Movimento associativo como foco de nacionalismo O movimento estudantil NESAM e AMM

May 30, 2017 | Autor: Isabel Casimiro | Categoria: Movimentos sociais
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Capítulo 5

Movimento associativo como foco de nacionalismo: o movimento estudantil – NESAM e AMM * Introdução Desde os anos 20, encorajados pelos ventos liberais da Nova República portuguesa, até meados dos anos 60, brota em Moçambique e por todas as ex-colónias portuguesas, uma série de grupos de pressão que vêm mais tarde agendar sociedades e criar jornais, com o objectivo de lutar contra os abusos do colonialismo, reclamando uma acção civilizadora por parte da metrópole, direitos iguais, e, por vezes até, a autonomia das colónias. É assim que é criada em Lisboa, em 1920, a Liga Africana, unindo os estudantes africanos e mulatos em número bastante reduzido que aí prosseguiam os seus estudos. Ainda sem consciência do facto colonial e bastante ligados à Mãe Pátria, reivindicavam dela a missão educativa, como forma de, mais tarde, as colónias se autogovernarem. Em Moçambique surge o Grémio Africano, mais tarde Associação Africana, reunindo no seu seio mistos, assimilados, ou indígenas. Do Grémio Africano nascerá a ala mais radical, na década de 30, que se separa e funda o Instituto Negrófilo, posteriormente Centro Associativo dos Negros da Colónia de Moçambique. Devido à pressão exercida pelo governo de Salazar, que assumira em 1928 o poder, o nome do Instituto muda para Província de Moçambique e, finalmente, Centro Associativo dos Negros de Moçambique.

* Este capítulo foi originalmente escrito no contexto dos seminários do Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane, em 1979. Inédito, consideramos que sua contribuição para a compreensão da génese do nacionalismo moçambicano justifica a sua publicação nesta colectânea.

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Nascidas no bojo do colonial-fascismo e como proposta do sistema colonial, algumas destas associações, a partir de certo momento, começam a contestar o poder que as oprime, apesar de a sua criação só ter sido viável através da sua concordância. Na luta que desenvolvem contra os abusos do colonialismo e do fascismo e, através dela, estas Associações transformar-se-ão gradualmente nos primeiros focos de nacionalismo, adquirindo na luta diária consciência do facto colonial. Alguns associados, se bem que limitados pela sua posição de classe – eram constituídos essencialmente pela pequena camada urbanizada da população e que tivera acesso aos estudos –, apesar de origem camponesa, adquirirão na luta associativa a consciência de explorados, a consciência de nação com direito à independência e à autonomia, A luta associativa constitui, pois uma escola de aprendizagem e consciência do facto colonial. Apesar de movimento legal, consentido pelo governo, as associações constituíram um processo de luta, um altifalante do debate ideológico e uma alavanca do processo político posterior que, sob a direcção da Frelimo, conduziu à independência de Moçambique.

A situação colonial em Moçambique Após a tomada do poder pelo governo de Salazar, em 1928 e, saídas as primeiras leis de teor fascista, iniciam-se alguns focos de repressão não só na metrópole como igualmente nas colónias portuguesas, que abortarão qualquer possível tentativa liberalizante, surgida com a implantação da República em Portugal, em 1910. Porque país economicamente fraco e joguete dos interesses do colonialismo britânico, Portugal procurará «agarrar» a todo o custo as colónias, como forma de manter a sua independência económica. Segundo a Constituição Portuguesa, o governo não aceita sequer um «duplo mandato» a respeito das suas colónias: o seu propósito de manter-se nelas é, primeiro e acima de tudo, poder explorar sistematicamente os recursos dos territórios, estabelecer famílias portuguesas nas colónias e regular o movimento dos trabalhadores africanos, incluindo a disciplina e protecção dos trabalhadores imigrantes. Todas as outras razões, tais como levantar os padrões morais e sociais dos habitantes e realizar a justiça social, são consideradas secundárias [Mondlane 1976, 77).

Todo este processo se iniciará com a Conferência de Berlim, em que Portugal não tem qualquer alternativa, perante o «ultimatum inglês». 118

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A manutenção das colónias só seria viável se Portugal as explorasse na sua totalidade. Esse domínio, nascido a ferro e fogo através das «Campanhas de Pacificação», continuar-se-á a partir dos anos 30, pela Legislação do Trabalho Forçado, não só no interior de Moçambique através do Xibalo, como igualmente fruto do acordo entre Portugal e a África do Sul, com o Trabalho Migratório, última tentativa do governo português de ≠realizar a acumulação de capital. Relativamente ao colonialismo inglês e francês que se permitiu a outorgação das independências e descolonização, o colonialismo português encontrava-se, à partida, limitado. Portugal não teve condições para fazer a descolonização, pois não atingiu a fase que lhe possibilitasse a criação de uma pequena burguesia nas colónias, que assegurasse o seu poder posteriormente, ainda que de uma forma indirecta. A sua condição extrema de país atrasado, país colonizador/colonizado, com ausência de capital acumulado e investido em riqueza, levou o governo de Salazar à utilização de formas brutais de extorsão do capital. Só assim poderemos compreender o facto de se entrar numa forma característica de exploração de força de trabalho, que possibilitasse uma rápida acumulação de capital, através de um governo de coligação entre a burguesia financeira e industrial portuguesa, fraca e uma burguesia fundiária, no poder, esvaziando qualquer tentativa de criação de uma pequena burguesia nacional nas colónias, como aconteceu na maior parte dos países africanos, a partir da II Guerra Mundial. No dizer de Salazar, [...] Os territórios ultramarinos eram uma solução lógica para o problema de superpopulação de Portugal, para estabelecer nacionais portugueses nas colónias e para que as colónias produzam matérias-primas para vender à Mãe Pátria em troca de produtos manufacturados [Wuyts 1979, 2].

As colónias serviram pois as necessidades de acumulação do capital industrial nascente em Portugal, já que desde o início o capital português se manteve débil para organizar devidamente o desenvolvimento das forças produtivas no interior da colónia de acordo com as necessidades de acumulação. No Código do Trabalho Indígena vinha já expresso o princípio do Trabalho Forçado, em 1928, englobado no Acto Colonial em 1930, através do cultivo forçado do algodão. A máquina administrativa e coerciva que cobre as várias colónias, a partir do «Acto Colonial» transforma-se, deste modo, na mais perfeita forma de institucionalização de acumulação de capital, através da venda forçada da força de trabalho, sobretudo para a África do Sul, através da produção «independente» de mercadorias. Por outro lado, Portugal exporta também o campesinato ar119

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ruinado português, sobretudo para a outros países da Europa Ocidental, e Brasil, canalizando, no entanto, prioritariamente o fluxo para as colónias como forma de neutralizar uma potencial força revolucionária, constituída pelo campesinato proletarizado, numa pequena burguesia colonial. Inicia-se assim uma política de colonização branca que tem a sua expressão mais significativa no Colonato do Limpopo. A partir da II Guerra Mundial e, com a derrota do nazismo, assiste-se à outorgação de independências em África por parte da Grã-Bretanha e da França. Surgem movimentos de libertação por todo o continente africano, exigindo a autonomia dos seus territórios. Nas colónias portuguesas, a partir de fins da década de 50, começam também a esboçar-se os primeiros movimentos de libertação das colónias portuguesas. Portugal sente-se pressionado internacionalmente a alterar a sua política, respondendo com a abolição – se bem que disfarçada – do trabalho e do cultivo forçados e com a transformação do indígena em cidadão, a partir de 1961. Não são alheias a estas medidas, igualmente, as contradições internas no seio da burguesia portuguesa, cuja facção reformista começara a exercer maior influência. Este período regista uma abertura de fronteiras aos capitais estrangeiros, pois eles garantiriam que as potências imperialistas defendessem a permanência de Portugal em África. Abate-se então uma repressão brutal contra a metrópole e as colónias, a partir do início da luta armada. A maior parte das associações até aqui a funcionar e, porque já conscientes do facto colonial e da necessidade de luta, são encerradas pelo governo colonial-fascista.

Algumas características da resistência estudantil Propomo-nos neste pequeno artigo falar da contestação estudantil em Moçambique, integrando-a no quadro geral de resistência do povo moçambicano contra a opressão colonial-fascista portuguesa. Interessa, pois, tecer algumas considerações sobre a resistência estudantil, já que ela transporta no seu seio camadas da população que não estão ligadas directamente à produção e cuja composição quanto à origem pode variar bastante. O estudante pode assumir uma posição revolucionária ou reaccionária conforme o enquadramento que sente na sociedade em que vive. Por isso ele pode parecer pertencer a um extracto social economicamente independente, condição no entanto favorável ao desenvolvimento da sua formação integral e consequentemente à integração na sociedade a que pertence. 120

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O estudante, como jovem trabalhador intelectual, é na maioria dos casos oriundo das camadas mais priviligiadas da população. Os seus processos mentais fazem-no formular muitas vezes conceitos de acção em defesa do progresso, mas na prática é solicitado pelos interesses económicos, sociais, de «situação». Nesta qualidade pode, pois, agir em certas épocas em defesa dos seus ideais, mas a continuidade, a firmeza e a coerência estão comprometidos porque condicionadas pelo meio social. O jovem intelectual está mais favorecido na sua liberdade de acção. Como não tem ainda situações conquistadas, e como encontra pela frente uma vida social e constituições que ele não fez, reage à sua integração com um espírito cartesiano: quer saber como tudo começou e porque estão feitas assim as coisas, porque há-de aceitar regras, pelas quais não é responsável. Se encontra bases de análise, estuda e transforma. Se não as encontra, marginaliza-se. Se fraqueja em qualquer dos casos, integra-se a maior ou melhor prazo, tornando-se um «honesto cidadão», vivendo conforme as regras (Velabrègue 1970). Torna-se óbvio que o estudante considerado individualmente está permanentemente condicionado pela sua origem de classe; é também óbvio que certos factores de classe condicionam atitudes de uma movimentação estudantil: são exemplos flagrantes as pressões familiares, os hábitos culturais, a preocupação com a sua segurança futura. Mas a sua disponibilidade que deriva da condição de intelectual, de jovem e de trabalhador, fá-lo participar colectivamente em acções, desligando-se das solicitações e dos interesses de classe. A superação desses interesses corresponde à passagem a um movimento estudantil, voltado para os interesses nacionais, desligado dos interesses individualistas e de classe. Assim acontece quando os sectores estudantis mais conscientes têm os meios de estabelecer uma estratégia e uma táctica que mobilize as grandes massas de estudantes, para uma luta estudantil. A sua actuação colectiva vai fazer aparecer a necessidade de uma estrutura que apoie a organização dos estudantes durante a sua mobilização, na defesa dos seus interesses. Assim nascem as Associações de Estudantes, estruturas que permitem a direcção do movimento estudantil. Na sua luta diária e, porque confrontados com determinadas situações que afectam a sociedade em que vivem e que se reflectem no seu próprio meio, os estudantes vêem-se obrigados a tomar posições e a optar, se não se querem ver como cúmplices perante um sistema que oprime a sociedade em que vivem. Porque a Associação de Estudantes não vive isolada de um contexto político-social, nem fora do seu tempo, o que quer dizer que ela vive historicamente enquadrada, que o seu processo de luta na resolução dos seus mais elementares interesses pode transformar as associações estudantis num foco de debate 121

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ideológico que leve o estudante a uma fase superior de luta, não já através da associação enquanto tal, mas através do seu enquadramento num partido político. Ela cumpre, pois, uma tarefa histórica de mobilização do estudante conduzindo-o, apesar da origem social, a formar gradualmente uma posição social do lado dos explorados. Ela pode ser então um degrau na luta desenvolvida pelo cidadão que levará ao seu posicionamento em termos de classe. Daí a viabilidade do movimento estudantil, enquanto processo de formação do estudante. Daí o facto de se dever considerar também como forma de resistência a que os estudantes efectuam no seu dia-a-dia, pela defesa dos seus interesses, podendo ser gradualmente transformados em termos de interesse de classe, pela opção que o estudante vai ter, no processo de luta (Velabrègue 1970). Muitas foram as Associações de Estudantes criadas em Moçambique. A nossa análise deter-se-á, contudo, em duas delas, porque nos parecem as mais significativas: o Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), ligado ao Centro Associativo dos Negros de Moçambique; e a Associação Académica de Moçambique (AAM), ligada à então Universidade de Lourenço Marques.

NESAM – primeira forma de contestação estudantil em Moçambique Em 1949, e após ter sido expulso da Universidade de Witewatersrand, na África do Sul, onde até então estudara com uma bolsa da Missão Suíça, Eduardo Mondlane passou por Lourenço Marques, a caminho dos Estados Unidos da América, onde prosseguiria os estudos. Na África do Sul, Eduardo Mondlane tivera a oportunidade de participar em movimentos estudantis e tivera também contactos com o ANC, através de Oliver Tambo. A experiência de luta na África do Sul parece ter sido importante na formação global de Eduardo Mondlane.1 Em Lourenço Marques Eduardo Mondlane contacta com elementos ligados ao nacionalismo moçambicano, embrionário, bem como com alguns estudantes, levando-os, segundo tudo indica, a organizarem-se como forma de compreenderem e lutarem contra a opressão a que estavam sujeitos.2 Moçam1

Informação recolhida em entrevista a Luís Bernardo Honwana (Maputo, 4-9-1979). Informação recolhida em entrevistas a Luís Bernardo Honwana (Maputo, 4-9-1979) e Albino Magaia (Maputo, 7-6-1979) e nas aulas do professor Aquino de Bragança sobre História das Lutas de Libertação. 2

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bique vivia momentos de efervescência política, motivados pela brutalidade do colonialismo, pela campanha eleitoral de Norton de Matos em Portugal e pelos processos de julgamento, envolvendo figuras como Sobral Campos, Sofia Pemba Guerra e Noémia de Sousa. Os grupos de portugueses opositores a Salazar e desterrados para as colónias, onde se supunha não terem actuação – o que prova o seu estatuto de tolerância – movimentavam-se em torno das eleições portuguesas. O aparecimento de Eduardo Mondlane, por quem se nutria um orgulho nacionalista – ele era um negro escolarizado, vindo da África do Sul com currículo brilhante – acelera toda uma movimentação política. Deste modo, é fundado em 1949 o Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), sector estudantil do Centro Associativo dos Negros.3 Na história deste Núcleo Estudantil, cujo sopro inicial fora dado por Eduardo Mondlane, até ao seu encerramento, em 1965, podemos encontrar algumas fases, que interessa especificar e caracterizar, porque necessárias para a compreensão do processo de interiorização do facto colonial em Moçambique e consequente participação na Luta Armada de Libertação Nacional. Consideramos assim a existência de três fases na vida deste Núcleo, cujas características passamos a enunciar.4

A primeira fase da vida do NESAM A primeira fase, da qual temos muito pouca informação, corresponde à geração de Mondlane. Desconhecemos quais os seus principais membros, se bem que nos tenha parecido a geração de mais fôlego, no NESAM. Vinha imbuída dos ideais de Eduardo Mondlane, frequente na luta estudantil sul-africana. A sua acção é, todavia, pouco duradoura. Algum tempo depois da saída de Mondlane para os Estados Unidos da América perde-se parte da sua força inicial.5 3 Informação recolhida em todas as entrevistas. V. também Mondlane (1976, 120-121) e Machel (s. d., 24-25). 4 A periodização em ambas organizações é da minha responsabilidade, já que a informação recolhida nas entrevistas e na bibliografia não é muito explícita neste ponto. Foram os dados recolhidos do conjunto de informações obtidas que me levou a esta periodização. 5 Como se poderá ver através das entrevistas e da bibliografia consultada, não há quase nenhuma informação sobre esta primeira fase. No entanto, e como primeira iniciativa deste género, pareceu-me a fase mais dinâmica, se bem que o seu dinamismo inicial se tenha esvaído a partir da década de 50. O professor Aquino de Bragança também concorda que tenha sido a fase de maior fôlego na história do movimento (entrevista, Maputo, 7-6-1979).

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O NESAM era uma associação estudantil, constituída por jovens estudantes secundários, radicados em Lourenço Marques, única cidade onde os estudantes podiam prosseguir os estudos secundários. Em conjunto com a Comissão das Senhoras e a Comissão de Festas, o NESAM fazia parte do Centro Associativo dos Negros. Propunha-se numa fase inicial uma acção de ajuda mútua aos estudantes que se encontravam a estudar em Lourenço Marques, através da organização de estudos colectivos –, pois tornava-se difícil o estudo pela carência e custo do material didáctico, bem como pela situação nos subúrbios, onde habitava a maior parte dos estudantes e pela organização de actividades recreativas, culturais e desportivas. Era comum organizarem-se excursões aos fins-de-semana, bailes em dias festivos, e campeonatos desportivos. A grande maioria das festas e dos bailes primava pela ausência de uma cultura moçambicana, que aparecia mais como curiosidade e folclore, sendo comum cantar-se fado, dançar-se o vira, havendo uma forte influência da cultura brasileira. 6 Filhos dos fundadores e sócios do Centro Associativo dos Negros, pertencentes à pequena camada de assimilados, oriunda de famílias dominantes, principalmente da região de Lourenço Marques – os estudantes de outras regiões eram em pequeno número – os primeiros membros do NESAM viviam num ambiente discriminatório em relação a famílias de outras regiões ou não assimilados. Os principais dirigentes do Centro – Inoque Libombo, Josué F. Tembe, L. M. Chirindja, D. Z. Manhiça, Augusto S. Magaia, F. J. Honuana, Alberto Machava, Maximiano, etc. –, são as famílias dominantes, algumas delas donas de terras, com espírito de nobres, cuja legitimidade de poder lhes era conferida pelo passado. A sua aspiração principal, como assimilados que são, é a de falar correctamente o português, mandar o seu filho estudar para a «metrópole» e a pouco e pouco criar condições para futuramente dirigir o país, uma vez outorgada a independência, a exemplo de outras colónias africanas.7 Até fins dos anos 50 a actividade do NESAM não tem qualquer expressão política. O NESAM é aquilo que o Centro Associativo dos Negros é, não se sentindo ainda da parte dos jovens a direcção de um movimento que é seu. Com o desencadeamento da luta armada em Angola e a generalização do descontentamento face à opressão colonial, os levantamentos populares que se espalham por toda a África, a difusão das ideias de negritude

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Informação recolhida em todas as entrevistas, exceptuando-se as de Esperança Muthemba (Maputo, 15-4-1979) e Luísa Chadraka (13-9-1979). 7 Informação recolhida em entrevista a Albino Magaia (Maputo, 7-6-1979).

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e de pan-africanismo, a divulgação dos livros de Aimé Césaire e de Kwame Nkrumah, surge uma nova fase na vida do NESAM.

A segunda fase da vida do NESAM Entre os anos 1958 e 1964 podemos situar a segunda fase da vida do NESAM, quando os jovens animados pelos ventos libertadores africanos, saturados de um ambiente de arrogância, tribalismo e consagração à política colonial, iniciam um movimento de mobilização nacionalista, de consciencialização do facto colonial e de luta pela autonomia e independência de Moçambique. Esta é, no dizer de alguns dos seus membros, a fase mais activa, mais dinamizadora, mais brilhante da vida do NESAM. É a fase do voltar para as realidades, no sentido de compreender a razão da exploração e buscar os meios para a sua supressão. É a geração de Mariano Matsinhe, Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Luís Bernardo Honwana, Pascoal e Adelina Mucumbi, Ana Maria Maximiano, Magno, Hunguana, Jorge e Cristina Tembe, Sidónio Libombo, Lina Magaia, Marcelino Comiche, Afonso André, Josina e Esperança Muthemba, Milagre Mazuze, Ângelo Chichava, Lucrécia Mabote, Luísa Chadraka e tantos outros.8 As preocupações destes estudantes, motivadas pela sua gradual tomada de consciência da discriminação na Escola, pelas matérias leccionadas, a constatação da dependência da direcção do Centro em relação ao regime colonial, são motivos geradores do início de um debate no seio do NESAM. A passagem de Eduardo Mondlane por Moçambique, em 1961, como emissário das Nações Unidas, onde trabalhava, ao Tanganica, vem acelerar este processo de agitação que mal se iniciara. Organizam-se manifestações de recepção a Eduardo Mondlane, pintam-se cartazes denunciando o governo colonial. Mondlane reúne-se novamente com alguns nacionalistas dando a entender a futura criação de um movimento para a libertação dos moçambicanos, falando em termos de unidade de todos os moçambicanos para a luta contra a exploração de que eram alvo. Animados pela sua vinda e pelo incitamento à luta e conscientes da oportunidade do momento, os estudantes secundários iniciam uma movimentação política que tem como primeiro alvo a direcção do Centro Associativo dos Negros, em 1962, quando os estudantes decidem depor a velha direcção, dirigida por Inoque Libombo, e eleger uma nova. Inoque Libombo estava bastante comprometido com o governo colonial, 8

Entrevista a Luís Bernardo Honwana (Maputo, 4-9-1979).

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onde era deputado, e considerava-se como que um presidente vitalício do Centro. Aproveitando-se das eleições para a direcção, na sessão da Assembleia-Geral, a NESAM mobiliza as senhoras e os mais velhos para votarem na sua lista. Tendo conseguido ganhar, Inoque Libombo considera por três vezes anuladas as eleições, até que finalmente é eleito como presidente Filipe Júnior Tembe. A partir deste momento o Centro Associativo dos Negros e o NESAM constituem o local com mais vitalidade da cidade. Organizam-se saraus de poesia em que são declamadas poesias de Kalungano, Ganhão, Craveirinha, Noémia de Sousa, Rui Nogar, trazidas algumas pelos estudantes moçambicanos que estudavam em Portugal e da Casa dos Estudantes do Império. Muitos deles,quando vêm de férias, trazem notícias da luta estudantil portuguesa, o que dá mais ânimo aos estudantes para prosseguirem a sua. Iniciam-se ciclos de palestras e debates sobre o Lobolo, que galvanizam os jovens, defendendo o Lobolo, como instituição jurídica e forma de preservar a cultura moçambicana. Sousa Sobrinho, médico psiquiatra, é também um dos grandes mobilizadores do debate. Ele foi como que um Franz Fanon que chamou a atenção para algumas doenças características da população negra, como resultado de frustrações e recalques que a colonização provocara. Fala-se nas condições de existência nos subúrbios, na necessidade de criação de bairros populares.9 Organizam-se convívios culturais e bailes, mas já com características totalmente diferentes, pois há a preocupação de apresentar o património cultural moçambicano, a despeito de uma série de lutas que tiveram de se travar.10 Pela primeira vez dança-se Marrabenta, Xigubo, Chingombela, sem complexos. Instituições exteriores ao NESAM e algumas livrarias oferecem livros à biblioteca do Centro. A Livraria Minerva Central conta-se entre uma das principais que, entre livros de estudos, ofereciam livros de carácter político. Realizavam-se sessões de cinema, de vários temas de interesse, cuja apresentação era feita de acordo com o Cine-Clube. Adrião Rodrigues e Jorge Pais eram os principais animadores destas sessões, cabendo-lhes a tarefa de realizar a apresentação dos filmes. Todos os sábados realizava-se igualmente uma sessão de cinema infantil – sobretudo filmes de Charlot, Bucha e Estica, etc. Um grupo dramático, que já existia antes, 9 Entrevista a Luís Bernardo Honwana (Maputo, 4-9-1979) e Lina Magaia (Maputo, 6-9-1979). 10 Luís Bernardo Honwana referiu na sua entrevista (Maputo, 4-9-1979) que a introdução da dança Marrabenta foi uma das grandes conquistas dos jovens, já que a velha Direcção do Centro a considerava a «dança dos subúrbios», havendo proibido praticamente a sua prática durante muito tempo.

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tem neste momento uma grande vitalidade. É através dele, sobretudo, que se introduzem no Centro as chamadas «danças dos subúrbios» – Marrabenta, cuja introdução foi uma questão muito discutida com a direcção do Centro, ultrapassada só após uma intervenção de José Craveirinha.11 De salientar que, se bem que existissem grandes contradições com a Associação Africana – constituída por mulatos, entre os quais José e João Craveirinha, Rui Nogar – e a Associação de Naturais – constituída por brancos, entre os quais, João Reis, Adrião Rodrigues, Rui Baltazar – iniciam-se já nesta fase alguns contactos. A Associação dos Naturais chega mesmo a propor uma fusão com o Centro Associativo dos Negros e o NESAM. O Centro concordou, mas o NESAM recusou-se, porque a fusão excluiria os não-assimilados, os indígenas, os chamados «pés descalços». A preocupação de abrir o Centro e o NESAM a outras camadas da população corresponde efectivamente a uma fase nova da luta dos jovens estudantes, que compreenderam a discriminação que caracterizava o Centro. Por isso eles fazem participar, nas várias sessões e debates culturais, outras camadas de estudantes e não-estudantes, à revelia da direcção do Centro.12 Quando se funda a Frelimo, em 1962, havia já um grupo de jovens mais activos que, numa luta semilegal, iniciam toda uma mobilização política e consciencialização, com o objectivo de os conduzir para junto do fundador da Frelimo. Alguns destes jovens – entre os quais Joaquim Chissano, Mariano Matsinhe, Armando Guebuza – fazem parte das primeiras células clandestinas da Frelimo, em Lourenço Marques. São eles os principais incitadores à luta, a compreenderem a necessidade da independência e da unidade de todos os moçambicanos, apesar das divisões tribais e regionais. Bem cedo a repressão vai-se abater sobre o Centro, sendo presos alguns estudantes e membros do mesmo Centro. Após a repressão que se fez sentir, alguns destes estudantes, devido à infiltração da PIDE, que cedo compreendeu o perigo que esta organização poderia representar, e que os próprios jovens não conseguiram controlar, optaram por uma via diferente de luta, juntando-se às fileiras da Frelimo. É o período das grandes fugas para a Frelimo, muitas delas traídas por alguns membros do Centro e do NESAM, colaboradores da PIDE – caso de Baltazar Chagonga que escreve cartas a alguns estudantes, incitando11 Esta informação foi-nos fornecida igualmente por Luís Bernardo Honwana (Maputo, 4-9-1979), o que completa a anterior. 12 Entrevista a Luís Bernardo Honwana (Maputo, 4-9-1979).

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-os à desistência da fuga e oferecendo-lhes dinheiro. Segundo se pensa também Domingos Arouca, presidente do Centro, teria já também nesta altura compromissos com a PIDE.13 O Centro Associativo dos Negros e o NESAM são encerrados pela PIDE, em 1965. Muitos membros foram presos, outros tentaram a fuga para se juntarem à Frelimo. À guisa de conclusão, gostaríamos de ressaltar o importante e precioso papel desempenhado pelo NESAM no despertar do nacionalismo moçambicano, que conduziu à Luta Armada de Libertação Nacional. Os estudantes do NESAM encontraram no Centro Associativo dos Negros, desde a fundação, um grande conflito de gerações escondendo um conflito de classes. Na sua actuação e luta diária, eles conduziram o processo em termos de luta de classes – fizeram participar na luta, se bem que não na totalidade, vastas camadas da população, ainda que limitadas à região sul e aos poucos estudantes que estudavam no ensino secundário em Lourenço Marques. A sua actividade levou-os à compreensão da verdadeira causa do conflito, que opunha uma classe trabalhadora oprimida contra uma classe opressora. Daí o seu desejo de estender o Núcleo ao país inteiro e de fazer participar dele não só os estudantes, como também outros elementos da população, não contando com as divisões regionais e tribais. Tinham, como é óbvio, a limitação clara concreta e objectiva de serem um movimento estudantil, mas que constituiu como que uma escola de nacionalismo, de aprendizagem da necessidade de novas formas de luta para combater a opressão colonial-fascista de que eram alvo. Por isso, os seus principais dirigentes, uma vez constituída uma Frente de Libertação, organizam a fuga e juntam-se a ela, pois compreendem ser a única capaz de os conduzir a uma verdadeira independência nacional. Como bem sintetiza Eduardo Mondlane: A eficácia do NESAM, como a de todas as organizações dos primeiros tempos, era estritamente limitada pelo número pequeno dos seus membros, neste caso, restrita aos estudantes negros da escola secundária. Mas, pelo menos de três maneiras, deu um importante contributo para a revolução. Comunicou ideias nacionalistas à mocidade negra instruída. Conseguiu certa revalorização da cultura nacional, que contra-atacou as tentativas dos Portugueses para levarem os estudantes africanos a desprezarem e abandonarem o seu próprio povo. Deu a única oportunidade de estudar e discutir Moçam-

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V. entrevistas a Luís Bernardo Honwana (Maputo, 4-9-1979), Albino Magaia (Maputo, 7-6-1979) e Lina Magaia (Maputo, 6-9-1979).

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Movimento associativo como foco de nacionalismo: o movimento estudantil bique sem ser como um apêndice de Portugal. E, talvez o mais importante de tudo, cimentou contactos pessoais, estabeleceu uma rede de comunicação a nível nacional, que se formou entre gente de todas as idades, e que podia ser utilizada por um futuro movimento secreto. Por exemplo, quando a Frelimo se instalou na região de Lourenço Marques em 1962-63, os membros do NESAM foram os primeiros a serem mobilizados e constituíram uma estrutura para receber o partido. A polícia secreta, ou PIDE, também percebeu isto e proibiu o NESAM; em 1964, prendeu alguns dos seus membros e forçou outros a partirem para o exílio [Mondlane 1976, 121].

A AAM – Associação Académica de Moçambique – e o Movimento Estudantil na Universidade de Lourenço Marques Quando em 1976, no 1.º de Maio, a Universidade recebe o nome de Universidade Eduardo Mondlane, o camarada Samora Moisés Machel, numa retrospectiva da antiga Universidade, refere: A Universidade em que hoje nos encontramos nasceu em 1962 como resultado directo da luta de Libertação dos povos das colónias portuguesas. A confrontação armada desencadeada em Angola e a bárbara repressão que se lhe seguiu, a consolidação das organizações revolucionárias nas outras colónias trouxeram o colonialismo português para o palco dos acontecimentos internacionais. Estávamos então no auge dos processos de descolonização inglês, francês e belga e o carácter violento agressivo do colonialismo português chocou a comunidade internacional. O carácter segregacionista e obscurantista do colonial-fascismo foi um dos factores sensíveis de mobilização da opinião internacional para um crescente isolamento do regime português. A resposta foi a criação apressada dos Estudos Gerais em Moçambique e Angola. De instrumentos de defesa, porém, o colonialismo português começou a estruturar a Universidade como arma de ofensiva ideológica que viria a desencadear nas colónias, no último décimo da sua existência. Após dois anos de preparação, os Estudos Gerais eram transformados na Universidade de Lourenço Marques. Aos estudantes de então é oferecida uma Universidade moderna, tecnicamente bem apetrechada, dotada de professores «consagrados», apoiada por luxuosos serviços sociais. Desde logo surge a sua função ideológica e alienatória. Com efeito, ao lado de um microscópio electrónico, símbolo de distanciação da Universidade da realidade Moçambicana, surge o Lar destinado aos estudantes cujo patrono, proposto como exemplo de valores, é um jovem oficial fascista morto quando comandava uma acção repressiva contra o povo moçambicano [Machel 1976, 17-18].

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Este é o retrato da Universidade de Lourenço Marques, tal como foi concebida pelo regime colonial-fascista de Salazar. Nascida no bojo de contradições que opunham uma ala mais radical portuguesa, defendida por Salazar, e uma ala mais liberal, defendendo uma proposta neo-colonial, encabeçada por Marcelo Caetano e Veiga Simão, entre muitos outros, e pressionada pela comunidade internacional devido à feroz brutalidade do colonial-fascismo português, ela vai representar todo um jogo de interesses tendentes a crer que Portugal se começara a preocupar com as colónias. Temendo entretanto uma futura contestação como a já existente nas universidades portuguesas, o governo de Salazar vai apetrechá-la de óptimas condições, em termos de instalações, material, professores e serviços sociais de apoio aos estudantes, o principal foco de agitação nas universidades portuguesas. É destacado para seu reitor, Veiga Simão, um liberal português, que traz consigo professores na sua maioria formados em universidades anglo-saxónicas e alguns de tradição progressista e antifascista. É o caso de Luís Albuquerque, da Escola de Bento de Jesus Caraça, Aurélio Quintanilha, Dias Agudo, Victor Crespo, Mesquita Rodrigues, entre outros.14 A partir do ano lectivo de 1965-1966, começa a funcionar a Associação Académica de Moçambique, que como espelho das associações portuguesas tem como principal actividade o desporto académico. Esta Associação vai sofrendo algumas transformações ao longo do período da sua actividade e, tal como no NESAM, encontramos nela algumas fases que interessa realçar, até ao seu encerramento, pela PIDE, em 1972, no final do ano lectivo. 1) Numa primeira fase da sua existência e até pela sua composição social – maioritariamente de estudantes brancos filhos de colonos –, a AAM é uma associação tipicamente portuguesa, sem conhecimento nenhum da realidade moçambicana. É a fase do desporto, das garraiadas e das festas. Não se sente qualquer movimentação política no seio dos estudantes universitários. Numa universidade em que tudo lhe é oferecido, sem necessidade de reivindicar o que quer que seja, o estudante, porque já tem boas condições económicas e sociais, presta-se unicamente às diversões desportivas, recreativas e culturais. A Universidade era também constituída, na sua maioria, por estudantes só de Lourenço Marques, já que não havia ainda ensino secundário nas províncias que possibilitasse a vinda de um contingente para a Universidade. 14 Informação recolhida em entrevista a Frederico Vitória Pereira e António Pedro Casimiro (Maputo, 8-9-1979).

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2) A partir dos anos de 1969-1970 começa-se a registar uma viragem na Universidade. A população universitária aumenta de 800 para cerca de 1300 estudantes, consequência da abertura de uma série de liceus nas províncias. Reforçada por este contingente de novos estudantes de várias províncias, a AAM passa a apresentar melhores condições de trabalho. Começa-se então a aliciar jovens para trabalhar em algumas secções que gradualmente se abrem na AAM. São sobretudo os estudantes das províncias, porque afastados das famílias e mais livres de pressões familiares, que constituirão a massa principal mobilizada pela AAM. Ligado a este factor, regressam de Portugal alguns estudantes que lá participaram no movimento estudantil e que vêm dispostos ao trabalho na AAM. É o caso dos irmãos Rui e Luís Gonçalves, Matos Viegas, Joaquim Barradas, Fernando Neves, que se haviam formado numa fase de ascensão da luta estudantil em Portugal. A SIPE – Secção de Informação, Propaganda e Estatística – a Biblioteca – com a saída da revista Prisma, revista literária para os estudantes – começam a funcionar. Sai também a Diálogo, outra revista editada pela SIPE, em Dezembro de 1969. A Rádio Universidade inicia a sua actividade como forma de contrabalançar o efeito da Mocidade Portuguesa. Procura-se preencher as novas secções criadas com os estudantes vindos das províncias, combatendo contra os velhos dirigentes associativos e contra os folclorismos. É a fase da demarcação nítida entre as tradições coimbrãs e o movimento associativo voltado para a realidade.15 Começou-se a dar uma maior importância à actividade pedagógica dos cursos, como forma de recrutar elementos para a AAM. Criam-se órgãos de co-gestão, desde a base ao topo – grupos de trabalho nos cursos e o Conselho Académico, onde o presidente da AAM tinha, por vezes, assento. Como apoio a este trabalho, avança-se com a criação de uma Secção de Textos, que possibilitava a feitura e policopiação de textos de estudo. Nesta fase, a Universidade de Lourenço Marque é uma das melhores do «espaço português» em termos de participação dos alunos nas estruturas pedagógicas de co-gestão. É a universidade-piloto, tão apregoada pelos ideólogos do regime.16 O avanço impetuoso da luta armada com a abertura das frentes de Tete e Manica provoca nalguns dirigentes um repensar a sua actividade

15 Informação recolhida em entrevista a Frederico Vitória Pereira e António Pedro Casimiro (Maputo, 8-9-1979). 16 Informação recolhida em entrevista a Frederico Vitória Pereira e António Pedro Casimiro (Maputo, 8-9-1979).

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enquanto movimento estudantil. Deste modo é criado o CEM – Centro de Estudos Moçambicanos – que se debruça sobre estudos de História de Moçambique, promove deslocações aos subúrbios e contactos com o campo, festivais culturais de música moçambicana, exposições artísticas, estudos colectivos da história de Moçambique.17 O ano decisivo da ruptura com o passado é o ano lectivo 1971-1972. A derrota de Portugal na Ofensiva Nó Górdio radicaliza as posições. Reorganiza-se a actividade associativa privilegiando o trabalho de base nos cursos, como forma até de melhor reagir à repressão e intimidação que começava a existir na Universidade – actuação da Frente Nacional Integracionista e do seu jornal Os Vanguardistas Académicos que, tudo leva a pensar estar ligado à PIDE. É o movimento de contestação interna, através de greves, sobretudo nas engenharias. A biblioteca inicia a publicação de mais uma revista de divulgação, A Folha, que procura divulgar artigos com uma visão terceiro-mundista – «Estratégia do desenvolvimento» de Josué de Castro, «Os mitos acerca da origem das guerras», de Vitorino Magalhães Godinho, entre muitos.18 O desenvolvimento da luta na AAM, motivada pelo avanço da Luta Armada de Libertação Nacional, transforma a sua luta de anti-fascista para anticolonial-fascista. É a fase decisiva das opções dos principais dirigentes da AAM. É nesta luta que muitos deles optam por ficar em Moçambique, enquanto moçambicanos.19 17 É a primeira tentativa, em conjunto com uma iniciativa de dar aulas da 1.ª à 4.ª classe a empregados domésticos, de um virar para a realidade moçambicana. O CEM debruça-se sobre diversos temas moçambicanos e mundiais e organiza grupos de estudo político. A iniciativa da escola para empregados domésticos veio da parte de alguns estudantes e, mais tarde, passou a ser orientada directamente pela direcção da AAM. Foram escolarizados cerca de 150 empregados domésticos que, na sua maioria são hoje elementos activos, com a participação de cerca de 20 professores, na sua maioria estudantes universitários, que estão hoje em Moçambique, e são quadros activos. 18 Entrevista efectuada a dois elementos da AAM, Frederico Pereira e Pedro Casimiro (Maputo, 8-9-1979). 19 A maior parte dos estudantes da Universidade de Lourenço Marques iniciaram a sua luta como portugueses, contra o fascismo português. É no desenvolvimento da luta associativa e na luta semilegal deste movimento que reflectem o meio que os rodeia, compreendendo as causas mais directas da situação colonial em Moçambique, operandose em alguns deles uma transformação radical que os leva à luta contra o colonial-fascismo português, optando então por ficarem moçambicanos. É prova disto o facto de que, de um total de 30 dirigentes associativos do período entre 1971e 1972, 20 terem ficado em Moçambique, como moçambicanos, quadros do Partido e do Estado – um deles morreu o ano passado no Chokwé –, cerca de oito foram para Portugal, militando em organizações de esquerda – PCP, UDP, PCP-ML –, dois são cooperantes do PCP, em Moçambique, um é membro da direcção do PAIGC, um abandonou o movimento, tendo ido para o Brasil, e quanto ao último, desconhece-se o seu paradeiro.

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Haviam gradualmente compreendido, na sua luta associativa diária, se bem que limitados pela origem de classe, as causas próximas da exploração colonial. No entanto, seguindo a sua trajectória alienante de despersonalização, a Universidade criou as suas próprias contradições. O estudante, em tanto que estudante universitário, distanciado da realidade, iniciou uma acção contestatária. Contudo, a contestação surgia dentro dos moldes de contestação em curso nas universidades estrangeiras. Era uma revolta importada dentro duma Universidade importada. O regime colonial fascista compreendeu esse fenómeno e os órgãos de repressão mantiveram uma atitude essencialmente de policiamento da situação. Porém, a contestação importada exaltava à prática, à ligação da Universidade com a própria sociedade de que fazia parte. E foi então que os sectores estudantis mais avançados procuraram, timidamente, voltar-se para a realidade social e política em que viviam. Foi uma tentativa tímida, condenada ao fracasso pelo abismo radical e de classes da sociedade colonial, mas que, mesmo assim, o colonialismo não podia permitir [Machel 1976, 18].

3) Em finais do ano lectivo de 1971-1972, a PIDE encerra a AAM, mandando compulsivamente os seus principais dirigentes para o serviço militar. O movimento estudantil sofre um grande abalo do qual não se chegará a recompor apesar de algumas tentativas feitas no ano lectivo de 1973-1974. O aparelho repressivo decidiu então intervir, aniquilando a frágil estrutura estudantil e isolando os seus dirigentes. Desorganizados e divididos, com consciência nacional e social fraca e confusa, incapazes portanto de definir correctamente o inimigo e de se identificar numa perspectiva de classe, os estudantes universitários institucionalizaram a desunião, a indisciplina e o liberalismo como resposta individualista e anárquica. Isto é, o estudante reencontrou-se com a sua própria classe privilegiada de uma forma desagregante, mascarando assim, perante si próprios, a sua incapacidade de romper com o seu passado e a sua origem. Com a vitória da Frelimo e o avanço do processo revolucionário este fenómeno foi-se revelando de forma mais clara [Machel 1976, 18-19].

Conclusão Procurámos apresentar aqui alguns dos aspectos que nos pareceram mais característicos na história destes dois movimentos estudantis, que consideramos de maior realce em Moçambique. As informações referen133

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tes ao NESAMO são poucas e essencialmente baseadas em entrevistas de alguns membros do NESAMO e uns poucos de livros. É uma história muito recente, da qual quase ou nada se tem escrito, para além do testemunho escrito de Eduardo Mondlane e de algumas actas do NESAM, mas que não consegui consultar. Porém, apesar de todas estas limitações, há algumas considerações que se podem tecer em torno destes dois movimentos. Ambos transportaram no seu seio sectores privilegiados da população, não directamente ligados à produção, mas que, porque estudantes e confrontados paulatinamente com a situação de descriminação e de exploração colonial, se viram obrigados a pensar a realidade à sua volta. A luta que a pouco e pouco e timidamente desencadearam, conduziu-os à compreensão do facto colonial e da necessidade de uma luta diferente que culminasse com a independência nacional. O movimento estudantil, enquanto tal, não se lhes apresentou como alternativa para a luta, senão como uma escola fundamental de aprendizagem no trabalho diário e colectivo de mobilização, cuja interiorização e reflexão os levou à opção.

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