Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Contributos para a história do restauro da Igreja e da Sacristia Nova (1850-1960)

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Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Contributos para a história do restauro da Igreja e da Sacristia Nova (1850–1960)

Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Contributos para a história do restauro da Igreja e da Sacristia Nova (1850–1960)

Ana Margarida Martinho

Título Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Contributos para a história do restauro da Igreja e da Sacristia Nova (1850-1960) Autora Ana Margarida Martinho Editora SINAPIS editores Concepção Gráfica Fernanda Cavalheiro Capa Fernanda Cavalheiro Impressão Várzea da Rainha Impressores SA www.varzeadarainha.pt ISBN 978-989-691-306-9 Depósito Legal 381872/14 Primeira edição: Outubro de 2014

Aos meus filhos, Sérgio e Rita

Índice Prólogo 9 Agradecimentos 13 Introdução 15 1 – Estado de conservação da igreja, desde meados do século XIX até à terceira década do século XX 18 2 – Acções de conservação efectuadas na igreja, durante a segunda metade do século XIX 31 3 – Descrição arquitectónica e artística da igreja antes das obras de reintegração pela DGEMN 45 4 – Obras empreendidas pela DGEMN na igreja, na década de 1930 70 4.1 – Capela-Mor 71 4.2 – Capelas do Deambulatório 73 4.3 – Capelas do Transepto 74 4.4 – Naves da igreja 78 5 – Parecer sobre o acervo artístico do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, na década de 1950 88 6 – Nota histórica e descrição da Sacristia Nova 110 7 – Obras empreendidas pela DGEMN na Sacristia Nova 126 8 – A desobstrução do alçado sul da igreja, na década de 1950 135 9 – Enquadramento das obras executadas pela DGEMN no Mosteiro de Alcobaça, durante o segundo terço do século XX 148 Considerações Finais 161 Bibliografia 165

Prólogo Este livro é uma obra de história e de afectos, redigida num acto de transdisciplinaridade. Nele, a Autora descreve e analisa os trabalhos de consolidação e restauro efectuados na igreja e na sacristia nova do Mosteiro de Alcobaça, durante o período de 1850 a 1960. E fá-lo, com mais este volume dedicado a um edifício cisterciense da região estremenha, num testemunho de manifesta intimidade com a sua terra natal e o monumento máximo da cidade, que ela tão bem conhece e tanto estima. Como sabemos, após a exclaustração das ordens religiosas, por decreto régio publicado em 30 de Maio de 1834, deu-se a nacionalização e o arresto compulsivo e generalizado dos seus numerosos e valiosos bens materiais. Na sequência deste processo anticlericalista, muitas igrejas e edifícios congéneres foram profanados ou vandalizados e caíram em ruínas. Quanto ao Mosteiro de Alcobaça, embora a sua igreja tenha sido aproveitada e convertida em matriz paroquial, a falta de cuidados periódicos de manutenção, em breve, abriu a porta à sua degradação progressiva. A Autora narra o estado de incúria e abandono em que jazia aquele antigo espaço monástico, o que suscitou várias críticas e pedidos de reparo dirigidos às entidades da tutela. Alegava-se que havia uma subalternidade no tratamento da igreja alcobacense, relativamente ao Mosteiro da Batalha… De facto, ao longo da segunda metade de Oitocentos e durante o primeiro terço da centúria seguinte, os “remendos” efectuados em Alcobaça foram esporádicos e pontuais, executados só em casos de acentuada urgência, por falta de dotação orçamental específica. Ape-

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nas a partir da década de 1930, graças ao dinamismo da recém-criada DGEMN – Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, esta igreja beneficiou de um programa de manutenção e de conservação sistemático, com afectação de recursos próprios. O edifício encontrava-se esquecido, maltratado e bastante desfigurado no seu prospecto medieval, mormente na zona da cabeceira, pela profusão de obras e equipamentos adventícios, fabricados durante os séculos XVI a XVIII, em decorrência das orientações contra-reformistas tridentinas ou filiados no esplendor do decoro romano. Recorde-se que, numa igreja, a capela-mor é o centro de maior importância litúrgica e, para a mentalidade daquela época, havia a convicção de que nada está em demasiada formosura, se for para a grandeza e glória de Deus. De acordo com a filosofia e as directrizes preconizadas pela citada Direcção-Geral, o planeamento das obras incluiu a reintegração do complexo eclesial e da sacristia nova à sua harmonia formal e estilística originais, com a desobstrução dos edifícios anexados. O ”regresso” à antiga sobriedade cisterciense foi considerado uma tarefa de fácil alcance pelo arquitecto Baltazar de Castro, actor principal do restauro unitário do templo, diante das evidências físicas subsistentes e que asseguravam, como valores de prova, a consecução fiel dos trabalhos previstos. O estudo de Ana Margarida Martinho expõe as realidades materiais do edifício, a necessidade das obras de conservação e o curso das actividades de restauro e salvaguarda da harmonia inicial do conjunto monástico alcobacense, a fim de o libertar de todas as excrescências barrocas consideradas inestéticas ou inúteis pelos técnicos da DGEMN, campanha que se prolongou até ao redor de 1960. Para o efeito, a Autora apoiou-se na documentação arquivística e fotográfica da ex-DGEMN (hoje, IHRU – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) e em bibliografia especializada e, sempre que possível, aferiu-as no próprio monumento, através do seu olhar advertido. As acções efectuadas pela DGEMN obedeceram ao contexto sociocultural genericamente difundido pela Europa, em que o propósito nacionalista era “obrigar” o monumento a regres-

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sar à sua forma primigénia ideal. Todavia, já naquela altura e entre nós, essa atitude gerou polémica e fora rebelada por algumas vozes dissidentes. Actualmente, estamos longe dessa ortodoxia dos estilos, com teorias mais conservacionistas e integradoras das diferentes obras de arte, que conquistaram a nossa convergência e discernimento, promovendo-se o seu “diálogo” qualificado e salvaguarda conjunta. À luz do pensamento crítico e da sensibilidade coetâneos, repudia-se o mito das origens e os excessos hermenêuticos de outrora culpados pela perda irreparável de um valioso património artístico, cuja desintegração constituiu um claro empobrecimento para a totalidade do edifício alcobacense e do país, em geral. Ou seja, antes, defendia-se a unidade de estilo, com menosprezo pelas inovações tardias; agora, defende-se a dissolução dessa uniformidade, para garantir a pluralidade estilística! O enorme acervo artístico, apeado e banido durante as obras de “purificação” da igreja do Mosteiro de Alcobaça (retábulos, talhas, pinturas, esculturas, colunas, capitéis e azulejos, entre outras peças de importância e merecimento litúrgico ou estético), foi disperso ou cedido para edifícios e monumentos de maior proximidade cronológica, outro foi depositado em museus, outro espoliado para antiquários e residências particulares, outro ainda destruído e queimado ou sepultado com a categoria de entulho e lixo, etc., etc., cuja memória a Autora procura aqui resgatar. Este livro faculta informações substantivas para a discussão dos procedimentos de trabalho adoptados na emblemática igreja cisterciense, segundo o espírito medionovecentista. Permite também continuarmos a reflectir sobre o importante tema da conservação e do restauro monumental no país e a aprofundar a escrita da sua história, quanto à qualidade, à verdade e ao rigor das obras produzidas. Nesse sentido, alerta-se para o contributo que a história do restauro de um edifício pode oferecer para o entendimento da história da sua arquitectura. É mister saber localizar as intervenções no quadro hermenêutico da sua época e assumir os valores da cultura nacional de antanho. No caso da Abadia de Alcobaça, basta determo-nos

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na situação de decaimento acelerado em que ela se encontrava, antes dos trabalhos arrolados neste volume, para reconhecermos quanto devemos à actividade dos arquitectos, em especial aos esforços hábeis dos técnicos da DGEMN, pela sobrevivência e valorização condignas deste símbolo maior da nossa arquitectura erudita. Não podemos ignorar que, naquele tempo, os conceitos, os saberes e os métodos de actuação eram ainda muito incipientes e começavam a enraizar-se e a ganhar o interesse dos estudiosos por tais assuntos. Daí que a formação desses arquitectos na arte do restauro arquitectónico fosse essencialmente empírica e confirmada nos estaleiros das obras em curso – a denominada “escola” da DGEMN –, o que definiu ou condicionou o seu perfil profissional. Hoje em dia, com um horizonte mais rasgado e perante a documentação conhecida e a diversidade de acções de preservação em edifícios e monumentos nacionais, realizadas por aquele antigo organismo oficial da tutela, agrada-nos ajuizar que a maioria desses trabalhos de requalificação histórico-arquitectónica foi norteada por preocupações de serviço e princípios éticos, ou seja, com consciência, respeito e também talento. Por isso mesmo, na sua nova dignidade e dimensão, esses bens imobiliários firmam uma quota significativa do património da arte sacra e da história monumental do país, legado que não podemos ignorar e reivindica mais solicitude e empenho do poder público. Com a nossa vigilância atenta e compromisso social, estamos a defender o passado de uma herança comum, a enriquecer a nossa expressão identitária e a acautelar o destino da memória cultural da humanidade. Virgolino Ferreira Jorge Agosto de 2014

Agradecimentos Apresento uma palavra de gratidão a todas as pessoas e entidades que, de alguma forma, contribuíram para a elaboração e publicação do estudo que agora se apresenta. Em primeiro lugar, dirijo uma palavra de gratidão ao Professor Doutor Virgolino Ferreira Jorge, que elaborou o prólogo deste livro. Sinto-me deveras agradecida pelos seus doutos conselhos e ensinamentos que me auxiliam verdadeiramente nos domínios profissional e académico. Agradeço à Direcção-Geral do Património Cultural, na pessoa do Arquitecto Manuel Lacerda, pelo auxílio nas acções tendentes às autorizações necessárias. Ao Doutor Jorge Pereira de Sampaio, director do Mosteiro de Alcobaça, agradeço igualmente pelo seu auxílio em relação aos mencionados procedimentos de autorização. Ainda que já não permaneça fisicamente entre nós, não posso deixar de recordar, saudosamente, o Dr. António Nascimento e Sousa, com quem tive a satisfação de ter longas e frutuosas conversas sobre a história do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Um Amigo que partilhava o seu conhecimento com entusiasmo e rigor. Sempre pronto a facultar a documentação que tinha na sua posse. A edição do meu livro tornou-se possível graças ao patrocínio da Caixa de Crédito Agrícola, à qual agradeço nas pessoas do Sr. José Fernando Maia Alexandre, Sr. Francisco Ramos André, Sr. Hélder Mateus Raimundo e Dr. João Alexandre Laranjeira. A publicação contou ainda com o apoio de outras entidades: agradeço à Câmara Municipal de Alcobaça, nas pessoas do Sr. Presi-

dente da Câmara, Dr. Paulo Inácio, da Sra. Vereadora da Cultura, Dra. Inês Silva, e do Adjunto Dr. Júlio Moura; agradeço à Junta de Freguesia de Alcobaça, nas pessoas da sua presidente, Isabel Fonseca, do Dr. Bruno Rego, do Sr. Luís Querido, do Dr. Bruno Adriano e Dra. Liliana Valério; agradeço ao Real Abadia Hotel, na pessoa da sua directora, Dra. Rita Leão; agradeço igualmente ao Dr. Manuel Castelhano, presidente da Cooperativa Agrícola de Alcobaça. Por último, um agradecimento muito profundo aos meus Filhos, Sérgio e Rita, pelo incentivo manifestado todos os dias, pelo senso crítico, por tudo… Eles sabem! Aos meus Pais estarei sempre profundamente grata pelo apoio incondicional demonstrado todos os dias.

Introdução O Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça constitui um símbolo significativo da pátria portuguesa, estando associado à glória militar de D. Afonso Henriques e à independência de Portugal. Foi esse o fundamento que lhe deu prioridade na campanha de restauro dos monumentos pátrios, empreendida pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais1, a partir de 1929. Nesta data, o estado de ruína do conjunto monástico cisterciense era deveras avançado, pois, na verdade, o Mosteiro havia permanecido num estado de abandono, durante cerca de um século. Aliás, uma situação comum a tantos outros monumentos, em Portugal. O novo regime político emergente, o Estado Novo, pretendia reintegrar o país na glória do seu passado histórico. Por conseguinte, tornava-se urgente e imperativo dar-se início a uma campanha de obras que permitisse reerguer a imagem simbólica e material do património histórico edificado e, consequentemente, de Portugal. Havia que restaurar e reerguer, na sua grandiosidade, as marcas identitárias do povo português, que outrora se afirmara entre as restantes nações europeias. 1  A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) foi instituída pelo Decreto-Lei 16 791, de 30 de Abril de 1929. Esta instituição tinha a seu cargo a elaboração de projectos completos para obras de reparação, restauro e conservação de monumentos e palácios nacionais e respectiva execução. Assumiu também a responsabilidade de formular os preceitos técnicos de todas as regras a serem observadas, quer no tratamento e conservação, quer na execução das obras de reparação ou restauro dos imóveis. Sobre este assunto, veja-se MARIA JOÃO BAPTISTA NETO, “A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e a Intervenção no Património Arquitectónico em Portugal (1929-1999)”, Caminhos do Património, Lisboa, DGEMN e Livros Horizonte, 1999, pp. 23-27.

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No decurso das décadas de 1930 e 1940, iniciam-se as campanhas de restauro nos monumentos nacionais. Apesar das novas orientações europeias, que defendiam a conservação integrada, mantém-se, em Portugal, uma clara continuidade na linha de actuação oitocentista no que concerne ao restauro do património histórico edificado. O ambiente ideológico-mental do novo regime enaltecia a ancestralidade da nação. Neste quadro, são valorizadas as construções identificadas com os diversos períodos históricos de glória nacional. Assim, a política patrimonial devia garantir a reposição dos monumentos no seu estado primitivo, mantendo a gramática estético-artística própria do período histórico com o qual se identificavam. Com efeito, a unidade de estilo, que vigorou em França, na segunda metade do século XIX, teve condições favoráveis para se perpetuar, em Portugal, até meados do século XX2. No presente trabalho, são estudadas as obras de restauro efectuadas no espaço monástico da igreja e da sacristia nova, incluindo também os trabalhos realizados no exterior, nomeadamente a desobstrução de toda a fachada sul do edifício. Para um entendimento mais abrangente das questões enunciadas, pareceu-nos igualmente importante a descrição do estado de conservação que as dependências monásticas apresentavam nos finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Considerámos também pertinente incluir um capítulo com a descrição das obras de reparação da igreja, executadas no século XIX. Contém ainda este trabalho o estudo e a descrição da igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, antes das obras empreendidas pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, de forma a facilitar a percepção do conjunto, considerando os aditamentos artísticos dos séculos XVI, XVII e XVIII. Na década de 1950, existe uma clara preocupação com o estado de conservação do património móvel que havia sido apeado durante as obras de restauro, nas décadas de 1930-1940. A Re2  MARIA JOÃO BAPTISTA NETO, Memória, Propaganda e Poder. O Restauro dos Monumentos Nacionais (1929-1960), Porto, FAUP, 2001, p. 153.

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partição do Património da Direcção-Geral da Fazenda Pública deu ordens para a inventariação de todos os bens culturais existentes no Mosteiro de Alcobaça. As peças dos acervos de escultura, de pintura e de pavimento cerâmico estavam distribuídas pelas várias dependências do Mosteiro, em condições inadequadas de acondicionamento. Após a inventariação do espólio restante, foi proposta a instalação de um museu no interior do monumento. Este projecto não chegou a ser concretizado. Ainda na década de 1950, foram empreendidas as obras na sacristia nova. O tecto de estuque, bem como a sua estrutura de suporte encontravam-se escorados. A análise do conjunto da cobertura revelou a impossibilidade de restauro do tecto de estuque, dado que os elementos de suporte apresentavam um estado de decaimento avançado. As estruturas da cobertura e o tecto foram demolidos. Procedeu-se à substituição de toda a estrutura antiga por uma nova estrutura. O tecto foi reconstruido, de acordo com o modelo original. Em suma, pretende-se que este trabalho possa ser um contributo para acrescentar conhecimento acerca da história da conservação e restauro do Mosteiro de Santa Maria de A­lcoba­ça, um monumento classificado como Património da Humanidade, pela UNESCO, em 1989.

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1 – Estado de conservação da igreja, desde meados do século XIX até à terceira década do século XX O Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, após a exclaustração, entrou, como a maioria dos monumentos nacionais, num processo de decaimento acelerado. O abandono a que foram votadas vastas áreas deste complexo edificado, bem como a ausência de acções de manutenção, conjugadas com o vandalismo, prejudicaram o edifício monástico e o seu património artístico. Em 1875, o Marquês de Sousa Holstein3 refere o estado de abandono que caracteriza o edificado histórico nacional. Escreve o autor: “Sobram exemplos de tudo, mas é doloroso confessar que mais foram os monumentos destruídos pela acção violenta dos homens do que pela acção vagarosa do tempo. Tempus edax, homo edacior. É inútil apresentar uma lista dos nossos monumentos históricos. Não a temos. Nunca se fez. Poder-se-ha ámanhã votar nas cortes a concessão a alguma municipalidade ou parochia de qualquer edificio velho e que ameace ruína, sem que os legisladores saibam se pelo seu voto vão consagrar o desaparecimento de um ilustre padrão de gloria nacional”4. O Mosteiro da Batalha aparece referenciado como o único monumento tratado com dignidade, dado que o Orçamento de Estado lhe destinara uma verba para o financiamento das suas obras de conservação e restauro. 3  D. Francisco de Borja Pedro Maria António de Sousa Holstein (1838-1879), filho do primeiro Duque de Palmela, foi o primeiro Marquês de Sousa Holstein. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra (1858), crescera no seio de uma família culta e ligada aos meios literários internacionais. Durante a sua estadia, como diplomata, em Itália, começou a interessar-se pela arte. Em Portugal, ganhou notoriedade como Vice-Inspector da Academia de Belas Artes de Lisboa (1862-1897). Empenhado na reforma do ensino artístico, presidiu às Comissões nomeadas em 1873 e 1875 para propor a reforma do ensino artístico, bem como a organização da tutela do património e dos museus, a segunda das quais se deveu à sua iniciativa. Foi membro da Academia Real das Ciências, da Associação dos Arquitectos Civis Portugueses e da Sociedade promotora das Belas Artes em Portugal. 4  MARQUÊS DE SOUSA HOLSTEIN, Observações sobre o Actual Estado do Ensino das Artes em Portugal, a Organização dos Museus e o Serviço dos Monumentos Históricos e da Arqueologia, Lisboa, Imprensa Nacional, 1875, p. 41.

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No que respeita ao estado de conservação do Mosteiro de Alcobaça, neste período, o autor menciona claramente a situa­ ção de “abandono e de desprezo” a que se encontrava votado o conjunto monástico e, neste âmbito, cita um académico que visitando o monumento, em 1874, teria feito a seguinte exclamação: “Que devastação, que tristeza e que ruínas! (…) Quem quizer fazer idéia do ponto a que podem chegar o vandalismo, (…) a incuria, o desleixo, a ignorancia das cousas que em toda a parte merecem a veneração de todos os homens medianamente illustrados, vá a Alcobaça”5. O estado de abandono e decaimento do monumento era frequentemente abordado pela imprensa e pela Câmara dos Deputados, dada a sua importância histórico-simbólica e artística. Em 1880, o Mosteiro de Alcobaça foi classificado como monumento nacional de primeira classe, pela Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses6. Em 1881, Joaquim Possidónio Narciso da Silva7 foi nomeado presidente da Comis5  Citado por MARQUÊS DE SOUSA HOLSTEIN, Op. cit., p. 43. 6  A fundação da Associação dos Arquitectos Civis Portugueses foi promovida, em 1863, por Joaquim Narciso Possidónio da Silva, arquitecto da Casa Real. Após as primeiras reuniões para discussão do projecto de Estatutos, foi eleita uma direcção provisória para orientar os trabalhos preparatórios. Foi então eleito para Presidente, Joaquim Possidónio da Silva; 1º Secretário, José da Costa Sequeira; 2º Secretário, Paulo José Ferreira da Costa e, Feliciano de Sousa Correia, Tesoureiro. Os Estatutos foram submetidos à aprovação régia, sendo aprovados por Decreto datado de 30 de Janeiro de 1864, passado pelo Rei D. Luís e assinado pelo Duque de Loulé. Por Alvará Régio de 14 de Novembro de 1872, a referida Associação passou a ser composta por arquitectos e arqueólogos, pretendendo contribuir para promover o progresso da arquitectura, bem como o estudo e a conservação dos objectos arqueológicos, passando a designar-se por Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses. Em 24 de Outubro de 1880, o Ministério das Obras Públicas solicita à Associação a elaboração de uma lista dos edifícios que deveriam ser considerados monumentos nacionais. A Relação dos Monumentos Nacionais veio a ser apresentada ao Governo, em 30 de Dezembro de 1880. 7  Joaquim Narciso Possidónio da Silva (1806-1896), ligado à família real, cujo exílio brasileiro (1809-1821) os seus pais acompanharam, inicia a sua formação em Lisboa com Domingos António Sequeira e, após o exílio deste, com Germano Xavier Magalhães (arquitecto da Ajuda) e o pintor Landim, sendo por influência de Sequeira que partirá para Paris a fim de completar a sua formação, primeiro na École de Beaux Arts e, depois, no atelier dos arquitectos Percier e Fontaine. Nesta época, começa a interessar-se pela Arqueologia, tendo frequentado as aulas de Arcisse de Caumont. De volta a Portugal, em 1833, junta-se ao 1º batalhão de voluntários do Comércio, sendo quase de seguida nomeado Arquitecto da Casa Real (1834). Nesta qualidade, trabalhou nas obras de remode-

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são dos Monumentos Nacionais, pelo Ministério das Obras Públicas, e, no âmbito deste cargo, assumiu a missão de descrever o estado de conservação dos monumentos nacionais de primeira classe, recebendo também a incumbência de proceder ao levantamento das suas plantas e alçados. Este trabalho tinha a finalidade de servir de base às acções de intervenção, no âmbito da conservação e restauro, a serem delineadas para os monumentos nacionais e, ao mesmo tempo, permitia a preparação necessária com o objectivo de o governo passar a assegurar, de forma permanente, a guarda e a conservação dos edifícios históricos classificados8. O relatório, resultante do trabalho efectuado, datado de 1884, descreve o estado de conservação do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. De acordo com o parecer do presidente da Comissão dos Monumentos Nacionais, a situação de “ruína” lação, dos palácios da Pena (1834), Alfeite (c. 1838), Belém, Caxias, Santa Marta (1838), Janelas Verdes (1844), Necessidade (1844-1846), Mafra (1859) e Vila Viçosa (1869). Trabalhou na instalação da Câmara dos Deputados no convento de São Bento e nas obras de adaptação do convento da Trindade. Foi ainda responsável por variadas obras de remodelação de palacetes particulares e pelos projectos de prédios nas ruas da Mãe de Água (1841) e de S. Domingos à Lapa. Entre os seus projectos não construídos, contam-se o projecto de conclusão do Palácio da Ajuda (1834), de um edifício de banhos para o Passeio Público (1835), de um museu de Belas artes para Lisboa (1873). Concebeu projectos de restauro para a igreja dos Jerónimos (1867) e a capela do Fundador do mosteiro da Batalha (1873), trabalhos que apresentou nas Exposições Universais de Paris e Viena. Fez parte de numerosas Comissões oficiais, nomeadamente das Comissões Directora da Exposição de Lisboa e Preparatória da Exposição Universal de Londres (1861), da comissão encarregada de elaborar o “plano geral de melhoramentos da capital” (1865), da comissão encarregue de propor a reforma do ensino artístico, dos museus e do serviço de monumentos nacionais e de Arqueologia (1875). Fez parte da comissão que elaborou o primeiro inventário do património nacional (1880) e presidiu à comissão nomea­da em 1881 para proceder ao levantamento gráfico, e das memórias descritivas desses monumentos. Pertenceu à primeira Comissão dos Monumentos Nacionais (1884). Como arqueólogo, dirigiu escavações em Santa Luzia (Viana do Castelo), Tomar e Ajuda. Em 1863, criou a Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses. Foi membro de numerosas associações internacionais dedicadas à arquitectura e à arqueologia. Deixou uma obra escrita considerável ligada ao estudo do património arquitectónico e arqueológico nacional. Cf. MARIA HELENA MAIA, Património e Restauro em Portugal (1825-1880), Lisboa, Edições Colibri, 2007, pp. 35-36. 8  Por Portaria de 29 de Dezembro de 1881, Joaquim Possidónio da Silva foi nomeado presidente da Comissão dos Monumentos Nacionais. Acerca deste assunto, consulte-se JOAQUIM POSSIDÓNIO DA SILVA, Relatorio da Commissão dos Monumentos Nacionaes, Lisboa, Imprensa Nacional, 1894, p. 3.

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apresentada pelo complexo edificado resultava do “vandalismo”, consequente da “inexistência de vigilância”, que tanto prejudicava o edifício, assim como o acervo que o integrava. Naquela que refere ser a sua primeira visita ao monumento, em 1836, salienta que as numerosas portas do interior do edifício já não tinham fechaduras, que a galeria superior do Claustro de D. Dinis apresentava o vigamento a descoberto, e que as tábuas do pavimento do dormitório haviam sido todas retiradas9. Acerca deste assunto, a documentação indica que, em 1841, o Ministério da Guerra comunicara ao Ministério da Obras Públicas os estragos por vandalismo que “pessoas mal intencionadas têm feito nos dormitórios do extinto Mosteiro de Alcobaça, queimando os solhos e arruinando o edifício”10. O autor critica o executivo camarário por ter autorizado, a alguns particulares, o levantamento das lajes do pavimento do Claustro de D. Dinis, na galeria norte, com a finalidade de serem aplicadas na reconstrução dos passeios do Rossio da vila11. Referindo, ainda, o facto de a edilidade alcobacense ter mandado “arrancar os pés de cantaria das mesas do refeitorio, os quais em fórma de pilares, ornados de columnetas nas arestas, estão servindo hoje de sumidouros nas ruas”12. Esta situação concreta remete-nos para Alexandre Herculano, que responsabilizara, muito especialmente, as vereações das Câmaras Municipais pelo estado de ruína do património histórico edificado, dado que, segundo as suas palavras, com frequência, “votam a demolição de construções históricas para fazer arranjos urbanísticos ou simplesmente para aproveitar a pedra, quando na realidade lhes competiria zelar pelo património das suas circunscrições”13. No que diz respeito ao espaço da igreja, a documentação refere o estado de degradação da cobertura que, aliado ao dis9  JOAQUIM POSSIDÓNIO DA SILVA, Relatorio da Comissão dos Monumentos Nacionais, Lisboa, Imprensa Nacional, 1894, p. 17. 10  A.H.M.O.P, IGOP 1-1, fl. 176. 11  As lajes foram aplicadas na reconstrução dos passeios no Rossio. 12  JOAQUIM POSSIDÓNIO DA SILVA, Op. cit., pp. 18-19. 13  Citado por MARIA HELENA MAIA, Op. cit., p. 95.

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funcionamento da rede de drenagem das águas pluviais, prejudicava de forma significativa o seu interior, contribuindo para o acentuado decaimento. Os problemas de infiltração das águas ameaçavam a estabilidade das abóbadas, nomeadamente na capela-mor, no deambulatório e nas capelas radiantes. Além disso, o alto nível freático, que qualifica o local de implantação do Mosteiro, facilita a ascensão de humidade por capilaridade14. Existiam ainda outras condições que facilitavam a entrada de água no interior da igreja, assim vejamos: a presença de vãos de portas e de janelas com caixilharias degradadas e com vidros partidos; o topo do transepto sul estava aterrado cerca de três a quatro metros, pelo exterior15 (Fotos 1, 2, 3 e); a existência de uma construção de planta rectangular com orientação de norte para sul tapava, exteriormente, o braço sul do transepto, junto ao lugar correspondente à capela do Trânsito de S. Bernardo16 (Figura 1 e Foto 5). A obstrução dos limites sul-nascente da cobertura das capelas do transepto sul dificultava o normal escoamento das águas nesta área. Além disso, uma parte dos telhados da estrutura edificada, anteriormente referida, escoava as suas águas em direc14  A humidade ascendente pode ser definida como o fluxo vertical de água que consegue ascender do solo, através do fenómeno da capilaridade, para uma estrutura permeável. A ascensão de água, nas paredes, pode ocorrer até alturas significativas, depende das seguintes situações: condições de evaporação de água que para aí tenha migrado; porosidade e permeabilidade do material; quantidade de água que se encontra em contacto com a parede. Em várias zonas do mosteiro, são identificáveis os sintomas de humidade ascensional através da diferença de tonalidade do paramento, de uma zona mais escura para uma mais clara. Os sais existentes no solo e nos materiais de construção dissolvem-se na água, sendo arrastados por esta até à superfície da parede, onde cristalizam quando ocorre a evaporação da água, dando origem às eflorescências. 15  O vão da porta dos mortos, situado no topo do braço sul do transepto, encontrava-se inteiramente soterrado. 16  Esta construção era propriedade do Asilo Maria e Oliveira, sendo designada na documentação por “celeiro”. Numa carta datada de 18 de Março de 1931, dirigida ao Arquitecto Baltazar de Castro, Director dos Monumentos Nacionais do Norte, António Vieira Natividade refere a necessidade urgente da aquisição do dito celeiro, dado que a sua demolição permitia a desobstrução de uma grande parte da cabeceira da igreja. Cf. Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Carta datada de 18 de Março de 1931, escrita e enviada por António Vieira Natividade a Baltazar de Castro.

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ção à cobertura plana das capelas, facilitando o empoçamento e o consequente processo de infiltração. Com efeito, a acumulação das águas pluviais na cobertura das capelas do deambulatório, assim como na cobertura do braço sul do transepto, gerava a infiltração nas abóbadas e a escorrência de água por percolação nas paredes das capelas radiantes. Manuel Vieira Natividade reporta-se a este assunto de uma forma muito esclarecedora: “as águas invadiram as capelas da charola, promovendo a destruição da talha dourada e o apodrecimento dos quadros nelas existentes”17. Em 1885, conta ainda Vieira Natividade que, por todo o mosteiro, é notório um grande desleixo e um grande abandono, por não existir vigilância adequada. Na sala dos reis, entra a água, favorecendo a destruição do património ali existente. O autor mostra a sua preocupação, relativamente ao conjunto de esculturas de barro cozido e policromado, com a representação dos reis de Portugal, bem como em relação ao revestimento azulejar das paredes desta dependência, datado do século XVIII. Por outro lado, refere também que a sala dos túmulos tem sido “pessimamente vigiada”, traduzindo-se este facto na destruição silenciosa e permanente das arcas tumulares de D. Pedro e de D. Inês de Castro. O historiador alcobacense alertou igualmente para o mau estado de conservação da capela-mor e da charola, atribuindo a responsabilidade desta situação a um engenheiro que há poucos anos estivera em Alcobaça, mandando destruir um telhado que havia sobre o eirado da charola, que servia para a resguardar das águas. Em resultado desta obra, agravou-se a infiltração das águas no deambulatório, e nas suas capelas, facilitando e acelerando o processo de destruição do respectivo equipamento artístico18. A informação enviada, em 1860, pelo Director das Obras Públicas do Distrito de Leiria ao respectivo Ministério referia a urgência na conclusão das reparações na parte exterior da capela-mor, nomeadamente nos “botaréus e terraços” (Fotos 6 e 7). 17  MANUEL VIEIRA NATIVIDADE, O Mosteiro de Alcobaça. Notas Historicas, Coimbra, Imprensa Progresso, 1885, p. 191. 18  IDEM, Op. cit., passim.

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De acordo com a documentação, consultada no Arquivo do Ministério da Obras Públicas, o telhado que protegia a cobertura do deambulatório teria sido retirado aquando das obras realizadas na década de 1860. A totalidade das condições supracitadas propiciava a acumulação de humidade no interior da igreja, de tal forma que, durante os períodos chuvosos, o nível da água, no seu pavimento, chegava a atingir uma altura considerável, causando mesmo dificuldades à circulação de pessoas. Em 1931, António Vieira Natividade expôs este assunto da seguinte forma: “Em toda a extensão do lado sul da igreja e numa pequena parte do lado nascente, há pontos em que a altura do aterro, feito no século XVIII, é superior a quatro metros, o que dá origem a que as águas das chuvas se infiltrem nas paredes, acontecendo até – como ontem e hoje, por exemplo – a altura da água atingir os três centímetros em alguns sítios sobre o lajedo do piso”19. Esta situação impedia o normal funcionamento das cerimónias litúrgicas na igreja, sendo forçada a mudança para outras igrejas da vila, sempre que se verificava o aumento da pluviosidade. A situação era tão gravosa que, em 1941, o pároco Manuel José Vitorino dirigiu uma carta ao director dos Monumentos Nacionais alertando-o para o facto de as obras em curso não conseguirem resolver os problemas existentes na igreja do Mosteiro, mencionando os vidros caídos das rosáceas e dos vãos de janelas, bem como as infiltrações de água que se verificam na parte sul da charola. Neste enquadramento, a igreja foi considerada pelo Delegado de Saúde como um “autêntico laboratório de doenças”20. Na verdade, António Vieira Natividade vinha alertando, desde 1930, a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), para a urgência da realização dos trabalhos 19  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – António Vieira Natividade, Cartas dirigidas ao Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte, Alcobaça, 24 de Abril de 1931 e 18 de Maio de 1931. 20  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Padre Manuel José Vitorino, Carta dirigida ao Director dos Monumentos Nacionais, Alcobaça, 3 de Novembro de 1941.

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de desaterro no topo do transepto e de desobstrução da fachada sul da igreja, incluindo a demolição das construções adossadas. Somente estas obras poderiam resolver os problemas das infiltrações de águas pluviais na igreja. Porém, esta empreitada só viria a ser iniciada no ano de 195521. Na parede poente do braço sul do transepto, frente à capela do Trânsito de São Bernardo, abre-se a sala dos túmulos22 (Fotos 10 e 12). Esta dependência registava um elevado teor de humidade, resultante da permeabilidade da sua cobertura às infiltrações das águas pluviais, colocando em risco a estabilidade da abóbada do panteão régio (Foto 12). Efectivamente, o edifício adossado ao alçado lateral sul da igreja, designado na documentação por Colégio de Nossa Senhora da Conceição, envolvia, pelo exterior, a sala dos túmulos (Fotos 11 e 12). O acesso da igreja para este edifício fazia-se através de um vão de porta rasgado na parede poente do transepto sul23. Actualmente, no interior da igreja, a observação in situ permite comprovar o entaipamento do referido vão, sendo visível a diferença de cor e de textura dos blocos de calcário aparelhado, em comparação com a restante parede. Por outro lado, na parte exterior, persistem as marcas do arranque da abóbada, sendo perfeitamente visíveis os vestígios do vão que ali existira (Foto 13). Em 1869, em virtude do péssimo estado de conservação do panteão régio de Alcobaça, Joaquim Possidónio da Silva diri21  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – António Vieira Natividade, Carta dirigida ao Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte, Alcobaça, 18-03-1931. 22  A construção neogótica, datada do século XVIII, é atribuída ao engenheiro Guilherme Elsden. No seu interior, estavam as arcas tumulares de D. Pedro I e de D. Inês de Castro, que, pela falta de vigilância, iam sofrendo lacunas significativas nos seus altos-relevos. 23  Numa descrição da igreja, elaborada por Frei Manuel de Figueiredo em 1781, é referida a existência do supradito vão da seguinte forma: “ (...) No braço mais estreito do Cruzeiro, da parte do Poente fronteiro ao altar de S. Pedro hum arco com 26 palmos de altura e 14 de largo, com uma escada de 42 degraos, larga 15 palmos dão serventia para o Collegio de N. Senhora da Conceição (...)”. O edifício referido por Frei Manuel de Figueiredo foi demolido em 1955/1956, aquando das obras empreendidas pela DGEMN. Veja-se FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, “Descrição da Igreja de Alcobaça em 1761”, em Vergílio Correia, Obras – Estudos Monográficos, Vol. V, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1978, p. 99.

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giu uma representação à Câmara dos Pares, para que a edilidade alcobacense, entidade responsável pela vigilância e manutenção desta dependência, fosse questionada acerca da existência de uma construção cuja estrutura envolvia a sala dos túmulos, colocando a sua abóbada em risco. Tratava-se, pois, do edifício do antigo Colégio de Nossa Senhora da Conceição, que, naquele tempo, tinha a funcionalidade de celeiro. Sobre este assunto, a edilidade informou a Câmara dos Deputados que, já em 1834, existia construída sobre a mesma abóbada uma casa, mas que a abóbada está protegida das águas pluviais através de um telhado. Porém, a serventia para esse corpo edificado estava vedada à Câmara Municipal por constituir propriedade particular, pelo que fiscalizavam apenas a conservação do interior da sala dos túmulos24. A vigilância desta sala havia sido confiada à Câmara Municipal de Alcobaça, em 10 de Fevereiro de 183825. A excessiva humidade existente no panteão régio, sala que, na época, acolhia as arcas tumulares de D. Pedro I e de D. Inês de Castro, era visível pela escorrência de água por percolação e pela acentuada infestação liquénica. A degradação avançada nos telhados do edifício do Colégio de Nossa Senhora da Conceição contribuíra significativamente para a acumulação das águas pluviais sobre o extradorso da abóbada da sala dos túmulos. Em finais do século XIX, a insalubridade e a falta de vigilância desta dependência levantou a questão da necessidade da mudança dos túmulos de D. Pedro e de D. Inês de Castro para outro local do Mosteiro, que apresentasse melhores condições. Esta ideia de mudança dos túmulos foi encarada por Manuel Vieira Natividade com algumas reservas, alertando o 24  Na sequência deste assunto, durante a década de 1870, foram realizadas algumas obras de conservação na Sala dos Túmulos. As mesmas consistiram no isolamento deste espaço em relação ao edifício do Colégio de Nossa Senhora da Conceição que o envolvia pelo exterior. Foi necessário desmontar e fazer de novo os madeiramentos, incluindo o levantamento de frechaes e tábuas de ponto, bem como o levantamento e limpeza dos telhados e a substituição de telhas degradadas. 25  Vejam-se as determinações nas Portarias do Ministério da Fazenda e Comissão Interina do Crédito Público, datadas, a primeira, de 4 e, a segunda, de 29 de Agosto de 1837, respectivamente.

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historiador para a necessidade urgente de se efectuar uma drenagem da humidade existente nesta dependência. Não obstante, e dada a dificuldade na resolução do problema, em 1912, Charters de Azevedo, director das Obras Públicas de Leiria, em concordância com Vieira Natividade, levantou a hipótese da remoção das arcas tumulares para a sala dos reis, “onde essas preciosidades artísticas ficarão em melhores condições de conservação e de modo a poderem evidenciar nitidamente os primores da sua factura delicadíssima”26. A observação das arcas tumulares permite-nos identificar as inúmeras lacunas existentes nos seus elementos escultóricos. Durante um período de tempo bastante significativo, cerca de um século, o abandono e a falta de vigilância criaram as condições propícias a que os visitantes não saíssem do mosteiro sem uma “recordação” dos túmulos de D. Pedro e de D. Inês de Castro. Este tema é abordado por Vieira Natividade quando refere que a sala dos túmulos “foi pessimamente vigiada, porque alguns visitantes querendo levar recordações do mosteiro, não vacilaram em mutilar as figuras e arabescos que lhes ofereciam menor resistência, esquecendo-se que o seu estúpido desejo é um roubo feito à arte”27. Ainda acerca deste assunto, em 1888, menciona o escritor Alberto Pimentel, nas suas Chronicas de Viagem: “É verdade que os francezes roubaram todas as alfaias valiosas do mosteiro; que abriram sacrilegamente os túmulos de D. Pedro e de D. Inez, para arrancar aos cadáveres as suas ricas vestes reaes; mas em nome da liberdade, os indígenas foram depois roubando, a exemplo dos franceses, as relíquias e as pedras, indifferentemente, os santos e as cantarias; a verdade é que os governos do fim do século não são menos vândalos do que os francezes do principio d’elle, porque não tardará muito, talvez, que toda a abóbada do templo, já fendida desabe”28. 26  Semana Alcobacense de 24 de Março de 1912. 27  MANUEL VIEIRA NATIVIDADE, O Mosteiro de Alcobaça. Notas Historicas, Coimbra, Imprensa Progresso, 1885, p. 191. 28  Veja-se ALBERTO PIMENTEL, Chronicas de Viagem, Porto, Typ. e Lyt. de Eduardo da Mota Ribeiro, 1888, p. 32.

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Em 1928, na obra Inês de Castro, António de Vasconcelos descreve as condições de insalubridade e de ausência de luminosidade que caracterizavam a sala dos túmulos, considerando um erro lamentável a mudança dos túmulos de D. Pedro e de D. Inês de Castro para aquela dependência. O autor faz uma comparação entre este espaço e uma cisterna, onde o ambiente saturado de humidade, os líquenes e o salitre contribuem para o mau estado de conservação das arcas tumulares. Escreve o autor: “Afigura-se-me que a trasladação dos túmulos, do transepto para a casa onde estão, foi um erro lamentável. O principal inconveniente da desastrada mudança, foi mergulhá-los num ambiente saturado de umidade, onde líquenes parasitários e salitre corrosivo teem já feito bastantes estragos, que aumentarão progressivamente, se não se acudir sem demora aos dois monumentos, removendo-os dali. (…) É ali, naquela casa, verdadeira cisterna cheia de umidade, nem osculada pelo sol a não ser um pouco por fim da tarde, nem bafejada por ar seco e renovado, que se conservam actualmente os monumentos tumulares, de que nos vimos ocupando. O seu estado de conservação é lamentável. São os dois rombos enormes, a que nos referimos, e que levaram muito ornatos e figuras; são muitas outras decorações mutiladas, muitas e muitas figuras sem cabeça, ou sem braços ou pernas; são vários outros vestígios de sevícias que lhes teem sido infligidas. Obra dos franceses, ou de portugueses? Maus tratos intencionais, ou simples desastres ocasionais, reveladores de falta de cuidado? Bem lamentável é que seja o resultado, talvez, de todas estas causas, as quais hajam cooperado para tam grande e irremediável prejuízo. Mas, o que é preciso dizer-se em voz alta, para que todos ouçam, é que a acção deletéria da umidade constante, a que estão sujeitos, tem produzido e continua a produzir, dia a dia, estragos já bem visíveis, e acabará por inutilizar e destruir aquelas jóias de valor inestimável. A sua permanência ali, por mais tempo, constitui um verdadeiro crime. É preciso acudir-se-lhes quanto antes. Praticará uma obra altamente meritória, quem fizer novamente remover os sarcófagos de Pedro e de Inês para os lugares, a que de princípio foram desti-

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nados, onde primitivamente foram colocados, onde estiveram cerca de quatro séculos e um quarto, e donde nunca deviam ter saído. Ali ficarão em condições muito higiénicas, darão grande realce ao magnífico templo, e a grandiosidade dos próprios monumentos, apesar de mutilados, avultará consideravelmente; serão além disso banhados de excelente luz, para poderem estudar-se e admirar-se convenientemente por todos os lados, sem o triste auxílio da chama de uma vela, a que actualmente tem de se recorrer. É uma obra meritória e inadiável, cuja realização os alcobacenses, amigos da sua terra, como o foi apaixonadamente Manuel Vieira Natividade, devem promover quanto antes”29. Em 1940, o problema da falta de condições, na sala dos túmulos, continuava sem solução. Neste contexto, a Câmara Municipal de Alcobaça solicitou ao Ministro da Educação Nacional a remoção dos túmulos para o seu primitivo local (frente à capela de São Bento – primeira capela do transepto sul, junto ao deambulatório), aludindo ao facto de o panteão régio constituir um espaço impróprio para conter as duas arcas tumulares, em virtude das suas dimensões reduzidas, da ausência de luminosidade e da excessiva humidade no interior do recinto30. Acerca deste assunto, foi elaborado um parecer por Luiz Varela Aldemira 29  ANTÓNIO DE VASCONCELOS, Inês de Castro – Estudos para uma Série de Lições no Curso de História de Portugal, Barcelos, Editora Sólivros de Portugal, 1983, pp. 67 e 68. 30  Originalmente, as duas arcas monumentais do rei D. Pedro e de D. Inês de Castro encontravam-se dispostas a par, no braço sul do transepto, frente à capela dedicada a São Bento. Fernão Lopes, quando escreve, na primeira metade do século XV, a Crónica de D. Pedro, chama a atenção para essa singularidade: os monumentos funerários de D. Pedro e de D. Inês estavam não à entrada, onde jazem os reis, mas dentro na igreja à mão direita, próximo da capela-mor. A construção do novo espaço, destinado a receber todos os túmulos reais à guarda do Mosteiro de Alcobaça, verificou-se por volta de 1770, tendo-se optado pelo formulário artístico neogótico. A trasladação dos túmulos para o novo panteão ocorreu entre 1782 e 1786, o espaço de tempo decorrido entre as duas visitas que a rainha D. Maria I (1734-1816) realizou a Alcobaça naquelas datas. Os túmulos de D. Pedro e de D. Inês foram também, naquele tempo, deslocados para a nova casa tumular, sendo colocados junto à parede poente com os faciais dos pés voltados um para o outro. A última mudança dos túmulos de D. Pedro e D. Inês ocorreu no ano de 1957, aquando da visita de Estado da Rainha Isabel de Inglaterra a Portugal. Cf. JOSÉ CUSTÓDIO VIEIRA DA SILVA, O Panteão Régio do Mosteiro de Alcobaça, Lisboa, IPPAR, 2003, pp. 29 e 38.

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e, no seu entender, os túmulos deveriam ser colocados nos braços norte e sul do transepto. O autor justifica, por estas palavras, a proposta apresentada: “ (…) Não há duvida que os sepulcros de D. Pedro e de D. Inez devem voltar para o interior do templo onde os colocou a vontade dos monges contemporâneos do Rei Justiceiro. Mas, como arrumar essas preciosidades na vasta nave transeptal? Deposita-las juntas como se fez há séculos, em frente da capela que teve a invocação de S. Pedro, lado da Epistola (os topos da banda dos pés voltados para o altar) hoje não se compreende, dada a natureza diversa do culto, paroquial e não monástico, e, principalmente pelo desequilibrio do magestoso ambiente que dahi resultaria. Já não se cumpre o legado régio, que determinava aos seis capelães o dever de cantarem diariamente na referida capela, a Missa Réquiem, um responso de defuntos, e de cruz alçada e água benta, envolverem os jazigos em fumo de incenso. Na actualidade são outros os actos a celebrar na Igreja abacial, favorecendo os túmulos para outra colocação mais harmoniosa. São dois monumentos nacionais; pertencem ao grande publico que ali vai receber emoções de estética, sem excluir as de piedade. Estudando o problema no próprio local, quando ali estivemos em Setembro do ano findo, por ocasião do estagio efectuado pela 3ª Missão Estetica de Ferias, concluímos por dar-lhe a seguinte solução: um tumulo em cada braço do transepto, o seu lado maior disposto na longitudinal, os faciais dos pés convergindo para o centro do cruzeiro, e portanto as cabeceiras voltadas para os extremos do transepto, como se indica na planta que acompanha este parecer (…) Da nova colocação proposta, a única, que em nosso entender beneficiará os famosos sepulcros na austeridade do interior cisterciense, resultará talvez a necessidade de erguer em volta dos referidos mausoléus, uma simples defesa adequada ao estilo, e presença efectiva de um guarda que vigie a conservação daquelas obras de arte (…)”31 (Figura 2). 31  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Parecer da Junta Nacional de Educação, 1ª Subsecção, 20 de Junho de 1940.

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Esta mudança só viria a concretizar-se, em 1957, ano da visita de Estado da Rainha Isabel II de Inglaterra a Portugal, passando também pelo Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. A mudança dos túmulos foi feita em Janeiro do referido ano. Os trabalhos de transladação foram acompanhados por Arantes de Oliveira, Ministro das Obras Públicas, executados por uma brigada de pessoal dirigida superiormente pelo arquitecto Vaz Martins e assistidos pelo engenheiro Henrique Gomes da Silva, Director-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais32 (Fotos 14, 15, 16 e 17). 2 – Acções de conservação efectuadas na igreja, durante a segunda metade do século XIX Apesar da intensa carga histórica e simbólica, o cenóbio alcobacense não teve a primazia na campanha de restauro dos monumentos nacionais, no século XIX. Considerando as despesas com o restauro do Mosteiro da Batalha e com as obras no Mosteiro dos Jerónimos, existiram, certamente, dificuldades de dotação orçamental para a realização de obras no Mosteiro de Alcobaça. Acerca deste assunto, em 1885, o Prior António Miguel d’Almeida, pároco de Alcobaça, escreveu uma carta a Joaquim Possidónio da Silva, na qual referia que a verba destinada ao Mosteiro da Batalha deveria ser dividida pelos dois monumentos. Não obstante a importância do factor orçamental, a diversificação arquitectónica nas épocas e nos respectivos programas decorativos dificultaram, de igual modo, a concretização de uma intervenção de restauro no edificado monástico de Alcobaça. Através da documentação examinada, podemos constatar que, a partir da década de 1850, se efectuaram obras de reparação em alguns espaços e estruturas construtivas da Abadia de Alcobaça. Por conseguinte, entre os anos de 1857 e 1860, realizaram-se obras de reparação na parte exterior da capela-mor, nos arcobotantes, na cobertura do deambulatório e ainda nos 32  O Alcoa, 31 de Janeiro de 1957.

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telhados. Foram também colocados alguns vidros nas janelas da igreja. Em 1860, o Director das Obras Públicas do distrito de Leiria informou o seu Ministério acerca da degradação do Mosteiro de Alcobaça, registando a urgência na conclusão das obras iniciadas nos “Botaréus e Terraços”. Considerou ainda como prioridade a intervenção na cobertura do edifício da biblioteca, pois apresentava o risco iminente de desabamento33. Durante a década de 1870, foram levadas a efeito algumas obras no exterior do panteão régio, numa tentativa de reduzir o alto teor de humidade registado nesta dependência34. As obras executadas na década de 1880 incluíram o restauro da cúpula da torre norte do mosteiro, atingida por um raio, em 1881. Neste contexto, Lucas José dos Santos Pereira, arquitecto responsável pelas obras de restauro do Mosteiro da Batalha, foi requerido para orientar e fiscalizar o apeamento de cantarias da cúpula da torre norte do Mosteiro de Alcobaça. De igual modo, em 1885, concluíram-se as obras de reparação do tecto da sacristia nova, que apresentava múltiplas fendas. Fora igualmente reparada a cobertura da galeria sul do claustro de D. Dinis. Fizeram-se ainda alguns arranjos nas fendas das abóbadas da igreja, e os “pegões do tecto da Capella Mór” ficaram concluídos35. Na década de 1890, a silharia da igreja foi limpa a “ferro” e as mísulas inferiores, que servem de remate às colunas adossadas aos pilares estruturais, foram decoradas neste período. Acerca deste assunto, escreveu António Augusto Gonçalves: “Nos topos das secções das columnas que foram em outro tempo cortadas (provavelmente em reforma fradesca) alindaram, fantasiando umas decorações (…)”36. 33  Deliberações tomadas no Conselho de Obras Públicas datado de 7 de Julho de 1860. AHMOP – Livro 10 de Consultas do Conselho Superior de Obras Públicas e Minas, fls. 68-69. 34  TT – MPCI, mc. 1147, doc. 20. 35  TT – Correspondência artística e scientifica nacional e estrangeira com Joaquim Possidónio da Silva, t. XIV (8º) doc. 3383, Carta dirigida a Joaquim Possidónio Narciso da Silva, pelo pároco de Alcobaça, 4 de Julho de 1885. 36  Citado por LÚCIA MARIA CARDOSO ROSAS, Monumentos Pátrios: A Arquitectura Religiosa Medieval – Património e Restauro, Vol. II, Porto, Tese de Douto-

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Em suma, as obras de reparação, realizadas na segunda metade do século XIX, pautaram-se por grandes períodos de interrupção, não obedecendo a um projecto de recuperação sistemático e continuado. Só mais tarde, em 1929, o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça viria a constituir uma prioridade no plano de obras empreendido pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.

ramento em História da Arte, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto (texto policopiado), 1995, p. 27.

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Foto 1 – Alçado do transepto sul da igreja. Porta dos mortos aterrada pelo exterior. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 2 – Alçado do transepto sul da igreja. Pormenor da porta dos mortos desaterrada. Foto de 1956. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 3 – Transepto sul: alçados exteriores. Foto de 1956. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 4 – Transepto: alçado sul. Foto da autora (2011).

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Foto 5 – Estrutura edificada de planta rectangular localizada junto ao alçado nascente do transepto sul. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Fig. 1 – Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça.Legenda: A – ­Edifício junto à Capela do Trânsito de São Bernardo (exterior); B – Capela do Trânsito de São Bernardo. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 6 – Arcobotantes da capela-mor da igreja do Mosteiro de Alcobaça. Eirado da charola como a designa Manuel Vieira Natividade. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

Foto 7 – Arcobotantes da capela-mor da igreja do Mosteiro de Alcobaça. Eirado da charola como a designa Manuel Vieira Natividade. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 8 – Manchas de humidade e colonização liquénica. Transepto sul. Foto da década de 1930. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 9 – Conjunto escultórico de terracota da capela do Trânsito de São Bernardo. Foto da década de 1930. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 10 – Sala dos Túmulos. Foto da década de 1930. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 11 – Edifício adossado ao alçado lateral sul da igreja do Mosteiro de Alcobaça identificado como Colégio de Nossa Senhora da Conceição. Foto da década de 1930 (Alvão). Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 12 – Exterior da Sala dos Túmulos após a demolição do edifício do Colégio de Nossa Senhora da Conceição. Foto de 1956. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 13 – Alçado poente do braço sul do transepto. Porta de acesso do edifício do Colégio de Nossa Senhora da Conceição para a igreja. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 14 – Mudança dos túmulos de D. Pedro I e de D. Inês de Castro para o interior da igreja. Foto de 1957. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 15 – Mudança dos túmulos de D. Pedro I e de D. Inês de Castro para o interior da igreja. Foto de 1957. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 16 – Mudança dos túmulos de D. Pedro I e de D. Inês de Castro para o interior da igreja. Foto de 1957. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 17 – Mudança dos túmulos de D. Pedro I e de D. Inês de Castro para o interior da igreja. Foto de 1957. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Fig. 2 – Planta com a localização dos túmulos de D. Pedro e de D. Inês de Castro nos braços sul e norte do transepto. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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3 – Descrição arquitectónica e artística da igreja antes das obras de reintegração pela DGEMN A igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça constitui a primeira construção inteiramente gótica erguida em território português. A arquitectura cisterciense do século XII baseava-se nos princípios da austeridade, da solidez e da funcionalidade. A construção da igreja seguira os princípios definidos por São Bernardo de Claraval, sendo excluído todo e qualquer elemento decorativo que pudesse seduzir e desviar a atenção dos monges do seu propósito fundamental, a contemplação divina. Todavia, o complexo monástico enquanto uma estrutura edificada dinâmica vai ampliando o seu espaço de acordo com a necessidade e o gosto de cada época. Naturalmente, nas campanhas de obras realizadas ao longo do tempo, vão sendo aplicados os programas decorativos, bem como as soluções arquitectónicas e construtivas que se afirmam em cada período histórico. Na sequência das determinações do Concílio de Trento (1545-1563), ficara definido que a arte deveria estar ao serviço dos ritos da Igreja Católica, através de imagens representativas de Cristo e dos santos, entendidas como elementos mediadores entre Deus e os homens. Na XXV sessão do referido Concílio justifica-se a veneração dos santos e das imagens da seguinte forma: “Manda o santo Concilio a todos os bispos e aos mais que têm o ofício e cuidado de ensinar que, conforme à praxe da igreja católica e apostólica recebida desde os tempos primitivos da religião cristã e consenso dos santos Padres e decretos dos sagrados concílios, instruam diligentemente os fiéis primeiramente acerca da intercessão dos santos, sua invocação, veneração das relíquias e legítimo uso das imagens, e lhe ensinem que os santos que reinam juntamente com Cristo oferecem a Deus pelos homens as suas orações, e que é bom e útil invocá-los humildemente e recorrer às suas orações de poder e auxílio para alcançar benefícios de Deus (…) Que também os corpos dos santos mártires e de outros santos vivem com Cristo, que foram membros vivos de Cristo e templo do Espírito San-

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to, que ele há-de ressuscitar e glorificar para a vida eterna, pelos quais faz Deus aos homens muitos benefícios, devem ser venerados pelos fiéis (…) Além disso declara este santo concílio, que as imagens devem existir, principalmente nos templos, principalmente as imagens de Cristo, da Virgem Mãe de Deus, e de todos os outros santos, e que a essas imagens deve ser dada a correspondente honra e veneração, não por que se creia que nelas existe divindade ou virtude alguma pela qual mereçam o culto, ou que se lhes deva pedir alguma coisa, ou que se tenha de colocar a confiança nas imagens, como faziam antigamente os gentios, que colocavam suas esperanças nos ídolos, mas sim porque a honra que se dá às imagens, se refere aos originais representados nelas, de modo que adoremos unicamente a Cristo por meio das imagens que beijamos e em cuja presença nos descobrimos, ajoelhamos e veneramos aos santos, cuja semelhança é espelhada nessas imagens. Tudo isto está estabelecido nos decretos dos concílios, principalmente no segundo de Nicéia, contra os impugnadores das imagens”37. Deste modo, a partir dos finais do século XVI, a arte cumpre um papel fundamental na atracção dos crentes à fé católica. A grandiosidade e a teatralidade na representação artística da vida de Cristo e das figuras de santos e mártires, venerados pelo catolicismo, produzem um impacto afectivo e sentimental em quem as observa. Neste período, aumenta, de forma significativa, o patrocínio das obras de arte sacra e, por conseguinte, verifica-se a multiplicação da produção artística destinada à decoração das igrejas. A reafirmação doutrinária, saída da Contra-Reforma, pode observar-se no interior dos espaços sagrados, onde imperam a luz, a cor e a magnificência dos cenários. A talha dourada resplandece e multiplica-se, transformando-se numa originalidade artística dos séculos XVII e XVIII. Não admira, portanto, que, a partir de finais do século XVI, na excelsa igreja do Mosteiro de Alcobaça, se multipliquem os retá37  Citado por JOSÉ DE CASTRO, Portugal no Concílio de Trento, Vol. V, Lisboa, 1944, pp. 332-333.

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bulos, as capelas e os altares, abundando a talha dourada e as imponentes esculturas. Neste enquadramento, a capela-mor da igreja do mosteiro cisterciense foi embelezada e ornamentada com grandes esculturas de barro cozido, policromado e dourado, transformando-se num espaço marcado pela singularidade artística e pela magnanimidade do conjunto escultórico que o integrava. O presbitério do cenóbio apresentava um retábulo pétreo, datado do século XVI, adossado à primitiva colunata. Este retábulo foi mandado edificar pelo Cardeal Infante D. Henrique, cumprindo as instruções de Frei Bernardo da Piedra, visitador do Mosteiro em 153638. A estrutura retabular era composta por duas ordens de colunas sobrepostas. O espaço semicircular da capela-mor ficava, deste modo, dividido em três registos. A primeira colunata pertencia à ordem jónica, sendo a segunda da ordem coríntia. Sobre as colunatas semicirculares, constituídas, cada uma, por dez colunas, apresentava-se o entablamento, composto pela arquitrave, o friso e a cornija (Fotos 19 e 21). Os espaços intercolúnios foram, inicialmente, preenchidos com pinturas sobre madeira. Em 1589, Frei Jerónimo Román descreve a capela-mor e faz menção às pinturas que decoravam o retábulo pétreo. Escreve o autor: “retabulo de pincel e encajadas las tablas i paneles en piedra tan subtilmente como aca en los retablos se encaxan en pilastras de madeira mui delicadas, de manera que todo el retablo vuela en alto mas que grandes varas (…)”39. Pela descrição do monge, podemos afigurar um conjunto idêntico ao do Mosteiro de Santa Maria de Belém, com armação pétrea de meia laranja, de duas ordens de colunas sobrepostas, e adornado de pinturas nos intercolúnios. 38  O anterior retábulo do altar-mor havia sido destruído no incêndio ocorrido na igreja, em 1525. Na relação dos danos provocados pelo incêndio refere-se: “tudo valia pouco, hum Retabulo nada Rico, nem como convem que Alcobaça ho tenha, porque era pequeno, asy de longo como largo e pouca maçonaria e pobre […]”. Veja-se SAUL ANTÓNIO GOMES, Visitações a Mosteiros Cistercienses em Portugal Séculos XV e XVI, Lisboa, IPPAR, 1998, pp. 41 e 93. 39  VERGÍLIO CORREIA, “O Retábulo da Capela-mor do Mosteiro de Alcobaça”, Obras – Estudos Monográficos, Vol. V, Coimbra, 1978, pp. 85-104.

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No século XVII, foram desmontadas as pinturas e, nos espaços intercolúnios, passam a figurar as monumentais esculturas de barro cozido e policromado. Assim, no segundo registo, sobre as respectivas peanhas, apresentavam-se oito esculturas de vulto perfeito, representando algumas figuras relevantes da Igreja e da Ordem de Cister, tais como: São Tomás de Aquino40, Papa Eugénio III41, São Bernardo42 e São Estêvão Harding43 – lado do Evangelho; São Malaquias44, Papa Gregório Magno45, 40  São Tomás de Aquino (1226-1274) nasceu na Campânia, próximo de Aquino. Oblato no Monte Cassino terá estudado em Nápoles e fez-se dominicano. Foi um dos grandes teólogos da Idade Média (discípulo de Alberto Magno e seu sucessor na cátedra), sendo comummente conhecido como o Doutor Angélico. Veste o hábito de dominicano e apresenta-se com um rosto jovem, pois São Tomás morreu jovem, com 48 anos, apenas, mas com tempo para escrever a sua decisiva Summa Teologica. O livro que apresenta é o claro sinal da importância da doutrina deste filósofo e santo, considerado por muitos como o maior teólogo da Igreja. Os seus atributos são o cinto de castidade, uma pomba inspiradora no ombro (símbolo do Espírito Santo), um rubi, uma estrela, ou um sol no peito e raramente um cálice, um lírio ou um modelo de igreja, aludindo à sua elevação a Doutor da Igreja. 41  Eugénio III foi Papa de 1145 a 1153. Em 1135, ingressou na Ordem de Cister. Foi designado pelo seu superior para abrir outro mosteiro da Ordem na cidade de Farfa, diocese de Viterbo, sendo nomeado abade pelo Papa Inocêncio II. Em 1145, Bernardo Pignatelli foi eleito Papa e adoptou o nome de Eugénio III. Foi beatificado em 1872. 42  São Bernardo (1091-1153) nasceu em Fontaine – Dijon e, depois da morte da mãe, ingressou na Abadia de Cister. Em 1115, fundou com alguns monges o Mosteiro de Claraval, que governou até à sua morte, em 1153. Iconograficamente, apresenta-se com as vestes de abade cisterciense, com capuz branco e báculo abacial. O Livro da Regra ao mesmo tempo que a mitra e estola aos pés documentam as suas várias renuncias a um Bispado (nomeadamente ao de Génova e Milão). Paladino de uma fé vivida em interioridade, fechado aos prazeres mundanos, São Bernardo foi um grande impulsionador do culto da Virgem Maria, tendo sido canonizado em 1175. A este propósito, veja-se JOSÉ FERNANDES PEREIRA, A Escultura de Mafra, Lisboa, IPPAR, 2003, p. 80. 43  São Estêvão Harding (1059-1134), nobre inglês, nascido em Merriot, foi um dos fundadores da Ordem de Cister, sendo o terceiro abade de Citeaux. Escreveu a Carta Caritatis, que se tornou a constituição fundamental da Ordem de Cister. 44  São Malaquias (1094-1148) nasceu em Armagh e morreu, em Claraval, nos braços de São Bernardo. Reformou o Mosteiro de Bangor, foi arcebispo de Armagh, metropolita da Irlanda, e terá fundado, em Mellifont (1142) a primeira Abadia Cisterciense. Foi primaz da Irlanda e é um dos seus padroeiros. Iconograficamente veste-se como arcebispo e tem cruz episcopal. 45  Gregório Magno (cerca de 540-604) era descendente de uma ilustre família romana. Abandonou uma carreira para se dedicar à vida monástica, tendo sido abade do mosteiro que fundou. Em 590 foi eleito Papa, tendo promovido a evangelização da Inglaterra ao mesmo tempo que introduzia alterações na liturgia, como o canto que acabou por registar o seu nome. Apresenta-se vestido na condição de Papa, mostrando

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São Bento46 e São Roberto de Molesme47 – lado da Epístola (Fotos 18 e 22). Acerca destas esculturas refere Frei Manuel dos Santos: “Sam estas oito imagens muito elegantes porque sobre as cogulas monasticas estam vestidas em Pontifical, e mitradas, com seus báculos e cruzes Pontificais; todas sam estofadas de ouro”48. Conforme o mesmo cronista, no plano central, dividindo os dois lados do segundo registo, erguer-se-ia um “painel”, que servia de porta de acesso ao retábulo para a limpeza e manutenção das imagens. No terceiro registo, elevavam-se oito esculturas de vulto perfeito, representando figuras de anjos com os seus instrumentos musicais, quatro de cada lado, também elas de barro cozido e policromado. Estavam colocadas sobre peanhas. Refere Frei Manuel dos Santos que, no plano central, se expunha uma imagem de grande vulto da Mãe de Deus, subindo ao Céu, sendo sustentada no ar por outros dois anjos semelhantes aos primeiros49. Mais tarde, no primeiro triénio do abade Frei Manuel de Mendonça50, entre ainda a coroa papal na cabeça. Ao mesmo tempo, São Gregório figura também como Doutor da Igreja, apresentando-se com o livro aberto e a pena. Mostra também o seu atributo pessoal, uma pomba sobre o ombro, símbolo do Espírito Santo que inspirava a sua obra escrita. Veja-se JOSÉ FERNANDES PEREIRA, A Escultura de Mafra, Lisboa, IPPAR, 2003, p. 146. 46  São Bento (c.480-c.547) retirou-se para uma gruta, cerca do ano 500, levando vida de eremita. Foi o fundador do monaquismo ocidental a partir da Abadia de Monte Cassino. Como fundador dos Beneditinos, ostenta os atributos habituais: Livro da Regra e manto da Ordem. Calvo, rosto com barba, São Bento conservava-se de lábios cerrados, sinal da vida em silêncio e de renúncia ao Mundo que desejava para a sua Ordem. Veja-se JOSÉ FERNANDES PEREIRA, A Escultura de Mafra, Lisboa, IPPAR, 2003, p. 78. 47  São Roberto (1024-1098) foi fundador da Abadia de Molesme e depois da Ordem de Cister. É representado iconograficamente como abade, com báculo. 48  FREI MANUEL DOS SANTOS, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, leitura, introdução e notas de Aires de Nascimento, Alcobaça, ADEPA, 1978, p. 27. 49  IDEM, Op. cit., passim. 50  O Abade Geral D. Frei Manoel de Mendonça permaneceu nove anos sucessivos (1768-1777) à frente dos destinos da Congregação, interrompendo os tradicionais abaciados trienais sem reeleição. O Abade Geral não teve um percurso normal em termos de ascensão na Congregação. Não foi Cronista da Ordem ou do Reino, nem consta que tenha seguido a carreira académica, ou tivesse sido docente dos Colégios da Congregação ou da Universidade de Coimbra. A crescente influência junto dos monges brancos deve-se aos fortes apoios que contava em Lisboa e na Corte. Era irmão de Pedro da Cunha Mendonça (Cónego da Basílica Patriarcal de Lisboa), sobrinho de Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) e do futuro Car-

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1768 e 1771, para completar esta obra de ornamentação, foi suspenso, no centro da capela-mor, a partir da abóbada, um Sacrário com a forma de um grande globo, rodeado por um resplendor. Na parte superior do mesmo, foi aplicada uma nova escultura da Virgem Maria, continuando a padroeira dos Cistercienses a assumir a centralidade do terceiro registo do retábulo. A escultura, de madeira, estava integrada na cenografia do Sacrário e do seu imenso resplendor. Acerca deste assunto, refere o cronista Frei Manuel de Figueiredo: “Em altura proporcionada ao todo da Capella mor está pendente hum grande globo de prata com guarnições douradas que rematta em huã cruz antiga de prata dourada, a qual é uma das peças mais raras de Portugal: este globo he tabernáculo de Christo Sacramentado; e o vaso sagrado he igual na perfeição e riqueza com a maquineta que lhe serve de pianha e pavilhão. Cerca o globo um resplandor de prata e outro maior dourado, que repassam muitas nuvens das quaes pendem muitos anjos com serpentinas e castiçaes de prata (…) ”51. Ainda no tempo do Geral Frei Manuel de Mendonça, abriram-se as meias canas na colunata inferior e foram decorados os capitéis da mesma, com motivos florais52. Foi também construído um novo altar com as duas esculturas de madeira, nas quais figuravam São Bento (lado do Evangelho) e São Bernardo (lado da Epístola)53 (Foto 19). O pavimento da capela-mor havia sido alteado no triénio anterior, com o Geral Fr. Nuno de Leitão (1765-1768). deal Paulo de Carvalho e amigo do Secretário de Estado, José Seabra da Silva. Frei Manoel de Mendonça é eleito Geral no Capítulo que se reuniu em Alcobaça, em 1 de Maio de 1768, acumulando a função de Esmoler-Mor. Ainda acerca deste assunto, veja-se SALVADOR MAGALHÃES MOTA “A acção de D. Frei Manoel de Mendonça à frente dos destinos da Congregação de Sta. Maria de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo (1768-1777) ”, Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, pp. 771-779. 51  FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, “Descrição da Igreja de Alcobaça em 1781”, em Vergílio Correia, Obras – Estudos Monográficos, Vol. V, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1978, pp. 91 e 92. 52  FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, Op. cit., p. 103. 53  FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, Op. cit., p. 91.

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As oito janelas, rasgadas no último registo da capela-mor, permitiam a entrada de luminosidade, pois as esculturas de barro cozido erguiam-se nos espaços situados entre os vãos de janela. A parte superior dos referidos vãos estava decorada com sanefas em talha dourada. No arco triunfal, as duas colunas que lhe estavam adossadas também foram cortadas a certa altura, e, sobre as mísulas, assentes na parte inferior do corte, erguiam-se duas imagens de grande vulto; do lado do Evangelho apresentava-se a imagem de Nossa Senhora e, do lado da Epístola, a imagem do Anjo São Gabriel. Trata-se do conjunto escultórico da Anunciação da Virgem Maria54. Em 1760, maravilhado com a originalidade do retábulo do presbitério, Thomas Pitt menciona que “a capela-mor está decorada com o altar mais rico que se possa imaginar, belamente decorado com colunas e erguendo-se até uma altura considerável”55. Ainda acerca deste espaço da igreja, já no século XX, sublinha, similarmente, Vergílio Correia que “A obra do século XVI, acrescentada e povoada de estátuas no século XVII e enriquecida no século XVIII com o globo ostentoso e radiante, era a mais notável das composições barôcas, em barôco, de todas as fases, que existia no ocidente peninsular!”56. A cabeceira da igreja apresenta um deambulatório semi-circular para o qual se abrem, actualmente, oito capelas radiantes. Inicialmente, teriam sido nove. A indispensabilidade de uma passagem que permitisse a ligação da igreja à nova sacristia determinou a abertura e o consequente desaparecimento da quarta capela radiante do lado da Epístola. A antiga capela passou a ter a funcionalidade de acesso ao átrio da sacristia nova. Considerando a descrição de Frei Manuel de Figueiredo, datada de 1781, a primeira capela do lado do Evangelho era dedi54  FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, Op. cit., passim. 55  THOMAS PITT, Observações de uma Viagem a Portugal e Espanha (1760), Introdução de Maria João Neto, Lisboa, IPPAR, 2006, p. 126. 56  VERGÍLIO CORREIA, “O Retábulo da Capela-Mor de Alcobaça”, Obras – Estudos Monográficos, Vol. V, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1978, p. 86.

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cada à Sagrada Família; a segunda, a Santo Estêvão Harding, a terceira, a Santa Umbelina, irmã de São Bernardo; a quarta, a Jesus Cristo crucificado. Do lado da Epístola, a primeira capela é dedicada a Nossa Senhora da Soledade, tendo sido anteriormente dedicada a Santo Estêvão, primeiro mártir do Cristianismo; a segunda é dedicada às irmãs Teresa e Sancha, filhas de D. Sancho I, tendo sido anteriormente dedicada a São Bartolomeu; a terceira é dedicada a Cristo morto57. As capelas estavam completamente cobertas de talha dourada exposta em painéis. Existiam também, no seu interior, algumas telas emolduradas. Entre a talha apainelada do berço da abóbada e a guarnição da parede, havia uma larga cimalha de madeira. A iluminação dos espaços era feita através dos lanternins abertos nas abóbadas. Os mesmos substituíram as estreitas frestas primitivas rasgadas na parede fundeira das dependências da charola (Foto 24). O transepto, em cada um dos seus braços, apresenta duas capelas: no braço norte abrem-se as capelas de Nossa Senhora da Conceição58 e de São Sebastião59 (antiga de capela de São 57  Sente-se aqui a marca do profundo sentido de humanidade que se tornou característica do aparecimento desta forma de representar Jesus Cristo, no território peninsular, durante a época da Contra-Reforma. A tradição litúrgica de se oferecer à veneração dos fiéis, na Sexta-Feira Santa, o corpo do Senhor Morto, depois de retirado da cruz, difundiu-se em toda a Europa do Sul a partir dos finais do século XIII, na esteira da espiritualidade da Devotio Moderna, tendo na Borgonha um dos principais focos de irradiação. De início, as representações deste motivo privilegiam os grupos escultóricos, como sucedia nos Descendimentos da Cruz, nos Enterros de Cristo ou nas Virgens da Piedade. Ao longo do século XVI, a figura de Cristo jacente sofreu um processo de individualização – a que não foi alheio o interesse dos artistas do Renascimento e do Maneirismo pelas potencialidades anatómicas que o assunto, sem dúvida, propiciava”. Sobre este assunto veja-se JOSÉ ANTÓNIO FALCÃO (dir. de), Entre o Céu e a Terra – Arte Sacra da Diocese de Beja, Beja, Diocese de Beja, Vol. II, 2000, p. 187. Acerca da dedicação das capelas do deambulatório, veja-se FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, “Descrição da Igreja de Alcobaça em 1781”, em Vergílio Correia, Obras – Estudos Monográficos, Vol. V, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1978, pp. 94 e 95. 58  A capela de Nossa Senhora da Conceição ardeu totalmente, em 1811, aquando das Invasões Francesas. Veja-se BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 18. 59  A escultura de São Sebastião do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça segue o tipo iconográfico mais comum. Apresenta o Santo jovem imberbe, parcialmente desnudo e atado ao tronco, em atitude de quem espera com serenidade o martírio que lhe será infligido. A abundância de imagens medievais de São Sebastião significa a inten-

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Tiago). A primeira capela apresentava um retábulo em talha dourada e a segunda expunha a pintura de brutesco de ouro60. A obra foi realizada durante o primeiro triénio do Geral Frei Sebastião de Sottomaior, iniciado em 1675. A antiga capela de São Tiago foi consagrada pelo abade a São Sebastião. No transepto sul, a primeira capela, junto ao altar-mor, era dedicada a São Bento. Todavia, no século XVII, passou a ser designada por capela de Cristo Redentor ou de São Pedro61. Conforme menciona Diogo de Macedo, o conjunto escultórico, modelado em barro, formado pela imagem de Cristo e dos doze Apóstolos, teria sido elaborado antes da modelagem do conjunto dedicado ao trânsito de São Bernardo, mas muito perto do fabrico de alguns bustos relicários e de algumas imagens sidade do culto dedicado ao mártir, associando a sua protecção apotropaica contra as pestes ou qualquer epidemia que afectasse os homens. A lenda de São Sebastião difunde-se a partir do século V e a Cristandade toma-o como intercessor contra as pestes perante Deus, através da analogia entre a imagem das flechas incendiárias associadas à representação dos surtos epidémicos e os instrumentos do martírio de São Sebastião, que guardava a fé cristã sob a couraça do soldado romano. Esta analogia ganha mais força ao atribuir a São Sebastião a intercessão contra a epidemia que assola Roma e Pavia em 680, controlada após a dedicação de um altar sob a invocação do Santo Mártir na Igreja de São Pedro, em Catena. A partir do século VII a remissão simbólica para São Sebastião como patrono da defesa da peste ganha todo o significado, mantendo-o durante a Idade Média e a Idade Moderna. Assim, neste período de tempo, São Sebastião é o santo intermediário preferido perante a necessidade de invocar a presença de Deus para a libertação da peste. São Sebastião era um soldado romano; por isso o santo, muitas vezes, é acompanhado pelo antigo traje militar, mas colocado na retaguarda, em sinal de abandono. Também o gesto de calcar o elmo com os pés significa a mudança do paganismo para a nova fé cristã, sendo por isso seteado pelos soldados às ordens de Diocleciano. A propósito deste tema, veja-se “Estudos de uma Imagem de São Sebastião”, Cadernos, Lisboa, IPPAR, 1997, pp. 18 e 19; JOSÉ FERNANDES PEREIRA, A Escultura de Mafra, Lisboa, IPPAR, 2003, p. 76. 60  FREI MANUEL DOS SANTOS, Op. cit., p. 28. 61  Depois da Paixão e Morte de Jesus, o Apóstolo São Pedro permanece em Jerusalém. Todavia, pelo ano de 48 estabelece-se em Roma, onde publicou as suas Epístolas. Mais tarde, no tempo de Nero (64 d.C.), foi preso e crucificado de cabeça para baixo. Fizeram-lhe a vontade de não morrer na posição de Cristo por se achar indigno de ter uma morte semelhante Àquele que tanto amou e serviu. Iconograficamente, apresenta-se sempre como um homem de compleição robusta, maduro ou velho. Tem barbas fortes e curtas, calvície ou uma tonsura. Também aparece vestido de papa ou então como apóstolo. Os seus atributos são numerosos: as chaves; a barca, alusão ao seu primeiro ofício de pescador; o peixe, pois seria também ele um pescador de homens; o galo sobre uma coluna, alusiva ao que lhe disse Jesus Antes que o galo cante me negarás três vezes; a cruz invertida, alusão ao seu martírio; a cruz de três ramos própria dos papas.

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do santuário62. O retábulo em talha dourada de estilo nacional emoldurava o grupo escultórico de Jesus Cristo com os seus Apóstolos, retratando a cena bíblica da entrega da Chave do Céu a Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do abismo nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu. Depois ordenou aos discípulos que a ninguém dissessem que Ele era o Messias”63 (Foto 25). Frei Manuel de Figueiredo alude igualmente à capela de Cristo Redentor ou de S. Pedro, da seguinte forma: “no cruzeiro da parte da Epistola a primeira capela e altar privilegiado para todos os monges que nelle celebrarem he dedicado ao nosso Redentor que acompanhado por todos os discipulos está entregando ao príncipe dos Apóstolos as chaves da morada celestial; ella foi primeiro do chefe dos Monges do Ocidente, o grande patriarcha S. Bento, e as regias dispozições do Senhor D. Pedro 1º a fizeram dedicar ao mesmo Apostolo”64. A sul da capela de Cristo Redentor ou de São Pedro abre-se a capela do Trânsito de São Bernardo, cuja invocação, outrora de São Vicente, foi alterada pelo abade Frei Sebastião de Sottomaior. Este abade reeleito, em 1687, prosseguia os trabalhos desenvolvidos de acordo com o conceito do programa decorativo barroco e, neste âmbito, manda executar o retábulo do Trânsito de São Bernardo, que teria sido concluído entre 1702 e 1705, já no decurso do abaciado de Frei Pedro de Lencastre65. O retábulo apresenta um total de cinquenta e três esculturas. As imagens são feitas de barro cozido, policromado e estofado a ouro. Encontram-se espacialmente distribuídas e organizadas em dois planos: o vertical e o horizontal. No plano vertical, a Virgem preside, na centralidade, rodeada de quatro anjos tangendo instrumentos, dois de cada um dos lados. Aos pés da Virgem, estão dois anjos em genuflexão, um de cada lado, 62  63  64  65 

BARATA FEYO, Op. cit., p. 22. Evangelho de São Mateus, Capítulo 16, Versículos 18-19-20. FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, Op. cit., pp. 93-94. FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, Op. cit., p. 94.

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e, na parte superior, outros dois anjos seguram a coroa da rainha do céu e da terra. Nesta moldura, sobressaem ainda dezasseis cabeças aladas de anjo66. No plano horizontal, na parte central, no sentido norte/sul, estende-se a imagem de São Bernardo no leito da morte, estando, também ele, rodeado de anjos, tangendo instrumentos. Os anjos situam-se nos lados norte e nascente da capela. Assim, junto à parede norte, apresentam-se nove esculturas, um monge e oito anjos músicos e cantores. Na parede sul, observa-se um grupo de onze monges brancos, que, nos três rostos, que ainda persistem, deixam transparecer um sentimento de profunda tristeza. No século XVIII, Frei Manuel dos Santos descreve a capela do Trânsito de São Bernardo desta forma: “O outro altar era de S. Vicente; hoje he do transito do nosso Melifluo Pe. S. Bernardo. Vesse o glorioso santo deitado e agonisando entre os seus filhos os monges de Claraval, e eles chorando com sentidíssimas acçoens a falta de tam bom Pay; à cabeceira da cama está hum coro de Anjos cantando o triunfo do santo enfermo; e no alto huma imagem da May de Deos, que vem entre huma gloria de Serafins buscar a alma do seu capellam mimoso. São tudo figuras de vulto da estatura natural estofadas de ouro; a capella he também pintada de brutesco de ouro”67. Nos inícios do século XIX, a capela teve uma intervenção decorativa no âmbito do programa rocaille, sendo as respectivas paredes e o tecto cobertos por estuques policromados, tapando a pintura de brutesco. Ainda acerca do conjunto escultórico da capela do Trânsito de São Bernardo, em 1887, Ramalho Ortigão salienta que apesar da ausência de harmonia do conjunto escultórico, as figuras que o integram revelam uma profunda expressividade, referindo também que as crónicas não mencionaram os mestres barristas, “esses modestos artistas, de cuja alma guardou uma palpitação immortal o barro de Alcobaça”68. Igualmente, Albrecht Haupt, 66  Inicialmente apresentavam-se dezassete cabeças aladas de anjo. 67  FREI MANUEL DOS SANTOS, Op. cit., pp. 28-29. 68  RAMALHO ORTIGÃO, As Farpas, Tomo I, Lisboa, David Corazzi – Editor, 1887, pp. 225-227.

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quando visitou Alcobaça, definiu este conjunto como uma obra de especial beleza no contexto da escultura portuguesa do século XVII: “A referida produção artística, S. Bernardo no leito mortuário, cercado dos frades da sua Órdem e, no topo, a Santíssima Virgem em coro de anjos, ao todo quarenta figuras, parte delas em tamánho natural e as restantes a diminuírem na perspectiva, constitui uma obra de mui especial belèsa (…) ”69. No topo do braço norte do transepto, erguera-se o altar do arcanjo São Miguel, o victoriosus, mandado levantar por Frei Guilherme da Paixão (1588-1591). O cronista Frei Manuel de Figueiredo apresenta a descrição do altar: “Quando o Senhor D. Affonso Henriques instituhio a Ordem de S. Miguel da Ala, já existia em Alcobaça o altar deste Santo, ainda que a igreja estava incompleta. O que existe, e occupa a largura do mais largo braço do cruzeiro, 98 palmos de alto, e 24 de largura mandou levantar o geral Fr. Guilherme da Paixão, e o Anjo que he de corpulenta figura tem na mão a espada que o sr. D. Pedro 1º herdou de seu pai o sr. D. Affonso 4º e este venceo os Mouros na memorável batalha do Salado”70. O altar era constituído por uma estrutura pétrea com composição de cariz arquitectónico. Estava adossada à parede, evidenciando-se duas colunas na parte frontal com capitel jónico. A agregação das colunas fazia-se, na parte superior, através do entablamento. No espaço intercolunar, desenha-se um vão coberto com um arco de volta inteira. No seu interior, apresenta-se uma escultura de vulto, de madeira policromada e dourada, representando o arcanjo São Miguel a pisar o demónio. A sua pose revela um domínio perfeito da situação, aludindo à alegoria do triunfo do Bem sobre o Mal (Foto 26). De asas abertas e vestido como um guerreiro antigo, São Miguel enverga túnica curta e cingida na cintura, capa e sandálias. Na mão direita, empunha a espada e na esquerda a balança com as almas. Por sua vez, a figura do demónio, com representação antropomór69  ALBRECHT HAUPT, A Arquitectura da Renascença em Portugal, Lisboa, J. Rodrigues, 1910, p. 164. 70  FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, Op. cit., p. 93.

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fica, aparece colocada na posição horizontal, erguendo na mão esquerda o escudo e na mão direita o tridente. No topo do braço sul do transepto, afigurava-se o altar de Jesus Cristo Ressuscitado, apresentando a mesma gramática decorativa que o altar do Arcanjo São Miguel (Foto 27). A construção deste altar foi deliberada por Frei Gerardo da Chagas, em 1594. O conjunto escultórico que o integrava era composto por cinco figuras de vulto; uma imagem de Jesus Cristo ressuscitado e quatro imagens que representam as “guardas farizaicas”71. Escreve o cronista Fr. Manuel dos Santos: “A outra capella da parte do meio dia he do senhor ressuscitado: vesse no alto, e no ar, separada do retabolo huma imagem de vulto de Cristo tam alegre que parece elle próprio, quando se levantou da sepultura ressuscitado; e em baixo arrimadas ao tumulo quatro estatuas das guardas farizaicas arrogantes, mas já assombradas da Magestade soberana do Senhor, que está no alto; estas imagens sam também estofadas de ouro”72. De acordo com Vítor Serrão, as esculturas de madeira dos altares do Arcanjo São Miguel e de Jesus Cristo Ressuscitado foram lavradas pelo escultor maneirista lisboeta, Gonçalo Rodrigues. O trabalho de as dourar, estofar e policromar terá sido empreendido por Salvador Mendes, pintor de têmpera73. Nas naves laterais da igreja, localizavam-se quatro altares, respectivamente, dois em cada uma das naves. Estes altares, bem como os dois púlpitos da nave central, teriam sido ali colocados no abaciado do Cardeal D. Afonso. A colocação de altares nas naves laterais da igreja está relacionada com a abertura do espaço sacralizado aos leigos para assistirem às cerimónias litúrgicas na igreja do mosteiro. Acerca deste assun71  Na cultura artística do Renascimento tornou-se bastante frequente a representação da cena do Cristo ressuscitado, segurando a bandeira da ressurreição, e elevando-se sobre o sarcófago na presença dos soldados, alternativamente retratados inconscientes, fascinados ou espantados diante do fenómeno que observam. 72  FREI MANUEL DOS SANTOS, Op. cit., pp. 28-29. 73  VÍTOR SERRÃO, “Pintura maneirista e barroca na região dos Coutos de Alcobaça, 1538-1750”, Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos séculos XVI, XVII e XVIII, Lisboa, IPPAR, 2000, p. 126.

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to, torna-se relevante citar D. Frei Pedro, abade do Mosteiro de Santa Maria da Pedra e visitador de Alcobaça, em 1487: “Ordenamos também e determinamos que na hora em que se celebra a missa conventual, se abram as portas da igreja aos leigos para ouvirem o ofício divino, entrando na igreja até junto da grade que está junto ao coro de trás. As mulheres, contudo, entrarão até à capela onde estão sepultados os reis, da invocação dos Santos Tomé e Martinho e dali ouvirão os ofícios divinos não ultrapassando a soleira da porta principal da igreja, junto à qual mandamos que se faça uma grade de madeira (…) Concedemos também que as ditas portas da igreja sejam abertas nos dias festivos à hora de vésperas para que as pessoas leigas possam ouvir os ofícios divinos (…) ”74. A descrição da igreja feita por Frei Jerónimo Román, em 1589, já menciona a existência dos altares situados nas naves laterais, salientando, precisamente, a possibilidade de os leigos participarem na missa conventual, assim vejamos: “Tiene en las naves colaterales al médio de la iglesia quatro altares metidos en lo grueso de la parede n sus nichos ricamente labrados a cada dos, q se miram los unos a los otros, al lado del euangelho como entram estan san Juan baptista y la capilla de nuestra señora del Rosario y al lado de la epistola los padres san Benito i san bernardo q todos son estremadas figuras i mayores q las comunes de honbres. estos sieruem para q al pueblo en comum oya misas rreçadas (…)”75. Na segunda metade do século XVIII, os altares quinhentistas foram substituídos por outros altares de diferente gramática decorativa. Os altares dedicados a São Bernardo e a Nossa Senhora do Rosário localizavam-se no lado do Evangelho e os altares de São Bento e de São João Baptista76 no lado da Epís74  SAUL ANTÓNIO GOMES, Op. cit., p. 162. 75  JERÓNIMO ROMáN, “La Historia Del Religiossismo e Real Monasterio de Alcobaça de la Ordem de Saint Bernardo”, em Vergílio Correia, Obras – Estudos Monográficos, Vol. V, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1978, p. 50. 76  No altar deste Santo foi instituída a Confraria de S. João Baptista. No intuito de uma maior abertura da igreja monástica à presença de fiéis leigos, em 1626, foi concedida indulgência plenária aos que ali se deslocassem, para oração, na Oitava de S.

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tola. Os referidos altares apresentavam uma estrutura feita de mármore de várias cores, sendo a sua dimensão de oito metros de altura por quatro metros de largura (Foto 28). A sua construção decorreu durante o generalato de Frei José Cardoso (1753-1756), sendo concluídos, mais tarde, durante o generalato de Frei Caetano de Sampaio (1762-1765)77. De acordo com os registos fotográficos, apresentavam um programa decorativo idêntico ao portal da Capela-Relicário e à estrutura do altar da Capela do Senhor dos Passos. De facto, fazem parte do conjunto de obras realizadas logo após o Terramoto de 1755.

Bernardo, válida por um quinquénio. Cf. SAUL GOMES, “A Congregação Cisterciense de Santa Maria de Alcobaça”, Lusitania Sacra, 2ª série, 18, 2006, p. 412. 77  BARATA FEYO, Op. cit., p. 23.

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Foto 18 – Retábulo da capela-mor da igreja do Mosteiro de Alcobaça antes das obras de restauro empreendidas pela DGEMN. Foto da década de 1920 (Alvão). Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 19 – Retábulo da capela-mor da igreja do Mosteiro de Alcobaça: primeiro e segundo registos. Foto da década de 1920. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

Foto 20 – Retábulo da capela-mor e deambulatório. Foto da década de 1930 (Alvão). Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 21 – Retábulo da capela-mor: pormenor do retábulo pétreo adossado à antiga colunata. Foto da década de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 22 – Retábulo da capela-mor: segundo registo. Foto da década de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 23 – Retábulo da capela-mor: terceiro registo. Foto da década de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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1. Altar de São Bernardo 2. Altar de São Bento 3. Altar de Nossa Senhora do Rosário 4. Altar de São João Baptista 5. Altar de São Miguel 6. Altar de Jesus Ressuscitado 7. Órgão 8. Capela de São Sebastião 9. Capela de Nossa Senhora da Conceição 10. Capela de Cristo Redentor ou de São Pedro 11. Capela do Trânsito de São Bernardo 12. Passagem – Claustro do Cardeal 13. Sagrada Família 14. Santo Estêvão Harding 15. Santa Umbelina 16. Jesus Cristo Crucificado 17. Passagem – átrio da Sacristia Nova 18. Cristo Morto 19. Santa Sancha e Santa Teresa 20. Nossa Senhora da Soledade

Fig. 3 – Capelas e altares da igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça descritos por Frei Manuel dos Santos e Frei Manuel de Figueiredo, no século XVIII. Planta adaptada de Dom Maur Cocheril, Alcobaça – Abadia Cisterciense de Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1989, Fig. XXXVIII.

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Foto 24 – Capelas do deambulatório. Foto da década de 1930 (Alvão). Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 25 – Capela de Cristo Redentor ou de São Pedro. Foto da década de 1930 (Alvão). Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 26 – Altar do Arcanjo São Miguel: topo do braço norte do transepto. Foto da década de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 27 – Altar de Jesus Cristo Ressuscitado: topo do braço sul do transepto. Foto da década de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 28 – Altar de São João Baptista: nave lateral sul. Foto da década de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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4 – Obras empreendidas pela DGEMN na igreja, na década de 1930 As obras de restauro realizadas na igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça tiveram como objectivo primordial a restituição da feição medieval ao monumento. A devolução da unidade decorativa ao espaço monástico permitia a sua recondução à simplicidade e austeridade de formas, tão valorizadas por Bernardo de Claraval. Com este propósito, deviam ser eliminados os elementos arquitectónicos e decorativos de épocas posteriores à construção da igreja. Na Memória Descritiva e Justificativa da intervenção de restauro a efectuar na igreja, Baltazar de Castro usa os seguintes argumentos: “ (…) a obra projectada impõe-se pela discordância profunda entre estes enxertos e a arquitectura da primitiva colunata da absyde e ainda porque sendo este Monumento um exemplar unico no paiz com deambulatório em disposição de meia charola, merece só por este importante pormenor, que ela seja levada a efeito. De resto o apeamento dessa obra do Século XVII, facil é, porque ela está perfeitamente justaposta à primitiva colunata Romanica, por esta circunstancia oferecerá todas as garantias de êxito no que diz respeito à sua não deterioração. Juntamente com esta obra projecta-se ainda o rebaixamento do atual pavimento da absyde, o que tem por fim descobrir o primitivo pavimento e lageádo e o envasamento da primitiva colunata (…)”78. Henrique Gomes da Silva, director-geral dos Monumentos Nacionais, solicitou, ao Conselho de Arte e Arqueologia, o parecer sobre as obras a realizar na igreja do Mosteiro de Alcobaça, ao que Luciano Martins Freire, presidente do referido conselho, respondeu nestes termos: “(…) no parecer relativo às obras projectadas no Mosteiro de Alcobaça, foram aprovadas as respectivas conclusões, sendo dispensado o estudo in loco, visto a maioria dos vogais conhecer bem o caso em questão, e, até, em 78  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Memória Descritiva e Justificativa, 1 de Maio de 1930.

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principio já se ter em tempo mostrado concorde com a reintegração da parte do Mosteiro a atingir agora por essas obras”79. A sobredita campanha de obras foi dirigida superiormente pelo arquitecto Baltazar de Castro e orientada, no local, por António Vieira Natividade, em missão oficial gratuita80. Este último manteve-se na orientação das obras durante o período de 1929 a 1933. 4.1 – Capela-Mor Em conformidade com os princípios mencionados por Baltazar de Castro, foram propostos os seguintes trabalhos de restauro a efectuar na capela-mor da igreja: o apeamento da colunata dupla (retábulo pétreo quinhentista); o rebaixamento do pavimento da capela-mor de forma a encontrar-se o pavimento primitivo; a reparação da cantaria primitiva que se encontre mutilada; a desmontagem dos degraus do altar, do estrado e dos caixilhos de madeira que encobrem, pelo exterior, toda a colunata primitiva da capela-mor81 (Foto 29). 79  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Parecer do Conselho de Arte e Arqueologia – 1ª Circunscrição, 30 de Maio de 1930. Acerca das obras de restauro realizadas, pela DGEMN, por todo o edifício medieval, vejam-se SÓNIA M. DO LIVRAMENTO MOREIRA, As Intervenções da Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais: o caso do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça – Igreja, Claustro D. Dinis e dependências monásticas, Dissertação de Mestrado em Recuperação de Património Arquitectónico e Paisagístico, apresentada à Universidade de Évora (texto policopiado), 2006; JORGE M. DE MATOS PINA MARTINS PRATA, As obras da DGEMN no Mosteiro de Alcobaça: 1929-1960, Dissertação de Mestrado em Estudos do Património, apresentada à Universidade Aberta (texto policopiado), 2011. 80  António Vieira Natividade (1893-1946) foi nomeado vogal do Conselho de Arte e Arqueologia da 2ª Circunscrição por proposta de Vergílio Correia, em 1922. Orientou e dirigiu, em missão oficial gratuita, a primeira fase das obras de reintegração da Abadia de Alcobaça (1929-1933). Em 1941, foi nomeado pelo Ministro da Educação Nacional para o cargo de delegado concelhio para a protecção dos monumentos e objectos de valor arqueológico. Passou a representar a 2ª Subsecção (Antiguidades, escavações e numismática) da 6ª Secção da Junta Nacional da Educação no concelho de Alcobaça. Era sócio da Associação dos Arqueólogos Portugueses e vogal do Conselho de Arte e de Arqueologia. 81  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Memória Descritiva e Justificativa, Porto, 1 de Maio de 1930.

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Em Novembro de 1931, António Vieira Natividade informou o arquitecto Baltazar de Castro acerca do desenvolvimento dos trabalhos na capela-mor, dizendo que os mesmos decorrem com toda a normalidade. O entablamento da colunata inferior já havia sido desmontado, procedendo-se também à reparação dos arcos quebrados, aos quais estava adossado o entablamento do retábulo pétreo quinhentista82 (Fotos 30, 31 e 32). Após o apeamento total do retábulo, constatou-se o mau estado de conservação das colunas e dos capitéis da primitiva capela-mor, onde se registavam lacunas significativas (Foto 33). Assim, António Natividade comunicou a Baltazar de Castro a necessidade urgente de mão-de-obra especializada, para o restauro dos capitéis danificados. Em meados de 1933, foi aprovada a reconstrução dos referidos capitéis, conforme os modelos primitivos83. As bases das colunas foram igualmente restauradas, seguindo o modelo dos vestígios encontrados. Durante o ano de 1931, foram restaurados dois dos fustes da capela-mor que se encontravam muito danificados e, citando o vogal da comissão de obras, “para ficar trabalho seguro houve necessidade, visto o extraordinário peso (à volta de 25 toneladas cada um) de gatear bem todas as pedras e fazer fundos encaixes nas paredes, para as travar, trabalhos estes muito demorados e dispendiosos”84. Ao mesmo tempo, avançava também a obra de rebaixamento do pavimento da cabeceira da igreja ao nível primitivo. No decurso da mesma, descobriram-se alguns metros quadrados de pavimento cerâmico original, composto por vários desenhos85 82  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça –Carta de António Vieira Natividade dirigida a Baltazar de Castro, Director dos Monumentos Nacionais do Norte, 3 de Novembro de 1930. 83  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Orçamento apresentado pelo construtor civil, Alberto Rodrigues Aurélio, 8 de Junho de 1933. 84  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Carta dirigida ao Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte por António Vieira Natividade, Alcobaça, 21 de Fevereiro de 1931. 85  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Carta dirigida ao Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte por António Vieira Natividade, Alcobaça, 24 de Abril de 1931.

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(Foto 34). A decoração barroca, em talha dourada, que assentava sobre o arco triunfal, foi também apeada. Este elemento arquitectónico estava bastante danificado, em virtude de toda a cantaria com moldura ter sido cortada aquando da colocação do componente barroco. Foi, por isso, necessário proceder-se ao restauro da cantaria. 4.2 – Capelas do Deambulatório Na Memória Descritiva e Justificativa, datada de 18 de Março de 1931, Baltazar de Castro fundamenta a importância da desobstrução das capelas do deambulatório: “a restauração completa das capelas da abside é uma obra que se impõe pela discordância profunda que se nota entre os enxertos existentes e o conjunto geral da capela-mor e deambulatório em restauro; os trabalhos que se projectam serão o complemento dos que estão em vias de conclusão. Uma vez levados a efeito ficará restabelecida a harmonia do conjunto. A obra projectada é relativamente facil, porque se encontraram todos os vestígios e motivos necessarios n’estes delicados trabalhos, para se levar a bom termo toda a obra de restauração da abside. Juntamente com esta obra projecta-se o apeamento do inestético e inutil orgão, o que tem por fim por a descoberto mais dois tramos primitivos da nave central”86 (Foto 35). Os trabalhos de desobstrução das capelas do deambulatório iniciaram-se ainda em 1930. De acordo com a documentação, em Março de 1931 já se encontravam desobstruídas quatro capelas radiantes, apresentando-se três delas já restauradas. Neste período, António Vieira Natividade alertara para a urgência da resolução do problema do elevado teor de humidade registado nas capelas radiantes e no braço sul do transepto. Na sua perspectiva, o problema da infiltração das águas pluviais só se86  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Memória Descritiva e Justificativa, 18 de Março de 1931.

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ria resolvido com a demolição do edifício do celeiro, propriedade do Asilo de Velhinhos Maria e Oliveira. O celeiro tapava, pelo exterior, a capela de Santo Estêvão e ainda o braço sul do transepto, na parte correspondente às capelas de Cristo Redentor ou de São Pedro e do Trânsito de São Bernardo87. Este edifício obstruía o limite sul-nascente da cobertura das capelas do transepto sul, dificultando o normal escoamento das águas pluviais nesta área. Além disso, os seus telhados escoavam as águas em direcção à cobertura plana das capelas, facilitando o processo de infiltração. Na verdade, o vogal preveniu, várias vezes, para a necessidade da demolição das construções adossadas à fachada sul do mosteiro, bem como para a remoção das terras e demolição dos edifícios encostados ao braço sul do transepto (Foto 5). O terceiro orçamento suplementar, aprovado para a continuação das obras na igreja, estabelece ainda o apeamento do órgão88. Após a sua desmontagem, foram restaurados os pilares que lhe serviam de apoio (Foto 36). 4.3 – Capelas do Transepto Em Janeiro de 1932, foi autorizada pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais a desmontagem da capela de Cristo Redentor ou de São Pedro, situada no transepto sul89. Ao mesmo tempo, procedia-se ao levantamento do pavimento do transepto e à continuação dos trabalhos de rebaixamento do piso ao nível original90. Durante o ano de 1932, os trabalhos de87  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Cartas dirigidas ao Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte por António Vieira Natividade, Alcobaça, 24 de Abril de 1931 e 18 de Maio de 1931. 88  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Memória Descritiva e Justificativa, Porto, 10 de Março de 1931. 89  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Carta dirigida a António Vieira Natividade pelo Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte, 27 de Janeiro de 1932. 90  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Comunicação dirigida ao Director dos Edifícios e Monumentos

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correram com muitas dificuldades de dotação orçamental. Por essa razão, António Vieira Natividade alertara frequentemente o organismo superior para a necessidade da disponibilização das verbas essenciais à continuação das obras, sob pena de as mesmas serem interrompidas. 4.3.1 – Capela do Trânsito de São Bernardo No final de 1933, já estava desmontada a maioria do acervo decorativo quinhentista e barroco, existente na igreja do Mosteiro de Alcobaça. Permanecia, ainda, o conjunto escultórico da capela do Trânsito de São Bernardo. As suas esculturas apresentavam um estado de decaimento muito avançado. O excesso de humidade, resultante da subida de água por capilaridade e das infiltrações das águas pluviais na parede sul, havia provocado, ao longo do tempo, grandes lacunas na camada cromática das modelações. Por outro lado, evidenciavam-se também outras patologias, tais como: a desagregação do barro no grupo dos monges e dos anjos, que integravam o plano do fundo; a perda da forma em algumas figuras; o transporte e cristalização de sais nas primeiras secções das esculturas, verificados a partir da base; a infestação biológica por todo o retábulo. O tecto e as paredes desta capela estavam cobertos por estuques pintados, datados do século XIX, que apresentavam um péssimo estado de conservação. O estuque destacava-se e caía em placas. Nas lacunas, observava-se a existência de outra pintura subjacente (Foto 37). Uma outra situação contribuíra significativamente para o estado de decaimento do sobredito conjunto escultórico, assim vejamos: o plano horizontal do retábulo assenta sobre uma plataforma que se encontra a 1,50 metros acima do pavimento do transepto. O enchimento deste soco era constituído por terras e entulho compactados sobre o terreno natural. Efectivamente, esta situação potenciava a ascensão da humidade por capilaridade, tão prejudicial às esculturas. Nacionais do Norte por António Vieira Natividade, Alcobaça, 23 de Janeiro de 1932.

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No início das obras de restauro, a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), procurou logo, em colaboração com o Conselho Superior de Belas Artes, estudar o problema da conservação do retábulo. O vogal, indicado pelo referido conselho, observando o grupo escultórico, constatou que as camadas de cal e de cola que lhe foram adicionadas, ao longo do tempo, desempenharam uma acção muito positiva na protecção e consolidação dos elementos escultóricos. No decurso de uma obra de reintegração da igreja nas suas características decorativas originais, levantou-se, desde logo, a hipótese do apeamento do altar do seu local de origem, com o objectivo de ser restaurado e transportado para o Museu Nacional de Arte Antiga. Em 1938, foi também admitida a ideia da deslocação do conjunto escultórico para o Museu das Janelas Verdes, com o propósito de que as esculturas integrassem a exposição dos barristas dos séculos XVII e XVIII, promovida pela Academia de Belas-Artes. Todavia, esta transferência mostrou-se muito arriscada, ficando decidido que o retábulo não seria retirado do Mosteiro de Alcobaça. O parecer pedido pela DGEMN à 6ª Secção da Junta de Educação Nacional, em 1939, acerca do problema da conservação do conjunto escultórico, refere a necessidade urgente da remoção das terras que permaneciam encostadas ao braço sul do transepto. Esta situação provocou, ao longo do tempo, o aumento significativo do teor de humidade na área do retábulo. O parecer técnico propõe igualmente que a primeira medida de conservação a efectuar consista numa intervenção de limpeza, com a colaboração de um escultor que compreenda a obra artística91. Era igualmente urgente repor os fragmentos pertencentes às figuras do primeiro plano, concretamente nos anjos músicos e no grupo de monges que chora a morte de São Bernardo. Em 1939, Diogo de Macedo elaborou a seguinte descrição do conjunto escultórico: “O maravilhoso grupo escultórico represen91  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Parecer da Junta Nacional de Educação, 1ª Subsecção, 22 de Novembro de 1939.

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tando A Morte de São Bernardo, que se encontra numa Capela do Mosteiro de Alcobaça, obra dos barristas anonimos que trabalharam nas oficinas do próprio Mosteiro e que é peça de arte excepcional na escultura portuguesa do século XVII, ha muitos anos que corre o risco de aniquilamento total, esboroando-se e desfazendo-se dia a dia, primeiro na deliciosa policromia do seu conjunto de quadro bem combinado, obra de pintores de apurado gosto e saber no aparelhado das tintas sobre barro poroso, e depois nas próprias formas das imagens e modelações dos pormenores, ao ponto de se quebrarem em pedaços, lascando como xistos e desagregando-se irremediavelmente, apesar de camadas de cal e alvaiades que sustentaram certas superfícies menos em evidência das figuras que compõem tão celebre, expressiva e decorativa escultura. Encontra-se hoje deveras mutilado e em parte de dificílimo restauro, devido ao desleixo dos anos, sem nunca alguém o haver defendido de outros desrespeitos, nem sequer procurar salva-lo estudando a forma de evitar a sua ruína e perda total”92. A intervenção de conservação e restauro do retábulo na capela da “Morte de São Bernardo” veio a concretizar-se pelo Instituto José de Figueiredo, em 1969. Os trabalhos realizados consistiram essencialmente na limpeza e consolidação do retábulo. Neste âmbito, foram feitas as seguintes acções: recolha de todos os fragmentos das esculturas; limpeza dos detritos e pó de barro; limpeza das manchas verdes; consolidação do barro; fixação da policromia; fixação de algumas secções das figuras; levantamento da argamassa que enchia os espaços no interior das esculturas; limpeza de sais; colocação de todos os fragmentos encontrados; consolidação do barro da figura da Virgem; levantamento da argamassa colocada nas juntas; integração de algumas lacunas93. 92  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Parecer da Junta Nacional de Educação, 1ª Subsecção, 22 de Novembro de 1939. 93  ANA PAULA R. ABRANTES, “Tratamento das Figuras em Terracota”, Problemas de Alteração e Conservação do Conjunto em Terracota da Morte de S. Bernardo no

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Relativamente ao tecto e às paredes da capela, foram levantados os estuques pintados, resultantes da campanha decorativa dos inícios do século XIX. Foi ainda recuperada a pintura mural decorativa, feita sobre argamassa. A mesma encontrava-se subjacente ao estrato do estuque. 4.4 – Naves da igreja O orçamento, com data de seis de Fevereiro de 1933, incluía as obras de rebaixamento do pavimento da igreja ao nível primitivo; a reconstrução do pavimento com cantaria apare­ lhada, aproveitando parte do lajedo existente; o apeamento dos quatro altares localizados nas naves laterais e o restauro de paramentos das paredes danificadas94 (Foto 38). O terceiro orçamento suplementar, aprovado para a continuação das obras, contempla ainda o apeamento do órgão, designado por Baltazar de Castro por “inútil e inestético”. Após a desmontagem do órgão, houve necessidade de restaurar os respectivos pilares, dado o seu mau estado de conservação. Os pilares localizam-se no lado sul da nave central. Deste modo, foram libertados dois tramos primitivos da referida nave95.

Mosteiro de Alcobaça, Colectânea Alcobaciana, 1974, pp. 57-63. 94  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Orçamento, 6 de Fevereiro de 1933. 95  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Memória Descritiva e Justificativa, Porto, 10 de Março de 1931.

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Quadro Síntese das obras de restauro realizadas pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, na igreja do Mosteiro de Alcobaça, a partir de 1930: DATA

TIPO DE INTERVENÇÃO

1930

Apeamento das esculturas do retábulo da capela-mor e desmontagem da estrutura pétrea (retábulo quinhentista); desmontagem dos degraus do altar e dos caixilhos de madeira que encobrem pelo exterior toda a colunata primitiva da capela-mor; início dos trabalhos de desobstrução das capelas do deambulatório.

1931

Desobstrução das capelas do deambulatório (continuação): reconstrução de janelas molduradas em cantaria e apeamento dos altares que as entaipam; reabertura de janelas primitivas, incluindo a reparação das cantarias; apeamento dos lanternins, incluindo a reconstrução da abóbada e lajedo em cantaria lavrada. Restauro dos fustes da capela-mor; rebaixamento do pavimento da igreja ao nível primitivo; apeamento da decoração barroca de talha dourada que assentava sobre o arco triunfal e restauro do arco; apeamento do órgão e revestimento dos pilares que o sustentavam; desmontagem do altar de Jesus Ressuscitado e restauro da cantaria do vão de porta localizado no topo do transepto sul.

1932

Desmontagem das capelas do transepto; reconstrução de abóbadas nas capelas do deambulatório.

1933

Rebaixamento do pavimento da igreja ao nível primitivo; reconstrução do pavimento com cantaria aparelhada; apeamento dos quatro altares localizados nas naves laterais e restauro das paredes danificadas; reparação e ampliação de caixilhos exteriores no transepto e naves laterais; restauro do pórtico da Sala dos Reis; construção e assentamento dos capitéis da capela-mor; restauro das bases das colunas da capela-mor; reparação dos telhados da igreja; reparação dos algerozes da Sala dos Reis.

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Foto 29 – Apeamento das esculturas da capela-mor. Foto de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 30 – Capela-mor: desmontagem do retábulo pétreo quinhentista. Foto de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 31 – Capela-mor: desmontagem do primeiro registo do retábulo pétreo quinhentista. Foto de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

Foto 32 – Capela-mor após a desmontagem do retábulo pétreo quinhentista. Foto de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 33 – Capela-mor: capitéis danificados da primitiva colunata. Foto de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 34 – Capela-mor: rebaixamento do pavimento ao nível primitivo. Foto de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 35 – Nave central: órgão colocado nos dois primeiros pilares do lado sul da nave (vista nascente-poente). Foto de 1930. Arquivo Casa-Museu Vieira Natividade. DGPC – Mosteiro de Alcobaça.

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Foto 36 – Trabalhos de rebaixamento do pavimento da igreja ao nível primitivo. Foto de 1933. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 37 – Capela do Trânsito de São Bernardo: transepto sul da igreja. Foto da década de 1930. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 38 – Deambulatório após as obras de reintegração. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 39 – Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça após as obras de reintegração. Foto de 1955. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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5 – Parecer sobre o acervo artístico do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, na década de 1950 O avanço das obras de restauro foi determinando a desmontagem do equipamento artístico, bem como a sua distribuição pelas diversas dependências do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Com efeito, o acervo resultante das obras de reintegração da igreja foi repartido pela Sacristia Nova, Sala do Capítulo, Dormitório, Refeitório, Capela do Desterro e piso superior do Claustro de D. Dinis. Na verdade, as peças iam sendo transportadas de uns espaços para os outros, consoante impunha o decurso das obras. Durante a década de 1930, a documentação indica que a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) entregara um conjunto de peças do acervo artístico do Mosteiro à Comissão de Iniciativa e Turismo de Alcobaça. As peças foram solicitadas pela sobredita entidade, com o objectivo de integrarem o acervo do futuro “Museu Regional”96. Com este projecto, 96  Os altares das naves laterais foram entregues pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) à Comissão de Iniciativa e Turismo de Alcobaça, com o objectivo de integrarem o futuro “Museu Regional”. No entanto, este processo não foi pacífico, dado que, pelo Ofício nº 2847, datado de 3 de Janeiro de 1934, o Ministro das Finanças havia autorizado a cedência dos altares da nave central ao Presidente da Corporação Cultual da Marinha Grande. Em carta datada de 1 de Fevereiro do referido ano, Alberto Rodrigues Aurélio, empreiteiro das obras no Mosteiro, informou Baltazar de Castro, Director dos Monumentos Nacionais do Norte, sobre o facto de os altares já não se encontrarem no Mosteiro, mas, sim, na posse da Comissão de Iniciativa e Turismo de Alcobaça. De acordo com a Ordem de Serviço nº 00924 da DGEMN, foram ainda cedidos à sobredita Comissão onze altares de talha dourada, quadros, esculturas, colunas, bem como outras peças de relativo valor artístico, destinados a integrarem o futuro Museu Regional. Por Ofício de 6 de Julho de 1934, A. Luís Gomes, Director Geral da Fazenda Pública, solicita a Baltazar de Castro que acompanhe o processo de entrega dos objectos cedidos à Comissão de Iniciativa e Turismo de Alcobaça, em virtude de ter recebido informações de que parte desses objectos, nomeadamente os altares, se encontravam acondicionados em condições pouco propícias à sua conservação. Relativamente a este assunto, em carta datada de 4 de Abril de 1935, endereçada à DGEMN, A. Luís Gomes escreve as seguintes palavras: “A Fazenda Pública desde Junho último ficou alarmada com a notícia de que a entrega dos objectos cedidos por despacho ministerial de 16 de Fevereiro de 1934 estava a fazer-se em péssimas condições e de que a Comissão de Iniciativa e Turismo de Alcobaça conserva-os a monte, muitos partidos e todos em grande risco”. Refere também a documentação que os quatro altares de mármore, igualmente entregues à dita Comissão, permaneciam no local da feira, abando-

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pretendeu-se dotar Alcobaça de uma unidade museológica. Porém, a sua concretização não chegou a acontecer. Em 1955, Madalena Cagigal e Silva, Conservadora Interina dos Palácios e Monumentos Nacionais, foi nomeada pela Repartição do Património da Direcção-Geral da Fazenda Pública para inventariar os bens culturais existentes no Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Em ofício dirigido ao Chefe de Repartição do Património, a conservadora mostrou claramente a sua preocupação quanto ao mau estado de conservação das peças dos acervos de escultura e de pintura existentes no monumento97. Este espólio estava repartido pelas várias dependências do Mosteiro, encontrando-se em condições inadequadas de acondicionamento. De acordo com o parecer da conservadora, o Director-Geral da Fazenda Pública solicitou à DGEMN a devida autorização para a instalação provisória de um museu no espaço do Claustro de D. Afonso VI, bem como nas suas dependências98. nados ao ar livre. Não obstante, durante o decurso do ano de 1935, foram ainda cedidos pela DGEMN à Comissão de Iniciativa e Turismo de Alcobaça todos os quadros e sobreportas emoldurados e dourados que se encontram arrecadados no Refeitório do Mosteiro, com excepção das imagens necessárias e indispensáveis ao culto religioso. A DGEMN impôs a condição única de que as peças ficassem devidamente acauteladas e acondicionadas num compartimento fechado. Relativamente a esta questão, a Comissão de Iniciativa e Turismo de Alcobaça, em carta assinada por Manuel da Silva Carolino, informou a Repartição do Património da Direcção-Geral da Fazenda Pública que a “Comissão resolveu aceitar, em princípio, a cessão dos quadros e sobreportas a que o mesmo ofício se refere. Acontece, porém, que o estado de alguns referidos quadros e sobreportas é extremamente precário, podendo dizer-se que nenhum está em perfeito estado de conservação. Além disso o valor intrínseco (como obras de arte) é muito discutível, pelo que, e ainda pelas exageradas dimensões d’ alguns deles, esta Comissão aceitaria com prazer, os que depois de uma criteriosa escolha, lhe pudessem convir. Quanto à arrecadação, guarda e acautelamento, cremos poder respeita-los tanto como muito zelosamente o deseja Vossa Excelência no referido oficio. Não posso contudo indicar a casa ou casas para o efeito, sem que a Comissão da minha presidência mande proceder à escolha que acima se alude”. Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Ofício dirigido à Direcção-Geral da Fazenda Pública – Repartição do Património, 20 de Junho de 1935. 97  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Ofício dirigido à Direcção-Geral da Fazenda Pública – Repartição do Património, 27 de Abril de 1955. 98  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Ofício dirigido à Direcção-Geral da Fazenda Pública – Repartição do Património, de 27 de Abril de 1955

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Segundo a Conservadora Interina dos Monumentos Nacionais, a quantidade e a qualidade das obras de arte existentes no monumento legitimavam a criação de um núcleo museológico. O parecer técnico releva o interesse dos acervos de escultura, de pintura e de pavimento cerâmico, considerando o primeiro grupo como o mais importante. Nele se inclui um núcleo de escultura de barro cozido e policromado, que é considerado como um dos mais interessantes trabalhos em barro da sua época, atendendo à qualidade artística e à originalidade que os distingue. Segundo as palavras da conservadora, as esculturas de barro, apeadas durante as obras da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), formavam um núcleo constituído por cerca de oitenta peças99. Para além deste conjunto de esculturas de barro cozido, assumem ainda expressiva importância as esculturas de madeira e de pedra, datadas dos séculos XVI, XVII e XVIII. A escultura ornamental de pedra, também numerosa, é de grande valia histórica e artística, sendo proveniente dos diversos espaços do mosteiro e ainda de outros edifícios que estiveram sob a sua jurisdição. Quanto ao acervo de pintura, a conservadora salientou que, embora o valor artístico dos quadros não fosse expressivo, a sua importância é particularmente relevante no âmbito histórico e documental100. Não obstante, mencionou a existência de quatro telas de elevado merecimento artístico e identifica-as: A Ceia de Cristo (Foto 40); A vida dos monges de Cister; Clarissas e Santa Maria Madalena lavando os pés de Cristo101. Acerca do 99  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Ofício dirigido à Direcção-Geral da Fazenda Pública – Repartição do Património, 27 de Abril de 1955. 100  Acerca do acervo de pintura do Mosteiro de Alcobaça, veja-se VÍTOR SERRÃO, “A Arte da Pintura entre o Gótico Final e o Barroco na Região dos Antigos Coutos de Alcobaça”, Arte Sacra nos Antigos Coutos de Alcobaça, Lisboa, IPPAR – Museu de Alcobaça, 1995, pp. 85-104; VÍTOR SERRÃO, “Pintura maneirista e barroca na região dos Coutos de Alcobaça, 1538-1750”, Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos séculos XVI, XVII e XVIII, Lisboa, IPPAR, 2000. 101  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Ofício dirigido à Direcção-Geral da Fazenda Pública – Repartição do Património, 27 de Abril de 1955.

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número de peças existentes no acervo, a conservadora fez a seguinte menção: “estando o inventário a menos de metade já haviam sido inventariadas doze telas”. Esta informação permite-nos concluir que, naquela época, pudessem existir cerca de vinte e quatro telas. Na sua maioria, o acervo de pintura estava concentrado no espaço do dormitório e os quadros apoiavam-se nas suas paredes. A pintura estava sujeita a toda a espécie de poeiras e exposta à variabilidade das condições climatéricas, dada a inexistência de vidros nas janelas desta dependência. De acordo com Madalena Cagigal e Silva, esta localização apresentava apenas a vantagem de os quadros poderem ser observados pelos visitantes. A pintura da Ceia de Cristo, pela sua vasta dimensão, foi colocada na escadaria que permitia o acesso da igreja ao Colégio de Nossa Senhora da Conceição, onde “chove como na rua”102. A estatuária de barro fora distribuída pela Sala do Capítulo, Sacristia e Refeitório. Encontrava-se igualmente exposta às poeiras e à chuva, bem como aos dejectos dos pombos. Com efeito, a falta de vidros nas janelas agravava a insalubridade destes antigos espaços monásticos, contribuindo para a deterioração do espólio artístico. Por sua vez, a maior parte da escultura de madeira fora disposta na Capela de Nossa Senhora do Desterro. Neste local, permanecia o seguinte grupo de esculturas: Cristo em Majestade; São Miguel da Ala; Virgem e o Menino; São João e Santa Maria Madalena; São José e a Virgem; e um núcleo de santos e santas de madeira dourada103. A conservadora sublinhou ainda a importância do acervo de mosaicos cerâmicos que pertenceram ao primitivo pavimento da cabeceira da igreja104. Na sua perspectiva, os mosaicos apresen102  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Ofício dirigido à Direcção-Geral da Fazenda Pública – Repartição do Património, 27 de Abril de 1955. 103  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Ofício dirigido à Direcção-Geral da Fazenda Pública – Repartição do Património, 27 de Abril de 1955. 104  Acerca do pavimento cerâmico medieval da igreja do Mosteiro de Santa Maria

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tavam um bom estado de conservação, facultando informações relevantes sobre a forma como eram pavimentadas as obras de arquitectura, em Portugal, no período de transição do românico para o gótico. Em 1931, foi descoberto o pavimento cerâmico do deambulatório, por ocasião do rebaixamento do piso da igreja ao nível primitivo. As peças foram levantadas, mas só mais tarde, em 1939, foram identificadas por Santos Simões. Acerca deste assunto, escreve o autor: “Quando, em 1939, se efectuavam obras de «reintegração» no Mosteiro de Alcobaça, foram reconhecidos os pavimentos cerâmicos das capelas absidiais escondidos sob estrados de madeira. Por ignorância do valor arqueológico destes pavimentos – que se julgaram datar dos séculos XVII ou XVIII – foram eles levantados. O senhor Carlos Campeão, curioso das velharias de Alcobaça, teve a intuição do grande valor desse mosaico, chamando a minha atenção para o que considerava ser «um verdadeiro crime». Numa visita que fiz propositadamente à igreja em obras, acompanhado daquele meu amigo, reconheci tratar-se de cerâmica pavimentar medieval, mas infelizmente, já havia sido levantada a maioria dos pavimentos. Foi, no entanto, possível reagrupar alguns e o senhor Campeão fez desenhar aqueles que ainda se podiam reconhecer. Como resultado o Director da obra mandou agrupar os elementos aproveitáveis e com ele compôs onze quadros que recolheram para exposição à sala do capítulo do Mosteiro”105. de Alcobaça, vejam-se os seguintes estudos: JOÃO DA BERNARDA, “A Arte da Cerâmica no Mosteiro e nos Coutos Alcobacenses”, Arte Sacra nos Antigos Coutos de Alcobaça, Lisboa, IPPAR, 1995, pp. 117-129; RUI ANDRÉ ALVES TRINDADE, Revestimentos Cerâmicos Portugueses – Meados do século XIV à primeira metade do século XVI, Lisboa, Edições Colibri, 2007, pp. 193-208; J.M. SANTOS SIMÕES, A Azulejaria em Portugal nos Séculos XV e XVI. Introdução Geral, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1969, pp. 48-50. 105  J. M. SANTOS SIMÕES, A Azulejaria em Portugal nos Séculos XV e XVI. Introdução Geral, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1969, pp. 48. Conforme a informação de Rui Trindade, nos anos de 1997 e 1998 iniciaram-se prospecções arqueológicas no Mosteiro de Alcobaça, efectuadas pelo Instituto Português do Património Arquitectónico. Quando se procedia a estas escavações, um antigo operário que havia trabalhado nas obras de 1939 indicou que os restos dos pavimentos arrancados nessa altura se encontravam enterrados dentro de caixotes no claustro de D. Afonso VI. Desta forma, foram recuperadas algumas toneladas de mosaico vidrado. Acerca deste assunto, veja-

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Segundo Rui Trindade, o acervo de mosaicos cerâmicos vidrados do Mosteiro de Alcobaça é o maior e o melhor núcleo de produção de mosaico cisterciense identificado em Portugal. O autor salienta a variedade de arranjos conseguidos e a diversidade de formatos das peças, destacando também a sua qualidade, em comparação com outros pavimentos europeus. Após terem sido retiradas do seu lugar de origem e recompostas de acordo com os seus arranjos primitivos, as peças foram ensambladas. Os painéis permitem identificar cinquenta e dois formatos de mosaico de dimensões variáveis; rectângulos, polígonos regulares e irregulares, círculos e triângulos. Os mosaicos cerâmicos vidrados datam da segunda metade do século XIII e do século XIV106. Em síntese, em 1955, a especialista, que inventariou o acervo artístico do Mosteiro de Alcobaça, fez referência à presença de um espólio composto por mais de duzentas e cinquenta peças, acentuando o facto de as mesmas se encontrarem mal arrecadadas e correndo sérios riscos de deterioração. Face ao exposto, afirmou como sendo de elevado interesse e de extrema necessidade a instalação de um museu no Mosteiro de Alcobaça. Para o efeito, propôs o espaço do claustro de D. Afonso VI e as suas dependências anexas. A devida autorização chegou a ser solicitada pela Repartição de Património da Direcção-Geral da Fazenda ao Director-Geral dos Monumentos e Edifícios Nacionais. Apesar das diligências efectuadas, este projecto não chegou a concretizar-se. O supradito espólio artístico continua a aguardar um programa museológico que permita aos visitantes do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça o conhecimento e a compreensão de uma parte da sua imensa história107.

-se RUI ANDRÉ ALVES TRINDADE, Revestimentos Cerâmicos Portugueses – Meados do século XIV à primeira metade do século XVI, Lisboa, Edições Colibri, 2007, p. 195. 106  RUI ANDRÉ ALVES TRINDADE, Op. cit., passim. 107  No âmbito do projecto de investigação “Tacelo – Estudos para a conservação das esculturas monumentais em terracota do Mosteiro de Alcobaça” (PTDC/HIS-HEC/111825/2009), foram realizadas acções de conservação e restauro em algumas das esculturas de terracota do acervo do monumento. Em 2012, foi reintegrado o núcleo de pintura seiscentista na Sacristia Nova.

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Foto 40 – A Última Ceia. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 41 – Pintura sobreporta. Arquivo Foto 42 – Pintura sobreporta. Arquivo da DGEMN/IHRU. da DGEMN/IHRU.

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Foto 43 – Santa Catarina de Siena. Antes do restauro. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 44 – Santa Catarina de Siena. Após o restauro. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 45 – Cristo aparecendo a Santa Maria Madalena – antes do restauro. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 46 – Cristo aparecendo a Santa Maria Madalena – após o restauro. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 47 – Tela não identificada. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 48 – Tela não identificada. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 49 – Crucificação de Jesus Cristo. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 50 – Pintura sobreporta. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 51 – Pintura sobreporta. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 52 – Pintura sobreporta. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 53 – Morte de Santa Maria Madalena. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 54 – Conjunto escultórico do antigo altar de São Miguel Arcanjo. Século XVI. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 10.

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Foto 55 – Escultura de madeira do antigo altar de Jesus Cristo Ressuscitado. Século XVI. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 12.

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Foto 56 – Escultura de madeira da antiga capela de São Sebastião. Século XVI. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 76.

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Foto 57 – Escultura de madeira de Nossa Senhora com o Menino. Século XVIII. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 75.

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Foto 58 – Escultura de madeira de São João Baptista c/Agnus Dei. Século XVI. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 65.

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Foto 59 – Escultura de barro cozido e policromado pertencente à antiga capela de Cristo Redentor ou de São Pedro. Século XVII. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 19

Foto 60 – Escultura de barro cozido e policromado pertencente à antiga capela de Cristo Redentor ou de São Pedro. Século XVII. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 19

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Foto 61 – Escultura de barro cozido e policromado pertencente à antiga capela de Cristo Redentor ou de São Pedro. Século XVII. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 20.

Foto 62 – Escultura de barro cozido e policromado pertencente à antiga capela de Cristo Redentor ou de São Pedro. Século XVII. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 20.

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Foto 63 – Escultura de barro cozido e policromado pertencente à antiga capela de Cristo Redentor ou de São Pedro. Século XVII. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 21.

Foto 64 – Escultura de barro cozido e policromado pertencente à antiga capela de Cristo Redentor ou de São Pedro. Século XVII. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 21.

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Foto 65 – Escultura de barro cozido e policromado pertencente à antiga capela de Cristo Redentor ou de São Pedro. Século XVII. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 22.

Foto 66 – Escultura de barro cozido e policromado pertencente à antiga capela de Cristo Redentor ou de São Pedro. Século XVII. Cf. BARATA FEYO, A Escultura de Alcobaça, Lisboa, Edições Ática, 1945, p. 22.

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Foto 67 – Conjunto escultórico de barro cozido e policromado pertencente ao retábulo da capela-mor. Sala do Capítulo. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 68 – Escultura de barro cozido do retábulo da capela-mor: São Bernardo. Sala do Capítulo. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 69 – Escultura de barro cozido do retábulo da capela-mor: São Gregório Magno. Sala do Capítulo. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 70 – Montagem das esculturas de barro cozido, pertencentes ao antigo retábulo da capela-mor. Sala do Capítulo. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 71 – Pavimento cerâmico do deambulatório. Século XIII. Cf. João da Bernarda, “A Arte da Cerâmica no Mosteiro e nos Coutos Alcobacenses”, Arte Sacra nos Antigos Coutos de Alcobaça, Lisboa, IPPAR – Museu de alcobaça, 1995, p. 116.

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6 – Nota histórica e descrição da Sacristia Nova Em resultado da exigência das actividades litúrgicas de uma comunidade constituída por um número elevado de monges, a primitiva sacristia da igreja de Alcobaça tornara-se um espaço bastante exíguo. Este facto mereceu a atenção do rei D. Manuel I. Assim, por sua ordem, a partir de 1519, o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça assistiu a um conjunto de obras de ampliação de alguns dos espaços já existentes e ainda à construção de novas dependências. A edificação da Sacristia Nova enquadra-se nestas campanhas construtivas, cuja direcção de empreitada coubera ao arquitecto João de Castilho. Acerca deste tema, escreve Saul António Gomes: “Os documentos apresentam como principal mestre-de-obras activo em Alcobaça a João de Castilho. […] As obras teriam de seguir com prioridades. Para as fiscalizar foi mesmo nomeado um vedor especial que, em Junho de 1521, era Manuel Lopes. Para 1519, o orçamento disponibilizado apenas compreenderia as empreitadas da Sacristia e da Livraria, entregues a João de Castilho”108. Esta empreitada teria sido dirigida em simultâneo com as obras do Convento de Cristo, em Tomar, e do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa109. O edifício da Sacristia Nova foi implantado na parte exterior da cabeceira da igreja. A necessidade de um acesso para a nova sacristia determinou a abertura da parede fundeira da quarta capela radiante, do lado da Epístola, e, consequentemente, a sua abolição. A capela transformara-se no local de acesso ao átrio que antecede a sacristia, localizada no lado Nordeste. O mesmo espaço permite o acesso à capela do Senhor dos Passos, implantada no lado Sudoeste (Foto 72). A sacristia quinhentista apresentava um tecto com abóbada manuelina, rebaixada e muito nervurada, semelhante à co108  SAUL ANTÓNIO GOMES, Visitações a Mosteiros em Portugal – Séculos XV e XVI, Lisboa, IpPAR, 1998, pp. 42-43. 109  JOSÉ CUSTÓDIO VIEIRA DA SILVA, “Alcobaça – O Período Manuelino”, Actas Congreso internacional sobre San Bernardo e o Cister en Galicia e Portugal, Vol. II, Ourense, 1992, p. 815.

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bertura abobadada do átrio da sacristia. Esta última manteve-se até à actualidade (Foto 73). No interior da sacristia, as abóbadas assentavam em oito rincões, quatro em cada uma das paredes estruturais. Esta técnica construtiva, comum ao tardo-gótico internacional, permitia a leitura uniforme do espaço abobadado, já que nenhuma coluna ou pilar seccionava a área entre as paredes estruturais. A abóbada mantinha a organização em três tramos sublinhados pelo arranque. As abóbadas, cada vez mais rebaixadas, quase planas, atingem o seu auge com João de Castilho no programa tardo-gótico, de grande monumentalidade, na Igreja dos Jerónimos de Lisboa110. As paredes da sacristia manuelina apresentavam um revestimento azulejar, que as forrava na sua totalidade. Os painéis de azulejo eram alusivos às primeiras fundações e fundadores das Ordens Militares que seguiam a Ordem de Cister, tais como as milícias de Avis, de Cristo, de Calatrava, Montesa e outras111. Neste contexto, escreve Fr. Manuel dos Santos: “ (…) Está lançada por detrás da igreja, separada do mais edificio do mosteiro; por esta rezam entram nella molheres a ver. O seu comprimento, como tambem o da igreja he de Oriente a Poente, a largura de norte a sul. O comprimento he lageado de pedra branca; e o tecto he de abobeda de ponto feita de pedraria, com seus floroens da mesma pedra, e se firma sobre oito rincoens, quatro de cada parte. Tem três janelas de acento para o meio dia, altas de peitoril para sima 15 palmos e meio, e largas oito palmos e três dedos […] Nam teve vida o S. Rey D. Manuel para ornar o interior da sancristia; pelo que foi precisos fazerem-no os monges a sua custa. O seu ornato he o seguinte. Estam cubertas as paredes de alto abaixo de azulejo moderno, e nelle pintadas as primeiras fundaçoens, e fundadores das Ordens militares da Christandade, que professam, e professaram as Leis de Cister, quais são neste Reyno as milícias de Christo e de Avis; e fora delle as de Calatrava, Mon110  JOSÉ CUSTÓDIO VIEIRA DA SILVA, Op. cit., p. 816. 111  FREI MANUEL DOS SANTOS, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça, leitura, introdução e notas de Aires Augusto Nascimento, Alcobaça, Colectânea Alcobaciana, Nº 3, 1979, p. 36.

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tesa e outras. Tem caixoens grandes para os ornamentos das duas partes ou paredes de norte e sul; são de pão santo guarnecido de evano e marfim. A pregaria he de bronze dourada; tem caixoens seu espaldar, e nelle de excelente pintura os passos principais da Vida de N.P.S. Bernardo e outros Santos e Santas da Ordem”112. Segundo o cronista, os arcazes da sacristia apresentavam, no seu espaldar, um conjunto de telas com a representação de algumas cenas da vida de São Bernardo. Vítor Serrão refere que os arcazes foram executados no abaciado de D. Remígio da Assunção (1618-1621). Assim, nessa ocasião, foram chamados de Lisboa Domingos Vieira Serrão (c. 1570-1632) e Simão Rodrigues (c. 1560-1629) para executarem a série de telas alusivas à Vida de São Bernardo, destinadas a decorar os espaldares dos novos arcazes. Estas telas tardo-maneiristas representam as seguintes cenas: São Bernardo impondo o hábito a um noviço; São Bernardo assistindo à ceifa dos campos pelos monges cistercienses sob a protecção da Virgem; A Virgem e as Santas Mártires aparecendo a São Bernardo e a seus companheiros; Aparição de Cristo Ressuscitado a São Bernardo; São Bernardo perante Cristo e São Pedro, convertendo um pecador113. O Terramoto de 1755 teve um impacto ruinoso nesta dependência monástica, provocando o abatimento da abóbada manuelina. De acordo com as Memórias Paroquiais de 1758, “As abobedas da sua sachristia se abateram e cahiram por terra com considerável perda dos excelentes cayxões e mais primorozos ornatos que a faziam singular e riquíssima, e se anda fazendo na mesma parte outra de novo, que pelo seu risco e manufactura excederá a arruinada”114. Nos alçados exteriores do edifício, observam-se ainda os contrafortes da primitiva construção, constituindo um indicador bastante claro de que a sacristia teria sido reerguida a partir da preexistência quinhentista (Foto 74). 112  FREI MANUEL DOS SANTOS, Op. cit., pp. 35-36. 113  VÍTOR SERRÃO, “Pintura maneirista e barroca na região dos Coutos de Alcobaça, 1538-1750”, Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos séculos XVI, XVII e XVIII, Lisboa, IPPAR, 2000, pp. 126-127. 114  TT – Dicionário Geográfico do Pe. Luís Cardoso, Vol. 2, Nº 5, p. 38.

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As obras de reconstrução da sacristia nova foram iniciadas por ordem do abade Frei Manuel de Barbosa, eleito em 1756, tendo sido terminadas no abaciado de Frei Caetano de Sampaio, eleito em 1762115. Acerca da nova sacristia, Frei Manuel de Figueiredo escrevera, em 1781: “ (…) a Sachristia tem de comprido 125 palmos, de largura 42, com um pé direito muito elevado; o seu pavimento de pedras de muitas cores forma vista agradavel: tres janelas com 28 palmos de altas do pavimento athe as pavieiras, e 10 de largo lhe comunicão abundante luz; duas grandes mesas de pedra muito linda, e 2 grandes espelhos fazem frente e correspondencia a duas janellas e a 3ª á porta do anteprezépio, intermediando os caixoens de pao santo guarnecidos com muitas peças de bronze e mimozo risco; os seus muitos cunhaes guarnecidos de muitos enfitados, os seus capiteis, emplumados, os remates das janellas e portas; os estuques bem trabalhados e cheios de ouro nas empenas e no tecto com o mais que temos dito fazem esta casa magnifica e aceada”116. Já em 1760, Thomas Pitt, na sequência da visita realizada ao Mosteiro de Alcobaça, havia mencionado a beleza da sacristia, sublinhando o facto de a obra ainda não se encontrar concluída. Mais tarde, em 1787, William Beckford refere-se à sacristia como um espaço esplendoroso e sumptuoso, digno de Versailles117 (Fotos 75 e 76). O edifício da sacristia nova apresenta uma planta longitudinal de corpo rectangular. Na parede sul, rasgam-se três janelões, encimados por frontão triangular, e, defronte do primeiro, na parede norte, abre-se uma porta que comunica para o pátio da “Capela do Santo Presépio”118. Na parede norte, inscre115  FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, “Descrição da Igreja de Alcobaça em 1761”, em Vergílio Correia, Obras – Estudos Monográficos, Vol. V, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1978, p. 96. 116  FREI MANUEL DE FIGUEIREDO, Op. cit., passim. 117 Veja-se WILLIAM BECKFORD, Alcobaça e Batalha – Recordações de Viagem, Lisboa, Edições Veja, 1997, p. 43. 118  O vão de porta aberto na parede norte da Sacristia Nova dá acesso a um pátio. Neste local, erguera-se a “Capela do Santo Presépio”. Esta estrutura foi construída no generalato de Frei Luís de Faria. Em Outubro de 1930, iniciaram-se os trabalhos de demolição da supradita capela. De acordo com a descrição de Frei Manuel dos Santos,

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vem-se ainda duas estruturas de tamanho e arquitectura idênticos aos janelões da parede sul, posicionando-se defronte para os mesmos (Foto 75). No interior de cada estrutura arquitectónica, apresenta-se uma tela encaixilhada com moldura dourada, representando, em cada uma, os Apóstolos São Tiago Maior e São Paulo, respectivamente (Foto 77 e 78). Na parte inferior das referidas estruturas, erguem-se duas credências de mármore. Os vãos dos janelões e das portas, que se rasgam nas paredes norte, sul e poente da construção, são rematados por estruturas douradas, na parte superior. Apresentam uma ornamentação provida de frutos e de flores. Ao centro, expõem, ainda, um elemento concheado. As pilastras e os cunhais, em número de oito, concretamente quatro pilastras e quatro cunhais, constituem estruturas verticais no interior do edifício, salientando-se parcialmente nas paredes. Estes elementos apresentam capitéis compósitos e uma ornamentação vertical dourada, sendo coroados pelo entablamento (Fotos 79 e 80). O tecto, em abóbada, precedida de cornija, apresenta-se estucado e ornamentado de acordo com o programa decorativo rocaille 119 (Fotos 81, 82 e 83). Predominam os ornatos em a capela teria cerca de 6,5 metros de comprimento por cerca de 4,60 metros de largura. Entrando-se na porta da capela, a uma distância de cerca de 1,50 metros, abria-se um arco de pedra com cerca de 4 metros de altura e com 2,40 de largura, a partir deste arco apresentava-se o Presépio. Ao fundo, existia um grande monte e, no cimo dele, a cidade de Belém; em baixo, ficava o Presépio com a imagem do Menino deitado na manjedoura, a Virgem Maria a seus pés, e São José na cabeceira. Existiam ainda outras imagens como um coro de anjos com diversos instrumentos musicais, os três pastores a quem foi anunciado o nascimento do Menino e um conjunto de figuras, representando gente do campo e pastores com as respectivas ofertas. O tecto desta capela estava pintado com imagens alusivas à milícia celeste. As figuras são todas de mediana estatura, transmitindo um grande realismo. Acerca deste assunto, consulte-se FREI MANUEL DOS SANTOS, Op. cit., p. 38. 119  Designação relacionada com a decoração de gosto rococó surgida em França nos últimos anos do reinado de Luís XIV (1643-1715), e principalmente durante a regência (1715-1723) do duque de Orleães, Filipe, na menoridade de Luís XV (1715-1774), com o qual adquire maior expressão artística e divulgação por toda a Europa. O ciclo de decadência inicia-se na parte final deste reinado e desaparece mesmo com Luís XVI. Este programa decorativo foi também conhecido pela designação de Luís XV. O Rocaille foi divulgado por Cochin des Fils, artista francês, que atribui a sua origem a italianos.

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relevo, constituídos por florões e elementos concheados. Ainda no tecto, ao centro, apresenta-se também, em relevo, a figura de São Bernardo (Foto 82). A estrutura abobadada do tecto é formada através de um conjunto de cambotas. O sistema de fasquio está colocado no intradorso da abóbada, permitindo segurar o estuque e a respectiva ornamentação120. A capela das relíquias, datada de 1670, está localizada no fundo da sacristia. O vão de acesso ao relicário apresenta um portal de moldura rectangular, encimado por arquitrave e rematado por um frontão assente em duas colunas. Estas têm capitéis compósitos e fustes lisos, que se erguem a partir de dois pedestais. Os mesmos estão implantados em cada um dos lados do vão do portal. Ao centro, no frontão, abre-se um resplendor decorado com três cabeças aladas de anjo, moldadas em gesso (Foto 85). O portal apresenta uma gramática decorativa idêntica à estrutura arquitectónica do altar da capela do Senhor dos Passos, bem como às estruturas dos antigos altares setecentistas, situados nas naves laterais da igreja121 (Foto 86). Todavia, os materiais utilizados na sua construção são completamente distintos; nos antigos altares laterais da igreja e na caDe decoração caprichosa e nem sempre equilibrada, apresenta irregularidades e assimetrias de forma a poder imitar as rochas (daí o nome), grutas, conchas e cristas das ondas, entre outras formas rústicas da natureza. Este estilo decorativo e ornamental abandona, com as suas fantasias e linhas sinuosas, toda a solenidade clássica vigente até grande parte do reinado de Luís XIV. Nas obras de decoração, arquitectura, mobiliário, cerâmica, e mesmo nos objectos de uso e adorno, o ritmo desordenado dos elementos decorativos sobrepõe-se à pureza de linhas, sobressaindo então os concheados, laços de fitas, concreções minerais, sinuosidades vegetais, pássaros ou crustáceos em linhas contornadas. Na realidade, constituíam ornatos mais apropriados à fantasia dos decoradores, tendo um público cada vez maior. Existe, portanto, uma imitação da natureza, mas sem servilismos ou reproduções exactas, antes uma inspiração, ou até uma fantasia da imaginação, que estilizava os motivos naturais. Assim, o Rocaille, como expressão artística dotada de poesia e fantasia, procurando a graça e o charme, a surpresa e o encanto, implanta-se em toda a Europa, caracterizando a fase mais sedutora do Século das Luzes. Rocaille. In Diciopédia X [DVD-ROM]. Porto: Porto Editora, 2006. 120  O estuque é constituído por uma argamassa composta de cal, areia finíssima e gesso, usada em vários tipos de ornatos e como acabamento final de tectos e paredes. 121  Os quatro altares setecentistas, que decoravam as naves laterais da igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, foram desmontados, em 1933, no âmbito do plano de obras da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.

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pela do Senhor dos Passos, a estrutura arquitectónica é construída em mármore; na sacristia, todos os elementos do portal são fabricados em madeira, contendo um revestimento de argamassa122. A observação in situ permite-nos constatar a existência de policromias marmorizadas, perfeitamente visíveis nos pedestais. Nas partes laterais do vão de acesso à capela relicário, são ainda observáveis os vestígios remanescentes do antigo portal (Fotos 87 e 88). Na parede poente, de cada lado do vão da porta de acesso à sacristia, existem dois amituários encastrados na parede. Os móveis, datados de 1664, (Foto 89) apresentam uma estrutura de inspiração arquitectural, com características orientais. Esta vertente decorativa está presente através do contraste de cores dos materiais utilizados, tais como: as madeiras exóticas (pau-santo e ébano) e o marfim. Fr. Manuel dos Santos refere-se ao respectivo mobiliário da seguinte forma: “Na parede da porta aos dous lados da mesma tem dous caixoens mais com suas gavetas que servem de ter os amitos123, missaes e cálices; são tambem de pao santo guarnecido de evano e marfim; e a pregaria tambem de bronze dourada; são altos vinte palmos, e de largo tem des”124 (Foto 90). Ainda na parede poente da sacristia nova, pelo seu exterior, abre-se o magnífico portal manuelino, sobressaindo como uma peça de grande impacto artístico. A sua autoria é atribuí122  Esta informação foi-nos gentilmente cedida pelo Sr. José Luís, empreiteiro da obra de instalação da luz eléctrica na Sacristia Nova, realizada em 2009. 123  Os amituários tinham como finalidade guardar os amictos nas respectivas gavetas; as restantes divisórias serviam para guardar outro tipo de alfaias religiosas. O amito ou amicto (lat. Amictus) é um rectângulo de tecido branco, normalmente de linho ou algodão, tendo uma cruz ao meio e fitas ou cordões em duas das pontas. É o primeiro dos paramentos sagrados, colocado sobre as espáduas, fica entre as vestes ordinárias e a alva e restantes vestes sagradas. Algumas vezes, colocava-se sobre a cabeça, quando se ia ou vinha do altar, simbolizando o capacete da fé contra as tentações. Envolvendo o pescoço, significa a moderação da voz, a prudência e a descrição nas palavras. Ao vestir o amicto, o ministro diz: Senhor colocai sobre a minha cabeça o capacete da salvação, para que eu possa repelir todos os assaltos diabólicos. Sobre este assunto, veja-se ANTÓNIO GARCIA RIBEIRO DE VASCONCELOS, Compêndio de liturgia romana, Vol. I, 1898, p. 99. 124  FREI MANUEL DOS SANTOS, Op. cit., p. 36.

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da ao arquitecto João de Castilho. O portal exprime um intenso naturalismo. Os dois troncos erguidos nas partes laterais do vão de porta entrelaçam-se, acima da verga, sendo apertados por uma correia. Nas ombreiras, os troncos exibem todos os ramos cortados, na parte inferior, exibem as raízes. Na parte superior da verga do portal, os dois troncos cingidos ostentam folhagem abundante. De acordo com José Custódio Vieira da Silva, o tratamento naturalista tão vincado da porta da sacristia de Alcobaça é um dos mais conseguidos da arte manuelina125 (Fotos 91, 92 e 93). Em suma, a partir de um espaço modelar quinhentista, a sacristia combina um conjunto de programas decorativos de grande valia artística. Os elementos manuelinos coexistem com persistências barrocas, motivos neoclássicos e decoração rocaille, nomeadamente no tecto. Na verdade, a sacristia nova é um espaço caracterizado pela diversidade de estilos, tendo, por isso, uma acentuada vertente didáctica e pedagógica.

125  JOSÉ CUSTÓDIO VIEIRA DA SILVA, Op. cit., p. 817.

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Foto 72 – Acesso ao átrio da Sacristia Nova. Foto da autora (2011).

Foto 73 – Abóbada manuelina do átrio da Sacristia Nova. Foto da autora (2012).

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Foto 74 – Alçado norte da Sacristia Nova: contrafortes da primitiva construção quinhentista. Foto da autora (2011).

Foto 75 – Sacristia Nova: vista geral. Foto da autora (2012).

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Foto 76 – Sacristia Nova: vista geral. Foto da autora (2012).

Foto 77 – Sacristia Nova: parede norte. Foto da autora (2012).

Foto 78 – Sacristia Nova: parede norte. Foto da autora (2012).

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Foto 79 – Sacristia Nova: parede sul. Foto da autora (2011).

Foto 80 – Sacristia Nova: pilastras. Foto da autora (2011).

Foto 81 – Sacristia Nova: tecto. Foto da autora (2011).

Foto 82 – Sacristia Nova: tecto. Foto da autora (2011).

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Foto 83 – Sacristia Nova: pormenor do tecto. Foto da autora (2011).

Foto 84 – Sacristia Nova: pormenor do tecto. Foto da autora (2011).

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Foto 85 – Portal de acesso à Capela-Relicário: parede nascente da Sacristia Nova. Foto da autora (2011).

Foto 86 – Altar da Capela do Senhor dos Passos. Foto da autora (2011).

Foto 88 – Vestígios remanescentes do antigo portal de acesso à Capela-Relicário: pormenor decorativo. Foto da autora (2011). Foto 87 – Vestígios remanescentes do antigo portal de acesso à Capela-Relicário. Foto da autora (2011).

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Foto 89 – Sacristia Nova: amituários. Foto da autora (2011).

Foto 90 – Sacristia Nova: amituário – pormenor. Sacristia Nova. Foto da autora (2011).

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Foto 91 – Portal manuelino. Sacristia Nova. Foto da autora (2011).

Foto 92 – Portal manuelino: embasamento. Foto da autora (2011).

Foto 93 – Portal manuelino: parte superior da verga. Foto da autora (2011).

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7 – Obras empreendidas pela DGEMN na Sacristia Nova À semelhança do restante edificado monástico, a sacristia nova apresentava um estado de decaimento avançado. Esta situação resultou do abandono e da falta de manutenção a que esteve sujeita durante cerca de um século. As lacunas existentes no telhado provocaram o aumento do teor de água na estrutura abobadada de madeira, que fazia a cobertura do edifício. Por conseguinte, existiam zonas de intenso destacamento no tecto de estuque ornamental. Ao longo do tempo, a secagem e a contracção dos estratos de estuque, juntamente com a deterioração, a instabilidade das estruturas de madeira, as vibrações e a trepidação foram causando elevados níveis de desagregação do tecto. A situação confirmou-se com a existência de fendas profundas no estuque, verificando-se também a deformação das massas de suporte. De facto, o elevado teor de humidade conduziu ao aumento das bolsas de desagregação, originando o destacamento do estuque e, consequentemente, o arrastamento dos ornatos (Fotos 95, 96 e 97). De uma forma geral, essas zonas caracterizavam-se pelo apodrecimento das estruturas de fasquio. Apresentavam uma contaminação biológica e de algas, tanto nas massas de enchimento como nos suportes de madeira (Fotos 98, 99 e 100). Atento aos problemas existentes na sacristia nova, em 1930, António Vieira Natividade informou Baltazar de Castro acerca da urgência na realização de obras de reparação nos telhados da “Sacristia e da Capela dos Relicários”126 (Foto 94). Estas obras foram efectuadas. Contudo, o estado de ruína da estrutura de madeira do tecto desta dependência estava tão avançado e generalizado que exigia, obrigatoriamente, uma intervenção mais profunda. Neste âmbito, em 1945, Baltazar de Castro informara o Director-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais acerca 126  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Carta de Manuel Vieira Natividade dirigida ao Arquitecto Director dos Monumentos Nacionais do Norte, Baltazar de Castro, 25 de Agosto de 1930.

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da necessidade da transferência de uma parte da verba da dotação orçamental das obras do Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães, para as obras do Mosteiro de Alcobaça, dado o tecto da sacristia já necessitar de escoramento127 (Foto 95). A análise do estado de conservação do tecto da sacristia nova confirmou a situação ruinosa que caracterizava o sistema abobadado, bem como toda a cobertura desta dependência na sua globalidade. Na estrutura apodrecida, composta por cambotas de madeira, assentava sobre o extradorso o vigamento do telhado, e, no intradorso, o tecto estucado. Na verdade, o apodrecimento do fasquio e da estrutura de madeira inviabilizou a concretização de uma intervenção de restauro no tecto de estuque. As obras iniciaram-se em 1947, tendo sido a empreitada atribuída a Manuel Ferreira da Costa. A intensa degradação da abóbada de madeira determinou o levantamento das telhas da cobertura, e a demolição do tecto (Foto 101). Após a execução destes trabalhos, procedeu-se também à consolidação estrutural do edifício com cintagem em betão armado e, seguidamente, ao assentamento de uma nova estrutura abobadada de madeira composta por oitenta asnas em casquinha e cinquenta e cinco cambotas. Em 1948, tiveram início as obras de reconstrução do tecto da sacristia, de acordo com o modelo antigo128 (Fotos 102 e 103). O relatório do Conservador dos Monumentos Nacionais da zona de Leiria, datado de 8 de Abril de 1950, menciona que ainda faltava estucar um canto do tecto e proceder à respectiva pintura. Apesar das dificuldades orçamentais, a conclusão dos trabalhos assumia um carácter bastante urgente, dada a necessidade de uma intervenção na lanterna superior do Relicário. A execução do trabalho de pintura do tecto da sacristia foi realizada de acordo com as instruções provenientes da 127  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Ofício nº 3218, 2 de Agosto de 1945. 128  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Proposta de Ajuste Particular para a reconstrução do tecto da Sacristia segundo o modelo antigo, Lisboa, 24 de Setembro de 1948.

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1ª Secção Técnica da Direcção dos Serviços dos Monumentos Nacionais. As molduras e florões foram impermeabilizados e dourados com ouro de imitação. Durante os anos de 1952, 1953 e 1954 foram ainda empreendidas outras obras na sacristia: o levantamento do pavimento com vista à substituição de algumas lajes, bem como do massame de fundação; o refechamento de juntas; a reparação das grades de ferro dos janelões; a substituição de caixilhos degradados; a reparação dos arcazes e dos amituários encastrados na parede129. A empreitada de manutenção e restauro da capela relicário foi adjudicada a J. Freitas Garcia, em 1954. O início dos trabalhos implicou a desmontagem das esculturas de barro cozido e policromado, provenientes da capela de Cristo Redentor ou de São Pedro, que ali se encontravam armazenadas130. De seguida, procedeu-se à demolição do altar e ao levantamento do pavimento de mármore. Foi ainda substituído o massame e elevado o pavimento num total de treze centímetros. Esta operação implicou também a desmontagem do lambril de mármore. A altura das peças foi cortada e diminuída em treze centímetros, procedendo-se, posteriormente, à respectiva montagem sobre o pavimento. O altar foi construído em mármore idêntico ao lambril e às cimalhas existentes131. Foram ainda reparados os arcazes da sacristia, incluindo a reposição das ferragens que faltavam.

129  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Obras na Sacristia: Mapa de trabalhos, Lisboa, 15 de Maio de 1952. 130  A capela de Cristo Redentor ou de São Pedro localiza-se no transepto sul da igreja. Em 1930, o retábulo e o conjunto escultórico que a compunham foi desmontado pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. 131  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Relatório das Obras de Restauro da Sacristia do Mosteiro de Alcobaça, Lisboa, 21 de Outubro de 1954.

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Quadro Síntese das obras de restauro realizadas pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, na sacristia do Mosteiro de Alcobaça – décadas de 1940 e 1950: estuque132 DATA

TIPO DE INTERVENÇÃO

1947

Apeamento da cobertura da sacristia; demolição do tecto de estuque132; construção de cintas de betão armado nas paredes da sacristia; moldagem e fundição em gesso das esculturas e molduras do tecto da sacristia; assentamento de oitenta asnas.

1948

Construção de beirado em telha românica e telhado provisório na sacristia; construção e assentamento de cinquenta e cinco cambotas para a abóbada da sacristia; picagem e reconstrução de rebocos nas fachadas da sacristia e da galilé (Foto 104); tomada de juntas nos cinco contrafortes da sacristia, incluindo a substituição de algumas pedras; limpeza de 50m2 de cantarias na entrada do átrio; limpeza da cimalha, incluindo a limpeza e tomada de juntas; assentamento de 57m2 de lagedo de cantaria aparelhada na entrada no átrio; limpeza das grades, incluindo pintura; reconstrução do tecto da sacristia, em gesso moldado; modificação em janela da porta lateral direita do átrio, incluindo arranque, adaptação e assentamento de cantarias.

1949

Conclusão da reconstrução do tecto em estuque da sacristia; assentamento da cobertura do telhado da sacristia com argamassa hidráulica.

1950

Conclusão do trabalho de ornatos de estuque no tecto da sacristia.

1952/1954

Levantamento do pavimento para a substituição de algumas lajes e do massame de fundação; refechamento de juntas; reparação das grades de ferro dos janelões; substituição de caixilhos degradados; a reparação dos arcazes e dos amituários encastrados na parede.

1954

Acções de manutenção e restauro na capela relicário: demolição do altar; levantamento do pavimento de mármore existente; substituição do massame; elevação do pavimento numa altura total de 13 cm; construção do altar em mármore idêntico ao lambril e às cimalhas existentes; reparação dos arcazes.

132  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Proposta de Ajuste Particular para a demolição do tecto de estuque da Sacristia, Lisboa, 1947.

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Foto 94 – Sacristia Nova: vista geral. Foto da década de 1930. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 95 – Sacristia Nova: escoramento do tecto. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 96 – Sacristia Nova: tecto. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 97 – Sacristia Nova: tecto – pormenor do estado decaimento. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 98 – Sacristia Nova: tecto – pormenor do estado de decaimento. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 99 – Sacristia Nova: tecto – pormenor do estado de decaimento. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 100 – Sacristia Nova: tecto – pormenor do estado de decaimento Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Ana Margarida Louro Martinho | 133

Foto 101 – Sacristia Nova: demolição do tecto. Foto de 1947. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 102 – Sacristia Nova: reconstrução do tecto. Foto da década de 1940/1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 103 – Reconstrução do tecto da Sacristia Nova. Foto da década de 1940/1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 104 – Picagem e reconstrução de rebocos nas fachadas da sacristia nova. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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8 – A desobstrução do alçado sul da igreja, na década de 1950 Os trabalhos de desobstrução da fachada sul não se impunham só por questões estéticas, mas, principalmente, para evitarem as grandes infiltrações de águas pluviais que ocorriam na igreja. De facto, a elevada cota do terreno exterior em relação ao nível do pavimento interior propiciava esta situação133. A primeira fase dos trabalhos consistiu no processo de resgate para o domínio público de três prédios e de uma parcela de terreno, adossados ao alçado sul da igreja do Mosteiro de Alcobaça. Tratava-se, concretamente, de uma casa de rés-do-chão e piso superior, propriedade de António Couto e Silva; uma parcela de terreno de Alberto Jacobety, paralela à igreja numa largura de dezoito metros; uma construção no quintal de Alberto Jacobety, encostada à sala dos túmulos (remanescente do antigo Colégio de Nossa Senhora da Conceição); uma parcela de terreno do Asilo Maria e Oliveira, paralela ao topo do transepto, numa largura de treze metros; uma construção do Asilo Maria e Oliveira, situada entre o cemitério e a igreja134. Após o processo de tramitação legal relativa à aquisição destes edifícios particulares por parte do Estado, em Agosto de 1955, iniciou-se a primeira fase da empreitada de desobstrução da fachada sul. Foram previstas as respectivas demolições, bem como a construção de um muro de suporte135. Os prédios previstos nos trabalhos de demolição correspondem ao edifício do antigo Colégio de Nossa Senhora da Conceição, adossado ao alçado sul da igreja, e ainda à construção de planta rectangular, situada jun133  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça –António Vieira Natividade, Carta dirigida ao Director dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Norte, Alcobaça, 18 de Março de 1931. 134  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Memória Descritiva, 5 de Fevereiro de 1951. 135  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Relatório da Empreitada das Obras no Mosteiro de Alcobaça – Escavações junto à fachada Sul – Demolições, escavações e construção de um muro de suporte – 1ª fase; adjudicada a António Domingues por contrato, 20 de Junho de 1955.

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to ao braço sul do transepto, propriedade do Asilo de Velhinhos Maria e Oliveira. O orçamento respeitante ao “desafrontamento” da fachada sul do Mosteiro de Alcobaça incluía os seguintes trabalhos: desmanchar telhados; demolição de paredes de alvenaria ordinária; remoção e transporte de materiais provenientes da demolição; escavação em terra dura; escavação em fundações; escavação em trincheira; escavação para abertura das fundações do muro de suporte; remoção e transporte de terras; emboço e reboco de paredes; obras de reconstrução, incluindo o telhado da casa de Couto e Silva136. No caderno de encargos relativo à empreitada das obras no Mosteiro de Alcobaça, “Escavações junto à fachada sul – demolições, escavações e construção de um muro de suporte – 1ª Fase”, adjudicada a António Domingues, estão discriminadas as obrigações do empreiteiro, relativamente aos materiais arqueológicos que forem encontrados. Assim vejamos: “Durante as demolições escavações o adjudicatário mandará proceder à recolha de todos os elementos artísticos ou arqueológicos que forem encontrados, como pedras trabalhadas, objectos de barro ou quaisquer outros, havendo por isso necessidade de remover as terras convenientemente; a superfície do terrapleno ficará com pendente necessária para o escoamento das águas pluviais, que deverão encaminhar-se para o largo fronteiriço, enquanto não forem estudadas valetas e esgotos”137. Após a demolição dos edifícios adossados ao alçado sul da igreja, foi necessário proceder-se ao restauro dos contrafortes da igreja e da capela da Morte de São Bernardo. No século XVIII, aquando da construção do Colégio de Nossa Senhora da 136  Prédio constituído por casa de rés-do-chão e primeiro andar, situado na Praça Doutor Oliveira Salazar, (canto do Mosteiro) a confrontar a norte com a igreja do Mosteiro de Alcobaça, sul com Alberto Jacobety, nascente com Fazenda Nacional (antes Alberto Jacobety) e poente com Praça Doutor Oliveira Salazar. 137  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Caderno de Encargos da obra “Escavação Junto à Fachada Sul – Demolições, Escavações e Construção do muro de suporte, 28 de Abril de 1955. Os trabalhos foram iniciados em vinte e dois de Agosto de 1955, ficando concluídos em vinte de Dezembro do mesmo ano.

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Conceição, estes maciços de pedra aparelhada foram bastante danificados. A construção da escadaria de acesso entre o espaço da igreja e o sobredito edifício conduziu ao corte de um conjunto de contrafortes. O orçamento de onze de Abril de 1958 apresenta-nos a listagem de algumas obras a serem concretizadas: substituição de um troço de 3,60 metros na cantaria dos gigantes na fachada sul, a uma altura média de 9,00 metros, incluindo o fornecimento e assentamento de cantaria; fornecimento e assentamento de cantarias para o restauro de três gigantes na capela de São Bernardo até cerca de 2,00 metros de altura; enchimento interior dos gigantes com alvenaria hidráulica138. A observação do alçado sul da igreja do Mosteiro de Alcobaça permite-nos constatar a intervenção de restauro anteriormente referida, dada a diferença de cor entre os blocos de calcário aparelhado.

138  Arquivo da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Mosteiro de Alcobaça – Orçamento Obras de Restauro – 1ª Fase, 11 de Abril de 1958.

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Quadro Síntese dos trabalhos de desobstrução do alçado sul da igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça na década de 1950: DATA

Trabalhos de desobstrução – alçado sul da igreja do Mosteiro de Alcobaça

1955/1956

Desmanchar os telhados e demolição das alvenarias correspondentes à construção pertencente ao Asilo de Velhinhos Maria e Oliveira e à casa de Alberto Jacobety (antigo Colégio de Nossa Senhora da Conceição); remoção e transporte dos materiais provenientes das demolições. Escavação em terra dura para abertura das fundações do muro de suporte e assentamento de canalizações; remoção e transporte de terras. Capeamentos de cantaria aparelhada; emboço e reboco em paredes.

1957/1958

Substituição de um troço de 3,60 m e outro de 1,20 m na cantaria dos contrafortes da fachada sul e assentamento da cantaria nova a uma altura de nove metros; substituição da cantaria nos paramentos situados junto ao ângulo que faz com os contrafortes; restauro de três contrafortes na capela da Morte de São Bernardo; enchimento do interior dos contrafortes com alvenaria hidráulica; reparação no telhado da sacristia; reparação de zonas do terraço sobre a sala dos túmulos para vedação das águas pluviais; reparação do telhado da cobertura da escada de acesso ao terraço dos arcobotantes.

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Foto 105 – Alçado sul da igreja: edifício do Colégio de Nossa Senhora da Conceição. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 106 – Coberturas do edifício do Colégio de Nossa Senhora da Conceição. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 107 – Edifício do Colégio de Nossa Senhora da Conceição: remanescente. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 108 – Edifício do Colégio de Nossa Senhora da Conceição: remanescente. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 109 – Casa de habitação de António Couto e Silva a confrontar a norte com a igreja do Mosteiro de Alcobaça. Foto da década de 1940. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 110 – Estrutura edificada de planta rectangular localizada junto ao alçado nascente do transepto sul. Propriedade do Asilo Maria e Oliveira. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 111 – Alçado sul da igreja do Mosteiro de Alcobaça: trabalhos de demolição. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 112 – Alçado sul da igreja do Mosteiro de Alcobaça: trabalhos de desaterro. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 113 – Edifício do Colégio de Nossa Senhora da Conceição: desmontagem de paramentos. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 114 – Alçado poente do transepto e alçado sul da igreja: após a demolição do Colégio de Nossa Senhora da Conceição. Foto da década de 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 115 – Estado de conservação dos contrafortes do alçado sul da igreja após a demolição do Colégio de Nossa Senhora da Conceição. Foto da décadade 1950. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 116 – Restauro dos contrafortes do alçado sul da igreja. Foto de 1958. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 117 – Alçado sul da igreja: restauro dos contrafortes. Foto de 1958. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 118 – Alçado sul da igreja: restauro dos contrafortes. Foto de 1958. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 119 – Restauro dos contrafortes da capela do Trânsito de São Bernardo. Foto de 1958. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 120 – Restauro dos contrafortes da capela do Trânsito de São Bernardo. Foto de 1958. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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Foto 121 – Fachada sul da igreja após as obras de restauro dos contrafortes. Foto da década de 1960. Arquivo da DGEMN/IHRU.

Foto 122 – Fachada sul da igreja após as obras de restauro do exterior da Sala dos Túmulos. Foto da década de 1970. Arquivo da DGEMN/IHRU.

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9 – Enquadramento das obras executadas pela DGEMN no Mosteiro de Alcobaça, durante o segundo terço do século XX Uma das mais significativas qualidades do património histórico edificado é, precisamente, o seu carácter de documento, enquanto uma fonte de informação histórica e um testemunho de dados artísticos, técnicos e culturais. O monumentum é uma marca do passado. É, pois, tudo aquilo que pode evocar o pretérito e perpetuar a sua recordação, transformando-se num legado de memória colectiva que deve ser preservado. Acerca deste assunto, Virgolino Jorge refere que a importância da defesa e da conservação do património assenta em razões históricas, pois a génese de muitos monumentos traduz, de certo modo, o projecto político-cultural de uma época139. No século XIX, a dimensão histórica dos monumentos é bastante evocada. Valoriza-se, de forma significativa, o conjunto de factos e acontecimentos associados ao edifício arquitectónico. O conceito de preservação, vigente em Oitocentos, parte de uma base profundamente nacionalista, aproximando-se da corrente romântica anglo-saxónica, no que se refere ao interesse “pelo espírito das nações europeias preservado nos seus monumentos e tradições, especialmente os da época medieval, período ideal para a inspiração artística e literária”140. No entanto, em termos formais, remete para a influência francesa claramente dominante no discurso sobre o tema141. Em Portugal, Alexandre Herculano lança as bases teóricas do discurso patrimonial da primeira metade de Oitocentos. Com efeito, a Idade Média é escolhida como referência principal a conservar, afirmando, o autor, as seguintes ideias: defesa do gó139  VIRGOLINO FERREIRA JORGE, Cultura e Património, Lisboa, Edições Colibri, 2005, p. 40. 140  BRUCE TRIGGER, História del Pensamiento Arqueologico, Barcelona, Editorial Crítica, 1992, p. 71. Citado por MARIA HELENA MAIA, Património e Restauro em Portugal (1825 – 1880), Lisboa, Edições Colibri, 2007, p. 69. 141  IDEM, Op. cit., p. 69.

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tico face ao clássico; sobrevalorização das formas da arquitectura primitiva; denúncia da destruição operada sobre os nossos monumentos, fruto de três factores: o abandono, a adaptação a novas funções e as intervenções “clássicizantes” posteriores à construção original; apelo à conservação do que resta; responsabilização do Governo e dos municípios pela vigilância e conservação dos monumentos; referência aos países como a França e Inglaterra como exemplo; definição da noção de restauro como reparação e aperfeiçoamento, segundo o estilo original142. A cultura romântica investiu na construção de uma nova memória da Nação. Desenvolveu-se um movimento nacionalizador, marcado por um apelo de regresso às origens, que atravessou todas as formas de cultura. Neste contexto, os monumentos são entendidos como marcos de identidade nacional. Com o objectivo de acentuar esta vocação de padrão histórico da Nação, é frequente a atribuição de origens remotas à construção, relacionando-a com fundações míticas. Daí a importância que adquirem os conceitos de “monumento histórico e monumento nacional”. A identificação do monumento com o momento/facto histórico ao qual está associado vai ter como consequência a valorização do vector antiguidade na definição do quadro patrimonial, com reflexo na valorização efectiva dos sinais dessa mesma antiguidade, que os edifícios ainda conservavam143. A articulação destes dois aspectos resulta na desvalorização dos contributos dos programas decorativos e arquitectónicos de épocas posteriores à construção do edifício. Estes “acrescentos dissonantes” eram interpretados como atentados à fidelidade histórica, considerando-se também que os mesmos produziam um dano irreparável no valor documental do monumento. Consequentemente, a política de intervenção arquitectónica regia-se pela unidade de estilo; restaurar significa devolver à construção o seu desenho primitivo, trata-se de garantir a autenticidade do monumento, com vista a manter a sua imagem de antiguidade, bem como a concep142  IDEM, Op. cit., p. 70. 143  MARIA HELENA MAIA, Op. cit., p. 89.

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ção arquitectónica original. Efectivamente, a partir da década de 1850, assiste-se à tendência progressiva para acentuar os sinais de antiguidade nos monumentos e, simultaneamente, corrigir ou completar o monumento, chegando, em alguns casos, a redesenhar-se o edifício. Esta acção alicerçou-se na teoria francesa do restauro estilístico, defendida por Viollet-Le-Duc144. O Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça integra o conjunto de monumentos com uma simbologia associada a um período de glória da história da Nação. Neste caso, trata-se da época e dos factos associados à fundação da nacionalidade portuguesa, bem como ao processo de reconhecimento de Portugal como um reino independente145. No entanto, saliente-se que, em 1885, Manuel Vieira Natividade alertara também para a importância da vertente artística do monumento. O historiador argumenta que o Mosteiro de Alcobaça constitui um compêndio bem claro do que foi a arte, em Portugal, desde o século XII até ao século XIX. Com efeito, Natividade, não descurando a simbologia histórica do edifício, vai mais além, no seu tempo, e valoriza a multiplicidade de gramáticas decorativas e estilos construtivos que distinguem este mosteiro cisterciense146. 144  Viollet-Le-Duc (1814-1879) defensor do chamado restauro estilístico, ou seja, restaurar um monumento significa proceder à sua reconstrução ou à reintegração das partes em falta, tendo por referência o seu estilo original. A coerência interna da lógica arquitectónica prima sobre a fidelidade histórica (recompor o edifício no que se considera o seu estado ideal e o seu fundamento centra-se mais na pesquisa desse estado que na fidelidade historiográfica); protecção dos valores simbólicos e necessidade de adaptação a novos usos a provocar o estabelecimento de critérios de intervenção. É particularmente célebre a sua definição de restauro: “Restaurer un édifice, ce n’ pas l’entretenir, le réparer ou le refaire, c’est le rétablir dans un état complet qui peut n’avoir jamais existé à un moment donné. A este propósito, veja-se JOSÉ AGUIAR, Cor e Cidade Histórica. Estudos cromáticos e conservação do património, Porto, FAUP, 2002, p. 40 e 41. 145  Esta simbologia está bem explícita no conjunto de painéis de azulejo, historiados, que revestem as paredes da Sala dos Reis. Neles encontramos o pretexto que desencadeara a fundação do Mosteiro de Alcobaça, ou seja, a conquista de Santarém aos Mouros. Perante a dificuldade de tamanha luta, D. Afonso Henriques invocou o auxílio divino através da intercessão de Bernardo de Claraval, comprometendo-se a doar à Ordem de Cister todas as terras que se avistavam entre a Serra dos Albardos e o mar, com vista à fundação de um mosteiro. A doação destas terras aos Cistercienses e a fundação do Mosteiro de Alcobaça foram factos decisivos para o reconhecimento de Portugal como reino independente, pelo Papa Alexandre III, em 1179. 146  MANUEL VIEIRA NATIVIDADE, O Mosteiro de Alcobaça. Notas Historicas,

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Ao longo do século XIX, o estado de ruína do secular edifício tornara-se deveras avançado. Uma realidade que não passava despercebida à imprensa da época, nem à Câmara dos Deputados. Todavia, durante a segunda metade do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, não foi concedida ao mosteiro cisterciense primazia nas campanhas de restauro dos monumentos nacionais. As obras que se iam realizando no Mosteiro de Alcobaça não obedeceram a um projecto de conservação e restauro sistemático e continuado. Na realidade, apenas foram sendo efectuadas intervenções pontuais de reparação, quando a extrema necessidade assim o exigia. A prioridade nas acções de conservação e de restauro foi concedida aos Mosteiros de Santa Maria da Vitória, na Batalha, e Santa Maria de Belém, em Lisboa. A documentação informa-nos acerca das profundas dificuldades de dotação orçamental para as obras de reparação que, esporadicamente, se iam realizando no Mosteiro de Alcobaça. Assim nos indica a carta escrita pelo Prior António Miguel de Almeida a Joaquim Possidónio Narciso da Silva, em 1885, na qual o pároco de Alcobaça refere que seria justo que a verba destinada ao restauro do Mosteiro da Batalha fosse dividida pelos dois monumentos, permitindo assim o restauro de ambos147. No mesmo sentido, Manuel Vieira Natividade alertara, frequentemente, as entidades competentes para a necessidade da realização de obras de conservação no Mosteiro de Alcobaça. Neste contexto, cite-se o autor: “O Mosteiro de Alcobaça entrando no número dos nossos primeiros monumentos tem direito a uma perfeita e completa conservação. A architectura tem n’elle um brilhantissimo compendio, e a esculptura se não tem um compendio completo, tem ao menos páginas muito valiosas com a importância dos túmulos de D. Pedro e D. Ignez com a delicadeza do coro do orgam, com o mimo das capellas da charola, com a imponencia dos rendilhados da porta da sachristia, Coimbra, Imprensa Progresso, 1885, p. 190. 147  TT – Correspondência artística e scientifica nacional e estrangeira com Joaquim Possidónio da Silva, t. XIV (8º) doc. 3383, Carta dirigida a Joaquim Possidónio Narciso da Silva, pelo pároco de Alcobaça, 4 de Julho de 1885.

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alem de muitas e muitas cousas que a cada passo se destacam com uma delicadeza adorável. No Mosteiro de Alcobaça tudo é grandioso e importante, tudo tem uma história e tudo tem direito ao respeito dos que passam. Suppomos portanto que temos justiça no nosso pedido, quando pedimos a sua conservação”148. É interessante verificar que o historiador, para além de descrever o estado de decaimento que caracterizava o edificado monástico, apela também à concretização de acções de conservação. Desta forma, aponta claramente para um conceito de conservação integrada. O seu pensamento diverge do conceito oitocentista de conservação e restauro, aproximando-se das determinações internacionais apresentadas, cerca de quarenta anos mais tarde, pela Carta de Atenas (1931). A diversidade dos programas arquitectónicos e decorativos do conjunto edificado sempre surgiram como uma dificuldade à concretização de uma intervenção de restauro neste complexo monástico cisterciense. Assim, é pertinente referir o escritor Alberto Pimentel que, em 1888, se refere à igreja do mosteiro nos seguintes termos: “A egreja, encravada no mosteiro, exhibe n’uma confusão chaotica os seus numerosos estylos architetonicos, espécie de bric-à-brac de todas as grandezas de um passado extincto (…)”149. Identicamente, em 1904, Augusto Fuschini alertara para a dificuldade de uma intervenção de restauro na igreja do Mosteiro de Alcobaça, alegando a existência de várias gramáticas decorativas que se foram sobrepondo, na igreja, ao longo dos séculos. Acerca deste assunto, citamos o autor: “As colunnas romanicas da capella-mór, bem caracterisadas, segundo pensamos, do período secundário, são visíveis da charola; pela frente estão mascaradas por intercolunnios clássicos semi-circulares, de contrucção relativamente moderna, muito elegantes: o inferior da Ordem Jonica e superior da Composita. N’este ponto reside, sem duvida, uma das difficuldades e um dos problemas de qualquer futura restauração”150. 148  MANUEL VIEIRA NATIVIDADE, Op. cit., pp. 192-193. 149  ALBERTO PIMENTEL, Chronicas de Viagem, Porto, Typ. e Lyt. A Vapor de Eduardo da Motta Ribeiro, 1888, p. 30. 150  AUGUSTO FUSCHINI, A Architectura Religiosa na Edade Média, Lisboa, Im-

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As intervenções de restauro, com carácter sistemático e continuado, só vieram a concretizar-se durante o período do Estado Novo. As marcas histórica e artística do Mosteiro de Santa Maria Alcobaça constituíram dois factores decisivos na posição de prioridade no plano de recuperação dos monumentos, iniciado, pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), a partir de 1929. No decurso das décadas de 1930 e 1940, Portugal permanecera vinculado às práticas de restauro filiadas na teoria de Viollet-Le-Duc, defensor do purismo arquitectónico e da reintegração estilística dos monumentos, conforme os princípios arquitectónicos e decorativos da época a que reportava o edifício. Na realidade, apesar das novas orientações europeias que anunciavam o fim da era dos monumentos nacionais e o início da conservação integrada, existe uma continuidade na linha de actuação oitocentista, no que concerne ao restauro do património histórico edificado. Conforme refere Maria João Neto, a “unidade de estilo” encontrou, no Portugal do Estado Novo, um campo particularmente favorável para imperar, mediante condicionalismos mentais diferentes daqueles que a viram nascer, mas que lograram proporcionar a sua sobrevivência até aos meados do século XX151. O ambiente ideológico do novo regime enaltecia a ancestralidade da nação, valorizando as construções associadas aos diversos períodos históricos identificados com a glória nacional. Na realidade, a política patrimonial devia garantir a reposição dos monumentos no seu estado primitivo, conservando sempre a gramática estético-artística própria do período histórico com o qual se identificavam. O alheamento de Portugal, em relação aos contributos essenciais da Carta de Atenas, teve efeitos na história da conservação e restauro do património do País. Existia um claro desfasamento comparativamente à evolução internacional das concepções e das práticas de conservação e restauro, nas décadas de 1930 e prensa Nacional, 1904, p. 213. 151  MARIA JOÃO BAPTISTA NETO, Memória, Propaganda e Poder – O Restauro dos Monumentos Nacionais (1929-1960), Porto, FAUP, 2001, p. 146.

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1940. De facto, em Portugal, continuavam no auge as práticas de restauro estilístico, contrárias aos debates e princípios da Carta de Atenas152. De acordo com Jorge Custódio, contra o princípio do diagnóstico e da terapêutica, a política patrimonial exigia restaurar. Se, em Atenas, cada caso tinha a sua especificidade própria, em Portugal, persistia a valorização das doutrinas e práticas de restauro oitocentistas. O módulo das orientações técnicas oficiais de restauro, que Henrique Gomes da Silva153 fez aprovar no I Congresso da União Nacional (Outubro de 1934), não atribuía o primado à conservação e ao modo experimental de intervenção aplicada a cada caso único154. Na perspectiva daquele director-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, o momento de renovação nacional vivido por Portugal, naquela época, deveria ser aproveitado para restaurar e conservar o “Património Monumental”, com verdadeira “devoção patriótica”, para que ele pudesse influir na educação das gerações futuras. O restauro deveria ser feito de modo a integrar o monumento na sua beleza primitiva, 152  Do Congresso de Atenas (21 a 30 de Outubro de 1931) resultou a Carta de Atenas. Trata-se, na realidade, do primeiro documento internacional de princípios e normas para a conservação e restauro dos monumentos de arte e história. O seu significado teórico residiu na consagração das teorias de restauro científico defendidas pela escola italiana de Camilo Boito e Gustavo Giovannoni. A Carta de Atenas aponta para o abandono do princípio da unidade de estilo, defendendo-se uma adequada manutenção, regular e permanente, capaz de assegurar a conservação dos edifícios, evitando, assim, os riscos das mencionadas reconstituições. Caso o restauro se afigure como solução única, em consequência de degradação ou de destruição, recomenda-se o respeito pela obra histórica ou artística do passado, sem eliminar estilos de nenhuma época. De modo a garantir a longevidade dos edifícios, defende-se que a reutilização dos monumentos seja feita de forma que se respeite o seu carácter histórico ou artístico. 153  Henrique Gomes da Silva (1890-1969), natural da cidade do Porto, freguesia de Massarelos, nasceu a 30 de Dezembro de 1890. Formou-se em Engenharia Civil de Obras Públicas, com 15 valores, na antiga Academia Politécnica do Porto. Em Agosto de 1916, foi incorporado, como voluntário, na Escola de Guerra, onde completou o curso de Engenharia Militar. Combateu em França, na Grande Guerra, e foi professor nos Pupilos do Exército e na Escola Militar. Os contactos estabelecidos na sua vida militar foram, por certo, decisivos na sua indigitação como director-geral, tanto mais que o ambiente proporcionado pela Revolução de 28 de Maio de 1926 mantinha-se favorável à promoção de militares para cargos públicos importantes. Cf. MARIA JOÃO BAPTISTA NETO, “Henrique Gomes da Silva (1890-1969) ”, 100 Anos de Património – memória e identidade, Lisboa, IGESPAR, 2010, p. 205. 154  JORGE CUSTÓDIO, “Sociedade das Nações, Portugal e a Carta de Atenas (1931)”, 100 Anos de Património – memória e identidade, Lisboa, IGESPAR, 2010, p. 135.

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expurgando-o de excrescências posteriores; seriam mantidas as construções de um estilo diferente, desde que o seu valor artístico assim o justificasse155. Os monumentos a restaurar são, precisamente, todos aqueles que se apresentam como testemunhos vivos dos momentos/ períodos de júbilo da Nação secular. Vejamos um conjunto de associações que conjugam os dois vectores enunciados: o Castelo de Guimarães e a Capela de São Miguel – formação do Reino de Portugal; Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça – fundação da nacionalidade e conquista de Santarém aos mouros por D. Afonso Henriques; Catedral de Lisboa – conquista da cidade aos mouros por D. Afonso Henriques; Mosteiro de Santa Maria da Vitória – vitória sobre os castelhanos e início da dinastia de Avis; Mosteiro de Santa Maria de Belém – descoberta do caminho marítimo para a Índia; Palácio de Vila Viçosa – restauração da independência156. No geral, procurava-se recuperar a “traça original” dos edifícios, eliminando os seus estratos mais recentes, tais como: os elementos decorativos e os revestimentos datados da época moderna. Estes elementos eram pouco valorizados pela historiografia da arte. Com efeito, a intervenção de restauro impunha uma redução dos elementos iconográficos, a supressão da ornamentação e, consequentemente, a valorização dos materiais em estado bruto157. Na igreja do Mosteiro de Alcobaça, houve, de facto, hesitação, quando se apresentou o problema da conservação do retábulo que cobria a capela-mor ou, em alternativa, retirar o retábulo e fazer ressurgir a charola na sua primitividade medieval. Um argumento decisivo fez optar pela segunda solução; a igreja alcobacense apresentava uma unidade arquitectónica à qual unicamente faltava o seu coroamento – a charola. 155  Boletim da DGEMN – Igreja de Leça do Bailio, Nº 1, Setembro de 1935, pp. 19-20. 156  A este propósito, veja-se MARIA JOÃO BAPTISTA NETO, Memória Propaganda e Poder – O Restauro dos Monumentos Nacionais (1929-1960), Porto, FAUP, 2001, p. 146. 157  MIGUEL TOMÉ, “Arquitectura: conservação e restauro no Estado Novo”, 100 Anos de Património – memória e identidade, Lisboa, IGESPAR, 2010, p. 170.

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As obras de reintegração, decorridas na igreja do Mosteiro de Alcobaça, durante a década de 1930, suscitaram algumas vozes críticas. A intervenção não foi consensual, provocando o dualismo de opiniões. Acerca deste tema, saliente-se o parecer de Vergílio Correia que, em 1931, considerava que a monumentalidade do retábulo pétreo da capela-mor, povoado de “faraónicas” esculturas de barro policromado e estofado a ouro, conferia grandeza à igreja. O autor realça a importância deste conjunto artístico de carácter único em Portugal. Apesar de mencionar o gosto pela igreja tal como se encontra após o apeamento do retábulo, revela nitidamente a preferência pelo estado anterior quando faz a seguinte comparação: “Confesso que o projecto da ablação, em que já de há anos se falava, não me entusiasmava, nem seduzia. Habituado pela frequentação das catedrais espanholas a apreciá-las na acumulação de obras com que os séculos as enriqueceram sem lhes fazer perder o carácter, pensava que o retábulo de Alcobaça não me impedia de seguir idealmente, sob os entablamentos, o recorte dos arcos quebrados da charola, e que a sua monumentalidade dava grandeza ao santuário, naquela ostentação faraónica de gigantes, militantes da Igreja, figurativos não só de um pensamento vigoroso, mas ainda de um ciclo artístico que plasticamente documentavam. Nessa composição magnífica e sem parceria entre nós reflectia-se a arte escurialesca dominante desde o final do século XVI. Panteon de reis, Alcobaça haveria de possuir um retábulo digno de uma fundação real. E teve-o. A obra do século XVI, acrescentada e povoada de estátuas do século XVII, e enriquecida no século XVIII com o globo ostentoso e radiante, era a mais notável das composições barôcas, em barôco de todas as fases, que existia no ocidente peninsular! Com a sinceridade de que sempre uso, devo dizer que apreciava esse retábulo magnífico e ostentoso, e que deploro a sua falta. Mas nada me custa confessar que, paralelamente, a obra realizada me satisfaz, e que gosto de ver a igreja tal como se encontra. Para mim, sentimentalmente, tanto vale agora a igreja como valia antes. A transformação satisfará porém plenamente aqueles que não

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compreendem um monumento senão pelo que representa, e portanto o apreciam tanto melhor quanto mais puro, ou isento de superfetações lho mostrarem”158. Ainda na sequência da problemática sobre o apeamento do retábulo pétreo da capela-mor, Aarão de Lacerda referiu que o projecto inicial lhe levantou muitas dúvidas e que, no caso de ter sido consultado sobre o assunto, teria, com certeza, hesitado sobre o avanço das obras de reintegração. Porém, após a concretização da obra, considerou que Baltazar de Castro triunfou em absoluto, fundamentando a sua afirmação desta forma: “(…) hoje já se pode admirar a capela-mor da igreja abacial restituída quase à sua vernácula fisionomia. Desapareceram as ordens, a imaginária dos santos e dos anjos para ficarem apenas como em Pontigny os arcos de ogiva muito exalçados e assentes sobre robustas colunas de grandes capiteis e sóbria decoração (…) Eis uma reintegração arquitectónica que tem um significado psicológico também: a capela-mor da igreja de Alcobaça estava muito longe de corresponder ao ambiente monástico cisterciense. O seu aspecto destoava do estilo das naves, como que gritava naquele silêncio onde o espírito de São Bernardo paira. Os séculos XVII e XVIII quiseram modificar os velhos templos, inundando-os mais de luz, recamando-os de ouro, movimentando as linhas até à exaltação, alterando as faces concentradas no sentido de uma solenidade mais exterior”159. As críticas contra as operações de reintegração estilística, que desvalorizavam os elementos arquitectónicos e decorativos de outras cronologias e estilos, tornaram-se mais incisivas no rescaldo das comemorações de 1940. O debate teórico protagonizado por Raul Lino apresentava uma nova ética do restauro fundada no reconhecimento do valor documental do monumento, manifestando-se numa atitude de respeito pelas diferentes fases do processo histórico, bem como pela dimensão simbóli158  VERGÍLIO CORREIA, Obras – Estudos Monográficos, Vol. V, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1978, pp. 85 e 86. 159  Notícias de Alcobaça, 22 de Fevereiro de 1931.

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ca e artística de cada uma delas. Atento às reflexões internacionais e desvinculado da matriz romântica da “unidade de estilo”, o discurso de Raul Lino representava um salto em frente na política de intervenção patrimonial160. O final da década de 1940 representou, para os monumentos nacionais, a consolidação de um novo paradigma de acção, em parte convergente com as normativas internacionais da salvaguarda patrimonial, tais como as doutrinas de “restauro científico” de Camilo Boito161, Gustavo Giovannoni162 e a Carta de Atenas 160  MIGUEL TOMÉ, Op. cit., p. 172. 161  Camilo Boito (1836-1914) considera os monumentos como documentos privilegiados da história dos povos, além do seu valor específico enquanto peças para o estudo da história da arquitectura; a sua alteração não é admitida devido ao risco desta conduzir, no futuro, a deduções históricas erróneas. Demonstrada a necessidade de intervir no monumento, este deveria ser antes consolidado que reparado, antes reparado que restaurado, evitando renovações e acrescentos. Os acrescentos ou renovações da construção original só seriam admitidos por motivos de força maior, como sejam as razões de cariz estrutural. Todas as novas partes deveriam ser executadas de forma a transmitirem um carácter distinto da construção original, identificando a sua contemporaneidade mas sem colidir com o aspecto artístico do monumento. Os materiais a utilizar deveriam ser distintos dos originais, identificando as partes a-crescentadas e, se possível, datando-as, para não iludir futuros observadores. Considerou-se inaceitável proceder a depurações para atingir uma pretensa unidade estilística do monumento. O autor defende a preservação dos acrescentos e modificações introduzidos em épocas posteriores, desde que tenham valor histórico e artístico. As operações de restauro deveriam ficar registadas, com cópia deixada in loco e outra em organismo centralizado, recorrendo à fotografia e desenhos para registar as diversas etapas dos trabalhos e assim ficaria identificado claramente o que se conservou, refez, consolidou, modificou, removeu, ou destruiu. A colocação de uma lápide no edifício deveria recordar a data e as principais obras do restauro. A este propósito, veja-se JOSÉ AGUIAR, Op. cit., p. 47. 162  Gustavo Giovannoni (1873-1947) marcou o restauro da primeira metade do século XX, baseado nos postulados de Boito e conhecido por diversos autores como “restauro científico”. Giovannoni considera existirem cinco modelos possíveis de actuação em monumentos, os quais são susceptíveis de uma ordenação hierárquica e sequencial, por ordem de prioridade: à consolidação seguir-se-ia a recomposição, só depois a remoção de acrescentos ou desmontagem de partes não originais, finalmente o completamento e, em último lugar, a inovação. A consolidação seria a actuação primordial do restauro, idealmente a única a que se deveria recorrer. Giovannoni considerava-a como uma intervenção de carácter técnico, desenvolvida com o objectivo de garantir a continuidade física dos edifícios. A recomposição (ou anastylosis) implicava a recolha dos fragmentos dispersos e a sua remontagem nas suas posições originais, recuperando a imagem parcial, ou total, do monumento. Esta prática era aceite desde que firmada em sólidas bases documentais. A remoção ou desmontagem de partes não originais apenas seria admitida quando os acrescentos a retirar carecessem de valor patrimonial, e quando o seu desaparecimento não afectasse a legibilidade do edifício enquanto documento históri-

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de 1931163. Por conseguinte, em 1949, dada a intensificação das críticas aos restauros protagonizados pela DGEMN, Henrique Gomes da Silva afasta o arquitecto Baltazar de Castro do serviço de Monumentos, dando lugar a Raul Lino164. Esta nomeação coincide com a abertura ao exterior por parte da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, aderindo, neste período, aos organismos internacionais de restauro monumental.

co-artístico. A inovação seria apenas admitida quando a sua inevitabilidade fosse provada. As novas partes resultantes da alteração do monumento deveriam poder identificar-se claramente, pelo que se desaconselhava a utilização do mimetismo estilístico. Também os materiais de construção deveriam ser diferentes dos originais. A este propósito, veja-se JOSÉ AGUIAR, Op. cit., pp. 50-51. 163  A Carta de Atenas (1931) é o primeiro documento oficial com carácter internacional sobre a conservação do património, cujas conclusões foram adoptadas, em 1932, pela “Assembleia da Sociedade das Nações”. O documento apresenta os seguintes princípios: os monumentos devem ser utilizados, mas respeitando-se sempre o seu carácter histórico ou artístico; é preferível conservar os monumentos a restaurá-los, mas quando for inevitável, deverá ser respeitada a obra histórica e artística do seu passado, abandonando-se o princípio da unidade de estilo; é aceitável a prática da anastilose no restauro, bem como a introdução de materiais e técnicas modernas para a consolidação dos edifícios antigos. Em qualquer dos casos, a intervenção deve ser passível de reconhecimento; o restauro deve ser acompanhado por especialistas físicos, químicos e biológicos; deve ser efectuado um estudo aprofundado do edifício antes de qualquer intervenção, com documentação de apoio. 164  Raul Lino (1879-1974) é um nome incontornável da arquitectura portuguesa do século XX. A sua formação em Inglaterra e na Alemanha, onde trabalhou no atelier de Albrecht Haupt, profundo conhecedor da arte portuguesa do século XVI, assegurou-lhe um notável grau de diferenciação em relação ao panorama arquitectónico nacional da época. Em 1949, foi nomeado director dos Monumentos Nacionais. Lino viu-se confrontado com uma instituição cuja prática mais comum era a desconstrução de imóveis, revertendo-os a uma suposta pureza original, processo que tinha muito mais de inventivo que de efectivo retorno. Sobre este tema, veja-se PAULO ALMEIDA FERNANDES, “Raul Lino (1879-1974)”, 100 Anos de Património – memória e identidade, Lisboa, IGESPAR, 2010, pp. 207-208.

Considerações Finais A partir de finais do século XVI, na sequência das determinações do Concílio de Trento, aumenta o número de retábulos, capelas e altares, na igreja do Mosteiro de Alcobaça. Multiplica-se também a talha dourada, bem como as imponentes esculturas de madeira e de barro cozido policromado e dourado. O retábulo da capela-mor ergue-se como o resultado de uma combinação artística entre vários materiais, compostos em diferentes séculos: a estrutura pétrea, erguida no século XVI; o conjunto de esculturas de barro cozido e policromado, adicionado no século XVII; o Sacrário, com o seu imenso resplendor, colocado no século XVIII. A relação entre os vários elementos artísticos do retábulo transformara a capela-mor num conjunto marcado pela magnificência e originalidade. Esta realidade foi bem registada por Thomas Pitt, aquando da visita que realizou ao Mosteiro de Alcobaça, em 1760. As capelas do transepto sul também se distinguem pela originalidade. Na capela de Cristo Redentor ou de São Pedro, a talha dourada combinava com um conjunto de figuras, de média estatura, de barro cozido e policromado, representando Cristo e os Apóstolos. Na capela do Trânsito de São Bernardo, coligam-se os elementos escultóricos de barro cozido e policromado com a pintura de brutesco, que decora o tecto e as paredes da mesma. Os problemas de conservação do conjunto de esculturas que decoravam o retábulo da capela-mor poderão ter determinado, ainda no século XVIII, o repinte das mesmas, sendo utilizada a cor branca. A zona da capela-mor foi sempre sujeita a grandes problemas de infiltração de humidade, o que, de facto,

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propiciava o destacamento da camada policroma das esculturas. Parece-nos provável que o repinte das esculturas da capela-mor tenha sido efectuado no século XVIII, quando se procedeu à colocação do novo Sacrário. Também, neste período, teria sido colocada a escultura de madeira policromada, representando a Virgem com o Menino ao colo. Esta nova “hierarquia de cores” permitia conferir centralidade e destaque à escultura da Virgem e ao Santíssimo Sacramento. É ainda digna de referência a Capela do Relicário, no topo nascente da Sacristia Nova, onde se pode observar um vasto conjunto de esculturas de barro cozido, composto por figuras de vulto e por bustos relicários. Trata-se de um espaço de exuberante teatralidade e envolto por um profundo misticismo, acentuado pelas expressões de agonia dos santos mártires do Cristianismo. Não obstante a proliferação decorativa do espaço da igreja, as campanhas ornamentais respeitaram a preexistência arquitectónica e construtiva deste espaço monástico. Por conseguinte, as alterações de cariz estrutural foram pouco significativas. Após a extinção das ordens religiosas, em 1834, o abandono e a ausência de manutenção da igreja e das dependências circundantes, propiciaram o decaimento da estrutura edificada e do respectivo equipamento artístico. Apesar da intensa carga histórica e simbólica, o cenóbio alcobacense não teve a primazia na campanha de restauro dos monumentos nacionais, empreendida no século XIX. As obras de reparação, realizadas na segunda metade do século XIX, caracterizaram-se por grandes períodos de interrupção, não obedecendo a um projecto de recuperação sistemático e continuado. Só mais tarde, em 1929, o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça viria a constituir uma prioridade no plano de obras empreendido pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. As obras executadas na antiga igreja monástica, nas décadas de 1930 e 1940, pautaram-se pelas práticas de restauro filiadas na reposição do purismo arquitectónico e na reintegração estilística dos monumentos. Apesar das novas orientações europeias, que anunciavam o fim da era dos monumentos na-

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cionais e o início da conservação integrada, vigorava, no país, uma continuidade na linha de actuação oitocentista, no âmbito do restauro do património histórico edificado. Por conseguinte, na igreja do Mosteiro de Alcobaça, foi desmontado o espólio artístico e iconográfico referente aos séculos XVI, XVII e XVIII. Valorizou-se o despojamento ornamental, característico da primitividade do edifício. As “obras de reintegração” e, mais concretamente, a desmontagem do retábulo da capela-mor não foram consensuais, suscitando profundas críticas no tempo em que decorreram. No entanto, parece-nos ser indiscutível que as mesmas obras tenham contribuído decisivamente para a conservação deste grandioso complexo monástico cisterciense, e, consequentemente, para a sua classificação como Património da Humanidade, pela UNESCO, em 1989. Esses e outros aspectos ligados à filosofia de intervenção da DGEMN, em termos de teoria e valorização do património monumental, serão objecto de um próximo estudo.

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