“Mourarias e Cidade: discursos e espaços”, in Evolução da paisagem urbana: cidade e periferias, coord. Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo, Braga, CITCEM-IEM, 20 14, pp. 271 – 284.

June 29, 2017 | Autor: Filomena Barros | Categoria: Muslim Minorities, Medieval Cities and Urbanism, Medieval Law
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História da Construção – Os Construtores Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro (coord.)

História da Construção – Arquiteturas e Técnicas Construtivas Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro (coord.) Evolução da paisagem urbana: sociedade e economia Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo (coord.) Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo (coord.)

CIDADE E PERIFERIA COORD. MARIA DO CARMO RIBEIRO ARNALDO SOUSA MELO

COORD. MARIA DO CARMO RIBEIRO ARNALDO SOUSA MELO

História da Construção – Os Materiais Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro (coord.)

EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA

EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA

CIDADE E PERIFERIA

outros títulos de interesse:

MARIA DO CARMO RIBEIRO

EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA CIDADE E PERIFERIA COORD. MARIA DO CARMO RIBEIRO ARNALDO SOUSA MELO

Professora Auxiliar do Departamento de História da Universidade do Minho, Investigadora do CITCEM e da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho. Doutorada em Arqueologia, na especialidade de Arqueologia da Paisagem e do Território, pela Universidade do Minho. A sua investigação tem-se centrado nas questões de urbanismo, morfologia urbana, arqueologia da arquitectura e história da construção.

ARNALDO SOUSA MELO Professor Auxiliar do Departamento de História da Universidade do Minho, Investigador do CITCEM. Doutorado em História da Idade Média pela Universidade do Minho e pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris. O seu campo de investigação incide sobre a sociedade, economia, poderes e organização do espaço urbano medieval, em particular a organização do trabalho e da produção, incluindo a história da construção.

EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA CIDADE E PERIFERIA COORD. MARIA DO CARMO RIBEIRO ARNALDO SOUSA MELO

FICHA TÉCNICA Título: Evolução da paisagem urbana: cidade e periferia Coordenação: Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo Figura da capa: Mapa de Braga (Finais do século XVII), Forum, 15/16, Jan-Jul 1994, p. 23 Edição: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» IEM – Instituto de Estudos Medievais (FCSH – Universidade Nova de Lisboa) Apoios: UAUM – Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho FACC – Fundo de Apoio à Comunidade Científica – Fundação para a Ciência e a Tecnologia ACM – Associação Comercial de Braga Design gráfico: Helena Lobo www.hldesign.pt ISBN: 978-989-8612-09-0 Depósito Legal: 379190/14 Conceção gráfica: Sersilito-Empresa Gráfica, Lda. www.sersilito.pt Braga, setembro 2014 O CITCEM é financiado por Fundos Nacionais através da FCT-Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PEst-OE/HIS/UI4059/2014

SUMÁRIO

Apresentação Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Centro y periferia en la ciudad antigua: el suburbio portuario de tarraco Ricardo Mar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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El crecimiento urbano de la Gerona medieval David Vivó y Josep Maria Nolla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

27

Ciudad portuaria y periferia urbana en la España Atlántica en la Baja Edad Media. El caso de Santander Jesús Ángel Solórzano Telechea. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

41

As fronteiras do “império”: Porto, Gaia e Vila Nova nos séculos XIII-XV Luís Miguel Duarte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

65

O crescimento periférico das cidades medievais portuguesas (séculos XIII-XVI): a influência dos mesteres e das instituições religiosas Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

79

A afirmação de um espaço periférico medieval: o arrabalde de Troino em Setúbal Ana Cláudia Silveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Les périphéries de Paris au XIVe siècle: essai d’application de la théorie géographique aux sources médiévales Boris Bove . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

139

Les rythmes spatiaux et temporels de la dynamique urbaine à Paris du 16e au début du 19e s. Davide Gherdevich e Hélène Noizet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

175

City and suburbs: London 1400-1700 Matthew Davies. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Ligações entre a vila medieval e sua periferia em Barcelos: As portas e postigos do sistema defensivo António Pereira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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O Paço Real de Évora. Da periferia à centralidade – percurso de um espaço simbólico Gustavo Silva Val-Flores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Mourarias e cidade: discursos e espaços Maria Filomena Lopes de Barros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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MOURARIAS E CIDADE: DISCURSOS E ESPAÇOS MARIA FILOMENA LOPES DE BARROS1

As mourarias, tal como as judiarias, consubstanciam, espaços indissociáveis da cidade medieval. Neles se projeta a construção das experiências identitárias concretas dos indivíduos sociabilizados como grupo, numa deliberada criação, tangibilidade e visibilidade dos respetivos modelos arquitetónicos. Modelos que, de resto, interagem dialeticamente, gerando igualmente perceções e moldando, também eles, as vivências das comunidades a ele adscritas2. Análise sem dúvida geral para o conjunto da sociedade, mas que, para os grupos minoritários, se multiplica por outros vetores, numa equação em grande parte definida pelos poderes cristãos. De facto, a questão do domínio do espaço público, indissociável do próprio arquétipo em construção de uma respublica christiana, interfere ou delimita mesmo os parâmetros de inserção espacial dessas minorias. O discurso de legitimação da Civitas Dei, que progressivamente incorpora um estatuto ontológico conferido pela Igreja, como marca de referência cósmica e sagrada, pressupõe um universo comum de significação e de referência. Dito de outro modo, a cidade imbui-se progressivamente de “sistemas verbais, simbólicos, de atitude e de ação socialmente institucionalizados”3, em função de uma progressiva eclesialização societária. Processo que, necessariamente, recairá também sobre o Outro, o não-cristão, validando uma praxis política de progressivo domínio espacial, tanto físico, como visual e sonoro, que os concelhos urbanos progressivamente imporão, através de um discurso adotado do da própria Igreja. Universidade de Évora. Cristopher Tilley, A Phenomenology of Landscape. Places, Paths and Monuments, Oxford- Providence, 1974, pp. 16-17. 3 José Ángel Garcia de Cortázar, “La ‘Civitas Dei’: La ciudad como centro de vida religiosa en el siglo XIII”, in El Mundo Urbano en la Castilla del Siglo XIII, ed. Manuel González Jiménez, Sevilla, Ayuntamento de Ciudad Real – Fundación El Monte, 2006, vol. I, p. 276 1

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EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: CIDADE E PERIFERIA

1. Neste sentido, se insere a legislação sobre a obrigatoriedade das mourarias e judiarias, que surge nas Cortes de Elvas de 1361, por petição dos representantes populares4. Não que esses bairros não existissem anteriormente na maior parte das cidades do reino. Trata-se, mais do que tudo, de uma coação legal, de um exercício de poder das elites concelhias, aproveitando, muito provavelmente, as disposições do IV Concílio de Latrão de 1215, que condenava a damanatio commixtiones entre os membros dos três credos e impunha a distinção vestimentária de muçulmanos e judeus sob o domínio cristão5. De resto, a apetência demonstrada pelos concelhos na vigilância de tais medidas, sobretudo no que aos judeus se refere, atravessa os capítulos gerais das Cortes, ao longo de finais do séc. XIV e de todo o séc. XV. Em momentos, extravasa mesmo para uma política agressiva, visando o controlo municipal sobre esta matéria, ou, ainda, censuras implícitas ao monarca pelos privilégios outorgados que permitiam aos judeus viver ou hospedar-se entre a cristandade6. Discurso que se consubstancia nas Cortes de Santarém-Leiria de 1433, em que esses mesmos procuradores utilizam o argumento demagógico de uma pretensa assimetria espacial, alegando que as judiarias ocupavam os melhores lugares das cidades, vivendo os cristãos nos piores7. Se a minoria judaica é a mais visada, porque a mais direta concorrente das elites cristãs, a muçulmana será também enunciada, nas Cortes de Coimbra de 1390, nas quais se solicita ao monarca que os judeus fossem morar nas suas judiarias e os mouros nos seus arrabaldes8. A insistência no cumprimento da normativa de 1361 reflete, por um lado, a dificuldade do seu cumprimento integral, por outro, uma curiosa perceção que conecta os muçulmanos a um espaço periférico da cidade. E, no entanto, correspondendo esta realidade às principais cidades meridionais do país, nomeadamente Lisboa, ela não se aplica, de facto, a todos as áreas de vivência da minoria muçulmana. Refira-se, ainda, um outro aspeto destas mesmas Cortes, diretamente conotado com a homogeneidade sonora do espaço da urbe e com um discurso explicitamente decalcado das normas conciliares. Invocando “a ordenação da Santa Igreja”, os procuradores populares solicitam que se interdite a chamada pública à oração (adhān), argumentando que essa invocação a “Mafamede” representava uma “blasfémia” a Cortes Portuguesas. Reinado de D. Pedro I (1357- 1367), ed. de A. H. de Oliveira Marques e Nuno José Pizarro Dias, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1986, art. 40º, p. 52. 5 F. Fernandéz y González, Estado social y político de los mudéjares de Castilla, Madrid, Hipérion, 1985, doc. XII, pp. 307-308. 6 Sobre esta temática ver: Maria Filomena Lopes de Barros, “Los discursos de la ciudad y la minoría musulmana: el caso de Évora”, in Ante su identidad. La ciudad hispánica en la Baja Edad Media, coord. José Antonio Jara Fuente, Cuenca, Universidad de Castilla-La Mancha, 2013, pp. 117-137. 7 Armindo de Sousa, “As Cortes de Leiria Santarém de 1433”, Estudos Medievais 2 (1982), p. 122. 8 Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa(A.H.C.M.L), Livro Primeiro de Cortes fl. 66. 4

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MOURARIAS E CIDADE: DISCURSOS E ESPAÇOS

Deus – medida que o monarca outorga9. A referida “ordenação” corresponde, de facto, a um cânon do Concílio de Vienne (1311-1312), que condenava explicitamente essa norma ritual que, pelo seu próprio caráter público, era ouvida tanto por cristãos como por “sarracenos”10. A homogeneidade sonora da Civitas Dei ficava, pois assegurada, com a interdição da chamada do muezim às cinco orações diárias. Definido o espaço físico e sonoro das cidades, também a visualidade da diferença vestimentária das minorias se circunscreveria definitivamente no período considerado, inscrevendo-se no código legislativo das Ordenações Afonsinas. Ao sinal dos judeus, contrapõe-se o “traje de mouros”, amplamente negociado com os muçulmanos do Reino, nomeadamente os de Moura mas, sobretudo, os de Lisboa11. O princípio legal da obrigatoriedade de vestuário específico para os muçulmanos (como de sinal para os judeus) emana uma vez mais das normas conciliares, inscrevendo-se no cânon LXVIII do IV Concílio de Latrão e sendo inserido no Corpus Iuris Canonici (livro V, título VI), que fazia impender a sua execução ao braço secular, recaindo sobre os príncipes cristãos o castigo dos infratores12. Embora a medida, ao contrário das anteriores, não se pareça dever à iniciativa dos representantes populares, estes, contudo, não deixam de pugnar pela sua efetiva concretização, insistindo na estrita separação vestimentária. Assim, se nas Cortes de Santarém de 1451 se insurgem contra a utilização de determinados tecidos por parte dos elementos da minorias13, já nas de Évora-Viana de Alvito, de 1482, invocam “a danada dissolução entre os judeus, mouros e cristãos assim no viver como nos trajes”. A argumentação colhe os resultados esperados, levando o monarca a tomar medidas concretas sobre esta questão: para os judeus, reitera a proibição do uso da seda, a visibilidade do sinal aposto sobre a roupa e vestuário fechado; para os muçulmanos, também o traje exterior fechado ou, sendo aberto, a obrigatoriedade de apor uma lua vermelha sobre o ombro14. A.H.C.M.L., Livro Primeiro de Cortes, art. 17, fl. 68 v. F. Fernandéz y González, Estado social y político de los mudéjares de Castilla…, doc. LXII, pp. 376377. Sobre a repercussão deste concílio, sobretudo em Aragão ver: Olivia R. Constable, “Regulating religious noise: the Council of Vienne, the Mosque Call and Muslim Pilgrimage in the late Medieval Mediterranean world”, Medieval Encounters 16 (2010), pp. 64-95. 11 Maria Filomena Lopes de Barros, Tempos e Espaços de Mouros. A Minoria Muçulmana no Reino Português (Séculos XII a XV), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian / Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2007, pp. 182-197; José Rivair Macedo, «Os sinais da infâmia e o vestuário dos mouros em Portugal nos séculos XIV e XV», Bulletin du centre d’études médiévales d’Auxerre | BUCEMA [En ligne], Hors-série n° 2 | 2008, mis en ligne le 24 janvier 2009, consulté le 20 mars 2014. URL: http://cem.revues. org/9852; DOI: 10.4000/cem.9852. 12 José Rivair Macedo, «Os sinais da infâmia …”, pp. 5-6 13 I.A.N./T.T., Suplemento de Cortes, maço 2, fl. 44 v. 14 Idem, fls. 172 v. – 173. 9

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EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: CIDADE E PERIFERIA

2. A Civitas Dei concretiza-se, pois, progressivamente: no espaço percetual, tanto sonoro, pautado apenas pelos sinos das igrejas, como visual, em que a diferenciação social e religiosa claramente ressalta no vestuário e nos respetivos tecidos e formas, como no espaço físico, em que se inscrevem os bairros próprios das minorias. Neste último caso, outra legislação incorporará o progressivo enclausuramento dessas áreas, numa analogia que, de resto, mimetiza a da própria corporalidade desses elementos. Deste modo, D. João I determina que as portas das mourarias e das judiarias fossem fechadas ao toque das Trindades, impondo penas aos judeus e mouros que, após esse toque, fossem encontrados fora dos respetivos bairros15. Acresce, pois, um outro aspeto, o da delimitação física desses espaços através de uma cintura muralhada, numa circunscrição que não se revela, de facto, indispensável para a consecução desta medida (bastando, por vezes, o acrescentamento das portas encaixadas nas estreitas vias exteriores) mas que ressalta, em alguns casos da documentação compulsada, como se regista para Lisboa, Setúbal, Évora ou Silves no período quatrocentista16. As mourarias, o objeto deste trabalho, configuram, assim, de forma progressiva, o discurso cristianocêntrico nos centros urbanos meridionais em que se inserem. Numa perspetiva dinâmica, segundo os tempos e espaços considerados, e não numa imobilidade, por vezes invocada pelos historiadores como uma direta remanescência de uma permanência imutável de população muçulmana. Com efeito, as diferenças entre elas são notáveis correspondendo esses espaços aos desafios e necessidades da colonização do território, por um lado, adaptando-se, por outro, às normativas legais e à plasticidade discursiva, não apenas das leis gerais do reino, como as emanadas pelos próprios concelhos. Neste sentido, refira-se, por exemplo, como a normativa decorrente das Cortes de Elvas de 1361, trará transformações efetivas na vivência de algumas comunidades muçulmanas, como se verifica em Évora e em Santarém. No primeiro caso, surge, na década de 60 do séc. XIV, a Mouraria Nova, no Arrabalde de S. Mamede, que será integrada na cerca nova da cidade17. Embora os autores que sobre este tema têm trabalhado entendam ter havido uma transferência da comunidade de um outro espaço da urbe, a falta de documentação sobre esta temática pode justificar a disseminação dos muçulmanos pelo espaço urbano e mesmo rural, sem, uma necessária adscrição a um bairro próprio. Aspeto que não é inédito no contexto peninsular. Em Santarém, por seu lado, a transferência populacional para Ordenações Afonsinas, livro II, tit. CIII, p. 540. Maria Filomena Lopes de Barros, Tempos e Espaços de Mouros…, pp. 221-222. 17 Cf. Entre outros trabalhos sobre este espaço: Mª. Ângela Rocha Beirante, Évora na Idade Média, [Lisboa], Fundação Calouste Gulbenkian – Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1995, pp. 46-51; António Rei, “Mourarias de Évora (1165-1497)”, A Cidade de Évora 8, II série (2009), pp. 111-162. 15 16

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MOURARIAS E CIDADE: DISCURSOS E ESPAÇOS

a mouraria, sita fora das muralhas, a leste de S. Salvador18, parece concretizar-se, de facto, após 1361, existindo referências anteriores a um outro espaço de vivência, no arrabalde da Ribeira19. Teriam, pois, existido, duas mourarias que se sucederam cronologicamente na tessitura urbana da cidade, devendo corresponder a última ao espaço de assentamento mais pretérito, possivelmente designado pelos poderes cristãos para a concentração dessa população após a conquista da cidade, numa zona afastada do núcleo urbano central de Marvila e, consequentemente, da alcáçova. De facto, a referência concreta nessa zona a um “campo dos sarracenos”, em 126820, permite supor uma intencionalidade de fixação e concentração dos muçulmanos escalabitanos justamente nesse espaço, à semelhança de resto do que se verifica noutras zonas do reino, ao longo do séc. XIII. Com efeito, a referência a um campo ou terreno com esse objetivo ressoa na documentação medieva. Em Faro, um documento régio, datado de 1287, refere “illlo terreno quod iaci uidoo quod fuit diuisus pro ad mourariam” e “illo meo terreiro quod iaez in cerco qui fuit diuiissus pro ad mourariam”21. A delimitação de uma área específica, fora dos muros, para a constituição de uma mouraria havia sido realizada, possivelmente sob D. Afonso III, mas o terreno ainda não tinha sido ocupado no reinado seguinte, o que remete para a permanência dessa população no interior do núcleo urbano. Como noutros casos da Península Ibérica, postula-se uma política de transferência dos muçulmanos das cidades para o espaço peri-urbano22; no entanto, a imponderabilidade das condições de colonização do território, acabam, se não por inviabilizar, pelo menos por adiar esse projeto. O caso da mouraria de Elvas, o melhor documentado, testemunha rigorosamente este processo. A tomada desse centro urbano, em 1230, por um grupo de freires portugueses, deveu-se ao seu abandono por parte da população muçulmana, depois da derrota de Ibn Húd, perante Afonso IX, nas cercanias de Mérida, a qual garantia ao rei leonês todo o domínio sobre o vale do Guadiana23. Em 1270, contudo, já Afonso III fazia doação, aos “seus mouros forros” de Elvas de um campo sito entre Mª. Ângela Beirante, Santarém Medieval, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa-FCSH, 1980, p. 91. Idem, p. 101 e pp. 109-110. Num tombo da Colegiada de Stª. Iria de Santarém, datado de 1436, referem-se apenas os enfiteutas cristãos desse espaço, que ocupam edifícios já em pardieiro, ou com más condições de habitabilidade, nas vizinhanças da mesquita, transformada também em espaços residenciais – I.A.N./T.T., Colegiada de Stª. Iria de Santarém, livro 3, fl. 3 v. 20 Mª. Ângela Beirante, Santarém Medieval …, p. 101. 21 I.A.N./T.T., Chancelaria de D. Dinis, livro 1, fl. 32 v. 22 Como é o caso, por exemplo, de Tortosa, em que é dado um período de um ano para a transferência dos muçulmanos, especificando-se que esse constituiria o tempo necessário para a construção do bairro extra-muros e para a consequente mudança dessa população – F. Fernández y González, Estado social y político de los mudéjares de Castilla …, doc. V, p. 299. 23 Hermenegildo Fernandes, D. Sancho II, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006, pp. 176-178. 18

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EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA: CIDADE E PERIFERIA

a estrada que saía da Porta Nova para os Banhos e a estrada a que se dirigia para Badajoz, para aí fazerem casas, contra o pagamento de 30 soldos de terrádigo24. Da desertificação da cidade, em 1230, à fixação de muçulmanos num espaço fora dos muros da cidade (de resto, tão vasto como a própria madina – corresponde talvez a 2/3 da área desta25), revela-se um notável percurso de recuperação demográfica dessa já minoria, num período de apenas quarenta anos. Mas a matriz desta mouraria não passará de um projeto político, possivelmente ideado como forma de atrair colonos muçulmanos. A dificuldade de colonizar a urbe deve ter impossibilitado a sua exclusão de intra-muros, registando-se, entre 1262 e 1277, a exploração da propriedade urbana régia, por parte de muçulmanos, na paróquia de Santa Maria dos Açougues, dentro do perímetro da antiga medina, em espaço nobre justamente partilhados com cristãos26. Se, a maioria dos casos aponta para tendas, num caso concreto fala-se na possibilidade de construir casas de morada. A rentabilização da propriedade régia e a necessidade da colonização da urbe impuseram-se, pois, ultrapassando a intencionalidade de exclusão de muçulmanos do perímetro urbano. Particularidade que, de resto, se reflete na tipologia única desta mouraria que, em período mais tardio, claramente se delineia como um bairro misto, com um espaço dentro das muralhas antigas e outro, entre estas e as muralhas novas (Figura 1)27 – ambos, contudo unificadas pela administração da respetiva comuna muçulmana. É possível que o mesmo processo se tenha repetido para Beja. Embora da génese28 e evolução da mouraria, sita no espaço amuralhado, junto ao Castelo (freguesia de S. Salvador), poucos elementos nos tenham chegado, a realidade de inserção dos muçulmanos da urbe, uma vez mais na exploração de propriedade régia, ecoa igualmente na documentação, embora em período mais tardio. De facto, entre 1339 e 1389 registam-se onze contratos de emprazamento com muçulmanos (8, em 1339, 2, em 1341 e 1, em 1389)29, na Sapataria, junto ao Adro da igreja de 24 Chancelaria de D. Afonso III, ed. Leontina Ventura e António Resende de Oliveira, Coimbra, 2006, Livro I, vol. 2, doc. 426, p. 23. Veja-se, sobre este assunto, Hermenegildo Fernandes, “Os mouros e a mouraria em Elvas: alguns problemas de topografia genética”, Monumenta 28 (2008), pp. 76-81; Fernando Branco Correia, Elvas na Idade Média, Lisboa, Edições Colibri / CIDEHUS-Universidade de Évora, 2013, p. 420. 25 Hermenegildo Fernandes “Os mouros e a mouraria de Elvas…” 26 Fernando Branco Correia, Elvas Na Idade Média …, pp. 420-421 27 Fernando Branco Correia, Elvas Na Idade Média…, pp. 250-255 28 Como refere Hermenegildo Fernandes, a presença em Beja de um elemento muçulmano diferenciado parece ter engrossado após a conquista cristã com a eventual chegada de novos elementos atraídos das povoações vizinhas pela presença protetora de um concelho régio – Hermenegildo Nuno Goinhas Fernandes, Organização do espaço e sistema social no Alentejo Medievo. O caso de Beja, dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1991, p. 19. 29 Maria Filomena Lopes de Barros, “Nomear e ser nomeado: a onomástica dos muçulmanos portugueses no processo identitário”, in Minorias étnico-religiosas na Península Ibérica (Períodos medieval e moderno), Ed. Colibri – CIDEHUS/EU – Universidade de Alicante, 2008, Quadro 2, p. 321.

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MOURARIAS E CIDADE: DISCURSOS E ESPAÇOS

Figura 1 Elvas

Fernando Branco Correia, Elvas na Idade Média, Lisboa, Edições Colibri / CIDEHUS-Universidade de Évora, 2013,p. 259

Santa Maria. Se, como no caso anterior, se trata sobretudo de tendas, algumas referências estendem-se, igualmente, a casas de morada, revelando, uma vez mais que a prioridade de rentabilização da propriedade régia ultrapassa a contingência de uma estrita separação entre os diferentes grupos religiosos. A mouraria é explicitamente referida já no séc. XV, num documento datado de 1423. Uma petição da comuna a D. João I solicita o alargamento da mesma para duas ruas limítrofes, justificando o facto de os muçulmanos não caberem no seu pequeno espaço, e de aí irem morar outros mouros de Lisboa, cujas causas de mobilidade não são, contudo, explicitadas. As ruas limítrofes são referidas como tendo entre doze e catorze casas, pedindo-se a sua incorporação no bairro, com a possibilidade de emprazamento ou aforamento, aos seus proprietários cristãos. O monarca outorga o requerimento, responsabilizando os juízes concelhios pela consecução do processo e ordenando que as ruas fossem cerradas, “dentro da mouraria”, segundo o direito do reino30. Mais clara será a génese de outras mourarias, incorporadas nas Vilas Novas, como se verifica com Avis, fundada no séc. XIII pela Ordem com o mesmo nome31 e em cuja tessitura urbana se inclui um espaço para a implantação dos muçulmanos, contíguo à praça onde se encontram os Paços do Concelho e a igreja matriz, se bem que, afastada do Paço, Convento e igreja da Ordem, que ocupavam a alcáçova, Chancelarias Portuguesas. D. João I, vol. IV, tomo I, organização e revisão geral de João Alves Dias, doc. 367, p. 244. 31 Armando de Sousa Pereira, “Avis, viagem a uma vila medieval”, A Cidade de Évora 3, II Série (1998-1999), pp. 9 – 35. 30

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num dos extremos da urbe. Localização que perspetiva uma intencionalidade de controle mais rígida do que noutros centros urbanos, situando-se também a judiaria, referida apenas no séc. XV32, numa posição adjacente à do bairro muçulmano33. 3. A matriz das mourarias levanta, ainda, bastantes problemas, apontando, contudo para uma plasticidade de soluções diferenciadas em função dos contextos concretos e dos diferentes processos de colonização do território. A proposta de tipologia desses bairros34 será, pois, apenas possível para os séculos XIV e XV e, mesmo neste caso, tem que se ter em conta as transformações que decorrem da própria evolução dos centros urbanos e dos discursos normativas sobre eles. Refiram-se, em primeiro lugar, os arrabaldes, vocábulo que, de resto, os procuradores populares invocam nas Cortes de Coimbra, enquanto descrição dos espaços dos muçulmanos. De facto, ele reflete, em certa medida, a realidade mais generalizada ao longo do país, em que, aos bairros muçulmanos corresponderá uma situação nitidamente periférica de arrabalde, em contraponto às judiarias, normalmente inseridas dentro dos núcleos urbanos. Assim, constituem-se em arrabaldes, as mourarias de Lisboa, Alenquer, Leiria, Santarém, Moura, Silves, Faro, Loulé e Tavira. Com diferenças, porém, quanto ao período cronológico em que esses arrabaldes são formados. Se, para Lisboa, a implantação do bairro parece decorrer da própria conquista da cidade, em 1147, já para Faro, por exemplo, será posterior ao séc. XIII, como acima foi referido. Por outro lado, situações concretas da evolução urbanística determinarão aproximações ou afastamentos destes arrabaldes face ao núcleo muralhado “cristão”. Assim, Silves sofre uma marcada retração, recuando para o interior das muralhas da almedina (quando a cintura árabe se estendia até o rio), numa estreita relação com o assoreamento do Arade e de um desenvolvimento económico, sobretudo, centrado no litoral algarvio35. Tal facto determina o isolamento espacial da sua mouraria, dentro, contudo, da muralha almóada. Contrariamente, as distâncias esbatem-se em Moura (figura 2) e Lisboa (figura 3). No primeiro caso, ao arrabalde mais antigo, justamente o da Mouraria, sito numa área muito próxima do espaço infra-muros, acresce, na segunda metade do séc. XIV, o Arrabalde Novo, que se forma em torno da Igreja de S. João (a este do castelo), cuja expansão, no período quatrocentista, determina a contiguidade com o bairro Idem Idem 34 Para uma análise geral desta temática: Maria Filomena Lopes de Barros, Tempos e Espaços de Mouros…, cap. II “As Mourarias”; Maria Luísa Trindade, Urbanismo na Composição de Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012, “Mouraria”. 35 Maria de Fátima Botão, Silves: A capital de um reino medievo, Silves, 1992, pp. 24-25. 32 33

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Figura 2 Moura

Santiago Macias, “Moura na Baixa Idade Média”, Arqueologia Medieval 2 (1993), p. 142

Figura 3 Lisboa

Luís Oliveira e Mário Viana, “A Mouraria de Lisboa no séc. XV”, Arqueologia Medieval 2 (1993), p. 194.

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islâmico da cidade36. Relativamente a Lisboa, a sua mouraria, apesar de nunca ter sido abrangida pela nova cintura defensiva do séc. XIV, localizava-se, contudo, perto da porta de S. Vicente, uma das principais saídas da cidade em direção a norte e ao seu interior agrícola, num contexto favorável, indutor de relações económicas entre os membros de ambas as religiões. Neste sentido, não apenas o crescimento da malha urbana aproximava, naturalmente, este espaço do das vivências cristãs, como era, ainda, propiciado pelo próprio dinamismo económico deste bairro, nomeadamente através da atividade oleira, que parece determinante na urbanização da Rua de Benfica (atual Rua do Benformoso), espaço imediatamente exterior à mouraria, sito no prolongamento da Rua da Porta de S. Vicente, entre o caminho para S. Lázaro e a Rua de Dentro da Mouraria. De facto, a transformação dessa área rural num arruamento de carácter artesanal e comercial, que se perspetiva a partir de finais do séc. XIV, ter-se-á devido a uma primeira fixação de oleiros muçulmanos, a que se seguiram os seus congéneres cristãos, levando mesmo à sua designação como “Rua onde vendem as olas” ou “Rua Direita onde vendem a louça”37. Outra área, desta feita sita a norte do bairro, na direção do almocavar, será objecto de ocupação posterior, determinando, mesmo, a designação de Arrabalde Novo ou Mouraria Nova, num crescimento marcado, ainda, pela dinâmica oleira, tanto de cristãos como de muçulmanos, mas que implica, igualmente, um aumento do espaço habitado pelos últimos (que não se verifica na Rua de Benfica), referindo-se, para além das tendas, também a menção a casas de morada38. Os bairros infra-muros podem-se dividir em duas categorias: os que resultam de uma intencionalidade política e urbanística, como é o caso já mencionado de Avis; os que acabam por adquirir esse estatuto por serem integrados nas muralhas novas do séc. XIV, como acontece com Évora, já acima mencionado, ou ainda Setúbal. A mouraria deste último núcleo urbano situava-se no seu extremo sudoeste. Localização que poderia pressupor a hipótese de o mesmo se ter, inicialmente, constituído como área diferenciada e apartada dos principais núcleos de povoamento, Santa Maria e S. Julião, determinando o desenvolvimento urbano uma aproximação progressiva da zona cristã em expansão, de que resultaria a sua ulterior integração dentro do Cf. Santiago Macias, “Moura na Baixa Idade Média: elementos para um estudo histórico e arqueológico”, Arqueologia Medieval 2 (1993) pp. 135-136 e fig. 30, p. 143. 37 Maria Filomena Lopes de Barros, “A Rua de Benfica da Mouraria (actual Rua do Benformoso) – sécs. XIV-XVI”, Olisipo 8 (1999), II série, pp. 28 – 38. 38 Luís Filipe Oliveira e Mário Viana, “A Mouraria de Lisboa no século XV”, Arqueologia Medieval 2 (1993) p. 199; A. H. de Oliveira Marques, “A persistência do elemento muçulmano na História de Portugal após a ‘Reconquista’. O exemplo da cidade de Lisboa”, in Novos Ensaios de História Medieval Portuguesa, Lisboa, 1988, pp. 102-103. 36

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perímetro amuralhado da cidade39. Mas que não deixa de ser significativo, pelo facto de não ter sido, de qualquer forma, excluído desse mesmo perímetro ou impelida a sua transferência para uma zona extra-muros, tanto mais quanto, na periferia da cidade, se desenvolvem dois arrabaldes, os de Troino e de Palhais/Fontainhas. Finalmente, Elvas configura-se como uma realidade única no reino português, enquanto bairro misto, cujo primitivo núcleo se insere, como foi referido, na antiga medina, espraiando-se, a nova, para o espaço entre a muralha antiga e a do séc. XIV, como anteriormente referido. Esta cristalização confessional pressupõe, necessariamente, a expressão concreta de um domínio cristão também materializado na própria implantação topográfica das mourarias. De facto, a posição intra-muros da de Avis não exclui uma localização hierarquicamente definida, numa zona de grande declive, virada a norte; o arrabalde muçulmano de Lisboa, como a mouraria nova de Évora e as de Elvas situam-se também em declives, sob a vigilância das respetivas alcáçovas; a de S. Mamede, em Santarém, e a de Tavira diretamente sob os lanços de muralha; a de Loulé e de Alenquer igualmente numa posição inferior aos dos respetivos perímetros muralhados. Se, de facto, o relevo condiciona, naturalmente, a própria implantação e evolução urbanísticas, não sendo, por si só, determinante de uma geografia social, a humanização do espaço, comporta, contudo, uma forte componente hierarquizadora em que os centros de poder materializam a sua proeminência na paisagem, aproveitando as elevações naturais, num discurso urbanístico que decorre desde a Antiguidade. As zonas altas serão, pois, por excelência, as zonas nobres, conceito apenas ultrapassado, em função do crescimento dos centros urbanos e das correspondentes alterações económicas que se registam a partir do séc. XIV. Neste sentido, o estabelecimento dos bairros muçulmanos em zonas topograficamente inferiores às dos cristãos, insere-se, tanto no campo do simbólico, quanto no da concretização de uma praxis normalmente experienciada pelo homem medievo na vivência de um espaço comum. Praxis que, naturalmente, implica uma tomada de posição política que parece excluir (na grande maioria dos casos) qualquer movimento espontâneo, apontando, antes, para uma deliberada e intencional planificação urbanística. Assim, em Elvas a primitiva mouraria, estende-se pela parte inferior da medina, denotando já o processo de afastamento dos muçulmanos da alcáçova e das zonas mais altas, que lhe eram contíguas. Em Avis, ao bairro islâmico é assignada, não apenas uma área num plano inferior, como ainda num acentuado declive, que pressupõe a organização do mesmo, segundo um plano descendente. Paulo Drumond Braga, Setúbal Medieval (Séculos XIII a XV), Setúbal, Câmara Municipal de Setúbal, 1998,pp. 46-47 39

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Da mesma forma se constitui o arrabalde de Lisboa, numa zona inferior da colina dominada pelo alcácer, inscrevendo no relevo a própria divisão entre a área nobre, sita no plano mais elevado (antes do desenvolvimento da Mouraria Nova), onde se situam os centros internos de poder, a mesquita grande e a escola, assim como as moradias dos notáveis. Em qualquer caso, o espaço materializa o discurso da Civitas Dei, na sua própria hierarquização, funcional e simbólica, como na divisão propugnado pela Igreja entre os membros dos três credos.

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RESUMO

As mourarias do reino português correspondem a morfologias diferenciadas, em função dos contextos concretos e específicos da sua inserção nos centros urbanos, relevando para tipologias que oscilam entre os arrabaldes, os bairros intramuros ou, ainda, as soluções mistas, em áreas repartidas dentro e fora das muralhas. Estes espaços materializam progressivamente, ao longo dos séculos XIV e XV, o discurso da Civitas Dei, nos constrangimentos impostos a vários níveis da vivência das minorias, desde a obrigatoriedade de bairros apartados, que decorre das Cortes de Elvas de 1361, ao encerramento desses espaços e ao controlo da própria mobilidade de muçulmanos e judeus, proibidos de deixar os seus bairros durante a noite. Palavras-chave: cidades medievais portuguesas, bairros intramuros, arrabaldes, mourarias, mouros.

ABSTRACT The Moorish quarters of the Portuguese kingdom correspond to different morphologies, depending on their concrete and specific insertion in urban contexts. The typologies thereby oscillate between the suburbs, the intramural neighborhoods or even mixed solutions, in areas inside and outside the city walls. Over the 14th and the 15th centuries, these spaces progressively materialize the discourse of the Civitas Dei, with the constraints imposed at the various levels of religious minorities live, ranging from the obligation of living in separate neighborhoods, that stemmed from the Cortes of Elvas, in 1361, to the closure of these spaces and even to the mobility control exercised over Muslims and Jews, forbidden to leave their neighborhoods at night. Key-words: medieval Portuguese towns, intramural neighborhoods, suburbs, Moorish quarters, Muslims.

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