MOS MAIORUM NO CONTEXTO DO PRINCIPADO AUGUSTANO EM HORACIO

June 15, 2017 | Autor: Livia Ufpb | Categoria: Classics, Latin Literature, Horace, Mos Maiorum
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Lívia Maria da Silva                              MOS MAIORUM​  NO CONTEXTO DO PRINCIPADO AUGUSTANO:  UMA ABORDAGEM ILUSTRADA PELAS ​ ODES​ , DE HORÁCIO  (​ ODES​  III, 1; III, 2; III, 3; III, 6)                                                João Pessoa, 05 de novembro de 2015. 

                                      Universidade Federal da Paraíba  Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes  Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas  Curso de Graduação em Letras Clássicas   Componente Curricular: Literatura Latina III  Professor: Erick France  Aluna: Lívia Maria da Silva   Matrícula: 11316272                               

    Introdução​ ...……………………….………………………………………………………….4  Visão Panorâmica​ : a intertextualidade das ​ odes​ ………...…………………………..……….5  Definição  e  reconhecimento​ :  os  principais  valores  constituintes  do  ​ mos  maiorum  nas ​ Odes​ ,  de Horácio……………………………………………………………………………………..7  Considerações Finais​ …...……………..…..………………………………………………...13  Referências Bibliográficas​ …………………..……………………………………………...14   

                                                       

Introdução    No  contexto  de  expansão  militar  e  em  meio  a  guerra  civis,  após  o  assassinato  do  cônsul  republicano  Júlio  César,  em  44  a.C.,  o  clima  em  Roma  era  de  instabilidade  e  de  inseguranças.  A  partir  disso,  Caio  Júlio  César   Otaviano,  legitimado  por  meio  do  testamento  de  Júlio  César  como  seu  filho  e  sucessor,  vê  a  necessidade  de  assumir  o  poder  e  de  empreender uma reestruturação cívica e moral.  Para  essa  reestruturação,  Otaviano  busca  resgatar  o  conjunto  de   valores  morais  e  cívicos  de  caráter  consuetudinário,  que  se  sintetizam  na  expressão   ​ mos  maiorum  (costume  dos  maiores).  Nesta  expressão,  o  que  traduzimos  literalmente  como  “maiores”  refere­se  aos  “mais  velhos”,  aos  ancestrais  romanos,  simbolizando  a  reivindicação pela identidade romana  através  do  reestabelecimento  (e  da  manutenção)  das  condutas  tradicionais  romanas,  que  ficaram “esquecidas” nesses ancestrais.  Como  instrumentos  de  auxílio  no  resgate  desses   valores,  Otaviano  utiliza­se  do  direito,  da  arquitetura  e da literatura. No presente trabalho, analiso como isso se  dá através da  literatura, mais especificamente, nas ​ Odes​  (III, 1; III, 2; III, 3; III, 6), de Horácio.  Para  isso,  apresento,  primeiro,  um  panorama  dessas  ​ Odes  ​ em  conjunto,  com  o intuito  de  contextualizar  o  leitor,  e  fazê­lo  perceber  a  ligação  existente  entre  as  ​ odes​ ,  marcando  a  continuidade  do  tema.  Em  seguida,  detalho  as  características  das  principais  condutas  constituintes do ​ mos maiorum​ , situando­as nas ​ Odes1​ .  Tendo  em  vista  que  cada  elemento  tem  características  e/ou  relações  próximas  com  outros  elementos,  torna­se  inviável  fazer  uma  definição  deles  de  forma  totalmente  isolada.  Assim,  para  facilitar  a  compreensão  do  conjunto  como  um  todo  sem  sacrificar  a  definição  individual  de  cada  elemento,  faço  a  análise  sob  a  seguinte  perspectiva:  a  base  do  ​ mos  maiorum  (no  contexto  do  século  I  a.   C.)   é  o  tripé  ​ virtus,  pietas  ​ e  ​ fides​ ,  pois  constitui  a  essência  da  identidade  romana;  os  demais  valores  são  subordinados a essa base por serem ou  consequência da execução desses valores basilares, ou parte que os compõe.                             1

 Para isso, utilizei as traduções do professor Erick France ­ UFPB. 

Visão Panorâmica: A Intertextualidade das ​ odes    Iniciada  de  forma  solene,  com  uma  atmosfera  moralizante,  a  primeira  das  ​ odes,  apresenta  faz  uma  apresentação  geral  do  contexto  de  decadência  moral,  elaborando  críticas  àqueles  corruptos  de   caráter,  e  incentivando  o  público  alvo  (a  massa  popular  romana  do  século  I  a.  C.)  a  reconhecer  suas  falhas  de  caráter  e  buscar  resgatar  os  valores  morais  e   cívicos tradicionais.  Nesta,  o  ​ eu   ​ se  posiciona  como  ​ consagrador   das  Musas   ​ (v.  2),  o  que  lhe  confere  autoridade  no  proferir  de  seu discurso. Além disso, ilustra as consequências advindas da falta  da  prática  das  condutas  ancestrais,  respaldando­se,  por um lado, no poder soberano de Zeus ­  capaz  de   fazer tudo remexer ​ com apenas um franzido ​ (v. 8)​ ; por  outro, na noção de igualdade  imposta pela figura de ​ Necessitas​  ­ da qual não se pode escapar.  Em  seguida,  após  reconhecer  a  existência  de  desigualdades   sociais,  o  ​ eu  apresenta  críticas  contra  tudo  aquilo  que  é  excessivo,  em  contraposição  ao   sentido  de comedimento da  virtus  ​ moral;  ao  passo  que,  incentiva  a  prática  das  condutas  ​ frugalitas  ​ e  ​ paupertas,  ​ ­  através  da  promessa  do  “sono  tranquilo”,  como  também  de  indagações  que  sugerem a inutilidade de  se desejar excessivas riquezas materiais.   É  esse  tom  filosófico  de  questionamento  do  final  da  primeira  ​ ode  que  introduz  a  seguinte,  em  que  o  ​ eu  ​ dá  continuidade  ao incentivo às mesmas condutas de comedimento, ao  iniciar seu discurso desejando  que a juventude pudesse ​ aprender a experienciar de contento a  frugalidade​  (v. 2­3).  A ​ frugalidade​ ,  aqui  ilustrada  sob  a  ótica  guerreira,  é  indispensável  para  se  alcançar  a  virtus,  ​ valor  que  perpassa   esta  ​ ode,  ​ incentivando  o  comprometimento  em  defender  a  pátria  ­  tanto  na  esfera  militar,  quanto  nas  esferas  moral  e  patriótica2  ­,  a  ponto  de  destacar  como  ​ é  gratificante e decoroso morrer pela pátria ​ (v. 13).  Enquanto  a  primeira  ​ ode  ​ foca  em  apresentar  as  consequências  negativas  do  afastamento  da  tradição,  esta  segunda  foca,  no  geral,  em  apresentar  as  consequências  de  ser   detentor  da  ​ virtus​ . No entanto, mesmo com essa diferença de estratégia de persuasão do ​ eu de  cada  ​ ode​ ,  podemos  perceber  mais  um  ponto  que marca a continuidade do tema entre as ​ odes,  se  observarmos  que  a  ​ volubilidade  popular  (​ Ode  ​ II,  v.  20)​ ,  contrastada  à  ​ virtus,  ​ reitera  o  sentimento de ​ abominação e rechaçamento do vulgo profano​  (​ Ode​  I, v. 1).  Tendo  sido  incentivado,  através  da  segunda  ​ ode​ ,  o  cumprimento  do  dever para  com a  pátria,  a  terceira  ​ ode  objetiva  reforçar  o  caráter  romano,  chamando  atenção  para  a  característica inabalável adquirida por aqueles que são ​ justos e firmes em seu propósito ​ (v. 1),  ilustrando­os  a  partir  de  ilustres  personagens da tradição (Pólux, Hércules, Augusto, os tigres  de Baco e Quirino).   É  inserido,  em  seguida, o discurso da deusa Juno, na ocasião de boas­vindas a Quirino  ao  conselho  dos  deuses,  discurso  este  que  aponta  para  ações  que,  por  se  afastarem  das  condutas  tradicionais,   desencadearam  consequências  desastrosas,  como,  por  exemplo,  a  2

  Em   relação  à  defesa  da  pátria  a   partir  das  esferas  moral  e   patriótica,  refiro­me  ao  não  deixar­se   contaminar  por  valores  morais  estrangeiros   que  contrariam  a  tradição  romana  e  contribuem  para  a  perda da identidade cultural. 

destruição  de  Tróia   a  partir  do  adultério  e  da  quebra  com  a   ​ fides​ .  Na  ocasião,  o  discurso  respalda  o  poeta  em   relação  ao  poder  de  persuasão,  considerando  o  seguinte:  o  discurso tem  sua  autoridade  garantida,  por  ser  proferido  por  uma  divindade;  a  divindade   que  profere  o  discurso  representa, também, o casamento (instituição basilar da formação familiar) ­ o que já  anuncia  o  conteúdo  da   ​ ode  seguinte,  em  que  o  apelo  à  restauração  da  família  romana  é  desenvolvido mais detalhadamente.  Assim,  o  discurso  de  Juno  finaliza­se  com  a  promessa  de  êxito  e  glória  para  Roma,  observado  o  caráter  indispensável  do  comedimento;  sendo  a  fuga  dos  excessos  condição  imposta para que a promessa viesse a se concretizar.  Finalmente,  na  quarta  ​ ode  desta  sequência  (​ Ode  ​ III,  6),  são  reunidos  vários  aspectos,  como  uma  forma  de  apelo  generalizado  à  revitalização  da  identidade  romana,  nas  esferas  religiosa,  política  e  social:  a  responsabilidade  da  geração  atual   em  reparar  ​ os  delitos  dos  antigos  (v.  1),  através  do  resgate  e  da  manutenção  dos  tradicionais  ritos  e  cultos   sagrados; o  reconhecimento  da  submissão  do  homem  em  relação  às  divindades  (v.  5);  a   decadência  bélica  romana  proveniente  do  distanciamento  da  tradição  (v.   9­16);  a  decadência  da  civilização  como  reflexo  da  desvalorização  das  instituições   basilares  da  esfera  familiar  (v.  17­32);  a  valorização  da  virilidade  ancestral  como  forma  de  criticar  a  ausência  de  ímpeto  guerreiro  e  patriótico  da  geração  atual  (v.  33­44);  e   apresentação  do  efeito  gradativo  da  desvalorização do ​ mos maiorum,​  através das gerações (v. 45­48)                                             

Definição e reconhecimento: os principais valores constituintes do ​ mos maiorum​  nas  Odes​ , de Horácio (Horácio, Odes, III, 1; III, 2; III, 3; III, 6)    Conforme  anuncio  na  introdução,  realizarei  paralelamente  as  atividades  de  definir  os  valores  e  de  destacá­los  nas  ​ Odes  ​ para  analisar  ​ mos  maiorum,  partindo  do  tripé  constituinte  da essência da identidade romana: ​ virtus, pietas ​ e ​ fides​ .   No  entanto,  considerando  que  esses  valores  tem  um  princípio  religioso  muito  forte,  antes  de  iniciar  a  análise  propriamente  dita, chamo atenção para algo de extrema importância  para  a  compreensão  da  definição  dos  valores:  “O  centro  da  religião  romana,  de  acordo  com  Rives,  consiste  em  ritual,  não  em  crença;  O  que  as  pessoas  faziam  é  que  era  realmente  importante, não o que elas pensavam” (LEMOS, 2010, p. 49).  Assim,  à  essa  característica  ritualística  da  religião  romana   relaciono  a  concepção  aristotélica,  presente  no  livro  II  da  ​ Ética  a  Nicômaco​ ,  no  que  diz  respeito  à   conquista  de  virtudes:     “É  acertado  pois,  dizer  que  pela  ​ prática  de  atos  justos  se  gera  o  homem  justo, e pela ​ prática de atos  temperantes,  o  homem  temperante;  ​ sem  essa  prática,  ninguém  teria  sequer  a  possibilidade  de  tornar­se bom​ ”. (Aristóteles, 4, 7­13 ­ grifo meu)    De  modo  que  a  palavra  ​ prática  ​ diz  respeito  tanto  à  execução  da  ação,  quanto  à  execução   ​ constante  ​ da  ação,  sendo  necessário,  portanto,   ter  em  mente  o  caráter  consuetudinário  da  realização  dessas  ações  que  levam  à  virtude, considerando que “a virtude  moral é adquirida em resultado do ​ hábito​ ”. (Aristóteles, 1, 18­19 ­ grifo meu)  Tendo  sido  feitas  essas  observações,  volto  à  definição  dos  valores  basilares  do  ​ mos  maiorum.  ​ Assim,  ​ virtus  ​ é  o  valor  que  está  relacionado  à  força  física,  que  engloba  as  características inatas do indivíduo concernentes, a princípio, à excelência guerreira.  No  entanto,  a  ​ virtus  tem  seu   sentido  acrescido,  posteriormente,  pelas  noções  de   comedimento  e  comprometimento  para com a pátria, conforme observa SILVA (2015, p. 68),  em  nota  de  rodapé,  ao  analisar  a  ​ virtus  do  ​ princeps​ :  “Com  Apolo3,  Otaviano  firmava  seu  comprometimento  com  as  tradições  ancestrais  pela  aplicação  da  ​ disciplina​ ,  ​ moral  cívica  e  moderação​ ” (Grifo meu).  Com  isso  em  vista,  observemos  os  seguintes  versos  em  que,   num  tom  erudito  remetendo  a  um  acontecimento  histórico,  o  poeta  apresenta  a   perturbação  advinda  das  instabilidades  de  uma  vida  que  suscite  inveja,  como  consequência  para  aqueles que almejam  em excesso:     ​ Com  Apolo​ :  refere­se  ao  momento   em   que  Otaviano  associa­se  ao  deus  Apolo  e  construi  templos   sagrados,  com  o  intuito   de  mostrar  como  a  preocupação  que  Otaviano  dispensou  para  a   pátria,  ao  buscar  resgatar a identidade romana, através  da aproximação  pública  de ritos  sagrados,  influencia  na  construção de sua ​ virtus​ .  3

Àquele sobre cuja cabeça ímpia pende  uma espada desembainhada os festins  dos Sículos não produzirão um sabor agradável,  o canto das aves e da cítara  não lhe recobrarão o sono (​ Ode​  III, ​ 1​ , 17­20) 

  O  teor  de  descomedimento  nestes  versos  é  proveniente  da  referência  à  anedota moral  de Dâmocles4 e, ao meu ver, sugere a impossibilidade de existir ​ virtus ​ moral sem disciplina5 e  comedimento.  Já  nos  versos  seguintes,  a  ​ virtus​ ,  apesar  de  também  poder  ser  metaforicamente  interpretada  como  a  ​ virtus  de  disciplina,  está  relacionada  à   noção  de  exercício  militar  dos  jovens, advinda do sentido principal do termo, de força física. Vejamos:    é gratificante e decoroso morrer pela pátria:  e mais, a morte persegue o homem dado à fuga  e não poupa dos membros e das costas medrosas  da juventude imbele. (​ Ode ​ III, ​ 2​ , 13­16)    A  intenção  é,  aqui,  conscientizar  o  cidadão  da  importância  de  defender  a  pátria  por  meio  do  serviço  militar,  ressaltando  a  ​ virtus  ​ ao  destacar  a  gratidão  e   o   decoro  como  consequência do patriotismo e da cidadania.  Outro  momento  em  que  o  poeta  ressalta  a  ​ virtus  em  seu  sentido  principal  é  representado a partir dos seguintes versos:    A juventude que não nasceu desse parentesco  impregnou o mar de sangue dos púnicos,   abateu Pirro, o monstruoso   Antíoco e o terrível Aníbal (​ Ode​  III, ​ 6​ , 33­36)    Sendo  a  intenção,  portanto,  incitar  a  massa  romana  a  resgatar  o  ímpeto  viril   para  alcançar  a  ​ virtus​ .  A  estratégia  de  persuasão  destes  versos  consiste  em  estabelecer  uma  comparação  crítica  entre  a  as  gerações  anterior  e  atual,  tomando  a  geração  anterior  como  detentora  de  ​ virtude  por  ter  agido  com  bravura  frente  a   inimigos   terríveis,  em  oposição  à  geração atual   Isso  posto  e  sempre  tendo  em  vista  que  só  é   possível  alcançar  esses  valores  por meio  da  prática  de  ações,  passemos  a  analisar  a  ​ pietas​ ,  qualidade  daquele  que  é  capaz  de externar  4

  Faz  referência  à  história  de  Dâmocles,  cortesão  na  corte  do  tirano de  Siracusa,  que  desejando  em  excesso e invejando  a ​ potestas ​ e a ​ auctorictas do  tirano, concorda em trocar de lugar com este,  por um  dia.  Ao  ser  feita  a  troca,  o  tirano  determina  que  seja  pendurada,  por  crina  de  cavalo, espada  afiada  sobre  a cabeça de  Dâmocles,  com  o intuito de mostrar  para  o cortesão a instabilidade de  uma vida que  suscita inveja.  5   ​ Disciplina​ :  Neste   contexto,  refiro­me  à   busca  por  refrear  os  próprios  instintos  de  desejar  excessivamente. 

seu  comprometimento  para  com  as  divindades,  por  meio  da  prática  de  rituais  de   respeito  e  veneração,  reconhecendo,  a  partir  da  sua  condição  mortal,  a  subordinação  do  homem  às  divindades.  Por  extensão,  representa  também  o  comprometimento  para  com  a  pátria  e  a  família.  Os  versos  iniciais  da  ​ ode  ​ III,  6  exemplificam  de  forma  clara  a   prática  da  ​ fides​ , ao ser  direcionada  a  atenção  para  o  cuidado  em  reparar  a  relação  com os deuses, externado na  ação  do reparo concreto dos templos:    Os delitos dos antigos pagarás, Romano,  mesmo que inocente, até que ajeites os combalidos   templos e oratórios dos deuses e  as imagens conspurcadas por fumaça negra (​ Ode​  III, ​ 6,​  1­4)    E,  em  seguida,  o  conceito  de  ​ fides  é  resumido  a  um  verso,  com  a  promessa  de  reinar  aquele que for capaz de reconhecer seu lugar perante os deuses:    Reinas6 conforme te portas menor do que os deuses (​ Ode​  III, ​ 6,​  5)    Outro  exemplo  desta  instituição  apresenta­se  temos  os  versos  seguintes,  ocasião  em  que  o  ​ eu​ ,  tido  como  ​ consagrador  das Musas7 ​ , lembra o interlocutor  da subordinação humana  perante  os  deuses,  ilustrada  pelo  ​ poder  ​ da  ilustre  figura  de  Júpiter  sobre  os  reis  e,  consequentemente sobre as massas.    Vem de Júpiter o poder dos reis formidáveis   sobre as massas confiadas, sobre os próprios reis,  após o ilustre triunfo sobre os Gigantes,  e que tudo remexe, bastando um franzido. (​ Ode​  III, ​ 1​ , 5­8)    Com  isso,  o  ​ eu  busca  conscientizar  o  interlocutor  a  importância  do  respeito  e  da  devoção  aos  deuses,  mostrando  que,  até  mesmo  os  ​ reis formidáveis ​ que dominam as massas,  devem  respeito  às  divindades,  fontes  de  seu poder, ficando nítida, portanto, a ideia de que, se  essa subordinação recai sobre os líderes, necessariamente também recai sobre as massas.  Encerrando  a  análise  do  tripé  estabelecido  como  base  do  ​ mos  maiorum​ ,  analisemos  a  fides​ ,  que  representa a confiança na palavra empenhada, como “meio de assegurar os tratados  firmados  entre  os  homens,  consolidar   as  relações  entre  os  indivíduos”  (RIBEIRO,  2012,  p.  149).  Vale  observar,  portanto,  que  a  ​ fides  requer  a  prática  de  duas  ações  simultaneamente:  mostrar­se confiável por meio de seus atos; e confiar na palavra empenhada por outro8.    O verbo latino equivalente, ​ imperas, ​ apresenta forte teor cívico e religioso.   ​ Ode​  III, ​ 1​ , 2.  8   Exemplifico  a  aquisição  da  ​ fides  ​ por  também  confiar  na  palavra  empenhada,  por  meio  dos  versos   587­667,  do  Livro  III,  da  ​ Eneida  ­  episódio  em  que  Eneias  (apesar  de  a  raça  troiana  já   ter  sido   enganada por um grego,  no episódio do cavalo de madeira) atesta seu  caráter piedoso  ao ser clemente  e ​ confiar​  na palava empenhada por Aquemênides, suplicante grego abandonado na Sicília.   6 7

Não  diferentemente  dos  outros  valores,  a  ​ fides  assume  características  particulares  de  acordo  com  o  contexto  que  está  inserida.  Assim,  apresento  três  momentos  em  que  se  pode  detectar referência à ​ fides​ , nas ​ Odes:  1. Nos  versos  seguintes  a  ​ fides  está  implícita  na  relação  de  oposição  aos  caprichos da volubilidade popular:    A Vitrude ­ que desconhece a derrota ignominiosa ­   fulgura pelas honras intocadas,  e nem soergue ou depõe as achas  sob capricho da volubilidade popular (​ Ode​  III, ​ 2​ , 17­20)    Ao  criticar  essa   ausência  de  ​ constantia9  ​ no  caráter  do  povo  romano,  o  poeta  insere  o  apelo  ao  compromisso  em  assegurar  os  tratados  sociais  de  conduta  moral.  2. Um  pouco  mais adiante,  também na ​ ode III, 2, temos mais um apelo à ​ fides​ , no  que  diz  respeito  à  discrição  dos  rituais  sagrados,  ao  se  garantir  uma  recompensa  pelo  ​ silêncio  fiel,  ​ bem  como  ao  apresentar  a  consequência  da  quebra dessa ​ fides ​ representada pelo silêncio:    Ainda há uma recompensa garantida   pelo silêncio fiel: vetarei àquele que divulgar   o ritual da mística Ceres que fique comigo  sob o mesmo teto ou desamarre comigo   o frágil barco (​ Ode​  III, ​ 2​ , 25­29)    3. A  menção  à  quebra  do  pacto  estabelecido  com  os  deuses,  por  Laomedonte,  além  de  chamar  a  atenção  para  as  consequências10  desastrosas  advindas  do  distanciamento  do  ​ mos  maiorum,  faz  com   que,  nestes  versos,  o  apelo  à  ​ fides  seja  proferido  pela  deusa  Juno,  marcando  o  caráter  essencial  dessa  instituição  para a revitalização da moral romana do século I a.C.:    “O Juiz desastroso e incestuoso  e a ​ mulher estrangeira   reviram Ílion, Ílion!    em pó, que foi condenada desde que  Laomedonte defraudou os deuses,  mesmo com pagamento concordado​ , minha e da   casta  Minerva  com o povo e o líder fraudulento (​ Ode III, ​ 3, 17­24 ­  grifos meus)  9

 O conceito será definido a seguir.   A consequência em questão é a condenação de Ílion à destruição, pelas divindades. 

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  Além  disso,  é  importante,  também,  observar  que  a  menção  à  ​ mulher  estrangeira  ​ faz  referência  a  prática  do  adultério  cometido  por  Helena,  ilustrando  a  quebra  da  ​ fides  no  casamento,  resultando na mesma consequência  desastrosa mencionada.    Concluída  a  análise  dos   três  valores  basilares  do  ​ mos  maiorum​ ,  passo  a  analisar  os  demais  valores,  começando  pela  ​ constantia,  ​ instituição  que  representa  justamente  o  caráter  de  permanência  da  prática  dos  atos  de  caráter  e  que  perpassa  os demais valores constituintes  do  conjunto,  à  qual  podemos  relacionar  a  ideia  aristotélica  de  ​ prática​ ,  mencionada  no  início  da  construção  dessa  análise.  Dessa  forma,  ilustro  a  ​ constantia  a  partir  dos  seguintes  versos,  considerando  o  destaque  dado  pelo  poeta  a  uma  reparação  necessária,  proveniente  da  ausência desta instituição:    Quanto não se diminuiu este tempo que requer reparação?  A geração de nossos pais, inferior a dos avós, nos  gerou ainda piores, os quais querendo, em breve, dar  prole mais rebaixada… (​ Ode​  III, ​ 6​ , 45­48)    Já a ​ gloria​ , proveniente da ​ virtus​ , é reconhecimento público das qualidades do cidadão  detentor  de  outros  valores  constituintes  do  ​ mos  maiorum​ ,  por   exemplo:  em  ​ é  gratificante  e  decoroso  morrer  pela  pátria  (​ Ode  III,  ​ 2,  ​ 13),  a  ​ gloria  ​ é  adquirida  a  partir  da  prática  da  virtude  guerreira;   já  em  ​ Reinas  conforme  te  portas  menor  do  que  os  deuses  (​ Ode III, ​ 6​ , 5), a  gloria ​ prometida só pode ser alcançada pelo cumprimento da ​ pietas​ .   Honor  ​ é  o  atributo  do  cidadão diante da coletividade, representando o mérito que este  tem  em  ser  parte  constituinte  do  estado  e  de  determinada  família,  que  também  pode  ser  exemplificado pelo verso 5 da ​ ode ​ III, 6.  Os  valores  ​ frugalitas  ​ e  ​ paupertas  ​ estão  intimamente  relacionados,  sendo  o  primeiro  relativo  à  qualidade  de  viver  sem  ostentações  ou  luxos  e,  o  segundo,  relativo  à  qualidade  de  poder  conformar­se  com  o  necessário,  levando  uma  vida  modesta.  Podem  ser  reconhecidos  nos  versos,  pelo  desejo  expresso   do   ​ eu  de  que  o  cidadão  romano  experienciasse  estas  qualidades:    Possa o menino fortalecido pelo serviço militar  enérgico aprender a experienciar de contento  a frugalidade e abalar os ferozes Partos   em sendo cavaleiro de amedrontar pela lança    e leve uma vida ao ar livre e em meio   a ações intrépidas. (​ Ode​  III, ​ 2,​  1­6)    Outro trecho que ilustra essas instituições é: 

sono tranquilo   não é negado às casas humildes de homens  do campo ou a margem de rio sombreada,  ou ao vale do Tempe, batida pelos ​ Zéfiros11    Àquele que deseja o que basta nem                      25  preocupa o ​ mar ​ alvorotado  nem a violenta investida do ocaso  11​ 11​ de ​ Arcturus​  ​ ou do nascer de ​ Capricórnio​ ,  nem os vinhedos fustigados pelo granizo  nem o solo traiçoeiro, ora as árvores culpando   as chuvas, ora os astros que ressequem  os  ​ campos​ ,  ora  ​ intempéries  irregulares​ .  (​ Ode  III,  ​ 1,  21­32  ­  grifos meus)    Nele  é  prometida  a  recompensa  da  tranquilidade  àquele  que  se  contenta  com  a  vida  modesta,  além  da   conquista  de  uma  característica  inabalável,  (seja  pelas  dificuldades  representadas  pelo  ​ mar​ ,  seja  pela  passagem  do  tempo,  seja  pelo  reflexo,  na  agricultura,  da  mudança de tempo.  Nesse  reflexo   das  ​ intempéries  irregulares  ​ no  campo,  ​ podemos  reconhecer  a  presença  do  ​ labor,  ​ instituição  relativa  ao  valor  ético  do  trabalho,  simbolizando  o  meio  pelo  qual  o  cidadão adquire dignidade e reconhecimento comum, ao promover seu próprio sustento  A ​ potestas  ​ é  a  instituição  que  diz   da  execução  do  poder,  podendo  ser relacionada aos  lideres políticos, ou, mesmo, aos deuses. Assim, observemos:    “oh, não! não vá o prometido  inexperiente nas fileiras provocar o ​ leão  áspero ao toque, o qual fúria sanguinária  arrebata   por  entre  o  foco  da  devastação”  (​ Ode  III,  ​ 2,  8­12  ­  grifo  meu)    Neste  trecho, no contexto  do  incentivo ao serviço militar, o termo ​ leão é utilizado para  ilustrar  de  um  lado,  o  ideal   de  soldado  romano,  irrefreável,  que  não  pode  ser  derrotado;  por  outro, Roma, cidade detentora do ​ poder​ , que serve de exemplo para as demais.  Já  em  relação  à  ​ potestas  ​ associada  a  uma  divindade,  destaco  os  seguintes  versos,  em  que podemos observar o caráter impositor da qualidade de ​ potestas, ​ exercida pela ​ Virtude​ :            Em   relação  a  ​ Zéfiros,  Arcutus  ​ e  ​ Capricórnio​ ,  pode  se  estabelecer  uma  relação  de  mudança  de  estações, simbolizando a ​ contantia ​ dos valores ​ frugalitas e paupertas​ , através do tempo  11

A ​ Virtude ​ ­ que destranca o céu aos que  não mereciam morrer ­, se lhe negada passagem,  toma ​ seu caminho e ​ impinge ​ os pés na massa  do  vulgo  e  o  no  chão  molhado,  em  fugindo  com  asa.  (​ Ode  III,  ​ 2,  21­24 ­ grifos meus)      Considerações finais    Considerando  a  perspectiva  temporal  estabelecida  por  SILVA  ​ (2015),  em   sua  Tese  de  Mestrado, relativa  à união do passado, do presente e do futuro, podemos observar que toda  a  ação  de   Otaviano  em  voltar  o  olhar  para  costumes  ancestrais  (passado),  buscando  reestabelecê­los  (no  presente), além de ser constituinte de sua própria ​ virtus ​ e essencial para a  aquisição  do  título  de  ​ princeps,  ​ é   repercutida  no  futuro,  dada tamanha importância, por meio  da história, da arquitetura e da literatura.  Evidentemente,  essa  constituição  da  ​ virtus  própria  também  se  estende­se  ao  poeta  Horácio  que,  através  de  suas  ​ Odes​ ,  pratica  sua  civilidade,  atribuindo  à  sua  obra  um  caráter  educacional e formador.                                                 

  Referências Bibliográficas     LEMOS,  Márcia  Santos.  2010.  ​ O  ‘mos  maiorum’  e  a  fortuna  do  Império  Romano  no  século IV d.C.  ​ Dimensões ​ 25:​  46­62    LEMOS,  Márcia  Santos.  2013.  ​ A  elite   senatorial,  o  ​ mos  maiorum  ​ e  a  ​ fortuna  no  Império  Romano  nas  crônicas  do  século  IV d.C. ​ Anais Eletrônicos ­  VI Encontro Estadual de  História ­ ANPUH/BA: 1­10    RIBEIRO,  Prisciane  Pinto  Fabrício.  2012.  ​ Elementos  cívicos  da sociedade romana: o  mos  maiorum  ​ na  lírica  de  Horácio.  ​ Anais  do  I  Encontro  de  Estudos  Clássicos  da  Bahia  ​ 1:  146­156    ROCHA  PEREIRA, Maria Helena. ​ Ideias morais e políticas dos romanos. In: Estudos  de História da Cultura Clássica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989    SILVA,  S.  B.  ​ Augusto  e  a  ressignificação  das  virtudes  cívicas.  ​ In:  Usos  do  passado  em  Tito  Lívio:  a  construção  de  uma  memória  romana  à  época  de  Augusto  (século  I  a.  C.).  2015.  158  f.  Dissertação  (Mestrado  em  História)  ­  Universidade  Federal  de  Goiás,  Goiânia,  2015    SOUZA,  Daniel  Aparecido  de.  2006.  ​ Práticas  políticas  e  o  ​ mos  maiorum  no  principado  romano:  uma  leitura  de  Plínio,  O  Jovem.  ​ Anais   do   XVIII  Encontro  Regional  de  História  ­  O  historiador  e  seu  tempo  ­   ANPUH/SP  ­ UNESP/Assis, 24 a 28 de julho de 2006.  Cd­rom.    ARISTÓTELES,  ​ Ética  a  Nicômaco  (Livro  II)​ .  Tradução  de  Leonel  Vallandro  e  Gerd  Bornheim,  a  partir  da  versão  inglesa  de  Sir  William  David  Ross.  Abril  S.A.  Cutural:  São  Paulo, 1984   

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