta concentração nas vendas.

É impressionante ver como poucos títulos bem-sucedidos contribuem para uma significativa parcela das vendas e quantos com desempenho ruim não conseguem fazer o mesmo. Essa é a realidade dos mercados digitais. A variedade pode se expandir cada vez mais, mas a importância de poucos títulos que vendam bem continua aumentando, enquanto as vendas médias para as faixas que vendem menos estão caindo. (ELBERSE, 2014, p. 164).

Apesar de tanto antagonismo, é importante ressaltar que Elberse (2014) incorpora, ainda que pontualmente, a cauda longa à sua teoria, ao apontá-la como o destino final dos hits do passado, expandindo-lhes a vida útil. É claro que os produtos de cauda longa não incluem apenas os verdadeiros nichos, mas os antigos sucessos também. [...] Para antigos sucessos, portanto, os canais digitais podem apresentar uma oportunidade real. Mas a grande maioria dos produtos da cauda não foi muito bem sucedida, para início de conversa. (ELBERSE, 2014, p. 165-6).

Em outras palavras: na opinião da autora, os blockbusters prevaleceriam até mesmo na cauda longa.

2.3

O rádio musical na visão de Anderson e Elberse

Os dois livros – A cauda longa (2006) e Blockbusters (2014) – citam o rádio, ainda que o primeiro faça isso em intensidade muito maior que o segundo: a palavra rádio é mencionada 29 vezes por Anderson (2006), contra apenas 6 por Elberse (2014).

Em ambas as obras, a maioria dessas menções surge ao tratarem de movimentos da indústria musical. Ao mesmo tempo em que exalta o passado do rádio, que define como o criador de uma “cultura nacional comum” (ANDERSON, 2006, p. 27) e dos ídolos populares (ANDERSON, 2006, p. 28), Anderson descreve um presente incerto e vislumbra um futuro sombrio para o meio, especialmente no segmento musical.

Os problemas da indústria da música não estão limitados à venda de CDs. Os programas de rock das emissoras de rádio, há muito tempo o veículo de marketing favorito das gravadoras, estão enfrentando as mesmas agruras. [...] Em 2005, uma rádio de rock saiu do mercado, em média, a cada semana. Em geral, essas emissoras se deslocaram para talk-shows ou para programas destinados ao público latino, que são mais “adesivos” (mantêm a atenção do público por mais tempo) do que os estilos musicais rock e pop, que segura a audiência apenas enquanto as músicas da moda estiverem tocando [grifo do autor]. (ANDERSO, 2006, p. 33).

Como causas para esse fenômeno – que, na interpretação de Anderson, se reflete na queda do tempo médio que os ouvintes dedicam ao meio rádio –, o autor relaciona cinco hipóteses: (1) a ascensão do iPod; (2) o telefone celular; (3) a mudança, em 1996, da legislação estadunidense de comunicações, que abriu mil novas FMs e enfraqueceu as estações existentes; (4) a alta concentração de mercado nas mãos da ClearChannel, hoje iHeartMedia; e (5) a campanha contra obscenidade capitaneada pela Federal Communications Commission [FCC] (ANDERSON, 2006, p. 33-4). Numa sequência natural da contestação que faz sobre o domínio dos sucessos no mundo do entretenimento, Anderson (2006) questiona a permanência do rádio como formador de hits musicais. Ele chega a decretar o fim do que chama de “era do Top 40” (ANDERSON, 2006, p. 34)3. Já Elberse (2014) se estende mais em somente uma das seis vezes em que menciona o rádio em seu livro. Isso ocorre quando ela detalha a estratégia de lançamento de “Just dance”, primeiro single de Lady Gaga. Top 40, ou Contemporary Radio Hit [CHR], se trata de “um formato de rádio que toca um rodízio das músicas mais populares do dia” (GROSS; GROSS; PEREBINOSSOFF, 2005, p. 315), sendo, portanto, semelhante ao musical popular existente no Brasil. 3

Emplacar a música foi difícil: “Não conseguimos fazê-la tocar nas rádios pop”, Carter [Troy Carter, empresário da Lady Gaga] recorda. “As estações de rádio do mainstream nos diziam que era uma música dançante demais para elas”. Bobby Campbell, CMO (Chief Marketing Officer) da Atom Factory, empresa de gerenciamento de artistas de Carter, se manifestou: “Dance music não tocava nas rádios que focavam as '40 mais pedidas'. As rádios se recusavam a tocar dance music.” (ELBERSE, 2014, p. 62).

Ao mesmo tempo em que serve como exemplo da importância que os executivos do mercado musical dão ao rádio, essa situação ilustra as limitações que os programadores das emissoras podem impor ao surgimento de novos artistas. Após o trecho transcrito acima, a autora segue a sua narrativa indicando que a resistência encontrada nas estações obrigou os responsáveis pela carreira de Lady Gaga a executarem uma estratégia alternativa, inicialmente dirigida à comunidade gay e, mais adiante, priorizando as redes sociais (ELBERSE, 2014, p. 62-5). Tanto Anderson (2006) quanto Elberse (2014) deixam, em suas obras, as visões críticas que possuem do rádio: o primeiro por questionar a sobrevivência do meio como ditador de modas e criador de sucessos; a segunda por registrar as limitações que o rádio pode revelar quando se tenta inseri-lo na estratégia de lançamento de um blockbuster.

2.4

O mercado brasileiro de rádio musical

Conforme visto no item anterior, Anderson (2006) e Elberse (2014) compreendem o rádio em simbiose com a música. Quando se analisam dados do mercado, nota-se o porquê disso. Nos Estados Unidos, 18 dos 21 formatos de programação de rádio mais ouvidos em 2015 foram musicais (NIELSEN, 2016). No Brasil, de acordo com a Kantar IBOPE Media (2015), as programações musicais, independente dos estilos que executem, dominaram os rankings de audiência dos três maiores mercados em termos populacionais do país: entre as dez mais ouvidas em cada praça, oito eram musicais no Rio de Janeiro 4 e nove em São Paulo e Belo Horizonte5.

4

No Rio de Janeiro, as rádios Tupi e Globo foram contadas apenas uma vez cada, pois transmitem a mesma programação nas frequências AM e FM.

A dominância da música também é grande em termos de oferta, especialmente em FM: têm programação majoritariamente musical 84% de todas as emissoras dessa banda nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo 6. Essas programações seguem diferentes formatos, cada um deles baseado nos estilos musicais que mais tocam. Ao contrário dos Estados Unidos, onde existem dezenas de formatos e subformatos (KEITH, 2010), o Brasil possui quatro principais no campo musical: popular, baseado em sucessos massivos, como pagode e sertanejo, por exemplo; jovem, que dedica amplo espaço ao pop internacional e onde prevalecem ouvintes das classes A e B; adulto contemporâneo, com músicas leves, sejam nacionais ou internacionais, e maior carga de flashbacks; e religiosas. Importante ressaltar certas peculiaridades que impedem o desenho de um panorama mais preciso do rádio brasileiro. Em primeiro lugar, trata-se de um mercado profundamente local, principalmente no segmento popular, refletindo as preferências de cada região. Nesse sentido, são poucas as redes musicais com cobertura em mais de uma região geográfica. Não existe um painel nacional de audiência de rádio, e sim números de apenas doze mercados brasileiros. Além disso, raríssimas são as emissoras que divulgam seus resultados financeiros. Todos esses aspectos impossibilitam apontar com segurança quais seriam as emissoras musicais líderes nacionalmente e estabelecer o perfil médio do consumidor de rádio musical no Brasil. Além das questões relacionadas à oferta e ao consumo de música pelo dial, há outro aspecto fundamental na ligação entre o rádio e a música: a histórica, estreita e pecuniária relação entre emissoras e gravadoras. Elas formam o que Kischinhevsky (2011) chama de “cadeia produtiva do rádio musical”, que envolve também outros elos, como os artistas locais, produtores e empresários. Aqui, as rádios cumprem o papel de massificar determinadas músicas e torná-las sucessos comerciais, “agenciando o interesse do público” (KISCHINHEVSKY, 2011, p. 250). 5

Em Belo Horizonte, a Itatiaia foi contada apenas uma vez, pois transmite a mesma programação nas frequências AM e FM. 6

Para este levantamento, foram consideradas as emissoras em AM e FM monitoradas pela Kantar IBOPE Media entre os meses de janeiro e março de 2016.

3

Metodologia

Conforme a visão de Gil (2015), o presente artigo possui caráter qualitativo e exploratório. Adotou-se a pesquisa bibliográfica como método fundamental para as análises realizadas. Ele envolveu o levantamento de conteúdo já publicado em livros, periódicos e websites, para posterior fichamento. Num segundo nível, foi empregada a pesquisa documental. Para o tratamento desses dados foi adotado o método da análise de conteúdo (AC), que envolveu as seguintes etapas: (1) levantamento, leitura e seleção de dados conforme adequação à proposta da pesquisa e sua data de divulgação, sendo este critério adotado principalmente com informações de cunho mercadológico, dando preferência aos materiais mais recentes; (2) exploração do material levantado, com fichamento, recorte e classificação das informações coletadas em três categorias temáticas – mercado radiofônico; mercado musical; comportamento do consumidor de áudio; (3) análise e interpretação, realizadas a partir da comparação entre as informações consolidadas nas três categorias estabelecidas na etapa anterior.

4

Discussão e resultados

Ainda que defendam modelos de negócio diametralmente distintos, a origem das teorias da cauda longa e dos blockbusters é a mesma: as novas possibilidades para produção, distribuição, comunicação e consumo de mídia e entretenimento abertas pelas tecnologias digitais. Para Anderson (2006), isso elevaria à infinita potência a oferta de conteúdos que, mesmo gerando poucos negócios individualmente, poderiam, no futuro, superar os grandes sucessos populares se trabalhados em conjunto, justificando, assim, o protagonismo dos agregadores. Já para Elberse (2014), o digital não se configuraria em ameaça à dominância dos arrasa-quarteirões, pelo contrário: ampliaria a economia de escala desses produtos ao facilitar a sua distribuição em termos globais, além de oferecer poderosas ferramentas de divulgação e fidelização dos seus consumidores através, por exemplo, das redes sociais.

Ainda que lastreada por indícios oriundos da análise de dados de mercado, é importante ressaltar que a tese de Anderson (2006) é apresentada como uma promessa para o futuro: a de que, um dia, os nichos superariam os grandes sucessos, sem conseguir precisar quando isso aconteceria. O contraponto feito por Elberse (2014) surge justamente do vácuo deixado pelo questionamento de se essa promessa feita por Anderson se cumpriu ou não, visto que diversos números apresentados por Elberse ainda indicam uma forte concentração dos resultados comerciais nos blockbusters, mesmo passados dez anos desde o surgimento do conceito da cauda longa. Um dos dados mais contundentes nesse sentido veio justamente do mercado musical: no iTunes, apenas 102 músicas, ou seja, 0,000013% do catálogo, foram responsáveis por 15% das vendas em 2011, enquanto a combinação de quase 6 milhões de músicas, cada uma delas com menos de 10 cópias comercializadas, representaram apenas 1% do faturamento (ELBERSE, 2014, p. 164). Ainda que o confronto dessas teorias sugira que uma possa aniquilar a outra, observa-se, na verdade, a coexistência e complementaridade dos dois modelos. Isso fica evidente, por exemplo, quando Anderson (2006) reforça a imensa variedade de produtos como diferencial competitivo de empresas como Amazon e iTunes, por exemplo, combinando grandes sucessos com infinitos nichos, e quando Elberse (2014) indicou que o destino natural dos blockbusters do passado é entrar para a cauda longa. Contudo, tanto o cenário de convivência da cauda longa com os blockbusters quanto o de possível extermínio de um desses modelos pelo outro impactam na dinâmica do mercado musical e, por conseguinte, do rádio. Conforme salientam Herschmann e Kischinhevsky (2011), as gravadoras têm buscado reconfigurar seus modelos de negócio, deixando cada vez mais de depender quase que exclusivamente da venda de suportes físicos, como CD e DVD, e mirando a diversificação por meio, por exemplo, de eventos ao vivo e negócios digitais. Num cenário como esse, em que os fonogramas perdem protagonismo, as emissoras musicais tendem a ser menos importantes dentro das estratégias comerciais das gravadoras, e isso aparece claramente tanto na teoria de Anderson quanto de Elberse (cf. item 2.3), que, ao citar o caso do lançamento de Lady Gaga, pôs luz numa fragilidade da política de programação de

emissoras musicais estadunidenses. Se ainda não havia evidências de que tal fenômeno estivesse se processando quando Kischinhevsky tratou dele num artigo em 2011, hoje já é possível observar alguns exemplos pontuais de emissoras importantes, de diferentes regiões, alterando profundamente suas programações buscando alternativas às mudanças no comportamento do ouvinte. Tutinha Carvalho, presidente da Jovem Pan e um dos mais incisivos defensores dessas mudanças, aponta que o caminho para renovação das emissoras musicais passa justamente por deixar cada vez mais a música de lado para ampliar o espaço dedicado para conteúdos falados. “O sucesso da rádio dependia muito de lançar a música primeiro. Hoje isso não existe mais. Já está tudo no Youtube. Desde a criação do iTunes, isso se banalizou”. [...] O futuro do rádio já começou a ser construído com a aposta dos programas de conteúdo. “Acredito que esse é o futuro. O rádio vai voltar para o passado com os grandes comunicadores. O ouvinte simpatizará com o locutor”, explica. [...] “Se eu fizer essa lista de músicas, qualquer um pode fazer. Por isso não acredito mais no rádio musical”, indica [Tutinha]. (BALTHAZAR, 2014).

A partir desta crença, nos últimos anos, a Jovem Pan FM de São Paulo tem ampliado suas transmissões em simulcast7 com a emissora jornalística Jovem Pan AM. Atualmente, são cerca de oito horas de segunda a sexta de programas talk, além das jornadas de futebol e corridas de Fórmula 1 (JOVEM PAN, 2016; STARCK, 2014). Em Belo Horizonte, a 98 FM dedica quatro horas de sua grade nos dias úteis ao futebol, realiza jornadas esportivas, além de programas jornalísticos e o humorístico Graffite, todos eles falados (98 LIVE, 2016). Na região Sul, a Rede Atlântida, que já transmitia duas edições do talk humorístico Pretinho básico, lançado em 2007, acrescentou em 2015 o esportivo ATLGRENAL (GRUPO RBS, 2015) e em 2016 o noticioso ATL News à sua programação (REDE ATLÂNTIDA FM, 2016). Há que se ressaltar que estes movimentos ocorrem justamente em rádios do segmento musical jovem, dedicadas a um público mais qualificado e, portanto, tendente a ser o primeiro em substituir meios tradicionais como o rádio pelas plataformas digitais

7

Simulcast é o termo empregado para caracterizar a transmissão de uma mesma programação em duas ou mais frequências de forma simultânea.

na hora de ouvir música. O investimento em programas falados, sejam eles informativos ou de entretenimento, desponta para esse tipo de rádio como uma forma de manter-se relevante diante de um cenário em que não faltam substitutos para o consumo de fonogramas. Por outro lado, este caminho exige elevação nos investimentos, sobretudo, em pessoal, algo que não é viável para todas as emissoras, especialmente em momentos de retração do investimento publicitário. Este ponto é especialmente sensível em se tratando de rádios musicais, pois são negócios calcados em custos muito mais baixos se comparados aos de estações all news, por exemplo. Uma mudança tão profunda no formato de programação exigiria das musicais comprometer parte da margem de lucro com a qual estão acostumados a trabalhar, além de assumir outros tipos de preocupação, inclusive políticas e editoriais. Outro ponto que chama atenção entre os três exemplos citados é a opção mais evidente da Jovem Pan FM em não apenas ampliar a faixa de conteúdo falado, mas fazê-lo por meio de atrações que não necessariamente são voltadas ao público jovem para o qual ela originalmente se dirige, especialmente quando se observa o tempo dedicado a programas com foco em economia e, sobretudo, política. Isso pode ser creditado à situação específica de sinergia com a Jovem Pan AM, dona de produtos tradicionais como o Jornal da manhã e o futebol, mas que tinham seus resultados limitados pelas dificuldades técnicas enfrentadas pela transmissão em amplitude modulada. Esse tipo de estratégia não é observada nem na 98 FM, nem na Atlântida, ambas com programas falados que privilegiam locutores jovens e temas que mais interessam a esse público. Ainda no caso da Atlântida, mesmo integrando um grupo [RBS] que possui rádio jornalística, a Gaúcha, esta também opera em FM desde 2008 e, portanto, não necessita de espaço na programação de outra emissora do conglomerado para transmitir seus programas, afastando a necessidade de replicação da situação ocorrida na Jovem Pan de São Paulo. Além das questões editoriais e de custo citadas anteriormente, mergulhar no mar do conteúdo próprio e falado exige da emissora musical abrir mão, ainda que parcialmente, de determinadas modalidades de receita já consagradas nesse segmento, como eventos e divulgação de artistas – popularmente conhecido como jabá. Ou seja:

mais que mudar a programação, muda-se o modelo de negócio da estação. Isso indica que, para sobreviver ao período de mudanças impostas pelas novas tecnologias, exige-se mais que alterações pontuais: é necessário reinventar-se por completo.

5

Considerações finais

Mesmo estimando que o cenário atual permaneça vigente pelos próximos anos – ou seja, que os blockbusters sigam dominando as audiências mundiais com larga vantagem, ainda que coexistindo com uma imensidão sempre crescente de nichos na cauda longa –, não se pode conceber que os veículos, a começar pelas emissoras de rádio, sigam atuando da mesma forma como fazem hoje. O simples fato dos meios tradicionais registrarem contínuas perdas de audiência e receita, ao mesmo tempo em que não param de surgir novas opções de consumo de conteúdo, especialmente musical, impõe a urgência das estações se repensarem. É verdade que ações transformadoras têm despontado, como os exemplos citados neste artigo das rádios Jovem Pan, 98 FM e Atlântida. Insucessos futuros por parte delas serão até justificáveis, pois o risco de fracasso é algo naturalmente maior quando se trata de um ato pioneiro. O que não é passível de explicação é a raridade de iniciativas desse tipo, que rompam com as estruturas vigentes e busquem um caminho que vise preservar ou, se possível, ampliar a relevância de uma mídia tão popular e tradicional quanto o rádio. Conservadorismo não combina com mercados cujo consumidor evolui constantemente. A música é, e sempre será, parte nobre do rádio. Ela é elemento fundamental da cultura de qualquer civilização e, como tal, deve ser parte do cardápio de qualquer mídia eletrônica que se proponha a retratar os gostos do público para o qual se dirige. Além disso, a grade musical, pelo seu baixo custo, é um recurso que viabiliza, com qualidade, até mesmo horários de menor receita. Por outro lado, a música não deve ser usada apenas como recurso para reduzir despesas: ela deve ser encarada como o elemento cultural que é, ou seja, respeitada através de uma curadoria inteligente, que priorize o interesse do público alvo.

Num tempo em que convergência é um conceito básico, ter conteúdos exclusivos torna-se primordial para as rádios, que só podem difundir da forma que quiserem os áudios que são de sua propriedade, o que não é o caso dos fonogramas. O passado recente comprova os bons frutos gerados pelo casamento entre o rádio e as mídias digitais. Do player ao vivo ao podcast, recentemente resgatado por sucessos como Serial, um mundo de novas oportunidades se abre para a produção, distribuição e consumo de áudio. Mesmo dentro desse turbilhão, a radiodifusão não pode perder de vista a sua verdade essencial, que vai muito além de tocar músicas: promover relacionamento entre pessoas e entre pessoas e empresas (MORGADO, 2011). Enquanto o rádio preservar esta máxima, o rádio preservará a si mesmo.

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