Morto em combate

EstóriasdanossaHistória Ricardo Charters dAzevedo

Morto em combate | O Regimento de Artilharia Ligeira (RAL) n.° 4 , criado em 1927, com sede em Leiria, tinha 0 seu aquartelamento no antigo paço episcopal, junto ao castelo é onde hoje se encontra a PSP. Naquele tempo, o RAL4 era equipado com 0 obus 7,5 cm TR m/904, realizando anualmente uma e depois duas escolas de recrutas. “ O pessoal era, de modo geral pouco letrado” , pelo que as escolas regimentais eram importantes. Pretendia-se, com estas, que 0 pessoal acabasse o serviço militar com, pelo menos, o exame da 3 .a classe do antigo ensino primário. Em 1943 , chega ao Regimento o primeiro material de tracção auto, o obus 8,8 cm m/943 , rebocado por uma viatura Morris, que passou a coexistir com o obus 7,5 hipomóvel, i. e., puxado por mulas. Mais tarde, vieram os obuses K e R 10,5 cm/28 m/41 que, com as modificações realizadas em 1952 (nomeadamente no tubo) permanecem na unidade até 1978. A cidade beneficiava em muito da existência desta unidade do Exército. Os seus oficiais eram sempre admitidos como sócios nos clubes e associações de Leiria, como a Assembleia Leiriense e o Grémio Literário. As jovens casadoiras beneficiavam igualmente, pois passaram a ter uma escolha muito mais alargada. Eu, durante a minha frequência liceal, vinha passar as férias grandes com os meus avós maternos que viviam em Alcogulhe (Azoia). O meu avô era nessa altura o engenheiro-diretor das estradas do distrito de Leiria. Não tinha nada que fazer a partir do início deJunho a que seguiam aqueles meses de Julho, Agosto e Setembro. As aulas só se iniciavam em Outubro. Para matar o tempo vinha muitas manhãs para

Leiria com o meu avô. Ele conduzia uma “arrastadeira” Citroen e julgo que raramente metia outra mudança que a l .a ou a 2 .a. O barulho do motor da “arrastadeira” à entrada de Leiria anunciava a sua chegada. O meu avô tomava um café no antigo Café Santiago, ia fazer as compras de peixe e carne ao mercado do outro lado da rua e pelas 9 horas subia até ao edifício, partilhado com o Governo Civil, da Junta Autónoma das Estradas, junto à torre sineira. Nesse dia de 1956, descobri que havia uma “animação” desusada no centro da cidade: tratava-se de um desfile militar que acompanhava o féretro do coronel comandante do RAL4 ao cemitério. Encontrei o cortejo

Levei uma descompostura como nunca tinha apanhado desta minha avô, (...). Meu avô ria a bandeiras despregadas e eu muito encabulado nada percebia,

funerário junto ao monumento aos mortos da Grande Guerra, que ainda se encontrava num pequeno largo em frente ao Jardim Luís de Camões, mais ou menos em face do actual edifício da Caixa Geral dos Depósitos. Naturalmente, havia uma ”caixa” que marcava a cadência do passo dos soldados de um contingente armado que acompanhava 0 seu comandante até lã acima, ao cemitério de Santo António do Carrascal. As pessoas descobriam-se à passagem do cortejo fúnebre militar que era encerrado por muitos civis, aos quais me associei. Nada tinha para fazer pelo que assisti mesmo à salva que foi dada no cemitério, à guisa de despedida e de homenagem ao coronel comandante do RAL4, que me diziam ter morrido há duas noites em combate. Eu e o meu avô voltamos para Alcogulhe para almoçar e eu excitadíssimo lá contei a minha avó, uma seráfica senhora, que estava naturalmente muito chorosa pois era amiga da mulher do coronel, com quem jogava canasta na Assembleia Leiriense, o que tinha assistido em Leiria, relatando-lhe que me tinham dito que tinha morrido em combate. O que fui dizer! Levei uma descompostura como nunca tinha apanhado desta minha avó, na qual me repetiu vezes sem conta que eu deveria ter propósitos e devia respeitar a família enlutada. Meu avô ria a bandeiras despregadas e eu muito encabulado nada percebia .1Somente, depois do almoço o meu avô me explicou, no seu escritório e com a porta fechada, que o senhor coronel tinha sido encontrado, na alcova de uma senhora, morto em combate.