Motivação e contraditório no Novo CPC: relação circular de complementaridade no Novo CPC

July 22, 2017 | Autor: Z. Duarte de Oliv... | Categoria: Processo Civil, Contraditório, Motivação, Reforma Do Código De Processo Civil
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Motivação e contraditório no Novo CPC: relação circular de complementaridade no Novo CPC Acaso nos fosse dado apontar os dispositivos que mais agradam no projeto de Novo Código de Processo Civil (Novo CPC), certamente um deles seria o inciso IV do § 1o do artigo 486. À modo de cotejo, transcreve-se o preceptivo: “Art. 486. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...). IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; (...).”. Bom é dizer, conquanto vinculado formalmente ao artigo 486, que trata do arquétipo sentença, o § 1o tem como destinatários todo e qualquer provimento jurisdicional, como a expressão “decisão judicial” no seu texto não deixa margem para dúvida. De fato, o Novo CPC, como não poderia deixar de ser (CRFB/88, artigo 93, inciso IX), além de conferir ampla deferência à necessidade de motivação dos provimentos jurisdicionais (artigo 11 do Novo CPC), aumentou seu grau de exigência. A bem da verdade, tal intensidade na fundamentação já se impunha por força do citado comando constitucional, pelo que o Novo CPC, propriamente, estratificou, de forma negativa, o que se entende por não fundamentado, permitindo daí extrair, por um raciocínio contrario sensu, a estrutura mínima de um provimento jurisdicional que se pretende fundamentado. Propriamente, é da tradição do nosso processo civil exigir a fundamentação, podendo ser lembrados o artigo 232 do Regulamento nº 737, de 25 de novembro de 1850, o artigo 487 da Consolidação das Leis do Processo Civil — Consolidação de Ribas —, o artigo 280 do Código de Processo Civil de 1939 e o artigo 165 do Código de Processo Civil de 1973. Ora bem, o provimento jurisdicional, por ser um ato de vontade, não de imposição de vontade arbitrária, para ser legítimo, enquanto ato estatal, tem na obrigatoriedade da fundamentação estofo fundamental e insuprimível. Assim, o ato jurisdicional, como fruto de labor intelectivo, resultado de uma operação complexa 1 de ordem racional, histórica e crítica, que se

                                                                                                                1  TARUFFO,  Michele.  Uma  simples  verdade:  o  juiz  e  a  construção  dos  fatos.   Tradução  Vitor  de  Paula  Ramos.  Marcial  Pons:  Madri,  2012.  p.  271.  

entrecruzam, por vezes permeado de razões metalógicas (intuição)2, deve expressar devidamente o porquê das conclusões quanto às questões de direito e de fato postas à apreciação do seu prolator. Noutras palavras, independentemente da concepção sobre a natureza jurídica da motivação, como exposição histórica, como instrumento de comunicação e fonte de indícios, como discurso judicial ou como atividade crítico-cultural3, o certo é que o provimento deve ser motivado4. Aliás, não se pode perder de perspectiva, a necessidade da fundamentação, a despeito de eventual e metajurídica dimensão subjetiva (convencer os litigantes5), permite o controle crítico do decisório, isto é, a análise crítica dos horizontes do julgado. Mesmo porque, a motivação constitui pressuposto indispensável à sua impugnação, porquanto é impossível para um litigante preparar os fundamentos do recurso, ou mesmo avaliar a necessidade do início do procedimento recursal, prescindindo das razões do provimento do magistrado6. CARNELUTTI expressava: “Valor da motivação é muito grande em relação ao rendimento social do processo;”7 Noutro giro, descabe justificar menor rigor na motivação por apego a má compreensão da liberdade de convencimento do magistrado — persuasão racional (artigo 368 do Novo CPC) —, já que não consente com o arbítrio no silêncio quanto à formação do convencimento do magistrado.                                                                                                                 2  TUCCI,  José  Rogério  Cruz  e.  A  motivação  da  sentença  no  processo  civil.  São   Paulo:  Saraiva,  1987.  p.  14.   3  TARUFFO,  Michele.  La  motivación  de  la  sentencia  civil.  Madrid:  Editorial   Trotta,  2011.  p.  55  e  seg.   4  Ibidem,  p.  11  e  seg.   5  TARUFFO,  Uma  simples  verdade,  op.  cit.,  p.  273.   6  “(...)  um  critério  fundamental  deve  prevalecer,  que  é  o  do  dever  de   motivação  como  elemento  de  limitação  ao  poder  do  juiz.  É  inerente  à   garantia  constitucional  do  devido  processo  legal  a  oposição  de  limites  ao   poder  estatal  como  um  todo,  que  o  juiz  exerce  sub  specie  jurisdictionis.   Decidir  sem  fundamentar  suficientemente  é  exercer  o  poder  sem  dar   atenção  às  partes  e  aos  órgãos  superiores  da  Magistratura,  a  quem   compete,  pela  via  dos  recursos  que  lhe  chegam,  examinar  os  motivos   expostos  e  se  pronunciar  sobre  eles  –  seja  para  confirmá-­‐los,    seja  para   repudiá-­‐los.  E  isso,  como  chega  a  ser  intuitivo,  não  só  viola  as  exigências  de   motivação  postas  pela  lei  e  pela  Constituição,  como  ainda  desconsidera  as   exigências  do  due  process  of  law.”  (DINAMARCO,  Cândido  Rangel.   Fundamentos  do  processo  civil  moderno.  4.  ed.  revisão  e  atualização  de   Antônio  Rulli  Neto.  São  Paulo:  Malheiros,  2001.  v.  2,  p.  1080).   7  CARNELUTTI,  Francesco.  Sistema  de  direito  processual  civil:  da  estrutura  do   processo.  Traduzido  por  Hiltomar  Martins  de  Oliveira.  São  Paulo:  Classicbook,   2001.  v.  4,  p.  907.  

Diversamente, justamente pelo magistrado não estar mais atrelado a esquemas fixos de apreciação da prova — prova legal —, impõe-se o dever de externar os motivos dos seus provimentos.8 Bem observa DINAMARCO, a liberdade na formação do convencimento pelo magistrado encontra limite, mesmo racional, na sua obrigação de apresentar a fundamentação9. É de se ressaltar, a obrigatoriedade da fundamentação dos provimentos é expressão concreta da garantia constitucional do devido processo legal (CFRB/88, artigo 5o, inciso LIV), sendo propriamente uma projeção deste no plano processual. Ainda, não se pode olvidar, o dever de fundamentação dos provimentos jurisdicionais é um dos mais transcendentes do direito processual civil, projetando-se, e ao mesmo tempo sendo reflexo, do direito ao contraditório e a ampla defesa, do postulado da imparcialidade e da independência do magistrado, sendo, propriamente, consectário do Estado Democrático de Direito. Demais disso, a exigência de fundamentação das decisões jurisdicionais não tem consequências meramente processuais (endoprocessuais), invadindo a própria seara da política judiciária, inserindo-se como fator de legitimação do exercício do poder jurisdicional (efeito extraprocessual). Pois bem, retomando como referência o dispositivo que deu início ao texto, indispensável acentuar que o Novo CPC deixou estreme de dúvidas uma relação de complementaridade entre contraditório e a motivação, estabelecendo verdadeiro vazo comunicante entre os mesmos. Sem dúvida, o Novo CPC importará em diversas releituras de institutos processuais conhecidos, verificando-se suas novas potencialidades, feições e conexões internas. A respeito do contraditório, por exemplo, Contraditório cooperando de Boa-Fé: por uma Nova Gramática do Processo (Disponível em: http://genjuridico.com.br/2015/01/15/contraditorio-cooperando-de-boa-fepor-uma-nova-gramatica-do-processo/ Acesso em: 1-fev.2015).                                                                                                                 8  “a  liberdade  do  juiz  no  desempenho  da  atividade  jurisdicional,  assentada   na  certeza  moral,  encontra  exatamente  na  fundamentação  o  seu  preço.”   (TUCCI,  op.  cit.,  p.  104).  “A  necessidade  de  motivação  é  indeclinável.  Cresce   ela  à  medida  que  se  dá  ao  juiz  qualquer  parcela,  e  mais,  de  livre   apreciação”  (MIRANDA,  Pontes.  Comentários  ao  código  de  processo  civil:   tomo  II  (arts.  46  a  153).  3.  ed.  rev.  e  aument.  Atualização  legislativa  de  Sérgio   Bermudes.  Rio  de  Janeiro:  Forense,  1995.  p.  410).   9  “No  Estado-­‐de-­‐direito,  em  que  o  poder  se  autolimita  e  seu  exercício  só  se   considera  legítimo  quando  fiel  a  regras  procedimentais  adequadas  (Niklas   Luhmann,  Elio  Fazzalari),  é  natural  que  à  liberdade  de  formar  livremente   seu  convencimento  no  processo  corresponda,  para  o  juiz,  o  dever  de   motivar  suas  decisões.”  (DINAMARCO,  op.  cit.,  p.  1077).  

Precisamente, o Novo CPC predispôs o contraditório e a fundamentação numa relação circular de complementaridade, em que o contraditório aparece como força motriz da fundamentação, passando posteriormente esta fundamentação a permitir e induzir o exercício daquele. Como sufragado pelo Código, o artigo 10 do Novo CPC exige o contraditório prévio para o exame de toda e qualquer questão, ao passo que, consequentemente, realizado o contraditório, a fundamentação pressupõe o exame dos argumentos apresentados (artigo 496, § 1o, inciso IV, do Novo CPC). Na sequência do mecanismo processual, os referidos fundamentos apresentados serão o objeto dos recursos a serem apresentados, com o exercício crítico da fundamentação sob o signo do contraditório. Certamente, tal relação do complementariedade vivifica tanto o contraditório, quanto e principalmente a fundamentação dos provimentos jurisdicionais, numa relação de causa e efeito contínua e reeditada durante todo o desdobramento do andamento do processo. Verdade seja, nada mais salutar do que essa relação entre a fundamentação e o contraditório, tendo em vista que, como bem expressa o artigo 132 do Código de Processo Civil italiano, os provimentos jurisdicionais são pronunciados em nome do povo, no caso o brasileiro, pelo que devem ser fundamentadas para possibilitar seu controle, inclusive como ato estatal10, por quisque de populo.   É o primado do Estado que se justifica.

                                                                                                                10  TARUFFO,  La  motivación  de  la  sentencia  civil,  op.  cit.,  p.  360.  

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