MOVIMENTOS, ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DA SALA DE AULA

July 22, 2017 | Autor: Rony P. da Silva | Categoria: Movimentos sociais, Educação, História
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UNIVERSIDADE DO PLANALTO CATARINENSE – UNIPLAC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO

RONY PETTERSON DA SILVA

MOVIMENTOS, ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DA SALA DE AULA

LAGES 2009

2 RONY PETTERSON DA SILVA

MOVIMENTOS, ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DA SALA DE AULA

Dissertação apresentada à Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC. Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação. Linha de Pesquisa II: Educação, Processos Socioculturais e Sustentabilidade, como requisito para a obtenção do título de Mestre em educação. Orientadora Profª. Drª. Zilma Isabel Peixer.

LAGES 2009

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a Deus em sua maior dimensão pela maior das graças a vida. Estar vivo é um dos maiores desafios da existência humana. Agradecer a minha mãe (Dilma) que sempre me incentivou a estudar até mesmo nas piores adversidades que a vida nos proporcionou, suprindo a ausência da figura paterna. Agradecer a minha esposa (Raquel) e minha filha (Rute), por terem entendido minha ausência durante o período do mestrado. Agradecer as minhas irmãs (Elaine e Débora) por sempre me incentivarem a continuar nos momentos difíceis da vida acadêmica. Meus cordiais apreços aos entrevistados deste trabalho, que sempre me receberam de bom grado. Com suas palavras e ações do passado e presente me ajudaram a continuar a acreditar na esperança de um mundo mais justo e solidário, com lutas e desafios a serem enfrentados e superados. Agradeço muito a prof. Zilma, a prof. Betinha que sempre buscaram que eu me superasse e seguisse adiante. Que acreditasse, por mais complexas e controversas que fossem as situações institucionais, políticas, teóricas e práticas pelas quais vivenciamos. Obrigado pelo apoio e pela compreensão. Ao prof. Dema provocador de situações conflituosas, porém, sempre com humor e tranquilidade. Agradeço especialmente a prof.(a) Dr.(a) Célia Regina

4 Vendramini por suas contribuições no período da qualificação que foram muito valiosas no entendimento da importância dos movimentos sociais. Agradecer ao colegiado de professores do mestrado em educação e aos colegas de classe do ano de 2007. Pois, nestes dois anos que se passaram colocamos em evidência qual o sentido de ensinar e aprender.

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RESUMO

O presente trabalho visa fazer um mapeamento dos Movimentos, Organizações Sociais e Educação Popular em Lages e região serrana catarinense, pós-ditadura militar. Há em Lages e região certa invisibilidade sobre as práticas e formas de resistência social. É comum ouvirmos que em nossa região não existem movimentos sociais, que há uma passividade frente a situações de precariedade da vida. Esse é um ponto crucial na história local. Será que não existem movimentos? Será que não existem espaços e formas de resistência dos grupos populares? Foi buscando desvelar essas formas de resistência dos grupos populares, em busca dos processos de organização social, no qual permeiam os processos educativos, que se procurou fazer um mapeamento dos movimentos sociais e outras ações coletivas em Lages, que marcam e delineiam os espaços de resistência, pós ditadura militar. Buscou-se analisar os movimentos e organizações sociais, com formação e conscientes de suas ações, com o ideal de construção de um mundo mais justo e solidário possível na práxis. Analisar estes movimentos suas ações diante do Estado e da própria sociedade; conquistas e derrotas das ações coletivas em busca de participação democrática e fortalecimento da cidadania são elementos que contextualizam a ação dos movimentos e organizações sociais posteriores a década de 1980. Nesse contexto os movimentos e organizações sociais, como sindicatos, movimento ecológico, movimento sem-terra, movimento atingidos por barragens, movimento estudantes e outros são os protagonistas dessa pesquisa. Palavras chave: Educação popular, movimentos sociais, organizações sociais, cidadania, democracia.

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ABSTRACT

The boon I work targeted from a map of the Bandwagons, Collations Socials and Education Catchy well into Lages and region sawing Catharine‟s (região serrana catarinense), post – dictatorship military. There are well into Lages and region certain poor visibility on the subject of the practices and figures as of endurance social. Is common if we may hear than it is to well into our region did not there are bandwagons socials, than it is to is there a passivity forefront the one state of affairs as of precarity from the life. That that's a dot acute at the history local. It shall it would not there are bandwagons? It shall it would not there are breadths and figures as of endurance of the bands catchy? He went fetching untangle those figures as of endurance of the bands catchy, in pursuit of the processes as of collation social, in which premium the processes educational, that if had sought do a map of the bandwagons socials and other actions collectives well into Lages, than it is to they mark and delineated the breadths as of endurance, post dictatorship military. He picked - in case that analyse the animations and collations socials , along formation and conscient as of your actions, with the ideal as of building of um world more fair and solidity feasible at the praxis. Analyse these animations your actions foremost from the Been and from the custom association; conquest and defeats of the actions collectives in pursuit of participation democratic and strengthening from the citizenship they are elements than it is to contextualized the one action of the bandwagons and collations socials after the decade as of 1980. In this connection the animations and collations socials, as a union memberships , bandwagon ecological, bandwagon without – land, bandwagon achieved By barrages, bandwagon students and other they are the leading figure of that research.

Words-key: Education citizenship, democracy.

catchy,

bandwagons

socials,

collations

socials,

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Prefeitos municipais de Lages: 1895 a 1973

44

Quadro 2 - População urbana de Lages – 1940 a 2008

51

Quadro 3 - Os Números do Setor Madeireiro em 1940

58

Quadro 4 - Número de serrarias de 1950 a 1990

59

Quadro 5 – Surgimento dos bairros décadas de 1940 a 1970

60

Quadro 6 - Os desmembramentos de Lages

70

Quadro 7 - Os índices de alfabetização e não alfabetização em Lages e Região Serrana 2000

72

Quadro 8 - Índices de escolaridade em Lages e Região Serrana 73 Quadro 9 - Índices de IDH em Lages e Região Serrana

74

Quadro 10 - Comparação entre as microrregiões de 1970 – 2000 75 Quadro 11 - CMN’s – Corporações Multinacionais que atuam na América Latina e no mundo

100

Quadro 12 - Estimativa da Violência contra a mulher em Lages 2001

104

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LISTA DE MAPAS E FOTOS

Mapa 1 – Terras contestadas entre Santa Catarina e Paraná

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Mapa 2 – Municípios que atualmente integram a Associação dos Municípios da Região Serrana – AMURES

71

Foto n° 1 – Folder do sindicato – Simproel, 1997

83

Foto n° 2 – “MST denuncia agressão por parte de fazendeiros”

93

Foto n° 3 – Vianei 10 Anos – 1993

110

Foto nº 4 – Vianei 10 Anos – 1993

115

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LISTA DE SIGLAS

ACAFE – Associação Catarinense de Fundações Educacionais ACT – Admissão por Contrato Temporário AI – Ato Institucional AIT – Associação Internacional dos Trabalhadores ALCA – Aliança de Livre Comércio da América ALPROM – Associação Lageana dos Professores Municipais AMURES – Associação dos Municípios da Região Serrana APROL – Associação dos Professores de Lages AVICITECS – Associação Vianei de Cooperação e Intercâmbio no Trabalho, Educação, Cultura e Saúde BMN’s – Bancos Multinacionais CDHC – Centro de Direitos Humanos e Cidadania CDHC-IJB – Centro de Direitos Humanos e Cidadania – Irmã Jandira Bettoni CEBs – Comunidades Eclesiais de Base CFR – Casa Familiar Rural CIS – Centro Interescolar de Segundo Grau CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CME – Conselho Municipal de Esportes CMN’s – Corporações Multinacionais COHAB – Conjunto Habitacional CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPCs – Centros Populares de Cultura CPT – Comissão Pastoral da Terra CRAB – Comissão Regional de Atingidos por Barragens CSC – Classe Sindical Classista CUT – Central Única dos Trabalhadores

10 DCE – DEM – DP – EUA – EZLN – FAB – FEL – FETAESC – de Santa Catarina FETEL – FME – FMI – FPDDH – FUNDEF – GT – IBGE – IDH – IHU – INP – MAB – MCPs – MDA – MDB – MDH – MEB – MEC – MEL – MLST – MMA – MMC – MNDH – MST – NMS – OMC – ONG – PCC – PCdoB – PCH – PFL – PLPs – PRC – PRONAF – PSD – PSDB – SIMPROEL – Lages SINDSERV – SINTE – STR – TCC –

Diretório Central de Estudantes Democratas Delegacia de Polícia Estados Unidos da América Exército Zapatista de Libertação Nacional Força Aérea Brasileira Festival de Teatro de Lages Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado Festival de Teatro de Lages Fundação Municipal de Esportes Fundo Monetário Internacional Fórum Permanente de Defesa dos Direitos Humanos Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental Grupo de Trabalho Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Índice de Desenvolvimento Humano Instituto Humanitas Unisinos Instituto Nacional do Pinho Movimento dos Atingidos por Barragens Movimentos de Cultura Popular Ministério do Desenvolvimento Agrário Movimento Democrático Brasileiro Movimento dos Direitos Humanos Movimento de Educação de Base Ministério da Educação e Cultura Movimento Ecológico de Lages Movimento de Libertação dos Trabalhadores Sem Terra Movimento de Mulheres Agricultoras Movimento de Mulheres Campesinas Movimento Nacional dos Direitos Humanos Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Novos Movimentos Sociais Organização Mundial do Comércio Organização Não-Governamental Papel e Celulose Catarinense Partido Comunista do Brasil Pequena Central Hidroelétrica Partido da Frente Liberal Promotoras Legais populares Partido Republicano Catarinense Programa Nacional da Agricultura Familiar Partido Social Democrático Partido da Social Democracia Brasileira Sindicato Municipal dos Professores em Educação de Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Lages Sindicato dos Trabalhadores em Educação Sindicato dos Trabalhadores Rurais Trabalho de Conclusão de Curso

11 UDESC UDN UDR UFPB UFSC UHE UJS ULES UNE UNEGRO UNIPLAC

– – – – – – – – – – –

Universidade do Estado de Santa Catarina União Democrática Nacional União Democrática Ruralista Universidade Federal da Paraíba Universidade Federal de Santa Catarina Usina Hidroelétricas União da Juventude Socialista União Lageana de Estudantes Secundaristas União Nacional dos Estudantes União de Negros pela Igualdade Universidade do Planalto Catarinense

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

15 CAPÍTULO 1

MOVIMENTOS, ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DA SALA DE AULA. 28 1.1 – Movimentos e Organizações Sociais 1.2 – Educação Popular

31 36

CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DE LAGES E REGIÃO SERRANA

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2.1 – Situação Política 2.2 – Situação Social e Econômica 2.3 – Cidadania Negada: A constituição da periferia de Lages – 1940-1970 2.4 – Atualidade de Lages e Região Serrana

42 47 66 70

CAPÍTULO 3 MAPEAMENTO DOS MOVIMENTOS E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS: TEMPOS DE RESISTÊNCIA EM LAGES E REGIÃO SERRANA 3.1 – Movimentos Sindicais Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lages - STR Sindicato dos Professores Estaduais – Sinte Sindicato dos Professores Municipais – Simproel 3.2 – Movimentos do Campo Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST 3.3 – Movimento Comunitário de Bairros

77 79

85

94

13 Associação de Moradores do Bairro Ipiranga 3.4 – Movimento Ecológico de Lages – MEL 3.5 – Movimento Antiglobalização – Contra a ALCA 3.6 – Movimento dos Direitos Humanos Centro de Direitos Humanos e Cidadania – “Irmã Jandira Bettoni” 3.7 – Movimento Estudantil União Lageana de Estudantes Secundaristas – ULES. 3.8 – Projeto Vianei de Educação Popular 3.9 – Projeto Universidade na Roça. 3.10 – Preservação do Patrimônio Histórico Cultural de Lages

96 99 102 106 108 111 116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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REFERÊNCIAS

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“(...) estratégias claramente discursivas estão sendo empregadas aqui, caracterizadas por “falar sem rodeios” e numa linguagem que “todos compreendam”. Michael W. Apple (2003) “Estamos convencidos de que o diálogo com as massas populares é uma exigência radical de toda revolução autêntica. Ela é revolução por isto”. Paulo Freire (2005)

(...) Tá vendo aquele colégio moço? Eu também trabalhei lá Lá eu quase me arrebento Pus a massa fiz cimento Ajudei a rebocar Minha filha inocente Vem pra mim toda contente Pai vou me matricular Mas me diz um cidadão Criança de pé no chão Aqui não pode estudar Esta dor doeu mais forte Por que que eu deixei o norte Eu me pus a me dizer Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava Tinha direito a comer Música: Cidadão - Zé Geraldo (1979)

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa fazer um mapeamento dos Movimentos, Organizações Sociais e Educação Popular em Lages e região serrana catarinense, pós-ditadura militar. Há em Lages e região certa invisibilidade sobre as práticas e formas de resistência social. É comum ouvirmos que em nossa região não existem movimentos sociais, que há uma passividade frente a situações de precariedade da vida. Esse é um ponto crucial na história local. Será que não existem movimentos? Será que não existem espaços e formas de resistência dos grupos populares? Foi buscando desvelar essas formas de resistência dos grupos populares, em busca dos processos de organização social, no qual permeiam os processos educativos, que se procurou fazer um mapeamento dos movimentos sociais e outras ações coletivas que marcam e delineiam os espaços de resistência. Esse é o objetivo central desta pesquisa, buscando esse mapeamento no contrapelo da história, como salienta Walter Benjamim (1993) em seus estudos sobre a história. Na busca desse entendimento temos que percorrer os caminhos da história de nossa região. Sobre a história de Lages encontramos diversos estudos e nessa história já vamos em busca dos momentos e formas de resistência que se constituíram. Alguns momentos são bem visíveis. As primeiras décadas de formação de vila de Lages, no século XVIII, não foi um processo de ocupação calmo, havia resistência por parte dos grupos indígenas que aqui viviam. No final do século XIX e início do XX, intensificam-se as

16 disputas por terras e divisas entre Paraná e Santa Catarina, que culminaria com a guerra do Contestado 1912-1916, houve resistência por parte dos moradores com relação à ocupação de suas terras por empresas estrangeiras responsáveis pela construção da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande do Sul, que foram autorizadas pelos governos republicanos do início do século XX. Na década de 1950, encontramos registro da criação de alguns sindicatos, em 1958 especificamente foi criado o sindicato dos madeireiros, pois era a indústria que mais empregava no período. Na década de 1970 ocorreu a criação dos primeiros sindicatos rurais vinculados às lutas dos trabalhadores do campo, pois os existentes até então eram considerados “pelegos”, ou seja, sindicatos vinculados ao Estado e em consonância com os interesses do patronato, resquícios do período em que Getúlio Vargas, elaborou os direitos trabalhistas desde a década 1940. Com a administração do prefeito Dirceu Carneiro (MDB), 1976-1982, temos uma experiência significativa na cultura política local. É com o slogan Lages a Força do Povo, em plena ditadura militar, que provocou uma ruptura e o início de um novo momento para a participação do povo nas decisões administrativas e na busca de solução para necessidades primordiais da população, para uma melhor sobrevivência. Entretanto, finda a experiência no governo local, observa-se que muitos canais de participação popular criados nesse momento, passam por uma nova significação, agora mais voltados à práticas clientelistas. Na década de 1980, no Brasil, observamos a intensificação de ações e movimentos sociais que buscam a defesa dos grupos populares e contra o regime militar no Brasil. Aqui em Lages surgiram vários movimentos e organizações sociais que promoviam a educação popular, a construção da consciência de classe e consequentemente mais participação e tomada de decisões das esferas públicas, assim como a busca por políticas públicas que favoreçam as classes sociais marginalizadas pelo sistema capitalista de exploração de mão-de-obra e da desigualdade social em que vivem. Na compreensão desses movimentos sociais, utilizamos aqui, o conceito de classe social, vinculado à concepção de modo de produção capitalista, buscando um referencial de análise pautado no materialismo histórico e dialético.

17 Nesse sentido é que se delineia a opção de fazermos o mapeamento de movimentos sociais e outras formas de ações e organizações sociais, que coloquem como um de seus objetivos o questionamento da situação de classe social e, que em suas lutas questionam a hegemonia do sistema capitalista. A produção brasileira sobre movimentos sociais é ampla e abrange diversas concepções. Para Gohn (2004), uma das questões mais difíceis nos estudos sobre Movimentos Sociais é a própria definição do que seja o movimento social, segundo a autora, alguns fazem o uso do conceito para referir-se a todo tipo de movimento, entre eles, lutas, protestos, revoltas, movimentos de base, outros o consideram um conceito eminentemente teórico, outros ainda, nem concordam em falar sobre movimentos sociais, pois vinculam essas ações a um tempo anterior a institucionalização de práticas sociais de participação, principalmente na relação com o Estado. Assim como salienta a autora, “não há um conceito sobre movimento social, mas vários” (GOHN, 2004, p.13). De forma preliminar, seguimos aqui a definição de que movimento social é a união entre sujeitos conscientes de sua classe social e de seu papel na construção da igualdade de direitos e de cidadania, diante do mundo. Outro aspecto chave em nossos estudos é a concepção de educação. Partimos do princípio que educação é a ação consciente e transformadora da realidade. Essas reflexões fazem parte do capítulo intitulado Movimentos, Organizações Sociais e Educação Popular: uma educação para além da sala de aula. Apresentação de conceitos e categorias relativas aos movimentos e organizações sociais, bem como, suas atuações, suas lutas, conquistas e derrotas, com uma metodologia político-educacional popular voltada para uma educação para além da sala de aula. Em nosso mapeamento demonstrou-se fundamental um levantamento sobre a história local. Assim no Capítulo sobre a Contextualização de Lages e Região Serrana, trazemos elementos da história, de uma região marcada por uma cultura mandonista da relação entre patrão e empregado, onde se houve muito falar: “manda quem pode, obedece quem precisa”. Já no capitulo, Mapeamento dos Movimentos e Organizações Sociais: Tempos de Resistência em Lages e Região Serrana. Trazemos o resultado de nossa pesquisa, com o mapeamento dos movimentos sociais e outras ações

18 coletivas, importantes na definição e delineamento de ações de resistência e defesa dos grupos populares. Para esse mapeamento, usamos pesquisa bibliográfica, documental e entrevistas com lideranças dos movimentos, em busca da história e da forma de organização, bem como, dos objetivos de cada movimento, organizações e outras ações coletivas. Procurando desvelar a rede de ações realizada por intelectuais orgânicos, militantes e simpatizantes no processo de transformação da sociedade. Cada pesquisa é um processo de aprendizagem e de formação também do pesquisador. Como salientado nas palavras de Foucault. Cada vez que eu tentei fazer um trabalho teórico, foi a partir de elementos de minha própria experiência: sempre em relação com processos que eu vi desenrolar em torno de mim. É porque pensei reconhecer nas coisas que vi, nas instituições às quais estava ligado, nas minhas relações com os outros, fissuras, abalos surdos, disfunções que eu empreendia um trabalho, alguns fragmentos de autobiografia. Não sou um ativista recuado que hoje gostaria de retomar o serviço. Meu modo de trabalho não tem mudado muito, mas o que eu espero dele é que continue ainda a me mudar. (1994, s/p)

Assim a pesquisa mescla-se com as angústias do militante, ao desvelar da pesquisa o desvelar também das lutas e sonhos da militância política, nesse contexto retomarei um breve memorial, na busca desses fragmentos autobiográficos, o delinear das lutas e da crença que uma outra sociedade é possível. E muitas vezes, na busca de entendimento dos movimentos sociais a militância ainda fala mais alto, mas compreendo que o entendimento e análise da sociedade atual é um ponto crucial para as atividades e defesa da militância.

19 Memorial Descritivo

A busca por uma metodologia alternativa e inclusiva.

Sou o primeiro filho de uma família de três irmãos. Nasci no ano de 1975 em Lages e sempre me relacionei muito bem com minhas irmãs. Meu pai separou-se de minha mãe quando eu tinha 05 anos de idade, sei quem ele é e às vezes converso com ele, pois, meu pai muda muito de residência e de cidade por ser vendedor autônomo. Minha mãe trabalha como auxiliar de enfermagem no Hospital Infantil Seara do Bem, aqui no município de Lages. Trabalho desde os 09 anos de idade, comecei como vendedor de doces com um vizinho, que saía pela cidade de bar em bar, e em armazéns e padarias. Estudava de manhã e trabalhava à tarde e sempre estudei em escola pública, tanto o ensino fundamental, quanto o ensino médio, o científico como era chamado. Com 11 anos comecei a jogar basquete na CME (Conselho Municipal de Esportes), órgão da prefeitura de Lages. Aos 14 anos fui jogar vôlei também pela prefeitura, na FME (Fundação Municipal de Esportes). Com 18 anos alistei-me na Força Aérea Brasileira (FAB) e fui morar em Florianópolis. Fiquei 03 anos como soldado. Neste período fiz três provas, duas para oficial e uma para sargento. Mas, mesmo tendo aulas particulares com os oficiais, matemática e física nunca foram o meu “forte”. Prestei também vestibular na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, primeiro Psicologia, infelizmente não obtive êxito. Antes de sair da aeronáutica, prestei vestibular para Psicologia, na Unisul, passei, porém não tinha como pagar as mensalidades, meu soldo era insuficiente para custear as despesas. Cheguei até a falar com o reitor solicitando uma bolsa de estudos, mas ele disse que eu deveria me matricular, pagar a primeira mensalidade e só depois fazer uma solicitação de bolsa, porém ele me alertou que as bolsas estavam sendo pagas pelo Estado com atraso de até um semestre inteiro. Então resolvi não cursar a faculdade. Neste período já morava em “república” de estudantes. Após sair da aeronáutica, em 1997, fui trabalhar como vendedor de purificador de água, onde permaneci por 06 meses apenas. Comecei então a

20 trabalhar como garçon no período da noite numa lanchonete próxima à cabeçeira da Ponte Hercílio Luz, em Florianópolis. Fiquei por 02 anos, e não me contentava em fazer apenas o serviço de atendimento aos clientes, mas conversar, trocar idéias com “os filósofos da madrugada”. Apesar disto a monotonia era muito grande. Nesse período que trabalhei na lanchonete, como chegava em casa de madrugada e o sono demorava para vir, retomava as leituras até que o sono viesse, principalmente a Bíblia. Quando estudava no primeiro grau lembro-me de ter um minidicionário em que ficava lendo as palavras até cansar, tinha livros de Física e gostava muito da parte teórica, dos cálculos não. Biologia era um assunto que também me interessava, assim como leituras sobre Psicologia, como encarar os medos, traumas e conhecer melhor outras pessoas, eram os assuntos que me interessavam. Foi então que decidi sair da lanchonete, consegui outro emprego e fui cursar Teologia no Instituto Teológico Batista no ano 2000, que em princípio era no bairro Bela Vista, na cidade de São José, SC. No curso conheci um professor chileno que falava um “portunhol” engraçado e interessante ao mesmo tempo, lecionava Didática, e nas suas falas ele sempre mencionava o nome de Paulo Freire e sua importância para a Educação. Dizia o professor que “educação1 era conduzir para fora”, assim como Freire fazia com os “candangos”2 nordestinos, trabalhadores braçais de Brasília, no Distrito Federal. Lembro-me que a palavra dita pelo professor foi tijolo, e esta palavra, segundo ele, foi usada por Paulo Freire para ensinar os operários da construção civil em Brasília, a aprenderem a ler o mundo, mais do que frases e textos. Não apenas como forma de alfabetização “bancária”, mas também como conscientização política e inserção do operariado como agente transformador. (FREIRE, 1987).

1

EDUCAÇÃO - 'educar' vem do latim "educare”, por sua vez ligado a "educere", verbo composto do prefixo "ex" (fora) + "ducere" (conduzir, levar), e significa literalmente 'conduzir para fora', ou seja, preparar o indivíduo para o mundo. Disponível em: http://www.estacio.br/rededeletras/numero19/minha_patria/texto2.asp Acesso em: 11 mar. 2007. 2 Candango é o termo dado a quem vive em Brasília, mas não nasceu na cidade. Atualmente também tem sido utilizado por alguns brasilienses para se identificarem. De origem africana, Candango significa "ordinário", "ruim", e era a denominação que se dava aos trabalhadores que participaram da construção de Brasília. Dispnível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bras%C3%ADlia. Acesso em 11 mar 2007.

21 Isso foi de fundamental importância, pois percebi que não só o professor tem o conhecimento, assim como o aluno tem o seu próprio conhecimento, que deve ser respeitado. Então comecei a relacionar conhecimento acadêmico (teórico) com conhecimento do senso comum (prático). Nos aprofundamos também em Filosofia, como por exemplo Platão, São Tomaz de Aquino, Santo Agostinho, entre outros. Neste período, de um ano e meio em que cursei Teologia, participei do grupo do sopão. Saía com o grupo de jovens nas sextas-feiras e sábados à noite para praças, ruas e casebres, atrás da passarela „Nego Querido‟, em Florianópolis, entregar o alimento e conversar com mendigos, prostitutas, drogados e moradores de rua, conversavamos sobre os perigos das doenças, da morte e sobre evangelização. Não tinha uma orientação especializada no assunto, mas fazia a minha parte, e ia em bairros brincar com crianças carentes (vestir-me de palhaço, brincadeiras de roda, da cadeira e seguia uma cartilha que falava de bons hábitos como escovar os dentes, comer frutas, não comer muitos doces, etc. Nestes diálogos ouvia suas reclamações, dificuldades e alegrias. Não conseguia entender como aquelas pessoas permaneciam vivendo daquela forma com baixa-autoestima, sem perspectivas para o futuro, mesmo depois de conversar umas quatro ou cinco vezes, até mais. E elas até diziam que iriam mudar suas vidas, procurar melhorar, ter mais vontade e lutar por uma vida melhor. Muitas foram retiradas das ruas (por seu consentimento) e levadas para a assistência social da igreja, no entanto um tempo depois lá estavam elas novamente nas ruas. O que deixei de falar? O que falei não foi o suficiente para educá-las e conscientizá-las? Ou seria, o que realmente eles queriam para as suas vidas? Meu conhecimento formado e consolidado não foi suficiente para dialogar com estas pessoas? O que faltou para construir e produzir um diálogo mais eficiente? Ou eu não tenho o direito de influenciá-las? Pois parece que elas gostavam de ser assim. Nossas teorias de sala de aula conflitando com a realidade vivida por aquelas pessoas estava evidente. Mas uma das coisas que hoje percebo é que faltava realmente a possibilidade de estimulá-las através da construção/produção, agia muito na compaixão, com pouca racionalidade para a situação vivida.

22 Nesse período, os estudos de

Karl Marx fazem parte de minhas

preocupações, conheci através de um professor e pastor do curso de Teologia Marcelo Sanches, que veio do ABCD ( Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Diadema), paulista de tranferência para Florianópolis. Trouxe uma nova ótica da filosofia: a práxis – a prática e sua articulação com a teoria. Uma teoria praticável segundo o professor. Falou também sobre outros pensadores como Émile Dürkheim, Florestan

Fernandes,

Jean-Jacques

Rousseau,

entre

outros

e

suas

contribuições à sociologia e à educação e o principal teólogo brasileiro Leonardo Boff da Teologia da Libertação3. Li seu livro A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana (1999), muito importante para a minha formação de vida. A partir deste período, a criticidade tomou conta de mim, e a própria igreja com sua doutrina, assim como Jesus Cristo, eu os via com racionalide e não mais com a emoção de dantes. Estimulado pelo próprio professor Marcelo, saí do curso de Teologia e fui em busca de uma outra faculdade. Em 2001, fiz o vestibular na UFSC para Sociologia. Já estava trabalhando em um supermercado, estudava de madrugada e pensava que com esta faculdade poderia resolver os problemas de muitas pessoas, como a pobreza, o engano e a ilusão, que políticos, padres e pastores, empresários cometem contra a população, queria me especializar em sociologia política. Não passei no vestibular e resolvi voltar para Lages. Saí do emprego e voltei a morar com minha mãe.

3

A Teologia da Libertação é uma escola importante na Teologia da Igreja Católica, desenvolvida depois do Concílio Vaticano II. Ela dá grande ênfase à situação social humana. O teólogo peruano Gustavo Gutierrez é um dos mais influentes proponentes desse movimento. Também o teólogo americano Cornell West e o brasileiro Leonardo Boff se destacam. O movimento foi forte durante as décadas de 60 e 70, quando se espalhou de forma especial na América Latina e entre os Jesuítas, sendo uma das orientações para o movimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Integrantes do movimento afirmam que este sempre “foi baseado em ideais de amor e libertação de todas as formas de opressão (especialmente opressão econômica)”. Também afirmam que ele “teria uma forte base nas escrituras sacras”. Por outro lado, alguns aspectos da Teologia da Libertação têm sido fortemente criticados pela Santa Sé e por várias igrejas protestantes (embora a Igreja Luterana a tenha adotado), principalmente pelo que consideram um excesso de politização e pela aproximação entre a Teologia da Libertação e o Marxismo, embora os próprios teólogos da libertação considerem que Marx pode sim "ser um companheiro de caminhada", mas nunca o guia, pois só um é o guia: Jesus Cristo. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_da_Liberta%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 11 mar. 2007.

23 O retorno para Lages e o início da faculdade

Comprometido em alcançar o objetivo de cursar uma faculdade, em 2002 fiz a inscrição do vestibular na Facvest, escolhi o curso de História e comecei a cursar em agosto do mesmo ano. Fiquei maravilhado com o conteúdo, os professores e tudo o que este curso poderia me proporcionar no futuro. Educação começou a se tornar muito evidente e importante, tive novamente contato com Paulo Freire, Piaget, Vygotsky, Wallon e suas teorias. Lembro-me muito bem de uma palestra ministrada por Moacir Gadotti, quando ele falou pouco, mas disse muito, sobre a importância da educação (fazer com amor, dedicação e vontade) e do meio ambiente (preservação,conservação, manutenção). No segundo semestre fui chamado para lecionar numa escola em Bocaina do Sul, escola Campos Sales, com as turmas do ensino médio nas disciplinas de História, Filosofia e Sociologia. Uma nova pergunta surgiu, como ensinar filosofia a quem trabalha na roça? Ou que importância tem Nietzsche para quem vive na labuta do campo? Me parecia que a História por si só não se basta. Era preciso ouvir de outros colegas e de outros cursos como tornar estes assuntos importantes, úteis e que proporcionassem transformação, fortalecendo a cidadania e a busca por políticas públicas favoráveis aos excluídos e marginalizados da sociedade, da cidade e do campo. Após um ano na escola Campos Sales, tive que mudar de emprego fui trabalhar numa concessionária de automóveis, fiquei por 02 anos, dois longos anos. Uma inquietação se abateu sobre mim, por ficar ali trabalhando, trancado no setor (seção de peças) e repetir os mesmos gestos era algo sufocante e deprimente, comecei a me sentir inútil. Conhecimento e acúmulo de informação adquirida durante a faculdade de História e pouca prática de ensino. Na concessionária, tinha alguns momentos livres, assim como nos finais de semana em casa, quando buscava informações na internet, leituras, sobre vários assuntos, mas principalmente sobre História, tendo minha biblioteca particular organizada desde que comecei a fazer Teologia no município de São José – (SC). Neste período também ocorreram encontros de acadêmicos onde tive a oportunidade de apresentar o meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) no

24 final do curso de História, sobre a Formação da Periferia em Lages, bem como organizar, divulgar e conduzir um dos encontros. Em 2004 me casei e no ano de 2006 em maio nossa filha nasceu. Atualmente estou lecionando na rede municipal de educação do 6° ao 9° ano (de 5ª a 8ª série) do ensino fundamental, a disciplina de História. Trabalho também com o Projovem, um programa do governo federal para jovens entre 18 e 29 anos que não terminaram o ensino fundamental. Tem sido uma experiência muito gratificante e desafiadora. Como ensinar ou como “conduzir para fora” o indivíduo e prepará-lo para o mundo, crianças e jovens carentes, sem muita projeção de futuro, alienadas pelo sistema capitalista de consumo. E, ao mesmo tempo, respeitando seu direito de não querer saber, pois, muitos deles vão a escola por obrigação e não por opção ou por um prato de comida, alguns fazem parte do tráfico de drogas. São situações delicadas e exigem do profissional em educação muita paciência, experiência, conhecimento, dedicação e vontade para superar os desafios do cotidiano. O mestrado, mais um desafio – entre a militância e a pesquisa

Participo desde novembro de 2005 de uma organização sem fins lucrativos UJS (União da Juventude Socialista) onde ocupo a função de coordenador da juventude e formação política. Sempre estou em contato com grupos dos movimentos sociais trabalhista, movimento comunitário, movimento de mulheres e movimento ambientalista, buscando participar e interagir com os movimentos populares, (LOUREIRO, 2006). Já participei de cursos de formação em âmbito nacional na cidade de São Paulo, estadual em Florianópolis e municipal aqui na cidade de Lages.Tenho até os dias de hoje procurado aplicar o método de construção não de reprodução (FREIRE, 2007, FONSECA, 2006), que era aplicado nos currículos escolares até a década de 1980, durante o período militar. Como acontece na prática? Com o tema definido buscamos nos alunos interrogandoos sobre o assunto. Pois eles são dotados de conhecimento seja via internet, livros, televisão ou leituras, até mesmo jogos, cada um contribui com aquilo que sabe. Ao final sistematizamos os exemplos que foram dados e a partir daí

25 construímos algo novo, permitindo um diálogo entre os diferentes atores, uma vez que as respostas partem primeiro do próprio aluno, da sua experiência de vida e o rumo tomado por nosso diálogo não fica apenas restrito ao fato em si, como objetivo de passar no vestibular (FREIRE, 2005), que é o que está acontecendo com a educação dos dias atuais, não é uma educação para a vida e sim a busca pela preparação para um vestibular. Buscando não ser a palavra final sobre o assunto proposto, incentivando a leitura e a pesquisa. A expectativa com

o mestrado é que esse possa auxiliar no

aperfeiçoamento de ser um educador, assim como críticas para aperfeiçoá-lo e também apreender outras formas de ensinar e conhecer. Investir em educação e formação continuada dos professores, será um importante passo rumo à alfabetização

de

qualidade

e

o

desenvolvimento

da

educação

e

consequentemente da nação brasileira. Crianças, jovens e adultos mais críticos, assim como distribuição mais igualitária do saber, proporcionando autonomia ao indivíduo, consciência política e um olhar crítico do mundo que o cerca. O ano de 2007 chegou, em abril desse mesmo ano, o mestrado começou e muitas coisas se passavam pela minha cabeça. Modernidade, pósmodernidade, História da educação, Conhecimentos e Saberes... muitas teorias novas, que ainda não tinha conhecimento delas. Bem, as provocações foram ampliando-se e a prática buscava uma alteração cotidiana. Debates e mais debates sucederam-se durante este primeiro ano de mestrado, e junto a isso somam-se os conflitos entre professores e alunos, quanto, professores e professores, direção e consigo mesmo. Mas o objetivo do mestrado estava sendo alcançado, estava sendo retirado “da zona de conforto”. Superando um estágio após outro na vida, academia e profissionalmente. No final do ano de 2007, no mês de dezembro, fiz um artigo intitulado: Políticas Públicas e Educação na Serra Catarinense: Democratização, Cidadania, Participação Popular e Inclusão nas Políticas Públicas, que foi encaminhado para a Anped Sul que se realizaria no município de Itajai, no mês de junho de 2008, começavam aí minhas escritas sobre movimentos sociais e educação.

26 Paralelamente a este evento encaminhei também um artigo para a Conferência Internacional sobre Educação, Globalização e Cidadania na cidade de João Pessoa na Paraíba, nordeste do Brasil, com o seguinte título: “Movimentos Sociais e a Educação através da Práxis. A Educação vai além da sala de aula”, que foi aceito e através de uma busca incessante consegui verbas com a Secretaria de Educação do Município de Lages, provindas do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental - Fundef. Foram três dias de ida, três dias de volta de ônibus e quatro dias de permanência na cidade de João Pessoa. Fiquei alojado na UFPB (Universidade Federal da Paraíba), com mais dezesseis pessoas da cidade de Recife em Pernambuco. Fiz a minha fala no GT (Grupo de Trabalho) de número dez, expondo o artigo na sexta-feira à tarde e pude também acompanhar várias mesas temáticas, conferências e comunicações de outros GT‟s. Pessoas de diversas partes do mundo estavam presentes, EUA, França, México, Espanha, Portugal e também do Brasil. Uma experiência muito rica e que dificilmente esquecerei. Experiência riquíssima e encantadora, foram dez dias de muitas informações, muitos “deslocamentos da zona de conforto” e uma história para contar para os netos. Presenciar lugares e situações que normalmente se vê pela televisão ou em livros, tive a oportunidade de presenciá-las, tocá-las, cheirá-las, confrontá-las, mudar conceitos e refletir sobre quase tudo que vemos e ouvimos. Em setembro de 2008 encaminhei um artigo sobre experiências vividas ao VI Encontro Internacional do Fórum Paulo Freire – Globalização, Educação e Movimentos Sociais: 40 Anos da Pedagogia do Oprimido – São Paulo [Brasil], compartilhar experiências nos círculos de cultura de educação popular. Algo fascinante e realizador perceber que em outras cidades, estados da federação estão sendo desenvolvidos e executados trabalhos na esfera popular. Fazendo acreditar que o sonho de um mundo mais humano é possível e sonhar com outros camaradas e companheiros é acreditar que o sonho um dia possa se tornar realidade. Uma experiência muito importante para um educador. Fiz contatos com os educadores da educação popular durante o evento e convideio-os para realizarem um curso de formação de educadores populares na Uniplac – Universidade do Planalto Catarinense. Eles aceitaram e

27 realizaram o evento que aconteceu nos dias 6 – 9/11/08. Ajudei a organizar o evento em conjunto com os alunos do mestrado em educação, que foi de suma importância para dar visibilidade e credibilidade a educação popular no município de Lages. Já que seu início foi no período da administração de Dirceu Carneiro como prefeito de Lages. Continuamos buscando aprofundar-nos em estudos dos movimentos e organizações sociais como sujeitos de pesquisa, porque acreditamos numa educação para além da sala de aula.

28

CAPÍTULO 1

MOVIMENTOS, ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DA SALA DE AULA.

Século XXI, para muitos esse século representaria o ápice do desenvolvimento humano e social. Porém, a realidade, com a intensificação das desigualdades, da pobreza e do esgotamento ambiental, delineia um outro cenário. Observamos que muitas promessas da modernidade não se concretizaram. Entre essas promessas a crença no sistema educativo e no trabalho como fonte de dignidade e riqueza era uma constante (MÉSZÁROS, 2008). Algumas frases que são muito comuns no cotidiano expressam bem esses dilemas: “o trabalho enobrece o homem”, ou.... “Quer ficar rico, tem que estudar e trabalhar”. Mas também ouvimos “Quem muito trabalha, não tem tempo para enriquecer”. A poesia e a músicas brasileira, também mencionam a desigualdade ainda existente na sociedade, como nesse poema de Manoel Bandeira: Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava:

29 Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. 4 O bicho, meu Deus, era um homem.

Para Apple (2003) e Chomsky (2006), em seus estudos sobre a sociedade estadunidense, principalmente, demonstram como o sistema econômico, no qual os neoliberais e sua forma de governar propõem como principais metas os negócios, o poder do mercado, do capital financeiro, acima da natureza e da vida humana. Onde a exclusão é uma constante. O sistema neoliberal prepara para o mundo do mercado de trabalho sim, porém, não oferece condições para que a maioria possa concorrer de forma semelhante. Mesmo considerando que no Brasil não podemos fazer uma simples alusão ao neoliberalismo, mas partindo do pressuposto que vive-se numa sociedade de organização capitalista, observa-se a desvalorização do ser que constrói e edifica um país, o qual é deixado para trás, no esquecimento. O trecho desta música de Zé Geraldo demonstra um pouco da incoerência do modelo social em que vivemos: Tá vendo aquele colégio moço? Eu também trabalhei lá Lá eu quase me arrebento Pus a massa fiz cimento Ajudei a rebocar Minha filha inocente Vem pra mim toda contente Pai vou me matricular Mas me diz um cidadão Criança de pé no chão Aqui não pode estudar Esta dor doeu mais forte Por que que eu deixei o norte Eu me pus a me dizer Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava 5 Tinha direito a comer

Segundo Chomsky (2006, p.8), o neoliberalismo propiciou: “um enorme crescimento da desigualdade econômica e social, um aumento marcante da pobreza absoluta entre os povos mais atrasados do mundo (...) e uma bonança

4 5

Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/038/38cult_poesia.htm Acesso em: 16/07/08. Fonte: http://ze-geraldo.musicas.mus.br/letras/68686/ Acesso em: 16/07/08.

30 sem precedente para os ricos”. A velocidade com que as coisas se movimentam e modificam na sociedade moderna, como diz Giddens (1991, p.26) faz com que as pessoas alterem a noção de tempo e espaço fator que contribui para o alargamento da exclusão social e seu controle. O ritmo das indústrias contribuem para a estruturação do cotidiano das pessoas, horários fixos para entrar e sair, dias de trabalho e de folga. Incluemse também os horários extras de expediente. Tornando o trabalhador alienado, passivo e submisso ao modo capitalista de produção. O pilar da regulação foi superado pelo pilar da emancipação na modernidade como bem colocou Santos (1998), permitindo assim a prevalência das ciências tecnológicas sobre os problemas advindos com a modernidade pós Revolução Industrial, a modernidade não conseguiu resolver os problemas das contradições complexas e contraditórias que ela mesma criou evidenciando ainda mais a concentração e a exclusão. A modernização científica e tecnológica, junto com as possibilidades e melhorias das condições de vida, traz também um aspecto preocupante, qual seja, da concentração de riquezas, do aumento das injustiças sociais. Por sua vez, a produção excessiva para consumo leva a destruição do solo, da qualidade de vida das pessoas, afeta o comportamento do planeta, que reage com alterações climáticas drásticas e aparentemente irreversíveis. Nesses contextos estudar os espaços de resistências, as formas de mobilização e organização social contribui para o resgate de práticas e de possibilidades alternativas de desenvolvimento social, contribuindo para desvelar uma aparente apatia de um „fim da história‟, demonstrando que a hegemonia dos grupos dominantes não é um processo totalitário. Assim o mapeamento, através de inventário dos movimentos sociais e organizações populares traz para o centro de discussão a importância dos movimentos sociais, as estratégias de luta e de organização na defesa dos grupos populares e de suas interfaces com a educação. Aqui compreendendo educação como um processo que não se restringe as práticas escolares, mas que perpassa toda a sociedade.

31 1.1 – Movimentos e Organizações Sociais:

Conceituar movimentos sociais é uma difícil tarefa, porque o olhar sobre os fatos e acontecimentos dos períodos passados e presentes, assim como suas interpretações causam uma complexidade de respostas. Uma de nossas primeiras dúvidas é o que podemos considerar como movimentos sociais? Toda ação coletiva pode ser considerada um movimento social? E as organizações, como as ongs, são também movimentos sociais? Existem diversos estudos sobre movimentos sociais, sua história e características, nesse capítulo iremos retomar somente alguns estudos e diretrizes que nos permitam

delinear nosso campo de estudo, considerando-se que a América

Latina apresenta peculiariedades, ao qual os conceitos pensados a partir de sociedades europeias nem sempre conseguem apreender. Uma definição preliminar, nos remete a “modo peculiar de ação social... fundadas num conjunto de valores comuns, destinadas a definir as formas de ação social e a influir nos seus resultados”(PASQUINO, 1992, p. 787). Ainda nesse caminho de definições observa-se a vinculação dos movimentos sociais à esfera de atuação da sociedade civil, do qual os movimentos sociais fazem parte e “são a expressão da vitalidade da sociedade civil” (MUNARIM, 2000, p. 59). Os movimentos sociais predominantes na América Latina são os de caráter popular e segundo Gohn (2004) tem como principais categorias de análise e conceituação através de sua origem por: 

Exclusão social – exército de reserva ou à marginalidade estrutural, predominante nos movimentos populares dos anos 90.



Resistência – formas de resistência construídas pelos excluídos.



Participação – como forma de democratizar o estado e seus aparelhos com participação da sociedade civil.



Experiência – geradora da consciência e da organização dos sujeitos na história, do fazer político dos indivíduos.



Direitos – sempre esteve associada as questões de cidadania.

32 

Cidadania – preocupada com os processos de mudança social e/ou transformação social e a situação dos excluídos.



Identidade coletiva – articulados pela matriz discursiva da teologia da libertação.

Para Scherer-Warren, (1984, p. 20) os Movimentos Sociais, podem ser considerados como uma ação grupal transformadora (a práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (a ideologia) e sob uma organização diretiva mais ou menos definida (a organização e sua direção)”. A partir da década de 70 vivemos um outro período de análise dos movimentos sociais, decorrentes da diversificação dos próprios movimentos (SCHERER-WARREN, 1996), Como salienta a autora, são os

Novos

Movimentos Sociais (NMS), que diferenciam-se dos movimentos populares tradicionais ocorridos nos períodos colonial, monarquia e república no Brasil. Ainda em Scherer-Warren (1984, p.13) os movimentos sociais têm como componentes:

a práxis, que é a sua ação para transformação; o projeto, sua proposta de transformação; a ideologia, princípios que orientam esta proposta; e a direção ou organização, os condutores do movimento.

Conforme essa autora podemos encontrar os grassroots que são os movimentos de base, das comunidades locais, “nos anos 80, os cientistas buscaram na cultura autenticidade e comunitarismo. A religião e o lazer dos pobres passam a ser vistos como lutas tácitas contra as injustiças das oligarquias tradicionais e do capitalismo moderno.” (SCHERER-WARREN, 1996, p.17) Já na década de 90, as análises demonstram a formação das networks que são as redes de movimento globalizados, interligadas, articuladas, em festivais, encontros nacionais e internacionais, fóruns, “(...) para os anos 90 devem considerar o papel das tecnologias de informação e os meios de comunicação de massa nas formas de organização da sociedade civil, mesmo

33 porque este campo teve um desenvolvimento notável nos últimos anos.” (SCHERER-WARREN,1996, p.25). Para Gohn (2004, p.247) “uma associação de moradores, se institucionalizada, é uma organização social. Mas faz parte de um movimento social mais amplo que é o movimento comunitário de bairros”. Assim não é porque já está organizada em forma de associação que ela perde as articulações com os movimentos sociais. Um sindicato, uma associação de moradores, de pintores, de músicos, de artistas, de mulheres agricultoras. Fazem parte de um movimento social mais amplo. Já Vianna (2008, p. 253), em seus estudos sobre movimentos sociais, propõe “como um grupo, mais ou menos amplo, que se organiza para reivindicar a efetivação de seus interesses”. Uma classificação de movimentos sociais e ação coletiva, considerando-se a sua origem, onde se destaca:  Explosões de violência; “ camponeses, operários, escravos, índios, bandoleiros sociais”. (apud VIANNA, 2008, p. 254).  movimentos permanentes; “considero aqui o movimento operário, movimentos organizados (sindical, anarquistas) do campo (As Ligas Camponesas, MST,) e o movimento estudantil.” (VIANNA, 2008, p.258)  os chamados novos movimentos sociais; “movimentos bastante restritos – ligados a gênero, etnias, minorias, ecologia.” (VIANNA, 2008, p.269). São teorias e explicações que contribuem para analisar os movimentos sociais, suas origens, suas intenções e ações, estratégias e táticas adotadas na luta por igualdade e justiça social, dignidade do ser humano. Temos que salientar que não existam consensos, ou uma forma única de conceituar os movimentos sociais.

Para nós, ao trabalharmos com movimentos sociais

destacamos as formas de organização e mobilização entre sujeitos conscientes de sua classe social e de seu papel na construção da igualdade de direitos e de cidadania, diante do mundo. Há nos processos de organização e estruturação dos movimentos sociais um processo educativo, um processo de aprendizagem e construção

34 coletiva de conhecimento, de saberes e de práticas. Há um processo de educação interno, inerente à própria organização, mas há também, em seus projetos uma bandeira de luta que nos remete aos processos educativos mais amplos, a defesa da educação como um direito social, base da constituição de uma sociedade democrática. Os movimentos sociais também estão cientes de que a educação tem sido refém do mercado de produção e consumo na modernidade. Isto tem influenciado o cotidiano escolar, atualmente as escolas e universidades estão em crise pelo excesso de desemprego, no qual a garantia de educação não é mais garantia de emprego. Então qual o novo papel da educação perante a sociedade? Qual a nova ordem que está se estabelecendo para inventar uma nova educação do século XXI? Os movimentos sociais são atores sociais importantes para as mudanças da e na educação, delineando-se através dos movimentos sociais e organizações populares as principais bandeiras de lutas, pela defesa da democracia, da cidadania e justiça social. Num cenário marcado pela exploração do sistema capitalista, temos uma educação voltada ao consumo, à competitividade, ao individualismo. Muitas políticas públicas são criadas para adequar-se às normas do mercado, do FMI, Banco Mundial, OMC, entre outros organismos, que manipulam tanto a economia, como os sistemas educacionais visando instrumentá-los e preparálos para o mercado de trabalho em detrimento da legitimidade de ação e soberania da governabilidade de outras nações. Nesse contexto, Moraes pergunta: Poderão os novos movimentos sociais superar as limitações nacionais e impor valores civilizatórios a organizações internacionais ou multilaterais e os agentes do capital financeiro? Disso pode depender não apenas uma nova ordem mundial, mas a própria sobrevivência da espécie humana. (MORAES, 2002, p.26).

Para Touraine: “Os movimentos sociais são agentes históricos que expressam, em cada momento, as formas históricas de opressão, de miséria, de injustiça, de desigualdade, etc., mas expressam também muito mais do que isso, pois expressam o devir, através de sua crítica, de suas formas de contestação, de suas lutas na busca de novas alternativas, para o comando de uma nova historicidade”. (apud SCHERERWARREN, 1984, p.94).

35 Nessa perspectiva, os movimentos sociais podem se constituir em projetos de globalização alternativa, em oposição à globalização neoliberal, como bem qualifica Santos (2005, p.14), que destaca o Fórum Social Mundial, como um desses exemplos de movimentos e organizações, que teve sua primeira realização em 2001, Porto Alegre/RS – Brasil, e já aconteceu sua VII edição em Nairóbi no Quênia- África6. As alternativas visam alcançar uma democracia mais participativa, defender a biodiversidade, a formação de uma rede internacional operária, (atividade esta que já teve sua importância no século XIX com a Associação Internacional dos Trabalhadores – AIT), a divulgação da diversidade dos saberes e conhecimentos, o multiculturalismo existente no mundo. Além do fórum mundial podemos destacar também o encontro da AIT. A América Latina sediou pela primeira vez um encontro da AIT, foi no Brasil realizado em dezembro de 20087. Algo importantíssimo para o desenvolvimento da consciência política dos trabalhadores latino-americanos, luta pela conquista dos seus direitos e a luta por mais dignidade e respeito perante as desigualdades da sociedade capitalista. Para Santos (2005), uma democracia participativa possibilitará novos rumos à economia, à cultura, ao social e também evidentemente ao político. Os movimentos sociais estão se tornando cada vez mais influentes na sociedade, participando mais ativamente no cenário político, como destaca Moraes “os movimentos populares precisam continuar lutando em espaços nacionais – não podem sucumbir à tentação de abandoná-los ao capital” (MORAES, 2002, p.28). Entretanto a divulgação desses movimentos é muito restrita. A mídia nacional e internacional está sob o controle de elites econômicas que manipulam as informações de acordo com os seus interesses, para (CHOMSKY, 2006, p.60) “a manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões organizadas das massas é um importante componente da sociedade democrática”, como concebida pela sociedade capitalista. A elite capitalista detentora dos meios de produção e informação alienam as massas sob o efeito da propaganda e a manipulação da opinião pública. A tv, o rádio, a internet, os jornais impressos e televisivos têm amplo alcance, fácil acesso e uma 6 7

Fonte: http://www.forumsocialmundial.org.br/index.php?cd_language=1 acesso em: 16/08/07. Fonte: http://www.iwa-ait.org/spanishindex.html acesso em: 16/08/07.

36 linguagem fácil de ser entendida, porém, as entrelinhas ficam evidentes. Entretanto, poucos são os que percebem as segundas intenções, permitindo assim consentir com a opinião das classes dominantes o que para Chomsky (2006) é o “consentimento sem consentimento” é disciplinar a opinião pública. Para minimizar o consentimento, há movimentos sociais e organizações sociais espalhados pelo mundo afora. A revolução informacional a qual Jean Lojkine (2002) enunciou em sua obra, está ocorrendo nos círculos das disputas sócio-políticas das novas tecnologias. As tecnologias do capitalismo estão também sendo utilizadas pelos movimentos sociais, proporcionando assim ampliar e divulgar suas ações em tempo real. A questão e desafio para os movimentos sociais e a sociedade é a constituição de networks, como se refere Scherer-Warren (1996), formando amplos espaços de resistência e construção de modelos alternativos. Nesse sentido, Moraes também destaca que “Os movimentos sociais que se opõem a globalização do capital (e da pobreza) precisam também expandir suas fronteiras – e agora talvez mais do que nunca” (MORAES, 2002, p.28).

1.2 – Educação Popular

Tomar como ponto de partida os movimentos e organizações sociais implica também considerá-los como espaços de educação. Há diversos estudos que demonstram as interfaces dos movimentos sociais com a educação, entre eles, destaca-se a ênfase na educação popular. A educação popular, cujos princípios permeiam as lutas e organizações sociais têm como um dos grandes pensadores Paulo Freire. Para Paulo Freire a educação popular é o olhar da educação a partir dos excluídos, daqueles que não têm ou não tiveram a oportunidade de desvelar as tramas que os sistemas políticos, econômicos e sociais, conduzem à sociedade. Sistemas estes que estabelecem padrões e normas que na prática não condizem com a realidade de vida da maioria da população. As superestruturas políticas-juridicas-administrativas e militares (MIR, 2004) estão

37 sob controle coercitivo da elite dominante. A educação popular tem como objetivo ir além das aparências que as elites constroem. Proporcionar uma educação voltada à criticidade, e uma ação transformadora do mundo é um dos grandes objetivos da educação popular. Paulo Freire em sua trajetória como educador popular buscou além da alfabetização e letramento de jovens e adultos, a elevar seu entendimento de como os modelos governamentais são criados, os seus responsáveis e o papel de cada sujeito perante a sociedade na construção da mesma. Freire foi perseguido e acusado de comunista pelos governos da ditadura militar. Foi exilado e suas obras foram proibidas, por conter um teor de incitamento ao levante popular. A história da educação popular no Brasil tem seus princípios de acordo com Vianna (2008) e Brandão (1984) da seguinte maneira. Para Vianna a preocupação com a educação popular tem sido encontrada nas ações dos movimentos

permanentes

como

o

movimento

operário,

movimentos

organizados do campo e o movimento estudantil. O programa sobre educação do movimento operário data de 1890, visando à melhoria das condições de estudo dos filhos dos operários. A preocupação deste período está em: “apresentar leis imprescindíveis urgentes para melhorar a educação dos filhos dos operários” (VIANNA, 2008, p. 259). As ligas camponesas na década de 1950 também contribuíram para fortalecer a educação popular, pois estavam preocupados com uma educação que provocasse transformações sociais. E a educação é uma das formas de transformar a sociedade. Neste caso uma educação que valorize a vida do agricultor e sua importância como sujeito ativo na construção e transformação do mundo. Os movimentos estudantis no início da década de 1960, inspirados por Paulo Freire criaram os Centros Populares de Cultura – CPC da União Nacional dos Estudantes – UNE. “A palavra de ordem era a de levar a cultura ao povo – educar e aprender com os movimentos populares” (VIANNA, 2008, p.261). Brandão traz à memória a atuação do educador popular Paulo Freire, que na década de 1960 cria um método de ensino embasado nas lutas populares dos movimentos sociais do nordeste. “A produção do método Paulo Freire dentro do Serviço de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco”. (BRANDÃO, 1984, p.12). Teve também o auxilio do movimento

38 estudantil, da universidade, do Estado (através do Ministério da Educação e Cultura) e por parte da igreja católica adepta à Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base, que criaram um Movimento de Educação de Base, difundidos através dos movimentos de cultura popular – MCPs e dos centros populares de cultura – CPCs. Durante o período do regime militar no Brasil, Paulo Freire foi exilado e vai inicialmente para o Chile, onde escreve Pedagogia do Oprimido, um de seus livros mais impactantes, revelando a situação dos oprimidos diante da opressão na sociedade causada pelos dominadores. Quinze anos de exílio e Paulo Freire volta ao Brasil para dar continuidade ao que havia começado nos anos de 1960. Em Lages, o governo de Dirceu Carneiro (1976-1982) e sua equipe buscaram utilizar o método na educação municipal, o que revelou também a resistência e a contestação da elite local. Para se ter uma idéia da aversão ao método, assim que o prefeito eleito em 1983 assume, na secretaria de educação do município são queimados todos os documentos que faziam referência a esta forma de educação popular (depoimento colhido nas entrevistas). Como dizia Paulo Freire: “educação é um ato político” e política se faz no dia-a-dia das pessoas. Para Paulo Freire, “Educação Popular é a participação crítica consciente e democrática dos educandos no ato de conhecimento de que são também sujeitos. É a participação crítica e criadora do povo no processo de reinvenção de sua sociedade.” (FREIRE, 1986, p.46). Sabe-se que esse não é um processo calmo, e é necessária a compreensão dos processos educativos e sua importância, tanto para a manutenção como para a transformação social. Educação como espaço de dominação: “Em sociedades cuja dinâmica estrutural conduz a dominação de consciências, “a pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes”. Os métodos da opressão não podem, contraditoriamente, servir ao oprimido. Nessas sociedades, governadas pelos interesses de grupos, classes e nações dominantes” (FREIRE, 2005, p.07). Por exemplo, na Suméria em 3.500 a.C. os seres humanos pensaram e criaram uma forma melhor de carregar peso. Depois de muito rolar, arrastar e carregar peso desenvolveu-se a roda, lá na Antigüidade. Consequentemente a roda serviu para o surgimento das carruagens, das bigas, etc. Utilizaram-na para

guerrear,

transportar

todo

o

tipo

de

materiais

necessários

e

39 inimagináveis... Porém, nem todos teriam acesso ao novo invento. A roda proporcionou conhecer novos horizontes. Ir aos mais longínquos lugares para comercializar, guerrear, buscar nova morada para se fixar, transportar o alimento de cada dia, entre outras coisas. Contudo a roda era privilégio de alguns, assim a exploração, a escravidão e a distinção social aumentaram. Podemos falar sobre a educação como privilégio de alguns? Sim e não. Sim, porque a educação para muitos é a sala de aula, as invenções, as pesquisas e as teorias, “os dominadores mantêm o monopólio da palavra, com que mistificam, massificam e dominam” (FREIRE, 2005, p.22). Mas não também, segundo Paulo Freire, nos processos educativos também podemos ter processos de emancipação, ou ainda, porque “educação é vida” como diz (SAVIANI, 2007, p.155), educação é proporcionar aproximação com o outro, com a teoria das tolerâncias, educar é humanizar como diria Paulo Freire, educar é entender a realidade do outro sem ser relativista. Para Paulo Freire (2005, p.34), “educar é um ato político”. No livro de Luís Mir (2004), encontra-se o relato da dureza com que a sociedade brasileira se constituiu segregando etnicamente, escravizando e explorando o povo negro, indígena e os pobres em geral, por uma elite branca, européia e “culta”, criando os modelos vigentes de civilidade e cultura. Que educação estas pessoas exploradas receberam? A aceitação do mandonismo, coerção por armas de fogo, a força do chicote e a valorização da “raça” superior, letrada, culta e rica. Muitas formas de resistência se puseram a manifestar-se, permitindo a formação de alguns movimentos sociais e outras formas de ações coletivas. No decorrer da vida em nossos afazeres diários, nos deparamos com situações onde uma teoria elaborada tecnicamente nos oferece a possibilidade de mudanças, perceber novas realidades (DUARTE JÚNIOR, 2004). Para Martí, “ser culto é a única maneira de ser livre”. Se a elite busca liberdade, os dominados também a querem, e a educação popular vem ao encontro destas necessidades, pois fala uma linguagem crítica e próxima do cotidiano, o que possibilita entendimento e aprendizagem do conhecimento. Para Freire (...) “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.

40 Assim, começamos também a entender por que as pessoas se agrupam e formam movimentos sem terra, sem teto, defesa da natureza, pela paz mundial, em defesa da mulher, pela liberdade de expressão, gênero e muitos outros. E mesmo assim, percebemos o quanto ainda há por fazer para se conquistar cidadania gozar dos direitos políticos, sociais e civis (CARVALHO, 2005). A modernidade trouxe muita velocidade, aviões, carros, telefone, internet, relógio, computador, teleconferência, ensino à distância, alterações de tempo e espaço (GIDDENS, 1991, p.26). Mas há muito ainda para se fazer e melhorar. Algumas pesquisas dizem que: “em 2020, uma a cada quatro crianças será subnutrida”8, a fome está globalizada. Neste sentido precisamos fazer a contraposição destas estatísticas desumanas, a globalização alternativa, como indica (SANTOS, 2005, p.14). Incentivar a participação em: Fóruns Sociais Mundiais, defesa da biodiversidade, sistemas alternativos de produção, movimentos sociais, sindicatos, direitos humanos, agroecologia, revisão do judiciário, tecnologias sociais, audiências públicas, associações de moradores, entre outras atividades. Diante de todos estes fatos e constatações, a busca por alternativas como a democracia participativa e a educação popular, uma educação que transforma e liberta voltada para os interesses do povo e não dos interesses do capitalismo, como o lucro exagerado, a mais-valia e a mecanização do ser humano. Pois, buscar alternativas para aquilo que assola e desumaniza, deve ser a finalidade das universidades e dos intelectuais orgânicos, que para Gramsci, “são os que se ligam concretamente à construção e fortalecimento do poder das classes dominantes ou das classes dominadas”. (apud SADER, 2005, p.9). O que é educar? E como fazê-la popular? Quais as outras formas mais próximas de nossa realidade local para iniciarmos estas discussões? São estes os

desafios.

Novas realidades

e

o

compromisso

com a

educação

humanizadora, através de intelectuais engajados. Engajados na causa da melhoria e do acesso a uma educação participativa mais justa e igualitária e inclusiva. Construir uma colcha com retalhos solidários, para o crescimento de 8

Pontifício Instituto Missões Exterior: http://www.pime.org.br/noticias.inc.php?&id_noticia=3088&id_sessao=2. Acesso em 10/04/08.

41 todos. Para Brandão (1984), saber que, muitos saberes possam ser compartilhados, viver com o diferente sem discriminá-lo, valorizar a vida, aprender com quem possui experiência de vida e com a vitalidade da juventude. A renovação da ciência a serviço da vida. São estas e muitas outras realidades e observações que a educação popular tem que encarar por uma educação inclusiva e a democratização da vida. E nesse contexto os movimentos sociais e organizações populares representam amplos espaços de articulação, de vida, de resistência e que contribuem na construção e busca de alternativas aos modelos econômicos, culturais e sociais existentes.

42

CAPÍTULO 2

CONTEXTUALIZAÇÃO DE LAGES E REGIÃO SERRANA

2.1 - Situação Política:

Uma prática existente em Lages e região serrana9, como no próprio Estado de Santa Catarina, e até mesmo em todo o Brasil, foi o coronelismo. Para Carvalho, (1997), coronelismo são hábitos políticos e sociais realizados por latifundiários, que exercem a dominação sobre os agregados que vivem em suas terras ou delas dependem para sobreviver. É um sistema político de barganhas entre o Estado e os fazendeiros locais. Esse fenômeno político tem suas origens em 1831, quando é criada a Guarda Nacional do Império, que extinguiu as milícias, ordenanças e guardas municipais. Os coronéis desta nova corporação eram civis nomeados, estes eram, aqui no sul do Brasil os

9

Leia-se aqui região serrana como sendo composta pelos seguintes municípios: São Joaquim (1886), Bom Retiro (1922), Urubici (1956), Campo Belo do Sul (1961), Anita Garibaldi (1961), São José do Cerrito (1961), Ponte Alta (1964), Bom Jardim da Serra (1967), Otacílio Costa (1982), Correia Pinto (1982), Urupema (1988), Celso Ramos (1989), Rio Rufino (1990), Cerro Negro (1991), Painel (1995), Bocaina do Sul (1995), Capão Alto (1995) e Palmeira (1995). Que foram se emancipando de Lages ao longo dos anos.

43 fazendeiros poderosos da região e os caudilhos10; e os grandes senhores de engenho no leste e nordeste do Brasil. Seus oficiais eram os capatazes da própria fazenda, pessoas importantes ou aliados políticos, os soldados eram escolhidos entre os agregados, peões e capangas dos próprios fazendeiros ou também pessoas que moravam em vilas próximas e até mesmo das pequenas fazendas. Assim surge o fenômeno do coronelismo com o objetivo de servir ao Império, nas dispersas terras do interior e litoral do Brasil. Esse fenômeno tem como período mais ou menos definido entre os anos 1830 a 1870, período Regencial e o Segundo reinado de Dom Pedro II, mas que na prática se estende até 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas à presidência da República e o fim da política Café-com-Leite entre São Paulo e Minas Gerais. Alguns acreditam que ocorreu até o final do século XX em cidades pequenas e com baixos índices de alfabetização escolar. Entretanto, Munarim (2000) e Peixer (2002), salientam que a cultura política enquanto prática mandonista, característica do coronelismo continuam com vitalidade até os dias atuais. Na região serrana de Santa Catarina em especial, os coronéis eram da família Ramos em Lages, os Rupp em Campos Novos, Albuquerque em Curitibanos (coronelismo rural), Konder-Bornhausen no litoral norte, os Luz na capital Florianópolis (coronelismo urbano), entre outros. “Essa política coronelista e ditatorial, outorgava-lhes o direito de ser ao mesmo tempo juiz, delegado, chefe, conselheiro, legislador, sendo assim, ditavam ordens, influenciavam a política local e decidiam eleições, recebiam respeito, admiração e principalmente obediência de seus subalternos” (THOMÉ, 2002). Lages também tinha como “famílias ilustres”, oligarcas: os Motas, os Ribeiros, Camargos, Pires, os Vieiras, Furtados, Limas e os Araújos. Todos estes possuíam muitas terras. Em suas fazendas tinham gado, pinheiros de araucária e inclusive escravos no período da escravatura. Nas fazendas cometiam agruras aos negros e também aos índios pertencentes às tribos 10

Caudilhismo: É o exercício do poder político caracterizado pelo agrupamento de uma comunidade em torno do caudilho. Apresenta-se como forma de exercício de poder radicalmente oposta à democracia. O Caudilhismo nasceu na Espanha medieval em luta contra os mouros, quando um rei dava a um chefe militar ou um aventureiro qualquer que o solicitava uma "carta de partida", que o autorizava a recrutar homens e a arrecadar recursos para lutar na cruzada contra os homens do califa muçulmano. Foram célebres as façanha de Cid, o campeador, que lutou e integrou Valência ao reino da Espanha no século XI, sendo desde então considerado como o patriarca de todos os caudilhos que se seguiram. http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/coronelismo2.htm.

44 Xokleng e Kaingang que permaneceram na região até o início do século XX. De acordo com Ataíde (1988), as fazenda Cruz de Malta, fazenda do Pinheirinho, do Guarda-Mór, fazenda do Negreiros, das Bananeiras, Monte Calvário, do Limueiro, do Pai Querê, fazenda da Cascata, do Aleixo, Santo Antônio, do Baú, Mangueirão, São Roque, Araújo, fazenda da Mortandade, dos Gateados, São João e outras hoje situadas nos municípios de Lages e São Joaquim, são pertencentes às famílias acima citadas. Os Ramos foram eleitos diversas vezes no cenário político municipal e estadual no quadro a seguir veremos a relação de prefeitos da cidade de Lages. Quando não eram os da família Ramos eleitos prefeitos, alguém ligado ao partido ou nomeado dava continuidade ao poder político da família.

1. Quadro - Prefeitos municipais de Lages: 1895 a 1973. Nome Vidal José de Oliveira Ramos Junior Belizário José de Oliveira Ramos Octacílio Costa Belizário José Oliveira Ramos Aristiliano Ramos

de

Período 16/01/1895 a 31/12/1898 01/01/1899 a 31/12/1902 1902 assume como substituto. Superintendente entre 01/01/1903 – 31/12/1922 Substituto em exercício de 01/1911 – 08/1914 1915 – 1918

Observações Governador Estadual em duas gestões 1902 - 1905; 1910-1914. Irmão de Vidal José de Oliveira Ramos Junior.

Substituto em exercício 01/1919 – 12/1922

Filho de Belizário – assume também o Governo do Estado de Santa Catarina. Já como um dos articuladores, desde 1916, da oposição aos Ramos. Um dos motivos alegados, para essa primeira fissura foi a disputa da herança política do sogro. Na Revolução de 30, colabora na resistência em Florianópolis contra Getúlio. Nomeado por Nereu Ramos e Aristiliano. Aliado de Nereu e Aristiliano. Substituto interino. Saiu por discordar do Golpe de 1937.

Octacílio Costa

01/1923 – 10/1926

Caetano Vieira da Costa

1927 – 10/1930

Octávio Ignácio da Silveira Filho Henrique Ramos Junior João Cruz Junior Henrique Ramos Junior

10/1930 – 10/1932

Ewaldo Schaeffer Indalécio Domingues Arruda

11/1937 – 12/1937 05/01/1938 – 14/05/1941

Vidal Ramos Junior

21/07/1941 – 14/11/1945

Indalécio Arruda

11/1945 – 01/1946

Domingues

1932 – 05/1935 05/1935 – 03/1936 03/1936 – 11/1937

Genro de Belizário Ramos.

Nomeado por Nereu Ramos quando o mesmo era Interventor Federal em SC. Irmão de Nereu Ramos – 1° mandato. Com a exoneração de Nereu Ramos da Interventoria em outubro

45

Vidal Ramos Junior

14/02/1946 – 31/01/1951

Osni de Medeiros Régis

01/1951 – 12/1954

Valdo da Costa Ávila Euclides Granzotto Vidal Ramos Junior

12/1954 – 02/1955 02/1955 – 01/1956 02/1956 – 31/01/1961

Wolny Della Roca Valdo da Costa Ávila Nilton Rogério Neves

01/1961 – 01/1966 01/1966 – 12/1966 12/1966 – 01/1969

Áureo Vidal Ramos

01/1969 – 01/1973

de 1945, logo termina o mandato de Indalécio. É substituído num breve período por Jairo Ramos de 24 de abril a 20 de dezembro 1947. 2° mandato. Eleito pelo Partido Social Democrático (PSD). Em dezembro de 1954 deixa a prefeitura para assumir mandato como Deputado Federal. PSD. PSD. 3° mandato. Morreu em setembro de 1961. PSD. Faleceu em dezembro de 1966. Aliança da Renovação Nacional – Arena. Arena

Fonte: (PEIXER, 2002, p. 105)

Esta oligarquia, que conforme definição clássica é o governo de poucas pessoas, pertencentes ao mesmo partido, classe ou família (BOBBIO, 1992), controla as pessoas e as coisas que acontecem na cidade, seus latifúndios (terra e gado - poder patrimonial) lhes dão poder político e social. Seus cargos públicos lhes permitem direcionar as decisões políticas e administrativas, que irão culminar em benefícios próprios e de seus partidários. Proporcionando assim, mais privilégios econômicos para a ampliação de suas terras e do seu comércio, criando uma rede de alianças dentro e fora do Estado de Santa Catarina. Fora do Estado os fazendeiros comercializavam o couro, a carne e a erva-mate. Em Sorocaba – SP, grande feira de compra e venda que por sua vez também comercializava os produtos vindos do Sul, com Minas Gerais abastecendo as minas com transporte e alimentos e também o consumo interno no próprio Estado de São Paulo. Com o Rio Grande do Sul o principal comércio era com as charqueadas. O transporte dos produtos comercializados era feito via Laguna pela Serra do Rio do Rastro, por Florianópolis pela hoje chamada (BR 282), Curitiba (BR 116 – antiga BR 2), entre outras cidades, que o comércio trouxe às famílias oligarcas grandes somas em dinheiro e status. Esse status possibilitou aos filhos desses fazendeiros estudarem em colégios de São Leopoldo (RS), São Paulo (SP) e Curitiba (PR), conquistando

46 assim títulos que lhes favoreciam melhores oportunidades de investimento e trabalho. (PEIXER, 2002). No cenário político estadual havia as disputas entre os Konder e os Ramos pela política econômica, desde o início até meados do século XX, de um lado os pecuaristas da Serra e de outro os industriais do Vale do Itajaí. As disputas pelo governo estadual buscavam favorecimentos do governo federal. Em 1902, quando Vidal Ramos foi eleito vice-governador na chapa de Lauro Müller; e, governador em 1910. No mesmo período, seu irmão, Belizário Ramos, comandou a prefeitura de Lages, permanecendo à sua frente por vinte anos consecutivos (de 1902 a 1922) (MAY, 1998, p.33).

Como aconteceu com Carlos Renaux (Brusque) que foi indicado por Adolfo Konder (Itajaí - governador do estado de Santa Catarina de 1926 a 1930) para ocupar a vaga de ministro da Viação e Obras Públicas do presidente Washington Luís de 1926 a 1930. Assim também em 1935, Nereu Ramos foi indicado pelo então presidente Getúlio Vargas ao cargo de interventor permanecendo no cargo até 1945, quando foi deposto, iniciando o processo de redemocratização do país. (MAY, 1998). O domínio político em Lages e região perpassam os anos de 1850 a 1972, sempre estando atrelado à família Ramos, fazendeiros, “latifundiários prósperos, coronéis por obra e graça do imperador” (SILVA, 1994, p.31), que quando não estavam no poder, era possível comandar através de correligionários ou também contratos de casamentos. Belizário Ramos (herdeiro da Fazenda Morrinhos) foi quem fundou o primeiro partido em Santa Catarina em 1891, o Partido Republicano Catarinense (PRC). Os Ramos revezaram o poder político com as famílias do Vale do Itajaí e do litoral catarinense (os Konder, os Bornhausen, os Viana, os Luz, os Rupp e os Bayer), com interesses antagônicos, na serra o predomínio dos latifúndios, no litoral o incentivo e desenvolvimento das indústrias. Com o Rio Grande do Sul, Lages teve uma política mais amistosa, pois haviam passado por situações em que as políticas se uniram para vencer os monarquistas na Revolução Farroupilha em 1835, que foi bem recebida pela população local, e também quando Júlio de Castilhos manda uma força militar,

47 ajudar a combater o Canudinho (1897) de Lages, a pedido do coronel Rupp de Campos Novos, assim como na Guerra do Contestado (1912-1916). Em May (1998) podemos encontrar que, Vidal Ramos Junior (herdeiro da Fazenda Guarda-Mór) e o PRC apoiaram Lauro Müller para governador na primeira eleição do Estado. Assim como Belizário Ramos apoiou Hercílio Luz, fazendo com que às duas oligarquias coronelistas os “Ramos” e o grupo de Lauro Müller no litoral governassem o Estado até 1917, e em seguida vem a oligarquia Luz. No governo do Estado, Vidal de Oliveira Ramos governou de 1910 – 1914 Aristiliano Laureano Ramos 1932 a 1935, Nereu Ramos 1935 – 1945 como (interventor), Aderbal Ramos da Silva governador pelo PSD 1947 – 1950. Em Lages a prefeitura foi comandada por Belizário Ramos de 1902 – 1922, 20 anos consecutivos. Estes políticos sempre exerceram relações de “mandonismo” e “clientelismo” político e econômico, pois sempre tiveram atrelados aos cargos mais expressivos de dominação. Para Silva (1994), este cenário político começa a mudar nos anos de 1970 com a intensificação da oposição do MDB na região. Juarez Furtado e principalmente Dirceu Carneiro, são os precursores da mudança no cenário político local. A quebra do ritmo político das oligarquias é real, e uma nova forma de governo popular se inicia. Dirceu e sua equipe criam modelos de governabilidade em que a atuação popular é mais efetiva, não determinante. Assim, se estabelece um novo modelo de se fazer política em Lages e que irá repercutir em nível nacional. O que veremos mais adiante no capítulo sobre movimentos e organizações sociais.

2.2 - Situação Social e Econômica:

Os tropeiros da capitania de São Paulo, que por aqui chegaram, na segunda metade do século XVII, 1660 mais ou menos, são “os antepassados dos Mota, dos Ribeiro, dos Camargo e dos Pires. Numa luta quase suicida, pela posse da terra e suas riquezas” (ATAÍDE, 1988, p. 25). Encontraram muitas matas e campos, com toda sua fauna e flora, sem a submissão da

48 comercialização agrícola ou manufatureira. As terras eram divididas e também disputadas entre os Kaingang e Xokleng, indígenas que pescavam, coletavam frutas e caçavam animais silvestres para a sua atividade econômica de sobrevivência e desfrutavam das araucárias alimentando-se do pinhão. Com a abertura da “estrada das tropas”, saindo de São Paulo com destino aos campos do Rio Grande do Sul, e as missões jesuíticas da Argentina e do noroeste do Rio Grande do Sul, estas expedições saíam da Capitania de São Vicente, apoiadas financeiramente pelo governo da província, em busca de índios e gado, que viviam nas fazendas jesuíticas. Aprisionar os indígenas e levá-los cativos às terras vicentistas e o gado para comercialização em mercados, principalmente em Sorocaba, era sua principal missão. Os indígenas eram obrigados a trabalhar nas fazendas, nas casas de engenhos, no tropeirismo11, lavoura, etc.; e Lages tornou-se então um dos locais de pouso (descanso) para esses tropeiros. Desde a fundação de Lages em 1766, até o início do século XX, mais ou menos 1930, a economia esteve voltada principalmente para a pecuária extensiva

latifundiária

e

o

tropeirismo.

As

relações

de

compadrio 12

predominavam nas relações sociais e de trabalho. Os fazendeiros de Lages mantinham comércio local com produtos de bazar, alimentos; lucros que se somavam ao comércio do gado e aumentavam a distância social entre patrões e peões. O tropeirismo, atividade de conduzir, formar, arregimentar as tropas de animais para os mercados de compra, venda e troca, desenvolveu e se tornou uma das principais fontes de renda do sul do Brasil. A captura dos índios a comercialização de gado muar, cavalar, bovino, couro e charque foram fonte de renda para as elites sulistas que, levavam esses produtos para serem vendidos no sudeste e de lá, abastecendo as minas de ouro de Minas Gerais e também as exportações. 11

Atividade comercial praticada nos séculos XVIII e XIX, que consistia em homens que conduziam tropas de muares, de cavalos e de gado do Rio Grande do Sul para as feiras no estado de São Paulo. Entre outras finalidades, estas tropas eram vendidas para o abastecimento de charque, couro e transporte na região das minas de ouro no estado de Minas Gerais. 12 Relações de Compadrio: As pessoas consideradas inferiores e dependentes submetem-se ao dono da terra pela proteção e persuasão. Aqueles que resistem ao apadrinhamento são expulsos das fazendas, perseguidos e assassinados, muitas vezes com toda a sua família para servir de exemplo aos outros afilhados. Este sistema funcionou durante muitas décadas do Segundo Reinado e manteve seus resquícios até o final do século XX. http://pt.wikipedia.org/wiki/Coronelismo#O_compadrio Acesso em 11/11/06.

49 Porém, no final do século XIX quando a extração da erva-mate também se tornou o “ouro verde” importante fonte de renda tiveram disputas de terras entre Paraná e Santa Catarina, fato que culminou com a Guerra do Contestado (1912-1916). Esta de acordo com Queiróz (1981) foi uma guerra entre fazendeiros coronéis de Santa Catarina e do Paraná que envolveram forças de interesse político-administrativo dos governos dos Estados na disputa pelas terras da região onde se encontrava a erva-mate, a imbuia e o pinheiro brasileiro – araucária, de muito valor comercial. Enquanto isso do outro lado estavam os posseiros nativos da região, sertanejos, que viviam do trabalho de subsistência com suas roças, no fabrico da erva-mate e a lida com o gado. Que com o passar do tempo se tornou uma grande revolução pelos direitos à posse da terra. Foram também neste período de extrema miséria e descaso com os sertanejos que surgiu o ideal de um mundo novo, semelhante ao fato ocorrido na Bahia com a guerra de Canudos (1893-1897). Os monges que por ali passaram na região contestada, se preocupavam com a saúde espiritual e física de cada sertanejo, de cada morador dos redutos em que foram se estabelecendo. Este foi e é um dos principais movimentos sociais na luta pelo direito à posse da terra e a sobrevivência, ocorrido no Sul do Brasil nesse período. No mapa abaixo podemos ver as terras que foram o centro do conflito.

Mapa 1 - Terras contestadas entre Santa Catarina e Paraná.

50

Fonte: http://www.sc.gov.br/conteudo/santacatarina/historia/paginas/municipios/1907.htm

A região serrana também produzia erva-mate não com tanta intensidade quanto nos municípios do norte do Estado, como por exemplo: Canoinhas, Mafra, Porto União, Joinville, São Bento do Sul, etc. Em 1920 dá-se início a exploração do pinheiro de Araucária, o início do chamado “ciclo da madeira”, se intensifica na década de 1930 e tem seu auge em 1960, e nos anos seguintes entrou em decadência pela escassez da matéria prima, a araucária. “Em 1963, o Brasil exportou em madeira 1.224,999 m³. Deste total, 1.121,000 m³ foram de araucária, isto é, 92%. Nos outros anos a porcentagem da araucária no total exportado estava entre 85 e 90%. Estes números mostram a importância das matas de araucária no sul do Brasil para a economia do país. (Apud AGOSTINI, 2001, p.47)”.

Todo

este

desenvolvimento

aparentemente

brilhante

trouxe

consequências sociais e ambientais. De acordo com Boaventura (1990), em 1930 chegam os imigrantes italianos provenientes do Rio Grande do Sul em grande escala para trabalharem nas serrarias e outros para construírem suas serrarias. Em sua maioria pobres agricultores que deixaram suas terras em busca de um emprego na região serrana. Vindos principalmente de São

51 Marcos, Vila Ipê, Caxias do Sul, Erechim, Vacarias, e Antônio Prado. A indústria madeireira no fim da década de 1940 já estava sofisticada com máquinas a vapor, passou então a ser mais importante a indústria madeireira do que a pecuária, resultando daí o êxodo rural e a concentração de pessoas nas cidades. Os trabalhadores eram explorados com horas excessivas de trabalho como também salários baixos e moradia precária, submetendo tanto os migrantes, quanto os moradores locais. As madeireiras foram se instalando e ao seu redor os bairros foram aos poucos surgindo e ganhando nomes. Muitos dos trabalhadores também vieram do Vale do Itajaí e Vale do Rio do Peixe. Para Peixer (2002), assim que o “ciclo da madeira” começou a declinar metade da década de 1960 em diante Lages se tornou “a cidade dos espoliados”, as pessoas que moravam nos municípios vizinhos (Campo Belo do Sul, São José do Cerrito, Ponte Alta, São Joaquim, Bom Jardim da Serra, Urubici, Anita Garibaldi, Bom Retiro, entre outros), começaram a migrar para Lages com o intuito de conseguir um emprego e uma vida melhor. Esse contingente de migração ocorre pelo fechamento de diversas serrarias, por escassez de madeira, causado pela exploração predatória da araucária e o fim das reservas naturais. Neste demonstrativo do crescimento da população urbana de Lages – 1940 a 2008 podemos perceber como o êxodo rural e as migrações destas pessoas em busca de alternativas causaram um crescimento desordenado da região. 2. Quadro - População urbana de Lages – 1940 a 2008.

Ano

Rural

%

Urbana

%

Total

1940

18.768

68,68

8.558

31,32

27.326

1950

27.743

71,87

15.855

28,13

38.598

1970

28.407

25,36

83.577

74,64

111.984

1980

24.405

18,12

110.283

81,88

134.688

1991

12.655

8,38

138.445

91,62

151.100

2000

4.086

2,62

152.320

97,38

156.406

2008

4.202

2,60

157.381

97,40

161.583

52 Fonte: (Apud PEIXER, 2002, p.17). Para o ano de 2008 IBGE. E acrescentado os percentuais da população em seus respectivos anos.

Esta queda brusca da população rural e o aumento da população urbana, de acordo com o sindicalista do STR de Lages e um dos entrevistados Carlos Luiz Peron foram também pelos seguintes motivos: Este êxodo rural foi porque os agricultores venderam suas propriedades para as indústrias papeleiras e madeireiras, que tiveram muito incentivo fiscal. As indústrias e serrarias prometiam emprego para as famílias, que vendiam suas propriedades, com a condição de ficarem de 2 a 3 anos como empregados. Depois deste tempo demitiam os agricultores que vinham para a cidade de Lages entre outras da região. Os agricultores aplicavam o dinheiro na caderneta de poupança e achavam que nunca terminaria, e uns falavam aos outros dos benefícios de viver na cidade. Uma ilusão para a maioria. Alguns deles aplicavam em compra de casas e alugavam, outros perdiam tudo. As papeleiras e madeireiras agrupavam as propriedades e faziam reflorestamento principalmente com pinus. Tem um exemplo a Fazenda Guarujá com 42 milhões de terra reflorestada. Os pequenos que ficaram as pragas e os animais destroem as plantações, pois a mata nativa foi extraída. Um exemplo as baitacas, os papagaios e as tirivas, atacam as plantação de ameixa de figo. A capivara ataca o milho e o pinhão. A fiscalização ambiental é precária e as indústrias muito poderosas politicamente. Fazíamos reuniões com as comunidades para não vender as propriedades, não arrendar. Os assistentes sociais, os agrônomos das indústrias convenciam os agricultores a vender sua terra e deu no que deu. A população de Lages aumentou muito. (Entrevista, março de 2009).

Como no campo não se conseguia acesso à saúde (médicos e dentistas), educação (escolas) e uma renda fixa com carteira de trabalho e quase nenhuma política pública voltada aos interesses rurais, à saída para muitas famílias foi a mudança para a cidade. Conforme Veiga (2003), isso reflete que o interesse pelo campo foi minimizado e os interesses maiores estavam nas cidades na industrialização de bens. O eleitorado está em sua maioria nas cidades, o comércio é intenso, as grandes propriedades desfavorecem o pequeno agricultor e as políticas públicas favorecem mais o urbano do que o rural. Sendo assim, esses “espoliados urbanos” que eram agregados ou peões das fazendas aglomeravam-se principalmente na cidade de Lages, a maioria não alfabetizada, com baixa qualificação profissional e agora desempregada, o que vai gerar sérios problemas sociais. Sem alternativa para o seu sustento e de sua família muitas pessoas irão submeter-se a qualquer atividade que lhe

53 renda algum dinheiro como: “(...) lavador de carro nas ruas, jardinagem, vendedor ambulante, até a marginalização e prostituição, ocasionando sérios problemas sociais.” (PEIXER, 2002, p. 19). A situação ainda fica mais delicada com a saída do 2° Batalhão Rodoviário em 1970, transferido para Santarém no Pará, que em 1951 chegou a empregar cerca de 1650 trabalhadores civis. Sendo assim podemos considerar que a herança social e cultural coronelista e clientelista, o sistema de compadrio existente, a baixa escolarização e o fatalismo ao qual estavam suscetíveis, somavam-se com a pobreza da maioria da população. E juntamente com a omissão dos governos do Estado e municipal em não atrair soluções que amenizassem os bolsões de pobreza, e uma fiscalização eficiente das reservas de araucária e o comprometimento das indústrias madeireiras em investir na própria cidade, criou-se uma situação delicada e miserável para grande parte da população. O que a elite lageana entende por Modernidade e Progresso? Pode ser a primeira pergunta que se faz ao tentar entender os discursos existentes nos jornais, nas leis e na política. É preciso mudar, aperfeiçoar, modernizar, dizem eles. A segunda pergunta pode ser: que mudanças são estas, quais são seus reflexos na população em geral, e principalmente para aquelas que não interferem na escolha, porém sofrem as consequências das escolhas que os “representantes” fazem por eles? Estas mudanças favorecem a um grupo específico ou ao “povo” em geral de uma vila, cidade ou do Estado? Na região serrana podemos ter uma idéia de como as elites assim o fizeram com o advento da República e os discursos da modernidade, presentes nas propostas de desenvolvimento econômico para a região, bem como no delineamento e configuração urbana (PEIXER, 2002). Podemos perceber como as elites produzem espaços sócio-econômicos e políticos, favorecendo interesses individuais e mantendo-se assim no poder, contrariando diretamente ao conceito de cidadania, buscando controlar as ações da população, distanciá-las do centro da cidade de Lages e conduzir seus atos de convívio social. Essa foi uma forma de proporcionar modernidade à população lageana do início do século XX. Os resquícios de coronelismo presentes nas elites locais não permitiam que a nova visão de mundo, do progresso e da modernidade viesse a existir de

54 fato nas relações sociais da cidade de Lages. Há também a questão de que com uma população em grande parte sem acesso a melhores condições de vida e com pouca autonomia política e econômica, não havia formas de contrariar as decisões tomadas pelos “donos da cidade”, letrados e diplomados, pois eram silenciadas as vozes, pela coerção física e pelo discurso modernista – do novo comportamento em sociedade e do embelezamento da cidade. Podemos encontrar em Peixer (2002) que a modernidade trouxe as praças, calçamento nas ruas, mudança na fachada das casas, edifícios, muros nas casas, cafés, teatros, armazéns, assim como as cores das casas (casas de alguns fazendeiros), estas foram criações de modelos e espaços que privilegiam a elite. A especulação imobiliária tornou-se um grande atrativo para os fazendeiros, que moravam na fazenda e mantinham suas casas na cidade, muitas delas alugadas. Estas mudanças irão incidir diretamente nos grupos populares, como suas casas eram “construídas de taipas, estuque, tacaniça e madeira, de muitas casas cobertas com palhas” (PEIXER, 2002, p. 52) deixando o centro da cidade e retirando-se para a periferia. A madeira era a principal e mais barata forma de construir casas, com as leis que obrigavam que estas casas deveriam ser de tijolos, os pobres não tinham como comprar esse material a solução que encontraram para escapar das multas e taxas era afastarem-se do centro da cidade, buscando alternativas em loteamentos, conjuntos habitacionais ou ocupações de terras. Outra forma de adquirir terra e trabalho eram as relações de compadrio, onde os camponeses em quase total dependência das terras, do trabalho, moradia, se apadrinhavam a seus patrões, o que lhes favorecia a subsistência criando uma rede de obrigações junto aos grandes proprietários. Seus direitos eram o direito de se manterem em seus empregos nas fazendas sem reclamar. As reclamações eram vistas como ofensas aos seus patrões que podiam expulsá-los sem direito a nada, pois não havia políticas trabalhistas que garantissem os direitos dos trabalhadores. (BOAVENTURA, 1990). Com certeza houve pessoas que se revoltaram contra toda essa forma de tratamento, mas onde elas estão? Quem ousou escrever sobre elas? Talvez elas façam parte apenas das histórias orais encontradas nos bairros ou nos

55 registros do fórum da cidade onde aparecem como inoportunos e malfeitores, “vagabundos”, baderneiros que desestabilizam a lei e a ordem. Pois agir contra as leis do Estado tem como rótulo ser desqualificado e ignorado pela sociedade em geral. Sobre essa situação podemos observar no seguinte depoimento, que consta nas pesquisas sobre o processo de urbanização de Lages feito por (PEIXER, 2002): (...) os fazendeiros, eles eram muito bom para gente fazer serviços para eles. Porque que nos semos pobre? Nós trabalhamos uma vida inteira e não temos nada, porque os fazendeiros não pagavam. Pois nem a casa que nós tivemos. Onze anos (de trabalho e) ganhamos um lotinho só ali, porque era bem baratinho, mais não ganhamos nada. Nós não tinha nada, nós lá tinha que trabalhar para comer, nós tinha uma roça grande, então ali a gente plantava, e quando colhia a planta, tinha que pagar ainda, o arrendo da terra, porque no terreno dele não tinha terra que prestasse. Nós arrendava terra de outro, pagava o arrendo da terra, tinha que tirar da planta, porque dinheiro nós não tinha não é, nem as criaçãozinha que nós tinha, fiquemos sem nada, fiquemos sem. Não tinha nem uma vaca de leite, não tinha, quando viemos de lá, nós tinha cada um de nós tinha um animal de arreio, aí vendemos os animais encilhados para nós podê fazer a mudança”“... ( apud PEIXER, 2002, pp. 53-54).

Esta entrevista pode nos dar uma noção, de como eram as relações sociais no início do século na região serrana. Para Paulo Freire (2007) a dominação do rico, exercida sobre o dominado pobre, faz com ele sinta um pouco de desconforto em falar sobre seus direitos. É como se fosse tudo uma questão de favor e obrigação, mesmo que o pobre faça a sua parte, nesta relação de apadrinhamento e dependência, o rico está sempre lhe oferecendo um favor. Existem outros depoimentos também, que podem ser adicionados a esta situação de ausência do Estado e sua falta de organização, contradizendo aquilo que foi proposto em 1889, quando se iniciou o período de República no Brasil. No contexto do Brasil também houve dominação, mas também resistências. A Modernidade trouxe alterações e junto destas alterações vieram as revoltas e indignações, como salienta Netto: No período aqui compreendido (Modernidade), podemos citar como formas de reação dos populares ante o processo brasileiro de modernização excludente, Guerra de Canudos, Bahia (1896); A Revolta da Vacina, Rio de Janeiro (1905); A Revolta das Chibatas,

56 Rio de Janeiro (1910); o cangaço de Lampião, Corisco e Antônio Silvino (Nordeste, 1920-1940); os quebra-quebras, os arrastões, o Comando Vermelho e o PCC (São Paulo e Rio de Janeiro, época atual) etc. (NETTO, 2003).

O não contentamento com o Estado e sua forma coercitiva de ação, A civilização Brasileira, mediante a força se submete a um homem, depois outro, mais homens, todos os homens. Quando a vontade da sociedade é vergada pela força surge uma nova relação entre o Estado e a sociedade. (...) Uma sociedade civilizada será aquela na qual os indivíduos possam gozar de modo pleno suas liberdades, deveres e direitos previamente acordados e acatados por convicção, não por coação. (MIR, 2004, p. 349)

Essa dominação coercitiva inflamou levantes populares, em busca de alternativas para solucionarem o descaso e a coerção pela qual foram e são tratados. Os discursos anunciavam as boas novas às melhorias e uma vida melhor, mas a realidade vivida era outra miserável e real, fora dos discursos elitistas de burgueses capitalistas empreendedores, como salienta Netto. Ao longo da história do capitalismo brasileiro, que se inicia com a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre assalariado e com a instauração do regime republicano, no final do século 19, registramos várias práticas discursivas e não discursivas acionados pela elite para legitimar e reproduzir-se no poder. As teorias racistas de base cientificista, a história oficial e acadêmica sobre as obras e os feitos das personalidades das classes dirigentes; as ideologias intolerantes e do ódio, a meritocracia, os nacionalismos; a ética do trabalho de domesticação do trabalhador, os símbolos do poder, que se inscrevem nas esculturas, na arquitetura, nas artes plásticas, nos projetos urbanísticos, nas comemorações cívicas e nacionalistas; a estrutura curricular pedagógica escolar de referência eurocêntrica, são alguns exemplos eloqüentes que confirmam o processo de dominação/exclusão no Brasil. (NETTO, 2003).

Trabalhando na agricultura ou nas madeireiras, este movimento migratório eleva efetivamente o contingente populacional, de pessoas vindas do meio rural acostumado com o trabalho árduo do campo e também com o corte da araucária. Desse contingente, poucos possuíam meios para estabelecer suas próprias serrarias, a grande maioria veio para o trabalho nas serrarias, alguns comerciantes e outros como prestadores de serviços. (BOAVENTURA, 1990).

57 Uma das justificativas para os “gringos”

13

saírem de suas terras no

nordeste do Rio Grande do Sul e virem a trabalhar em Santa Catarina foi a escassez de terras e o esgotamento do solo, fazendo com que os pequenos proprietários deixassem o campo em direção às cidades. A pequena propriedade colonial no Brasil, não foi uma conquista dos grupos pobres e nacionais, nem o resultado de transformações sociais que tivessem tornado inviável a grande propriedade monocultora; foi uma concessão das classes dominantes latifundiárias, para com os estrangeiros, tendo como finalidade, salvar os interesses da grande lavoura. (...) A partir de 1940, entrou, porém, em jogo um outro fator: a industrialização da lavoura o que desvinculou a posse do uso da terra. Na medida em que o sistema capitalista vai penetrando no Rio Grande do Sul, constata-se que tanto a estância de pecuária tradicional como a agropecuária colonial, vai perdendo seu significado. Esta última, por ser antes de subsistência, que voltada para o lucro, manteve-se quando tudo lhe parecia adverso, mas em pouco tempo se deu a primazia à lavoura mecanizada, principalmente nas plantações de soja e trigo. (Apud BOAVENTURA, 1990, p. 25).

Estas pessoas que saíram de suas pequenas propriedades ou locais de trabalho, agora se aventuravam em Lages e outras regiões do Oeste Catarinense e também do Paraná, em busca de condições melhores de vida, pois em sua maioria são pobres e sem recursos financeiros para estabelecer seu próprio negócio, serraria, comércio, compra de terras, entre outros.

Sem meios adequados para sobreviver e entregues à própria sorte, irão fazer parte da periferia lageana, nas vilas operárias, junto com a migração interna de peões e agregados em busca de alternativas de sobrevivência devido à destruição do seu modo de vida anterior nas fazendas locais e a intensificação da exploração da araucária. A ausência do Estado e sua desorganização permitem a exploração dos trabalhadores, que sem a quem recorrer se submetem aos maus tratos por parte dos patrões e serviços que exigem muita força física, junto à falta de equipamentos e leis que protejam o trabalhador. Em 1934 instala-se aqui nesta cidade o 2° Batalhão Rodoviário, que implicará em inúmeros empregos, “em 1951 o 2° Batalhão Rodoviário emprega cerca de 1.650 civis”. (SILVA, 1994, p. 30). Podemos hipoteticamente deduzir 13

Italianos ou descendentes provenientes principalmente do Rio Grande do Sul.

58 que 1.650 é o numero oficial de funcionários, se cada um deles tiver três dependentes chegaremos à quantia de 6.600 pessoas consumindo e investindo no comércio local, movimentando a economia. O que foi muito bom para o desenvolvimento econômico local. “Dentre as obras efetuadas pela instituição militar citam-se: construção e asfaltamento da estrada federal de Lages a Rio Negro, infra-estrutura ferroviária naquele mesmo trecho (1950), reforma e retificação da estrada estadual entre Lages e Rio do Sul”. (SILVA, 1994, p.30). Outro setor que movimenta a economia são as inúmeras indústrias do setor madeireiro que até 1937 eram em número de 8 serrarias, (...) “Em 1942, o Departamento Estadual de Estatística e Publicidade lança comunicado informando a existência em Lages de 28 serrarias”

14

, além de outros serviços

paralelos que surgiram para ampliar a economia local como: meios de transporte, oficinas, pequenas fundições, borracharias, fábricas de carrocerias, etc.

3. Quadro - Os Números do Setor Madeireiro em 1940 Município

N° de árvores

Lages Curitibanos São Joaquim Bom Retiro

31,8 milhões 15,95 milhões 10,97 milhões 5,888 milhões

Área Km² 10.071 4.000 3.892 3.813

Densidade pés/Km 3.157,58 3.987,50 2.818,60 1.544,24

Fonte: Serra em Desenvolvimento, fascículo n° 11. 12/13 de Março/2006.p.10 OBS: Referente ao número de pinheiros com mais de 16 metros de altura.

Com essa quantidade expressiva de araucária estimada no início dos anos 40 em 600 milhões de araucárias de vários tamanhos, “(...) na década de 50, Santa Catarina concorria com 64% da madeira exportada pelo Brasil. Desta porcentagem, a maior parte cabia a Lages, que assim deteve por muitos anos, o primeiro lugar no Brasil, como produtora de madeira de pinho para aquela finalidade.” (Apud AGOSTINI, 2001, p.11). Apesar dos números sempre em ascensão o reflorestamento era ignorado pela maioria das serrarias que objetivavam o lucro crescente. O replantio em 1949 torna-se lei determinado pelo INP (Instituto Nacional do Pinho), mas apesar das determinações, o plantio da araucária é menor que o seu corte. Podemos perceber na região 14

Serra em Desenvolvimento, fascículo n° 11. 12/13 de Março/2006.p.10

59 serrana observando os campos, que estão ao entorno da cidade, os “desertos verdes”

15

, com milhões de hectares plantados da nova matéria prima o pinus,

que tem início de seu plantio já em 1950, como concorrente e substituto da araucária. Sendo assim com toda essa produção e exportação de madeira, como fica o capital adquirido? Ele permanece na própria cidade ou Estado? Para Chomsky (2006), o capital estrangeiro especulador neoliberal não permite que o montante permaneça e desenvolva a região, esse capital é em sua maioria transferido ao seu país de origem. O Estado pouco fez para mudar essa situação. Começaram a surgir e implantar-se as multinacionais. Em 1958 a Olinkraft Celulose e Papel (Igaras) instala-se na cidade de Otacílio Costa, local onde já funcionava a Fábrica de Papel Itajaí. Em 1969 a PCC (Papel e Celulose Catarinense, também conhecida como Manville) no município de Correia Pinto (que pertencia a Lages nesse período) inicia suas atividades. Nesse cenário os fazendeiros eram/são os maiores beneficiados “(...) vendiam o pinheiro, e as serrarias se encarregavam da derrubada e transporte até as serrarias, ficando o proprietário da terra com grandes extensões de “terra limpa” para aumentar a criação de gado, além de dinheiro para investir.” (PEIXER, 2002, p.113-114). Para isso, o sistema econômico contava com um bom número de indústrias do setor madeireiro no município de Lages.

4. Quadro - Número de serrarias de 1950 a 1990.

15

Ano

Serrarias

1954

172

1980

119

1989

119

1997

102

2009*

72

Termo utilizado pela Via Campesina. São enormes plantações de eucalipto, acácia e pinus para celulose, que cobrem milhares de hectares no Brasil e na América Latina. Onde o deserto verde avança a biodiversidade é destruída, os solos deterioram, os rios secam, sem contar a enorme poluição gerada pelas fábricas de celulose que contaminam o ar, as águas e ameaçam a saúde humana. www.viacampesina.org acesso em 03/2006.

60 Fonte: Departamento Municipal de Estatística e Secretaria de Indústria e Comércio do Município de Lages, 1998. (apud AGOSTINI, 2001, p.12) * Fonte: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Lages. (24 de agosto de 2009).

Outro fenômeno observado é que em torno das serrarias se instalavam entre 40 e 80 casas de operários, que formavam as vilas operárias e logo mais se tornaram bairros. Alguns bairros se originaram de loteamentos individuais, poucos por ocupação de terras do município e outros poucos por terras pertencentes à igreja católica. Os operários também sofriam com a ação dos especuladores imobiliários e de proprietários de terra, e com a submissão aos donos de serrarias. Os bairros cresceram sem infra-estrutura adequada como saneamento básico, calçamento e muitos deles se encontram em condições semelhantes até os dias atuais com as mínimas condições de infra-estrutura em pleno século

XXI.

“Entre

as

décadas

de

1940

e

1970,

foram

criados

aproximadamente 50 bairros; somente na década de 60, auge da exploração da madeira, foram criados 25 bairros.” (PEIXER, 2002, p. 116). O quadro 5, exemplifica a constituição de bairros nesse período:

5. Quadro – Surgimento dos bairros décadas de 1940 a 1970.

Bairro Conta Dinheiro Passo Fundo

Ocupação 1940 1940

Implantação 1940 1940

Triângulo Dom Daniel São Cristóvão Coral (antiga Várzea)

1940 1940 1940 1940

1940 1944 1947 1948

Santa Rita

1940

1948

Copacabana

1940

1949

Sagrado Coração de Jesus

1940

1949

Ipiranga

1950

1950

Observações Estrada federal Acesso norte, estrada Lages/ Curitibanos. Madeireira. Invasão. Estrada e loteamento. Charqueada início do século. Em 1937 uma olaria é dessa data também a 1ª serraria. Em meados da década de 40, a abertura da BR 2. Importantes estabelecimentos de auto peças. Ocupação inicial em torno de madeireira. Ocupação inicial em torno de madeireira. Década de 40, com instalação de charqueadinha e olaria. Na década de 60 instalação de serrarias. Ocupação terras da mitra.

61 Penha Santa Catarina Vila Militar Guarujá Popular Frei Rogério

1950 1950 1950 1950 1950 1950

1950 1950 1950 1952 1953 1959

Bates / Cohab III

1960

1960

Cidade Alta Ponte Grande

1960 1960

1960 1961

Santa Maria Beatriz

1962 1960

1962 1963

São Francisco

1960

1963

São Vicente Gethal

1960 1960

1963 1964

São Paulo

1960

1964

Ferrovia

1960

1965

São Luiz

1960

1965

Universitário

1960

1965

Centenário

1950

1966

Chapada Maria Luiza Vila Nova Santa Clara

1960 1960 1960 1960

1966 1966 1966 1967

São Miguel

1960

1967

Tributo

1960

1967

Petrópolis

1960

1968

São Pedro Vila Comboni CDL Cruz de Malta Boqueirão

1960 1960 1960 1960 1950

1969 1969 1969 1969 1970

Pisani

1950

1970

Loteamento, olaria. Ocupação nas proximidades da BR 2. Exército. Abatedouro e loteamento empresarial. Conjunto habitacional, 152 casas. Loteamento próximo à estrada Lages/Curitibanos via Morro do Posto, estrada de tropeiros e posto EMPASC. Em 1960 foi instalada a vila da madeireira Giroto. Depois a vila da empresa Bates de 68 a 85. Em 1982 é feito à COHAB III com 141 casas. BR 116 e Hotel Planalto. Loteamento de terras de Juca Prudente. Loteamento. Loteamento. Madeireira Gamborgi (fábrica de caixas) 1958 até 1977. Loteado área anexa à madeireira. BR 36 e ligação com a BR 116. Loteamento. Loteamento. Madeireira, abertura da BR 282, ocupação nas laterais. BR 36 hoje 282, loteamento e madeireira. Instalação da estação ferroviária, olaria, madeireira. Loteamento de invernadas. Também teve serrarias. Ocupação data de 1945, com instalação de aeroporto e madeireira. Ocupação de terras do campo de aviação. Doação para diversas instituições (universidade, exército, mesquita, etc.). Ocupação data de 1950 com serraria e charqueada. BR 282. Loteamento. Instalação de instituição estadual CIL. Expansão para zona sul, as margens da BR 2. Loteamento com a passagem da linha férrea. Parcelamento urbano/loteamentos. Madeireira Pisani (antiga madeireira Portoalegrense). Conjunto habitacional com 1.044 casas Cohab I, iniciou em 1968, mas só foi concluído em 1972. Loteamento. Loteamento. Loteamento. Loteamento. Ocupação inicial em 1955 com loteamento para chácaras, efetiva-se na década de 70. Madeireira 1957.

62 Jardim Celina Santa Cândida Vila Mariza Área Industrial

1970 1970 1970 1960

1971 1971 1971 1973

Santa Helena / Santa Clara Santa Mônica

1970

1973

1970

1974

Habitação

1970

1978

Bela Vista

1970

1979

Caroba Guadalajara

1970 1970

1979 1979

Loteamento. Novo traçado da BR 116. Loteamento. Ocupação data da década de 60, com a indústria Pandolfo (madeireira). Loteamento próximo ao bairro Copacabana. Área industrial. Loteamento do final da década de 60, ao longo da BR 116 e a instalação de algumas madeireiras. Projeto habitacional da gestão de Dirceu Carneiro. Cohab II, com 157 casas, concluído em 1981. Área industrial, loteamento. Loteamento.

Fonte: (PEIXER, 2002, p.144-145)

Nas décadas de 1950 a 1970, muitos bairros foram surgindo, e a população aumentando. Em 1952 houve a primeira grande crise do setor madeireiro, mesmo assim continuava um considerável aumento da circulação de dinheiro, foram construídos hospitais, urbanização e remodelação do centro da cidade, melhoramentos no sistema de esgoto, calçada, transporte coletivo, iluminação, praças e jardins, bustos e estátuas em homenagem a “cidadãos ilustres”, (estátua de Nereu Ramos, 1957, praça João Costa; monumento e um busto de Getúlio Vargas, 1958, praça João Ribeiro; em 1970 bustos de Thiago de Castro – advogado e político, e Dr. Walmor Ribeiro – médico e abastado fazendeiro) assim como aeroporto e colégios. Conseqüentemente a falta de moradia para o povo mais carente, os cidadãos invisíveis (vistos apenas nos períodos eleitorais), violência e prostituição cresceram, pois estas classes sociais ficaram a margem das decisões político-administrativas do poder público local. Os bairros populares, grande parte deles como já mencionado são criados sem a infra-estrutura necessária. O que evidencia as dificuldades dos grupos populares em garantir condições de vida. Sofrem com a especulação imobiliária e com a exploração da sua força de trabalho, por esta “sociedade de bem”, moralista, inflamados pelo discurso de progresso “(...), pois era muito forte neste momento e até hoje, o discurso das elites dominantes de que o trabalho produz a riqueza para todos.” (BOAVENTURA, 1990, p. 29).

63 As dificuldades dos grupos populares eram muitas e a ausência do Estado como monitor dos direitos trabalhistas e as garantias de cidadania agravam ainda mais essa situação de abandono. Pois as leis definidas na CLT nem sempre eram cumpridas pelos patrões. Sendo que a atuação dos sindicatos na defesa dos direitos trabalhistas eram precárias, configurando-se mais em sindicatos que defendiam os interesses dos patrões do que dos empregados. De acordo com Carvalho (2005, p.109) o “Estado Novo (1937-1945) não queria saber de povo nas ruas, (...) empregados e patrões eram obrigados a filiar-se a sindicatos colocados sob o controle do governo”. Um pouco desse cenário aqui em Lages, podemos observar no seguinte comentário no Jornal Região Serrana de 13 de agosto de 1949: a) Em virtude do crescente progresso que se faz sentir neste município (...) h) Por força do elevado custo de vida por que atravessamos, os operários se vêm impossibilitados de satisfazer a maior aspiração de ter um lar confortável e higiênico propicio ao desenvolvimento sadio de sua prole. i) Com o progresso vertiginoso por que atravessa essa comuna, os operários inevitavelmente são obrigados a retirarem-se para mais distante do local em que trabalham ou a sujeitarem-se a pagar arrendamento de casas sem que esses pagamentos venham revidar em benefícios próprios. (apud PEIXER, 2002, p.162).

Outro exemplo de que o Estado se eximia do seu papel de respeito e bem cuidar da coisa pública, podemos observar nessa pesquisa sobre o envioo de dinheiro para o exterior: Não bastasse a expropriação da classe operaria dos lucros do crescimento industrial e econômico brasileiro, percebe-se que quem mais ganhou com esse processo foram as multinacionais. Se compararmos os investimentos de algumas dessas empresas e os lucros remetidos para o exterior, essa afirmação ganha ainda mais força – A ESSO (Companhia Americana que explorava combustíveis no país), investiu no Brasil até 1974 cerca de 1,8 milhões de dólares e remeteu para o exterior entre 1965 e 1974 mais de 44 milhões de dólares, a FIRESTONE (produtora de pneus e borrachas) investiu no mesmo período 2,5 milhões de dólares e enviou para a matriz 50,2 milhões, a RHODIA (explorava a indústria química e de medicamentos) investiu 14,3 e enviou 50,6 para o exterior. (GUEDES, 2005, p. 45).

A economia parece que vai bem até a década de 1960, os lucros são apropriados por pequena parcela da sociedade e grande parte desta,

64 compartilha os custos desse desenvolvimento. A araucária entra em extinção, muitas serrarias vão embora literalmente, não dão mais lucros, são fechadas ou transferidas para outros Estados. Mas a população continua a vir do interior do município para a cidade em busca de melhores condições de vida. O desemprego aumenta, a violência cresce e também as condições suburbanas de sobrevivência se proliferam. O “ciclo do ouro verde”, os anos dourados da economia lageana não foram apenas glórias, como os anúncios de jornais e discursos elitistas se propagaram até alguns anos atrás. As escritas sobre estes assuntos de ausência no cumprimento da cidadania, nos direitos sociais, políticos e civis são recentes na história. Uma nova leitura do cotidiano, dos marginalizados, dos excluídos da História, tem se intensificado. Nos últimos trinta anos nos deparamos com várias histórias notáveis de tópicos que anteriormente não se havia pensado possuírem uma história, como, por exemplo, a infância, a morte, a loucura, o clima, os odores, a sujeira e a limpeza, os gestos, o corpo (como apresentado por Roy Porter, p. 291), a feminilidade (discutida por Joan Scott, p. 63), a leitura (discutida por Robert Darnton, p. 199), a fala e até mesmo o silêncio. (BURKE, 1992, p.11).

A nova história proporciona uma leitura do mundo “de baixo para cima”, das pessoas comuns, não apenas dos heróis nacionais, personalidades importantes do Estado e da Igreja ou das Guerras de conquistas e pilhagens. Com o final do ciclo da madeira de acordo com Alves, (1980, p.24), “as araucárias foram sumindo e, com elas, as serrarias e o domínio econômico dos madeireiros”,

as

serrarias

deixaram

um

amontoado

de

serragem

e

desempregados. Como conseqüência da crise estabelecida Lages ganhou fama com uma das maiores zonas de meretrício do sul do Brasil, nos banhados surgiram às favelas, e de acordo com “o cadastro municipal de 1979 revelou que 54,68% das unidades habitacionais urbanas não estavam ligadas à rede de água.” (ALVES, 1980, p. 25). O que não diferenciava muito da situação nacional, Guedes (2005) destaca, por exemplo, a situação do Brasil em 1960: “O Brasil em 1960 possuía apenas 21,08% dos seus domicílios urbanos atendidos por rede de água encanada e 40,15% por instalações elétricas, esses números subiram para 32,81 e 47,56% respectivamente em 1970 (...) o que nos faz pensar que as

65 populações mais necessitadas eram efetivamente as mais atingidas pela falta de distribuição de água e energia.” (GUEDES, 2005, p.58). Vale lembrar que a falta de habitações também são um problema grande para a cidade de Lages, que não tem como acomodar todas as pessoas que deixam suas pequenas propriedades no interior e dirigem-se para o centro urbano, elevando o número de população. A população urbana era em torno de 14.143 pessoas em 1950, em 1960, 37.761 e em 1970 já está em 89.494 habitantes, cresceu quase 6,5 vezes a mais, ou seja, um aumento de 535% em 20 anos. Outro agravante é a criminalidade que se intensifica. Em entrevista com o Sr. Romualdo, ex-delegado e comissário de polícia da Cadeia Pública na década de 1960, diz que: “- a antiga Cadeia Pública, onde atualmente funciona o 8° DP, se tornou inviável atender ao público, porque a cadeia também abrigava os detentos no mesmo prédio. O local era pequeno e a confusão era muito grande, naquela época havia muito assassinato e colocava em risco as pessoas que estivessem ali. Por estes motivos em 1968, foi construído na Rua Mato Grosso, bairro São Cristóvão, o Presídio Regional de Lages com capacidade para 90 detentos”. (Entrevista realizada em 15/03/2005).

Construir presídios uma tentativa para amenizar a situação instaurada na cidade pelo excesso populacional, a falta de emprego e também pela falta de iniciativas sociais por parte dos governos. Michel Foucault nos diz que: A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo final, provocando varias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída a sua fatalidade não a sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. (FOUCAULT, 1987, p.13).

Brigas,

rixas,

embriaguez,

discussões,

ciúmes,

drogas,

roubo,

desemprego, falta de políticas públicas geram instabilidade social e a revolta dos setores menos abastados da sociedade. Com a saída das serrarias, do batalhão rodoviário, e o êxodo rural para a cidade de Lages, ocorre o aumento maior incidência da relação desemprego e criminalidade16. Os planos de 16

Desemprego e criminalidade. Pesquisa feita pelo Fórum Permanente das Relações

66 políticas sociais ficam em sua maioria nas gavetas dos ministérios, secretarias de desenvolvimento, prefeituras, etc., ou não são executadas pelos governos e pela falta de pressão por parte da sociedade – os excluídos sociais de baixa renda, não alfabetizados e com pouca qualificação profissional, que é o caso da maioria das pessoas de Lages e região serrana. Os governos utilizam a maior parte do dinheiro público em obras não tão importantes para a maioria da sociedade e sim para as elites grupos minoritários que as controlam.

2.3 - Cidadania Negada: A constituição da periferia17 de Lages. (Uma breve retrospectiva Histórica).

Universidade-Empresa (Uniemp) em parceria com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo relaciona o alto índice de desemprego e a diminuição da renda com o aumento no número de roubos e furtos na cidade de São Paulo. Segundo a pesquisa, divulgada em abril, a situação de desemprego explica, por exemplo, a maioria dos casos de roubo no trânsito: 85% dos roubos em carros, 80% dos roubos em ônibus e 74% dos roubos a pedestres. O estudo analisa a totalidade dos boletins de ocorrência registrados no período entre outubro de 2000 a setembro de 2003. A falta de perspectivas de se recolocar no mercado de trabalho ou mesmo de conseguir um emprego informal atrelados à insuficiência dos mecanismos de proteção social produzem um contexto no qual o crime passa a ser uma alternativa possível para a sobrevivência. 17 Para o antropólogo Marc Augé, hoje existem muitos modelos de periferia, muitas vezes sobrepostos. "No passado, explica, a periferia era uma espécie de mundo intermediário entre a cidade e a campanha. Hoje, as fronteiras entre estes dois mundos aparecem como incertas. A urbanização desestruturou a cidade, desenvolvendo-a ao longo dos grandes eixos de comunicação e dando vida a um tecido urbano híbrido que se estende um pouco por tudo. No seu interior surgiram diversos tipos de periferia imbricadas umas com as outras. Ao lado do universo tradicional das vilas nasceram os bairros dormitórios. Estes novos bairros, sem estrutura social e de serviços são, muitas vezes, isolados do espaço próximo, mesmo se surgem ao lado de outros aglomerados urbanos. Muitas vezes os primeiros sintomas de tensão nos bairros periféricos aparecem nos confins dos diversos tipos de periferia. Na França, por exemplo, na vilas vivem os representantes de uma pequena burguesia voltada sobre si mesma, enquanto que nos bairros-dormitório se concentram as populações de imigrantes". "Os grandes bairros-dormitório, nascidos nos anos 1970, hoje estão decrépitos e à margem da explosão. Representam a falência de uma idéia de modernidade. Inicialmente representavam o sonho de uma vida melhor. Eram o símbolo de um possível progresso social. A evolução socioeconômica os transformou em guetos cheios de desespero e ressentimento. Foram abandonados, sem completar as necessárias infra-estruturas sociais e culturais. Pouco a pouco se tornaram lugares de estacionamento para as populações imigradas flageladas pelo desemprego. Deviam ser um espaço de integração social, mas se transformaram num lugar de exclusão. As periferias degradadas se tornaram o pólo negativo da sociedade, um pólo que catalisa o medo dos outros". A entrevista com Marc Augé foi publicada pelo jornal italiano La Repubblica, 11-1105. Trecho retirado do jornal IHU On-Line - Instituto Humanitas Unisinos 14-11-2005 – segunda-feira – destaques do dia/07h39min.

67 Entendemos aqui o conceito de cidadania como o que foi escrito por Pinsky (2008) no livro História da Cidadania: “Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é em resumo, ter direitos civis”. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito a educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. (PINSKY, 2008, p. 9)

Nos saberes e fazeres dos entrevistados, representantes e militantes dos movimentos e organizações sociais da região serrana, este conceito de cidadania esteve ausente até os anos de 1972 quando o governo de Juarez Furtado assume a prefeitura municipal e ampliou-se nos anos de 1976 com Dirceu Carneiro e suas criações alternativas para o desenvolvimento e envolvimento da sociedade, tais como:

1. Associação de Moradores de Bairro 2. Hortas Comunitárias/Hortão 3. Projeto Lageano de Habitação 4. Medicina Comunitária 5. Casa do Artesão 6. Popularização do Teatro 7. Ação Cultural 8. Associação Lageana de Pequenos e Médios Comerciantes 9. Projeto de Educação Popular 10. Núcleo Agrícola 11. Mostra do Campo 12. Escola Rural

Projetos desenvolvidos e criados para suprir as necessidades da população dos bairros e da cidade de Lages. Estes projetos tiveram repercussão nacional e internacional em plena ditadura militar – com o slogan – Lages: A Força do Povo.

68 Temos por exemplo o livro de Marcio Moreira Alves, A Força do Povo: Democracia Participativa em Lages (1980), onde: A força do povo é o relato de práticas populares, onde o povo „tomou a palavra‟. Onde Dirceu Carneiro e sua equipe atuam como „animadores sociais‟, procurando conscientizar o povo da força que tem e não conhece, de sua capacidade construtiva, afinal, da idéia de que tudo é construído pelo trabalho.(...) onde a História é a história das elites ou de seus homens representativo, onde é cultivada a ideologia da “nulidade popular”, base da dominação tecnocrática, Lages aponta uma alternativa. (ALVES, 1980, p. 7).

Essa experiência de transformação política, econômica e social que Lages passou nos anos de 01/1973 a 12/1982 e pós-ditadura militar, listada nos livros, pode servir como um meio para a sociedade atual perceber a importância de sua atuação, participação, reivindicando dos políticos, do Estado, seus direitos sociais, políticos e civis, através de associação de moradores, sindicatos, e órgãos que preconizam a auxiliar e atuar em defesa dos marginalizados da sociedade. A redistribuição de renda nunca foi cogitada para diminuir os problemas sociais até então, algo que nos dias atuais final do século XX e início do século XXI, é visto como solução para os problemas em decorrência da miséria, pois isso diminuiria o fosso que separa ricos e pobres, elites e periferias, desestimulando a criminalidade e a exclusão social. Buscar alternativas, melhorar a auto-estima da população da periferia e ampliar seu espaço. No Brasil, pode-se dizer que antes de 64, as formas de organização social mais emblemáticas eram as “Associações de Amigos de Bairro” ou as “Sociedades de Amigos de Bairro” que se caracterizavam mais por sua capacidade de mobilização eleitoral do que propriamente por seu engajamento em causas comuns dos moradores. Faziam parte, de um esquema de cooptação popular com forte orientação populista/paternalista, onde o poder público e as forças políticas (leiase os políticos em geral) utilizavam essas organizações afim de, em troca da realização das ações proposta pelos moradores, angariar votos ou apoio político. (GUEDES, 2005, p.50).

No final da década de 1980 em diante os movimentos populares se intensificam ainda mais. Há indícios de um movimento forte em busca de direitos dos cidadãos na região serrana, pois, as forças políticas existentes monopolizavam o poder, davam suporte econômico e político aos seus

69 correligionários e havia ainda muita perseguição política a quem ousasse enfrentar os “donos do poder”. No Brasil e em quase todos os Estados de Federação os movimentos e organizações sociais populares, têm hoje maior força política, atuam em grande escala, pela internet, fóruns, encontros regionais, nacionais e internacionais, adquirem respeito por lutarem pela democracia, igualdade e liberdade e ampliam a gama de militantes por todo o mundo, em quase todos os países do mundo, há algum movimento ou uma organização social reivindicando direitos políticos, sociais e civis. Os movimentos e organizações sociais populares buscam mobilizar a sociedade civil a pressionar o Estado para executar os direitos dos trabalhadores explorados, segregados sem terra, sem casa, sem emprego e aos deserdados indígenas, afro-descendentes, mestiços da História. Podemos destacar: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, União de Negros pela Igualdade – UNEGRO, União da Juventude Socialista – UJS, Central Única dos Trabalhadores – CUT, Classe Sindical Classista – CSC, VIA CAMPESINA, Confederação Nacional das Associações de Moradores – CONAM, Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, Movimento de Libertação dos Trabalhadores Sem Terra – MLST, Movimento de Mulheres Campesinas – MMC, Movimento de Mulheres Agricultoras – MMA, Movimento Feminista, lutas por mais empregos, pelo fim da violência policial, lutas por melhores condições de saúde, habitação, educação, espaços culturais, lutas pela paz local e mundial, esporte e lazer. Fazendo assim com que a auto-estima volte a ser maior e as esperanças de um mundo com mais igualdades se torne realidade. De acordo com Santos em entrevista a Revista Fórum18, os fóruns sociais nacionais e mundiais aproximam os excluídos, dão voz e sentido as suas buscas; a coesão dos grupos os torna fortes, proporcionando uma divulgação

de

seus

trabalhos,

conquistas

e

lutas,

assim

como

o

reconhecimento dos direitos dos cidadãos, principalmente os da periferia do mundo.

18

Entrevista concedida a Revista Fórum jan./2009, pp. 8-13.

70 Em Lages de acordo com Alves (1980), Silva (1994), Munarim, (2000), Guedes (2005), Couto (2008), descrevem a movimentação e organização social popular mais eficaz somente a partir do momento em que o MDB elege como prefeito Juarez Furtado (1972-76) e Dirceu Carneiro (1977-82) em plena ditadura militar. Onde as forças populares aliadas aos projetos dos prefeitos eleitos tornaram as condições sociais mais favoráveis.

2.4 – Atualidade de Lages e Região Serrana:

Lages continua sendo a maior cidade da região serrana, em proporção territorial e em população, mesmo com todos os desmembramentos que ocorreram, como podemos verificar no quadro 6 a seguir, e que compartilha características com toda a região, segundo Munarim (2000, p. 145), “(...) razão para identificar a Região Serrana com o município de Lages é a história da formação dos municípios. (...) basta observar que todos derivam de desmembramentos relativamente recentes do mesmo município-mãe”.

6. Quadro - Os desmembramentos de Lages:

1ª GERAÇÃO São Joaquim Bom Retiro

ANO 1886 1922

2ª GERAÇÃO Bom Jardim da Serra Otacílio Costa Correia Pinto

ANO 1967 1982

Urubici Campo Belo do Sul Anita Garibaldi São José do Cerrito Ponte Alta

1956

Urupema Celso Ramos

1988 1989

Rio Rufino Cerro Negro Painel Bocaina do Sul Capão Alto Palmeira

1990 1991

Fonte: (MUNARIM, 2000, p.145)

1961

1964

1995 1995

71 Mapa 2 - Municípios que atualmente integram a Associação dos Municípios da Região Serrana – AMURES

Fonte: AMURES – http://www.amures.org.br/municipios/mapazoom.php?

Lages possui como já salientamos uma característica de ser uma cidade, comandada politicamente por algumas famílias da elite, que dispõem dos meios de produção social19 e do capital20 necessário, para manter seus negócios no campo e na cidade. Normalmente os proprietários das fazendas são profissionais liberais (médicos, advogados, engenheiros, empresários da construção civil, etc.), que desfrutam as benesses da cidade, e controlam as fazendas distribuídas nos arredores do município. A estagnação ou lentidão do desenvolvimento do bem estar social demonstra suas ligações com o sistema paternalista-capitalista, que rege a política local. Onde a compra e as trocas de favores por votos ainda são frequentes em pleno século XXI. Nesse contexto, como se estruturam os espaços e práticas de resistência? Quais as desigualdades que estão no foco de luta? Sabe-se que a monopolização do comércio de alimentos, remédios, moradias, a exploração dos trabalhadores do campo e da cidade, o monopólio das informações na mídia e a ganância pelo lucro sem limites e sem fronteiras, 19

Meios de produção: A matéria prima e os instrumentos de produção (máquinas e equipamentos) constituem os meios de produção. 20 Capital: o trabalho do proletário (trabalhador) cria o capital, isto é, a propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode aumentar sob a condição de produzir novo trabalho assalariado, para explorá-lo novamente.

72 motivados pela globalização, são os responsáveis pelas desigualdades sociais, que se tornaram cada vez mais evidentes no decorrer do século XX e XXI. Para Milton Santos (2008), Ladislau Dowbor (2004)

21

, “Nunca se criou tanto

quanto na área científica, nunca se descobriu tanto quanto nestes séculos, porém nunca se matou tanto no mundo em guerras. O comércio se desenvolve cada vez mais, os transportes, os lucros e a pobreza igualmente aumentam”. Essa desigualdade é grande em Lages e Região. Os índices de alfabetização e os indicadores de desenvolvimento humano mostram isso. Nos índices de alfabetização 93,4% da população é alfabetizada e de acordo com o IBGE com dados do ano 2000, os não alfabetizados são 6,6% da população. Como poderemos verificar no quadro 7: 7. Quadro - Os índices de alfabetização e não alfabetização em Lages e Região Serrana - 2000 Total

Total 10 anos ou +

Alfabetizada

%

Não

%

Alfabetizada Lages Anita Garibaldi Bocaina do Sul Bom Jardim da Serra Bom Retiro Campo Belo do Sul Capão Alto Cerro Negro Correia Pinto Otacílio Costa Painel Palmeira Ponte Alta Rio Rufino São Joaquim São José do Cerrito Urubici Urupema

157.682 10 273 2 980 4 079 7 967 8 051 3 020 4 098 17 026 13 993 2 384 2 133 5 168 2 414 22 836 10 393 10 252 2 527

126.952 8 391 2 413 3 245 6 221 6 487 2 452 3 254 13 248 11 124 1 973 1 762 4 055 1 869 18 847 8 470 8 149 2 097

118 586 7 264 2 056 2 931 5 486 5 337 2 162 2 564 12 011 10 183 1 727 1 518 3 552 1 663 17 195 7 190 7 361 1 919

93,4 86,6 85,2 90,3 88,2 82,3 88,2 78,8 90,7 91,5 87,5 86,2 87,6 89 91,2 84,9 90,3 91,5

8 366 1 127 357 314 735 1 150 290 690 1 237 941 246 244 503 206 1 652 1 280 788 178

Fonte: Censo Demográfico - 2000 - Resultados da Amostra. IBGE – acesso em 04/2009.

Entretanto em um estudo feito entre as três microrregiões catarinenses de Campos de Lages, de Joinville e de Tubarão, apresentado no II Encontro de Economia Catarinense realizado em Abril de 2008, diz que: 21

Ladislau Dowbor, economista, professor titular da PUC-SP. Palestra realizada na Acil em Lages, 06/09/2004. Democracia e Poder Político. Filme: Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá, com debate público coordenado por Elydio dos Santos Neto – Local: auditório 239 – PUC-SP. 18/09/2008.

6,6 13,4 14,8 9,7 11,8 17,7 11,8 21,2 9,3 8,5 12,5 13,8 12,4 11 8,8 15,1 9,7 8,5

73

“A microrregião de Campos de Lages (1991-2000) é a que apresenta, na maioria, os „piores‟, indicadores da educação, com exceção, porém, da evasão escolar (pessoas de 10 a 14 anos trabalhando), no qual ficou à frente da microrregião de Tubarão.” (SILVA, WESTPHAL, BERKA, 2008, p.319).

Para a região serrana o pólo educacional é Lages, que possui uma universidade estadual a UDESC, Faculdade privada a Facvest, com 10 anos de atuação e uma universidade pública de direito privado a UNIPLAC, com 50 anos de existência e há 10 anos tornou-se universidade. As vagas para a maioria dos cursos são preenchidas por estudantes de outras regiões e estados, pois suas mensalidades são em sua maioria equivalente a um salário mínimo, o que impossibilita a maioria dos jovens entre 18 e 29 anos a entrarem no ensino superior.

8. Quadro - Índices de escolaridade em Lages e Região Serrana. Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por grupos de anos de estudo, segundo as Regiões Metropolitanas e os Municípios - Santa Catarina. Pessoas de 10 anos ou mais de idade Grupos de anos de estudo Municípios Total

Total

Sem instrução e menos de 1 ano

1a3 anos

4a7 anos

8 a 10 anos

11 a 14 anos

15 anos ou mais

Não determinados

4 374 244

212 181

641 824

1 822 993

788 088

679 997

183 416

45 745

126 952

7 146

18 728

48 262

24 193

21 063

6 787

773

Anita Garibaldi

8 391

919

1 560

4 056

951

664

149

91

Bocaina do Sul

2 413

395

410

1 171

303

110

9

15

Bom Jardim da Serra

3 245

222

840

1 394

365

300

45

79

Bom Retiro

6 221

496

1 314

2 868

765

586

87

105

Campo Belo do Sul

6 506

1 305

1 362

2 717

616

422

54

30

Capão Alto

2 452

314

420

1 199

354

124

13

30

Cerro Negro

3 254

508

656

1 521

362

108

22

76

Correia Pinto

13 248

1 215

2 479

5 516

2 402

1 316

202

118

Otacílio Costa

82

Lages

11 124

829

1 937

4 450

1 960

1 673

193

Painel

1 973

91

493

996

299

61

26

7

Palmeira

1 851

148

398

897

259

91

16

42

Ponte Alta

4 176

566

892

1 899

390

332

59

39

1 869 18 847

167 978

361 3 555

980 8 288

220 3 190

98 2 289

17 354

25 193

São José do Cerrito

8 549

970

1 924

4 198

810

449

87

112

Urubici

8 149

544

1 729

3 476

1 362

768

163

108

Urupema

2 097

191

299

1 091

323

124

36

33

Rio Rufino São Joaquim

74 Fonte: Censo Demográfico - 2000 - Resultados da Amostra. IBGE – acesso em 04/2009.

De um total de 126.952 pessoas que correspondem a 100% de pessoas com mais de 10 anos de idade, por grupos de anos de estudo, apenas 6.787, ou seja, apenas 5,35% da população frequentam ou freqüentaram o ensino superior em Lages. Fato que culmina em um índice de Gini, que em 2000 chegou a 0, 563. Este índice mede a concentração de renda de uma determinada região, e quanto mais próximo de 1.0, maior a concentração de renda. “Ele mostra que a região de Campos de Lages é a que possui a maior concentração de renda. Campos de Lages é a microrregião que apresenta o „pior‟ índice de Gini. (SILVA, WESTPHAL, BERKA, 2008, p.325).” Com esta informação constata-se que a concentração da renda pode ter sido uma das formas pelas quais o acesso a educação em todos os níveis ficou reservada a uma minoria da população.

9. Quadro - Índices de IDH em Lages e Região Serrana. Índice de

Índice de

Índice de

Índice de

Desenvolvimento

Desenvolvimento

Desenvolvimento

Desenvolvimento

Humano Municipal,

Humano Municipal-

Humano Municipal-

Humano Municipal-

2000

Educação, 2000.

Longevidade, 2000.

Renda, 2000.

Anita Garibaldi

0,75

0,825

0,806

0,618

Botina do Sul

0,716

0,793

0,733

0,621

Bom Jardim da Serra

0,758

0,843

0,759

0,671

Bom Retiro

0,732

0,811

0,717

0,668

Campo Belo do Sul

0,694

0,769

0,7

0,614

Capão Alto

0,725

0,838

0,7

0,638

Cerro Negro

0,686

0,74

0,759

0,56

Correia Pinto

0,772

0,871

0,782

0,663

Lages

0,813

0,914

0,782

0,744

Otacílio Costa

0,804

0,882

0,826

0,703

Painel

0,753

0,819

0,782

0,659

Palmeira

0,755

0,813

0,799

0,653

Ponte Alta

0,727

0,81

0,73

0,641

Rio Rufino

0,736

0,805

0,759

0,644

São Joaquim

0,766

0,86

0,756

0,681

São José do Cerrito

0,731

0,802

0,777

0,615

Urubici

0,785

0,856

0,827

0,673

Urupema

0,784

0,849

0,822

0,681

Municípios da Amures

75 Fonte: Censo Demográfico - 2000 - Resultados da Amostra. IBGE – acesso em 04/2009.

Com o maior índice de desenvolvimento humano municipal da região serrana de 0, 813 e 0, 914 em índice de desenvolvimento humano municipal em educação, Lages se destaca entre os 18 municípios que compõem a região da AMURES (quadro 9). Contudo, entre as três microrregiões pesquisadas pelos autores, Lages, Joinville e Tubarão. Lages se destaca novamente com um grande indicador para o número de pessoas desocupadas.

10. Quadro - Comparação entre as microrregiões de 1970 – 2000.

Trabalho Taxa de desemprego (%)

Taxa de desemprego (%)

Lages

1970 Joinville

Tubarão

1980 Joinville

Tubarão

Lages

1,84

2,82

4,97

1,96

2,21

2,77

Tubarão

1991 Lages

Joinville

Tubarão

2000 Lages

Joinville

4,77

5,04

6,34

10,01

13,42

13,85

Fonte: SILVA, WESTPHAL, BERKA, 2008, p.317.

Com uma taxa de desemprego em 1,84% nos anos de 1970, a 13,42% no ano 2000 (quadro 10), Lages não gerou muitas oportunidades de emprego e manteve uma concentração de renda elevada e mesmo havendo uma melhora significativa nos índices de alfabetização ainda há um longo caminho na melhora da qualidade e do acesso ao ensino formal. Em Munarim (2000), podemos encontrar que Lages, é um dos grandes exportadores de mão-de-obra qualificada. Com os poucos cursos de formação e qualificação de profissionais públicos e gratuitos existentes na região, há aqueles que se qualificam nas empresas ou em cursos privados. Ao se profissionalizarem recebem propostas de trabalho em outras regiões como: Caxias do Sul, Blumenau, Joinville, Curitiba entre outras cidades, que oferecem melhores salários compatíveis com a função.

76 Podemos assim entender que o desenvolvimento da região de Lages poderá se tornar um grande polo à medida que a pesquisa e o investimento de recursos federais possam equilibrar a demanda de profissionalização (trabalho) e qualificação (educação) dos trabalhadores.

77

CAPÍTULO 3

MAPEAMENTO DOS MOVIMENTOS E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS POPULARES: TEMPOS DE RESISTÊNCIA EM LAGES E REGIÃO SERRANA.

Em Lages e região a história oficial registra poucos movimentos e ações de resistência popular. No desvelamento da história, desta cidade, nas entrelinhas, observamos o quanto essas ações ficaram invisíveis. Anterior à década de 1980, do século XX temos indicativos de ações que fizeram parte da Guerra do Contestado (1912-1916) e mobilizações em torno de criação de sindicatos, como o Sindicato Madeireiro (1958). Esses dois movimentos sociais de acordo com Ribeiro (2005) ocorreram também na região serrana. A guerra a nível estadual e que teve repercussão em Lages com muitos adeptos e seguidores e de acordo com Queiróz (1981). Entre os madeireiros houve um movimento em defesa dos interesses da classe trabalhadora, lutando por aumento de salários, diminuição da carga horária de trabalho e direitos trabalhistas. É importante lembrar que o setor que mais empregava no período da década de 1950 na região serrana era o madeireiro. Os movimentos e as organizações sociais populares pesquisadas são posteriores ao ano de 1980. Através de uma pesquisa qualitativa, fomos em

78 busca das memórias das lideranças, de pessoas que participaram de movimentos e organizações populares. Em suas falas vamos percorrendo o caminho da formação do movimento, principais lutas. Descobrimos nessa trajetória que na organização desses movimentos fazem parte muitas pessoas que participaram da gestão Dirceu Carneiro. Na história local, a década de 1970 e início da década de 80 são emblemáticas. Esse período, 1976 a 1983, como já mencionamos no capítulo anterior sob grande influência da gestão de Dirceu Carneiro prefeito de Lages, com uma proposta de governo diferente: – a força do povo – democrático e participativo, criam-se diversos mecanismos de organização da população local, como as associações de bairro, as comunidades rurais organizadas, as associações de pais e professores entre outros. A ação do poder público nesse período estava voltada à educação popular como preponderante na organização da população e na defesa dos seus interesses. Esses canais institucionalizados de participação, mesmo que depois tenham sido cooptados, serviram como espaço inicial de organização local. Após a década de 80 há um aparente enfraquecimento das organizações e movimentos populares. Aparente, pois suas ações não encontram

visibilidade nos jornais locais

tradicionais. Estes movimentos e organizações sociais populares, ficaram mais na invisibilidade do que em evidência não tendo a devida divulgação, ficando restritos aos meios informativos dos próprios movimentos, com informações em jornais e boletins de pouca circulação. Exemplo: boletim Pixurum do Centro Vianei, que começou a circular em abril de 1989, e Cheiro de Terra, 1978 – boletim da Comissão Pastoral da Terra – Santa Catarina22. Na grande mídia havia pouco espaços para esses movimentos e na oportunidade em que apareciam era para receber críticas pelas inquietações que provocavam O Centro Vianei de Educação Popular, uma ONG, que será tratado mais adiante, foi um dos precursores na formação de líderes sindicais na região sendo que também aqui encontramos muitas pessoas que atuaram na administração Dirceu Carneiro. Não se pode esquecer a contribuição por parte

22

Coletânea Pixurum, 2004, p. 11 e Boletim Cheiro de Terra – Exemplar n° 170 – ano 29 – outubro/dezembro 2007.

79 da Comissão Pastoral da Terra (CPT), com padres ligados à Teologia da Libertação. A importância do mapeamento, permite além do registro, a visilidades das formas e espaços de resistência, da luta contra as desigualdades e injustiças sociais.

Os movimentos sociais na serra catarinense existiram e

foram de forma expressiva, mesmo que reprimidos pelos mais diversos meios, agentes causadores de transformação social, seja nas reuniões de formação sindical, associações de moradores, passeatas, ocupações, denunciando crimes ecológicos, participando da construção da cultura local. Propõe-se assim uma reflexão de Lages como uma região em efervescência e que permita incentivar ainda mais as novas gerações que desejam e acreditam na necessidade de um mundo melhor, mais justo e solidário. Pois os “Movimentos sociais são uma das formas possíveis de mudança e transformação social.” (GOHN, 2004, p.248).

3.1 – Movimentos Sindicais:

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lages - STR

A organização social do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lages, teve sua criação no dia 08/11/1970. Tem seu reconhecimento junto a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, fundada em 22 de dezembro de 1963, e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina – FETAESC, fundada em 2 de julho de 1968. E para o senhor Carlos Luiz Peron, um dos fundadores do sindicato e que atua no movimento há 36 anos, foi uma vitória para os agricultores da região serrana. As principais reivindicações na época de fundação do sindicato eram as questões médicas e odontológicas. E sempre foi foco de atuação do sindicato auxiliar nas questões de convênios médicos, odontológicos e de financiamento

80 junto ao banco do Brasil. Diz o senhor Carlos entrevistado para esta pesquisa que: - “As questões políticas não eram muito tratadas e a fiscalização ambiental é precária, porque as indústrias papeleiras são muito poderosas politicamente”. Podemos assim perceber que o STR – Lages teve mais uma ligação mediadora entre os proprietários de terra e os trabalhadores rurais, a articulação e organização junto aos trabalhadores rurais centrava-se e centrase na garantia do acesso à saúde e nas negociações de financiamento junto aos bancos. Uma ação muito próxima dos interesses da elite local, não se configurando maiores projetos em relação aos direitos dos trabalhadores rurais. Peculiar na história do Brasil, essa atuação sindical, muito vinculada a administração de benefícios sociais, no qual as organizações sociais e reivindicações sindicais cedem espaço político ao domínio econômico dos patrões e partidos políticos locais.

Sindicato dos Professores Estaduais – Sinte

Os professores da rede estadual de educação de Lages foi organizada como Associação dos Professores de Lages (APROL), em 1967, em pleno regime militar, como um grupo de resistência e de luta pela educação pública. Para o prof. Sérgio Satori, um dos fundadores da associação, ela era “de caráter reivindicatório, na defesa dos direitos dos professores, porém de forma tímida”. Ainda em seu segundo ano de funcionamento, ano de 1968 o Ato Institucional – (AI – 5) foi decretado pelo governo militar de Costa e Silva. O novo decreto dava ao presidente o poder de fechar o Congresso Nacional e fazer leis e dentre eles – suspender direitos políticos de qualquer cidadão, demitir, transferir e aposentar funcionários públicos, censuras que atingiam em cheio também a classe dos educadores. De início, como não poderia deixar de ser, num período de ditadura, as ações da associação foram tímidas, mesmo assim o prof. Sérgio menciona que foi chamado para interrogatório duas vezes no quartel do exército na cidade de

81 Lages. Passaram se os anos e em 1983 a Central Única dos Trabalhadores (CUT), é instituída e intensifica a mobilização sindical em todo o país. No período compreendido entre 1978-1984, há uma ampla mobilização nacional contra o regime militar envolvendo partidos políticos (entre eles o MDB, representado na cidade de Lages pelo então prefeito Dirceu Carneiro), sindicatos, movimentos sociais e organizações sociais populares, (em Lages o CRAB, MMA, CPT) e associações como a (APROL e de moradores dos bairros). Que fazem parte também das lutas pela redemocratização do Brasil. No ano de 1989 os professores da rede estadual de educação conseguem institucionalizar suas ações agora com mais peso e poder de decisão e barganha com o governo do Estado. Aos vinte e sete dias do mês de outubro de mil novecentos e oitenta e nove as 15:00, no salão Paroquial da Catedral, em Lages, após assembléia extraordinária para extinção da APROL – Associação dos Professores de Lages, realizou-se a primeira assembléia do SINTE – Sindicato dos Trabalhadores em Educação – Sede Regional de Lages.

(Ata nº 01 do SINTE – 27/10/1989).

Porém, de acordo com o prof. José Batista da Rosa, essa não foi uma luta fácil. Batista é filho de agricultores na região de São Joaquim, participou de movimento estudantil nos anos de 1980 e militou no movimento sindical de 1984/85, militante no processo de transformação da APROL em SINTE – (Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública de Ensino do Estado de Santa Catarina). E neste processo de transformação social vivido buscavam além da redemocratização do país, garantir os direitos do funcionalismo público, em suas palavras: A dificil tarefa de os professores se sentirem como classe trabalhadora. Alguns professores na sua maioria sentiam-se como classe privilegiada, ranços do regime político imposto pelos militares. O excesso de autoritarismo impregnado nos professores e o tratamento dado aos alunos como apenas receptores, a “educação bancária” dita por Paulo Freire, em contraposição ao novo regime político-social em luta, de democratização da educação e o tratamento do aluno como sujeito, foram também lutas travadas no meio educacional. (Entrevista realizada em 05/2008).

82 Para os professores entrevistados, o movimento sindical continua atuando, porém, ainda faltam muitas pendências e reivindicações a serem resolvidas em relação à educação. Uma das principais é segundo o prof. Batista a “de democratizar o cargo de diretor nas escolas, para que o cargo de gestor deixe de ser um cargo político e que venha ser respeitada a democracia para escolha dos diretores, além da participação mais expressiva da comunidade com a escola”. O professor Batista da Rosa, considera a escola como sendo uma “jaula de ferro”, com super lotação, e que as escolas devem se modernizar e seguir os inventos da modernidade, reinventar a escola com msn, email, orkut, internet, não apenas quadro e giz como são a maioria absoluta das escolas em nosso país.

Sindicato dos Professores Municipais – Simproel

O Sindicato Municipal dos Professores em Educação de Lages, também teve sua origem com uma associação a ALPROM – Associação Lageana dos Professores Municipais. Fundada no ano de 1989, vinte e dois anos depois da associação dos professores de Lages, que congregava os professores com vínculo profissional com o Estado. A nova associação surge com o intuito de defender e garantir direitos e conquistas trabalhistas para a categoria, lutavam para que os professores da rede municipal de educação tivessem as mesmas possibilidades de crescimento profissional que os professores da rede estadual e particular. Um grupo de aproximadamente 130 professores se reuniram no ano de 1989 e aprovaram estatuto e elegeram a 1ª diretoria. Até esse período os professores participavam do sindicato único dos servidores municipais. Na onda dos movimentos reivindicatórios os professores buscavam:  estabilidade,  plano de carreira,  licença prêmio,  progressão a cada 10 anos e

83  concurso para efetivação.

De acordo com a prof.ª Aidamar Seminotti Hoffer, uma das fundadoras da associação e presidente da ALPROM no ano de 1993, ela diz que: O sindicato dos servidores públicos municipais (SINDSERV) era patronal e as formas de escolha dos representantes dos professores era indicada pelo prefeito municipal da época, João Raimundo Colombo (PFL – Partido da Frente Liberal) 1989-1992. “No ano de 1989 os professores municipais fizeram uma paralização de 10 dias, mesmo correndo risco de desemprego, protestaram na praça em frente a catedral e foram recebidos pela polícia e com jatos de água do corpo de bombeiros, tipicos da ação da ditadura militar. (Entrevista realizada em 08/2008).

Nos anos de 1997, uma assembleia geral da associação foi convocada como mostra o panfleto a seguir, no qual podemos observar através do slogan, é tempo de mudanças! E você precisa ajudar”, a convocação para criação do sindicato e as principais reivindicações da categoria, como vale alimentação e plano de saúde. Foto 1 – Folder do sindicato - 1997

Fonte: acervo do arquivo – Simproel

E dois meses após esta assembléia foi instituído o Sindicato Municipal dos Professores em Educação de Lages – SIMPROEL, sindicato este vinculado a CUT. Na ata consta que:

84 “Aos nove dias do mês de Dezembro de hum mil novecentos e noventa e sete, com início as quinze e trinta horas, nas dependências do Centro Educacional Vidal Ramos Junior, teve início a Assembléia Geral Ordinária do SIMPROEL – Sindicato Municipal dos Profissionais ( leia-se Professores em Educação) de Lages”. (Ata nº 1 – 9/12/1997).

A ALPROM – associação dos professores até então, passou a ser oficializado sindicato. Na declaração da presidente eleita nesta primeira reunião observa-se que o foco de atuação do sindicato seria a luta pela elaboração de um plano de carreira. Dentre as reivindicações conquistadas através das lutas com o poder público, destacam-se:  triênio,  licença prêmio,  afastamento remunerado,  vale transporte,  bolsa para a faculdade (graduação),  eleição para diretor de escolas,  plano de carreira e qualificação profissional com formação continuada.

E mais recentemente, é interessante enfatizar também, que desde 2007 até os dias de hoje, os professores efetivos da rede municipal de educação, que desejarem fazer pós-graduação, tem bolsa de 50% e licença com vencimento. Uma conquista do Simproel. Entretanto, ainda há um longo caminho na defesa da categoria, como menciona a prof. Aidamar: Atualmente os tempos são outros e a ausência do sindicato dos professores nas lutas pela melhoria nas condições estruturais das escolas ficaram a mercê da politicagem, pois o sindicato vem perdendo espaço por ter funcionários comissionados e estar atrelado aos ditames de partidos políticos, isto fez com que o sindicato dos professores se tornassem uma financeira, onde os próprios trabalhadores pagam juros para poder receber vales (empréstimos), e uma longa lista de convênios se formou em torno do sindicato por ter credibilidade no comércio local. (Entrevista realizada em 08/2008).

Podemos perceber que para a professora entrevistada, é necessário formar novas lideranças e mudar o perfil sindicalista do atual sindicato dos professores, e torná-lo mais lutador em prol das causas da educação e dos educadores. E entre essas lutas, a defesa da realização de concursos para o

85 quadro de carreira, o número de professores ACT´s – admitidos por contrato temporário, os chamados “contratados” vem aumentando nos últimos anos, a mais de 10 anos o município não faz concurso para efetivação do ensino fundamental.

3.2 – Movimentos do Campo

Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB

Em 1983 notícias começaram a circular pela região de Lages de que várias barragens seriam construídas, o rio Canoas e Pelotas se tornariam enormes canteiros de obras e de acordo com o prof. Geraldo Locks, que participou ativamente das pastorais na região, entre elas a pastoral da terra, no período em que atuava como padre e coordenava as reuniões de discussão sobre as barragens diz que: - “Haveria aqui, aquilo que um aluno numa escola um dia fez um trabalho dizendo: - „vai haver um dilúvio programado aqui na região‟. Rio Canoas e Pelotas na bacia do Rio Uruguai, em torno de 38 barragens seriam construídas.” (Entrevista realizada em 31/05/08) Começaram então neste período, em conjunto com o Projeto Vianei, pois o prof. Geraldo é um dos fundadores/formuladores do projeto, juntamente com o prof. Sergio Sartori, o prof. Ari Martendal e o prof. Munarim e outros profissionais. Na fala do professor destaca-se a forma de atuação e trabalho junto à população que seria atingida pelas obras, como menciona “ir até as barrancas dos rios alertar os pequenos agricultores sobre as obras que estavam em andamento na região. Alertar, e dizer não ao projeto, assim como sobre os direitos de indenização que os agricultores teriam direito caso suas terras fossem inundadas pelas águas da represa”. (Entrevista realizada em 31/05/08). No dia 06 de outubro de 1984 em São José do Cerrito através da mobilização de pequenos agricultores da regiões afetadas pelas águas, foram

86 criadas comissões responsáveis para atuar junto com as comunidades ribeirinhas e foi criada neste dia na região serrana a Comissão Regional de Atingidos por Barragens – (CRAB) com a finalidade de mobilizar as comunidades. E também a criação da Comissão Pastoral da Terra – CPT 23. Além das barragens foram identificados outros problemas que os agricultores enfrentavam. Para o prof. Geraldo os principais problemas relatados pelos moradores eram: 

Problemas com estradas,



Sindicatos que não funcionavam na defesa dos agricultores,



Transportes precários e de dificil deslocamento,



Comercialização de produtos,



Políticas agricolas desfavoráveis aos pequenos agricultores,



Preço dos produtos,



Problemas com terras e com a falta de terras.

Com todos estes problemas a serem resolvidos a solução seria mobilização e organização dos moradores. Para o prof. Geraldo, “o MAB foi o estopim alavancador de outros movimentos, as mulheres participando juntos começou também a questão da mulher, a tal ponto que em 1985, nascia o Movimento das Mulheres Agricultoras (MMA) na época, hoje Movimento de Mulheres Campesinas, na nossa região”. (Entrevista em 31/05/08) De 1984 a 1986 na região serrana foram criados os movimentos dos atingidos por barragens, movimento de mulheres agricultoras e o chamado novo sindicalismo para a região, o sindicalismo de oposição em contraposição ao sindicato patronal existente. Diante das reivindicações e a organização dos pequenos agricultores locais, foi possível viabilizar uma maior participação junto a população campesina e a criação das Casas Familiares Rurais – CFR, 23

CPT – No início da década de 1960, a Igreja Católica criou as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), que, já em meados da década de 1970, existiam em todo o país. Baseados nos princípios da Teologia da Libertação, elas se tornaram importantes espaços para os trabalhadores rurais e urbanos se organizarem e lutarem contra as injustiças e por seus direitos. Em 1975, surgiu a CPT (Comissão Pastoral da Terra), também da Igreja Católica, que, juntamente com as paróquias das periferias das cidades e das comunidades rurais, passou a dar assistência aos camponeses durante o regime militar. No início a CPT esteve voltada às lutas dos posseiros do Centro-Oeste e Norte. Mais tarde, com a eclosão de conflitos pela terra em todo o país, ela se tornou uma instituição de alcance nacional. (Morissawa, 2001, p.105)

87 que proporcionaram aos moradores do campo a permanecerem junto as suas atividades rurais, pois as casas familiares rurais buscam elevar a discussão em torno das técnicas agronômicas24. Esse não foi um período calmo de organização dos movimentos e asociações locais. Na luta contra os interesses defendidos pelas elites econômicas locais. Os movimentos sociais e organizações populares enfrentavam, os governos neoliberais da década de 1990, dos ex-presidentes Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso e a presença da União Democrática Ruralista – UDR. Ronaldo Caiado representante dos latifundiários e dos grandes agricultores, esteve em Lages no início dos anos 90. A década de 90 foi um período de muita luta para os movimentos sociais, muitos deles não resistiram as pressões e se desestruturam e nesse sentido, também temos que considerar o que o prof. Geraldo em sua entrevista chama de heranças culturais

como a: “falta de escolarização, o compadrio, o clientelismo, o

coronelismo, a pobreza e o fatalismo”. Alguns anos depois, em 1989 o MAB realizou audiência com a Eletrosul para saber qual seria realmente o impacto causado com as inúmeras hidroelétricas a serem construídas em Santa Catarina: O projeto de construção de hidrelétricas no Brasil encontra-se descritono Plano 2010 da Eletrobrás: - São 297 barragens em todo o Brasil, sendo que 106 estão no Sul do Brasil e 34 em Santa Catarina. - 100 mil pessoas em Santa Catarina e 12 milhões de brasileiros são atingidos pelo projeto de construção das barragens. Serão alagados 142Km² de terras no Brasil, ou seja, 7 a 8 milhões de hectares. (COLETÂNEA PIXURUM, 2004, p.23).

Estes dados demonstram que, na região serrana como em outras regiões afetadas pelas barragens, que há uma semelhança de expulsão dos ribeirinhos, meeiros, arrendatários, que são propositadamente excluídos e marginalizados nos processos de decisão, aumentando ainda mais o fluxo dos moradores do campo em direção às cidades em busca da manutenção de sua sobrevivência e de seus familiares. Deixando para trás no esquecimento suas memórias, enfraquecendo e reformulando sua identidade sua cultura e sua história. 24

Sobre Casa Familiar Rural – CFR, ver dissertação de Ilsen Chaves no PPGE/Uniplac.

88 Esse foi um primeiro período de movimentos sociais, cujas origens encontramos na luta pela garantia dos direitos em função da construção de usinas hidroelétricas. Há alguns anos de esmaecimento do movimento que retorna nos primeiros anos do século XXI. Nesse segundo período, observa-se o surgimento de diversas ações, algumas dissidentes dos antigo Movimento de Atingidos por Barragens e outros que se articulam em função da construção de pequenas centrais hidroelétricas, o que conforme salienta (PEIXER et all, 2009) Intensificam-se a construção de PCHs - pequenas centrais elétricas, que dispensam a formação de grandes lagos e podem representar um menor impacto ambiental e social, aliado a um processo construtivo mais rápido, desde as licitações até o funcionamento, bem como a isenção do pagamento de royalties e de taxas de compensação, o que torna o empreendimento extremamente atraente para os investidores externos. De forma geral esses empreendimentos são considerados e avaliados de forma individual. Nesse sentido, cria-se uma ilusão de baixo impacto da obra e dilui-se perspectivas de resistência social, entretanto, observa-se aqui na região uma sucessão de PCHs, o qual efetivando-se a construção resultará numa seqüencia de lagos.

Assim também estão sendo feitos movimentos denunciando as omissões e desvios da UHE Paiquere (Coxilha Rica – Lages). Quanto as consequências das inundações, tanto as UHEs quanto as PCHs, “com impactos ambientais e sócio culturais semelhantes.” (TAMANINI, GRÜN, PEIXER, 2007, p.278). Os autores continuam:, Tanto na UHE Campos Novos, como na Barra grande, há uma forte organização do movimento de atingidos por barragens, com ações diversas de mobilização e protestos. Em 21 de março, deste ano (2007) fizeram ocupação de uma madeireira, como forma de protesto pelo desvio de madeiras pela empresa construtora, como noticiado pelo MAB.

Nessa nova configuração e estratégias de implementação da política energética brasileira, novos movimentos se organizam na região, alguns já em forma de associações. Associações estas que apresentam formas distintas de pensar o novo modelo econômico, o novo ciclo, que está sendo realizado na região serrana, (...) aspecto interessante, na área de abrangência das PCHs é que os movimentos que estão surgindo, diferente de outras áreas em que organizam-se movimentos sociais, aqui os processos de resistência e de aceitação, o fazem sob a forma de associação. Estão sendo

89 instituídas duas associações, nenhuma com posicionamento contrário à construção dos empreendimentos, o que as diferencia é a perspectiva de negociação e de programas de indenização. Uma das associações defende abertamente os interesses das empresas construtoras, considerando as obras inevitáveis, necessárias e portadoras de progresso para a região. Enquanto a outra, apesar de não questionar a necessidade dos empreendimentos, coloca-se numa perspectiva de garantir e defender os interesses dos que serão atingidos, numa perspectiva de negociação coletiva e que garanta valores adequados de indenizações, com distribuição dos mesmos nas localidades diretamente atingidas. Outra grande diferença diz respeito ao Projeto Social de Desenvolvimento que cada associação almeja. Uma parte do principio, de que o desenvolvimento, alicerçado pelos empreendimentos hídricos, passa pelo incentivo do turismo setorial, principalmente na criação de resorts. Para a outra, ainda que incipiente, há a preocupação com a qualidade de vida no local para os moradores, com valorização da cultura local e do modo de ser. Apresenta também preocupações com a segurança da comunidade no processo de construção das obras. Aqui se percebe as diferentes concepções de lugar e as diferentes estratégias de negociação e de sobrevivência, principalmente dos grupos populares, que se vem ante três fortes discursos. (PEIXER, SIQUEIRA, TAMANINI, GRUN, 2009, p. 9).

A infalibilidade das obras já é descartada, porém, há a expectativa de que as construções das PCH‟s e UHE‟s sejam em menor número do havia sido projetado incialmente pelas construtoras, o que também caracteriza uma vitória aos grupos populares organizados que vivem e dependem da natureza como meio de sobrevivência.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

Um do movimentos sociais de maior atuação e repercussão no Brasil é o MST. É conhecido em todo o mundo e estudado por pesquisadores de vários países do mundo por sua atuação e proposições contra o modelo capitalista da elite latifundiária brasileira. Eles integram uma rede de movimentos internacionais e nacionais interligados, que permite ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, promover e expandir a reforma agrária, denunciar crimes contra o meio ambiente e crimes contra os direitos humanos dos trabalhadores.

90 Fundada e organizada oficialmente de acordo com Morissawa (2001) no 1º Encontro Nacional dos Sem-Terra, em Cascavél – PR, em janeiro de 1984. Porém, “a semente do MST foi plantada em 7 de setembro de 1979, ainda em plena ditadura militar, quando ocorreu a ocupação da Fazenda Macali, em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul”. A autora destaca a influência nesse período de organização , “o espaço aberto para esse protesto foi a CPT25, sem a qual, em anos de ditadura, o Movimento não teria nascido ou talvez demoraria ainda muito tempo para surgir”.(MORISSAWA, 2001, p.123). De 1986 ao ano 2000, o MST recebeu 54 prêmios e homenagens nacionais e internacionais. Seu reconhecimento como movimento de classe social e não como NMS, está caracterizada por Vendramini como: Classe social como elemento explicativo da ação social, ou melhor, para designar os sujeitos que intervêm na história, que a partir das condições objetivas de vida são capazes, na luta política, de criar uma consciência social. A classe é, para o trabalhador, a formação social que organiza o seu confronto com a ordem, portanto, só se pode falar em consciencia na luta de classes, em política, a qual se forja nas lutas sociais, pela ação coletiva, implicando uma organização que seja a portadora de uma ideologia própria”. (VENDRAMINI, 2000, p.34)

Um movimento da classe social dos trabalhadores rurais que em ações com os trabalhadores urbanos questionam as estruturas de formação da sociedade capitalista. A principal arma que o MST dispõe é a ocupação, pois ocupar na concepção do movimento não é invadir. Com a ocupação das fazendas e latifúndios se denuncia os crimes ambientais, crimes contra a saúde do trabalhador e crimes contra a constituição federal, entretando os opositores do movimento buscam caracterizar como sendo confronto contra a ordem. Este conceito de movimento social como movimento de classe social, contrapõe o conceito elaborado por Gohn (2004),onde o MST, faz parte dos chamados NMS, por estar entre os movimentos latino-americano que se formaram após a década de 1970 e que assim compõem as chamadas lutas 25

Para o Monsenhor Andréas Wiggers, a primeira “pastoral da terra”, Comissão Pastoral da Terra, nasceu de um “Encontro de Pastoral na Amazônia” realizado no mês de junho de 1975. Sua missão foi definida a partir das necessidades dos povos camponeses da região, ameaçados em relação ao direito a terra, vítimas de toda forma de violência. Havia notícias de massacres de posseiros, mas ninguém da conta de confirmar; pior, em muitas regiões nem mesmo membros da Igreja conseguiam dar visibilidade ao que estava acontecendo. (Texto escrito em 08/2008).

91 sociais reivindicatórias. O MST vai além da reivindicação, ele quer provocar e vem provocando a mudança nas estruturas dos poderes legislativo, executivo e judiciário do Estado. O que é defendido por Vianna (2008) como movimento permanente. Na região serrana de Lages, o movimento também teve como precursores a CPT e aliaram-se a ela a ong Centro Vianei, assim como os movimentos sindicais rurais, movimento de mulheres agricultoras e de atingidos por barragens. No ano de 1989 o Pixurum boletim informativo do Centro Vianei de Educação comunica que: “O STR de Curitibanos e o movimento dos trabalhadores rurais sem terra, convidam todos os sem-terra da região para uma grande assembléia no dia 28 de abril em Curitibanos.” Nas palavras de Andréas Wiggers (2008) sobre a CPT e seu trabalho de base ele diz que: Aos 4 de março de 1981, através duma visita do padre Levino Blannger e padre Ivo, que vieram pedir nossa integração e ajuda, no Movimento da Barragens no Rio Uruguai. Era um projeto que iniciava e deveria terminar em 1990. Era cerca de 25 barragens em toda a sua extensão. Nós entramos com o trabalho a todo vapor com reuniões frequentes e atividades de conscientização em todas as reuniões, cursos e treinamentos do Secretariado Diocesano de Pastoral. Houve eliminação de marcos para manifestar nossa insatisfação a um projeto que não nos interessava, pois, prejudicaria o clima e nossas melhores terras ao longo dos rios Pelotas, Canoas e Uruguai. Houve sim, um retardamento do projeto, porém, houve algumas barragens já estão prontos, mas o povo ainda se lembra de nossa movimentação intensa em anos passados. As consequências estão ai assentamentos, pessoas que moravam na área, foram desaproriadas e foram para outros locais. Há vários acampamentos e assentamentos atualmente na região de Campo Belo, Cerro Negro, Ponte Alta e Curitibanos.

As consequências motivaram o surgimento dos movimentos sociais em Lages e demais regiões da Serra Catarinense como por exemplo:  Ocupação, Anita Garibaldi, 11/abr/2004, localidade de São Jorge  Assentamento Anita Garibaldi – Ponte Alta, 2003, 45 famílias, 500 hectares;  Ocupação, Campo Belo do Sul, 14/jan/2008, Fazenda Santa Cruz, 50 famílias, 900 hectares;

92  Ocupação, São José do Cerrito, 31/out/2004, Fazenda Linda Vista, localidade de São Miguel, 250 famílias, 1200 hectares; foi ocupada  Assentamento Pátria Livre – Correia Pinto, 26/mar/2005, Fazenda São Roque, localidade de Águas Sulfurosas, 70 famílias, 1268 hectares.  Ocupação, Correia Pinto, 22/jun/2008, localidade de Correia Pinto Velho, 20 famílias, 130 hectares.  Campo Belo, Cerro Negro, Capão Alto há 15 propriedades que já foram avaliadas e aprovadas para desapropriação.

A região serrana de Santa Catarina, desde 2003, vem sendo palco de luta pelo MST e tendo seus assentamentos consolidados, trabalho que segundo o prof. Geraldo Locks “foram iniciados a pelo menos 20 anos atrás e que agora estão dando resultados”. A região da Amures, é considerada uma das regiões com menor Índice de Desenvolvimento Humano do Estado de Santa Catarina. A concentração de terras, a pouca escolaridade da população e a falta de participação da população nas decisões político-administrativas, proprocionam a concentração da renda a pequenos grupos do agronegócio, empresários dos transportes rodoviários e do setor madeireiro, assim como produtores de pinus. O assentamento Pátria Livre no município de Correia Pinto, fica a mais ou menos 25 km de distância de Lages, é um dos ícones e um dos grandes representantes dos movimentos sociais na região serrana. Existem outros na região da Amures, como os que foram descritos anteriormente, porém, este assentamento é de acordo com Geneci Andreoli, entrevistada e coordenadora da frente de massas do MST na região, “uma vitória sobre os resquícios dos últimos latifúndios em Santa Catarina”. Depois de muita espera, sofrimento e luta. Ela recorda em um dos episódios que marcaram esta luta ainda acampados as margens da BR – 116, e a espera da decisão do Supremo Tribunal Federal, “eram os tiros que os capangas dos fazendeiros, que também trabalhavam para a Klabin davam em direção ao acampamento, sorte não ter acertado ninguém, só perfuraram a lona dos barracos”. (Entrevista realizada em 04/05/08). Outro episódio marcante foi a agressão por parte dos fazendeiros ao professor do acampamento que foi relatado pelo mídia local.

93 Foto 2 – “MST denuncia agressão por parte de fazendeiros”.

Eram 16h da tarde de ontem quando dois jovens integrantes do Movimento Sem Terra, saíram do acampamento as margens da BR 116, vizinho da Fazenda São Roque em Correia Pinto para catar pinhão. Segundo denúncia das vítimas Paulo Cesar da Costa, 20 anos e Franscisco José Siqueira Neto, 52 anos, o arrendatário Alfeu Schilchting Filho e seu filho abordaram os dois integrantes do MST com agressão. Uma das vítimas é professor do acampamento, o Paulo que conta que foram ameaçados na mira de um revólver e obrigados a deitar no chão. Com a chegada de mais dois capangas, Paulo acusa Alfeu de ter-lhe cortado a orelha com canivete. O arrendatário ainda teria tentado cortar o poescoço, mas Paulo fugiu. A delegada de Correia Pinto, Stela Maris, ainda deixou detido os dois integrantes do MST sob a acusação de furto de pinhão. A pedido da senadora Idelí Salvati, o advogado Júlio Borba acompanha o caso e deverá entrar com representação na área criminal por tentativa de homicídio e na área cível por danos morais e estéticos. (Jornal O MOMENTO 08 de junho de 2006). Fonte: Jornal O Momento 08/06/06.

Movimento marcado pela intensa mobilização e processo de formação e acompanhamento dos acampamentos e assentamentos. Nesse sentido, a luta não se restringe somente à terra, mas também a condições de produção e comercialização. Esse é um ponto estratégico também nas relação com a comunidade local, próxima aos locais de assentamentos, como explica Geneci, em 2007 as primeiras 70 famílias do assentamento receberam fomento para a compra de materiais agrícolas e outros produtos necessários, assim

“Isso

proporcionou uma movimentação financeira no comércio local e o MST deixou

94 de ser taxado como ladrões e desordeiros e esperado pelos comerciantes locais agora de “bom grado”. (Entrevista realizada com Geneci). Ainda segundo as lideranças há muitas coisas que precisam ser conquistadas dentro do assentamento como correção do solo degradado pelas queimadas para a pastagem do gado dos antigos proprietários, posto de saúde, escola de ensino fundamental, energia elétrica, destino para o lixo, e a produção em si do assentamento com a produção do gado leiteiro e a produção de moranga, para auxiliar o Assentamento Anita Garibaldi em Ponte Alta. Para produzir os produtos Terra Viva que auxiliam na promoção financeira do movimento. E serão utilizadas técnicas da agroecologia que minimizam os danos à natureza e a todo ecossistema da região.

3.3 – Movimento Comunitário de Bairros:

De acordo com Alves (1988, p.35,36), em Lages “ a primeira Associação de Bairro nasceu em 1978 e puxou a fileira das outras”, essa associação foi criada no bairro habitação, como uma estratégia do Governo Dirceu Carneiro, como salienta Andrade (1996, p. 36) tinham como objetivo: Mobilizar a população da periferia para sua participação ativa no processo politico-administativo, na busca de soluções para os problemas de cada bairro, respeitando sempre as características de cada comunidade. Foram criadas em torno de 25 associações de moradores, até o ano de 1982, e a Lei Municipal 550/82 reconheceu e deu guarida à ação destas organizações

Como podemos observar as associações serviriam como espaço de organização e participação da comunidade na gestão local. Para Couto (2008), O bairro Habitação tem origem a partir do programa de habitação popular do governo de Dirceu Carneiro (1977/1983). Sua fundação data de 1978 e teve importância fundamental no desenrolar do Projeto Lageano de Habitação. Juntamente com a criação do bairro, criava-se, também, a Associação de Moradores do Bairro Habitação, sob a iniciativa da municipalidade. (COUTO, 2008, p.16).

95

Nesse período diversos bairros criam a sua associação, entre elas a do bairro Ipiranga. O bairro Ipiranga na cidade de Lages, na década de 1980, era considerado um dos mais pobres da cidade e tido como um dos principais currais eleitorais, onde imperava a compra do voto, com cestas básicas, pagamento de água e luz. Para Batista Couto entrevistado e presidente da associação nos anos de 1986-1990 e secretário da associação de 1990-1992. “A nova proposta era trabalhar com a comunidade, não para a comunidade. Que bairro nós queremos?”, A ação de 1986 propôs um diferencial para a associação de moradores, inflamados pelas questões participativas do período da gestão Dirceu Carneiro, foram feitas reivindicações para o poder público municipal posto de saúde, horta comunitária, saneamento básico e uma discussão ferrenha com a Igreja Católica – a Mitra Diocesana, por causa do terreno que a Igreja queria vender a um empresário local e acabar com a horta comunitária.(Entrevista realizada em 23/05/08)

A criação do fato político na luta pelos direitos humanos a alimentação feita pela comunidade, fez com que a Igreja desistisse de vender o espaço ocupado pela horta comunitária. Como essa área acabou ficando numa área próxima ao centro da cidade e de expansão urbana na década de 90 o terreno é vendido e em 1994 no local é criado o bairro Bom Jesus. Batista, uma das lideranças na associação, conta também que: Além disso foram feitos mutirões para casas populares, saneamento básico e conscientização da ação dos moradores na busca de autonomia e direitos, no ideal de uma nova comunidade. Foi também feito um informativo o – “Grito do Ipiranga” – para divulgar as ações que a associação realizava em assembléias, na divulgação da formação política consciente dos moradores como os principais protagonistas da comunidade onde vivem. Foi um período de construção de uma comunidade que aprendeu a dizer ao poder público quais eram suas maiores dificuldades e não apenas ouvir as decisoes do poder público. Mesmo assim houve momentos difíceis onde o autoritarismo que era vivenciado até então teve que recomeçar pois o novo sistema participativo e democrático demora para ser aceito por alguns,. Festas diálogos cursos de formação, cursos técnicos de pedreiro, carpinteiro, costureira, e conjuntamente na associação formação política: democracia, a importância da atuação militante junto a associação de moradores, solidariedade, e outros assuntos de importância julgadas pela propria comunidade local. (Entrevista realizada em 23/05/08).

96 Para o ex-presidente da associação os problemas principais estavam na resistência cultural, ou herança cultural, do paternalismo, mandonismo e o autoritarismo, que dificultavam muitas das ações decididas em grupo junto à associação. A história das associações comunitárias no Brasil, tem diversas origens, no caso de Lages, elas estão vinculadas ao poder público municipal. Segundo Gohn, a origem das associações no Brasil datam bem antes dos anos 1970, mas é nos anos 70 que situa-se o grande período de expansão, sendo grande parte delas vinculadas a ação da igreja católica (GOHN, 2003). Em Santa Catarina, as associações de bairro ou de moradores integram a Federação das Associações de Moradores do Estado de SC (criada em 1986). Em Lages, atualmente existem 69 associações de moradores (COUTO, 2008)

3.4 – Movimento Ecológico de Lages – MEL

O movimento ambiental, como os demais encontrados neste trabalho, faz parte dos NMS da América Latina, descritos por (GOHN, 2004, SCHERERWARREN, 1996). É um movimento social ocorrido após 1970, e tem em suas formações não apenas o conflito de classe e sim de lutas sociais, articulando vários setores da sociedade civil, que reivindicam, sofrem com as causas e consequências do desrespeito ao ambiente como um todo. Para Loureiro (2006, p.100), “O discurso ambientalista, em termos gerais se, por um lado, é reconhecido e incorporado pelos setores sociais como tema de relevante interesse na atualidade, por outro, não conduz à mobilização e ao envolvimento de amplas parcelas da população, a não ser em situações concretas e específicas. Poucos são aqueles que conhecem e têm contato com entidades ambientalistas de base. Geralmente, as organizações citadas pertencem a um universo distante, internacional ou vinculado a setores economicamente medianos da sociedade, ou que têm maior visibilidade na mídia, como é o caso típico do Greenpeace.”

97 Ainda são poucas são as pessoas, aqui em Lages, que têm um envolvimento direto com questões ambientais ou buscam se aprofundar em assuntos que abordem temas relacionados ao “oikos” a casa em que vivemos – nosso planeta. Questões como queimadas, desmatamentos, inundações das hidrelétricas, reflorestamentos, poluição com dióxido de carbono, monóxido de carbono, gás metano, gases produzidos por veículos automotores, queima de combustíveis para produção de energia em indústrias e a alta concentração de esterco produzida por animais, entre outros gases, poluição sonora gerada por motores, som da publicidade dos comércios gerada nas ruas das cidades, ainda parecem muito distantes das preocupações cotidianas. Nos modelos econômicos adotados pela região percebe-se a busca do desenvolvimento e a crescente corrida pelo crescimento da economia, com o discurso de melhorias para a existência da condição humana, mas cuja tradução prática significa sempre a intensificação da exploração do ambiente. Há muito tempo menciona-se principalmente que a economia dos países do G8 – (EUA, França, Inglaterra, Itália, Alemanha, Japão, Canadá e Rússia) tem os maiores índices de faturamento do mundo devido a qualidade de seus produtos e a expansão de seus negócios nos mais diversos países em todos os continentes. Contudo os EUA sozinho é responsável por 25% da poluição atmosférica do planeta Terra. Qualidade do produto sim e a qualidade do resultado desta produção? Em Lages e região observamos algumas ações e movimentos na defesa de questões ambientais. Movimentos como MAB, a Ong Centro Vianei e o Movimento Ecológico de Lages – MEL, têm realizado protestos e cursos formação em educação ambiental. Entre os diversos problemas ambientais encontrados nesta região, frutos de um modelo de desenvolvimento predatório e excludente, destacam-se as monoculturas florestais, principalmente o pinus e o eucalipto e mais recentemente as UHE e PCHs. No ano de 1983, houve passeatas e manifestações organizadas pelo MEL, grande parte dos integrantes eram alunos universitários, juntamente com setores da Igreja Católica adeptas a Teologia da Libertação e do MAB. Como menciona uma das lideranças do movimento na época:

98 Denunciamos e encaminhamos amostras de água, para laboratórios do Paraná, por causa da poluição das águas do Rio Canoas, causadas pelas indústrias papeleiras da região”. O resultado? o resultado foi que as indústrias se comprometeram em controlar os índices de poluição e ficou por isso mesmo”. (Entrevista realizada Júlio Borba em 25/11/08).

Uma vitória importante por parte do movimento ambiental em Lages foi a criação do Programa “Lixo que tem Valor”, quando Júlio Borba foi secretário Municipal de Meio Ambiente em 1997. Aqui vale mencionar, a aproximação dos integrantes do movimento com o poder público local. Ele diz que: “o programa teve repercussão nacional, onde veiculou-se matéria sobre este acontecimento na cidade de Lages, e nós trocávamos lixo por cesta básica. Foi uma pena isso ter acabado.” (Entrevista realizada em 25/11/08). Quanto aos desertos verdes, é notório em toda a extensão territorial de Lages e região, “em 2002, conforme estudos realizados pela Universidade Federal do Paraná, 6% do espaço teritorial da AMURES já estavam reflorestados, com o detalhe que o estudo não contabilizou, por questões técnicas, áreas com menos de 3 anos de plantio.”(Apud TAMANINI, GRÜN, PEIXER, 2007, p.275). Hoje na área ambiental, observamos não a formação de um movimento específico, mas sim diversos movimentos tendo como uma de suas preocupações essa questão, como por exemplo, os movimentos organizados em torno do aproveitamento hídrico na região e os movimentos dos trabalhadores sem-terra. Resistência, aos desertos verdes, é a certeza de que os movimentos sociais e ongs ambientais podem fazer para minimizar os efeitos danosos à comunidade de Lages e região serrana assim como influenciar e alavancar o movimento em defesa e do direito ao meio ambiente em outras regiões.

99 3.5 – Movimento Antiglobalização – Contra a ALCA

Este movimento está inserido num contexto mundial, para (GOHN, 2004, p.38), “a gênesis de articulação, do movimento antiglobalização localiza-se em 1996, em Chiapas, durante o Primeiro Encontro Internacional pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, organizado pelos zapatistas.” No ano de 2001 os protestos contra a reunião de cúpula do G-8 em Gênova na Itália foram contabilizados 800 grupos antiglobalização. No Brasil não foi diferente, em São Paulo milhares de pessoas também protestaram contra a globalização neoliberal e a violência policial em Gênova. A Aliança de Livre Comércio das Américas – ALCA, encabeçada pelos EUA26 é uma das formas de globalização neoliberal, contrário aos movimentos sociais latino-americanos. A União da Juventude Socialista – UJS, considera que a ALCA, “representa um plano neocolonialista que implica na renúncia, pelos países latino-americanos, a um projeto de desenvolvimento autônomo e soberano.” (RESOLUÇÕES DO 12º CONGRESSO DA UJS – junho/2004. p.4.) E a perda de soberania nacional pode causar ainda mais desemprego e exclusão social. As empresas transnacionais que investem na política brasileira e latino-americana, gastam milhões de reais em financiamento de campanhas políticas e elegem a maioria de seus aliados (vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores, presidente) com ideologia neoliberal, fortalecendo assim, a privatização de setores essenciais a sobrevivência humana como saúde, educação, transportes, energia, desencadeando uma série de exclusões sociais e miserabilidade. Com a livre circulação de mercadorias, para integrar os países e estimular a livre concorrência, proporcionando uma revolução tecnológica a nível continental, vamos nos deparar com situações mencionada por Chomsky (2006), como o protecionismo e os subsídios fornecidos pelos países centrais.

26

Em 2004, os EUA tinham um Produto Interno Bruto (PIB) de 11,7 trilhões de dólares e o Canadá, de 977,9 bilhões de dólares, ante cerca de 2 trilhões de dólares de todos os demais países americanos somados. Almanaque Abril 2007, p.360. Isso demonstra a dificuldade em que os outros países da América Latina teriam para se equipararem tecnologicamente, caso a ALCA fosse concretizada. O individualismo do capitalismo quebraria empresas e o excedente de trabalhadores seria ainda maior que os atuais, causando mais desemprego.

100 Aqui é interessante mencionarmos, a título de exemplo, o número de transnacionais que já atuam no país: 11. Quadro - CMN’s – Corporações Multinacionais que atuam na América Latina e no mundo:

10 maiores indústrias na biotecnologia Amgen Monsanto Genentech Serono (Swtiz.) Biogen Idec Genzyme Applied Biosystems Chiron Gilead Sciences Medimmune

10 maiores indústrias de sementes Monsanto Dupont Syngenta Groupe Limagrain KWS Ag Land O‟ Lakes Sakata Bayer Crop Sciences Taikii DLF Tifolium

10 maiores em alimentos e bebidas Nestlé Archer Daniel Midlands Altria PepsiCo Unilever Tyson Foods Cargill Coca-Cola Mars Danone

Fonte: Jornal Brasil de Fato – Edição Especial Biodiversidade – Ano 4 – Numero 160 março/2006.p.1.

Conscientes destas e outras atuações das CMN‟s e a ameaça que a ALCA causaria a América Latina como um todo, ong‟s, movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos fizeram um movimento em torno dos prejuízos que a implantação da aliança viria causar. Esse movimento nacional teve uma breve repercussão aqui na região, houve manifestações, por parte de varias organizações sociais, a ong Vianei – Centro de Educação Popular, a Cáritas Diocesana, sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais, em 2002, fizeram parte do movimento – DIGA NÃO A ALCA – que percorreu várias cidades da região serrana, conforme um dos integrantes do movimento, Salesiano Durigon: “Em uma das escolas com 430 alunos houve enfrentamento com os dirigentes do PSDB da cidade, que divergiram sobre os malefícios que a ALCA proporcionaria”. Diz também que foram entregues cartilhas nas escolas e muitas delas foram devolvidas por apresentarem os movimentos envolvidos com o plebiscito para que o NÃO fosse o vencedor. Correia Pinto, São José do Cerrito, Bom Retiro, Anita Garibaldi algumas urnas não foram aceitas nas escolas por imposição dos diretores. (Entrevista realizada em 29/04/08).

Para ele o que ajudou na conscientização da votação e na Não aceitação da ALCA, foi “o maior sucesso que conseguimos obter na verdade foi onde os padres se abriram e fizeram um trabalho via igreja”. Os padres ajudavam na

101 divulgação e conscientização sobre os males que a ALCA provocaria para a América Latina, pois muitos destes padres guiavam suas ações pelos princípios da Teologia da Libertação, movimento religioso que optou por olhar o mundo a partir dos pobres da América Latina (importante lembrar que a Teologia da Libertação foi reprimido veementemente pelo Vaticano na década de 1980) Para o prof. Geraldo que também fez parte deste movimento de conscientização e ação em prol da soberania brasileira e contra o neoliberalismo, Este plebiscito foi de extrema importância, pois, foi de iniciativa popular embora tivesse respaldo da constituição do artigo 14 de extrema importância pedagógica e educativa, onde todos os municípios da região serrana votaram, e votaram contra a ALCA e a favor da soberania e autonomia do Brasil. (Entrevista realizada em 31/05/08).

Essa vitória, demonstra também indicativos de mudança nos rumos da política nacional, neste mesmo ano o presidente Luís Inácio Lula da Silva foi eleito pela primeira vez como presidente da República, pelo Partido do Trabalhadores, que em sua origem mescla-se aos movimentos sociais. Nos rumos da mudança se concretizaram também os governos de Hugo Chavez na Venezuela em seu segundo mandato (2000), Luís Inácio Lula da Silva no Brasil (2002), Kirchiner na Argentina (2003), Evo Morales na Bolívia (2006), Tabaré Vasques no Uruguai (2005), a Frente Sandinista de Daniel Hortéga na Nicarágua (2007), juntando forças com o EZLN – Exército Zapatista de Libertação Nacional em Chiapas no México (1994). Hoje a ALCA saiu da pauta de discussões pois e o governo atual, retificou as ligações comerciais com outros países, acordos como o G-20, o Mercosul e a União Européia. O que possibilitou um maior investimento com outras nações e o desenvolvimento da exportação de produtos nacionais.

102 3.6 – Movimento dos Direitos Humanos

Centro de Direitos Humanos e Cidadania – “Irmã Jandira Bettoni”

O histórico da fundação do Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH, no Brasil, tem como origem os anos de 1932. Conforme descrito “ O MNDH é um movimento organizado da sociedade civil, atuando em forma de rede, sem fins lucrativos, democrático, ecumênico, supra-partidário, que atua em todo o terrritório brasileiro, através de uma rede de 320 entidades filiadas.”, (DIAGNÓSTICO INSTITUCIONAL DO CDHC – IRMÃ JANDIRA BETTONI DE LAGES, p.1). Tem como base de princípios atuais a Carta de Olinda, 1986. Tem como missão principal a luta pela vida e contra a violência para assim promover os direitos humanos. São suas prioridades:  Articulação e organização;  Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais;  Combate à impunidade e tortura;  Sistema Nacional de Proteção dos direitos Humanos.

Em Lages no ano de 1985, foi feita a primeira tentativa de organização de uma entidade que tivesse como pauta a defesa dos direitos humanos. Porém, essa primeira articulação não teve êxito pelas dificuldades de articulação, com outros atores sociais.

Somente três anos mais tarde, em 1989, que se

consegue articular um conjunto de atores sociais para a retomada da criação do Centro de Direitos Humanos, que irá se efetivar somente em 1992: “Mas no primeiro semestre de 1989 algumas pessoas e entidades retomaram a discussão da implantação de um Centro de Defesa dos Direitos Humanos na região. As entidades que participaram foram Aprol, Centro Vianey de Educação Popular, STR de Ponte Alta, dois advogados e Pe. Dilmar. Nesta fase o CDH de Joinvile prestou assessoria.” (DIAGNÓSTICO INSTITUCIONAL – CDHC, p.4)

103 Entre os motivos que contribuíram para implantação do CDHC de Lages foi um atentado ocorrido com o presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Ponte Alta e outras violações que estavam ocorrendo na região. O objetivo inicial do CDHC era chamar a atenção da sociedade e cobrar das autoridades locais posturas na defesa dos direitos humanos, procurando também criar um espaço de discussão sobre esses direitos na região serrana. Foi criado neste período um Fórum permanente de Defesa dos Direitos Humanos – (FPDDH), com 32 entidades. O Fórum pretendia dar visibilidade às denúncias de violação dos direitos humanos e também permitir ações conjuntas de defesa, considerando que as situações de violência e do não respeito aos direitos humanos eram muitas. Podemos encontrar no Pixurum algumas dessas denúncias, com o qual o CDHC enfrentou em 1989: “(...) No Estado de Santa Catarina, a violência também se faz sentir como no caso da ocupação do Movimento dos Sem-Terra no município de Palma Sola este ano, quando foi assassinado o agricultor Olívio Albani, além do assassinato no ano passado do Secretário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caçador, Hermínio Gonçalves. Em nossa região ainda neste mês de outubro a violência dos poderosos se voltou contra Aristides Alves de Melo, presidente do STR de Ponte Alta. Em resposta, 27 entidades do Estado mobilizaram-se para exigir das autoridades que os fatos sejam apurados e a justiça seja feita para que casos como o do companheiro Aristides não mais se repitam.” (COLETÂNEA PIXURUM – outubro de 1989 – Edição Nº 6, p.27).

Em 1990, são denunciados mais casos de violação dos direitos humanos: “O presidente Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São José do Cerrito, - Daniel – foi agredido fisicamente por representantes da classe dominante local e um jovem fiscal da chapa de oposição ao sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Belo foi levado ao hospital em estado grave, no dia da eleição, após ter sido agredido por apoiadores da UDR e da chapa de situação do Sindicato. (COLETÂNEA PIXURUM – julho de 1990 – Edição Nº12, Ano II,p.42).

Diante dos acontecimentos que se tornaram constantes, em 22 de março de 1992, os integrantes do FPDDH e outras pessoas criam a Associação dos Direitos Humanos da Região Serrana. Em 22 de junho de 2004, passou a ser conhecido como Centro de Direitos Humanos e Cidadania

104 Irmã Jandira Bettoni – (CDHC-IJB), “em homenagem a Irmã Jandira Bettoni, por ter dedicado grande parte de sua vida à luta e defesa dos direitos humanos na Região Serrana.” O Centro de Direitos Humanos e Cidadania, tem como principio o fortalecimento dos seguintes valores e práticas:  fortalecimento da democracia participativa;  sociedade com justiça e liberdade;  igualdade de condições para todos;  respeito às diversas culturas, ao ser humano e a natureza.

Tem como público alvo:  Pessoas ou grupos do município de Lages e região serrana, que se encontrem em situações de direitos violados, reconhecidamente necessitados de orientação e apoio;  Sociedade lageana em geral enquanto informação e formação.

Aliando as ações de denúncia da violação dos direitos humanos, o Centro promove desde 2003, os cursos e a implementação das Promotoras legais populares (PLPs). A história das promotoras legais populares, nos remete a São Paulo, em 1992, no movimento das Mulheres de São Paulo, quando da realização do Seminário sobre os direitos da Mulher. Nesse seminário promovido pelo Comité Latino Americano e do Caribe para defesa dos direitos da mulher, através da troca de experiência, houve a proposição de criação e do incentivo na formação de Promotoras Legais Populares – PLPs (CDHC – DIAGNÓSTICO S/D). A idéia de promover o curso e implementar esse programa na região, partiu do levantamento realizado em 2001 sobre a violência contra a mulher. Segue quadro abaixo:

12. Quadro - Estimativa da Violência contra a mulher em Lages 2001:

Violência Específica contra Mulher Adulta e Adolescente Agressão Física Ameaça de Morte Agressão Verbal Ameaça de Agressão

906 casos 53% 36% 13% 11%

105 Total das Denúncias

2300 casos

Fonte: Delegacia de Proteção a Criança, ao Adolescente e a Mulher, 2001. (Apud DIAGNÓSTICO INSTITUCIONAL, p.9)

De acordo com Silvia Borges de Oliveira, uma das coordenadoras do curso de formação das PLPs de Lages, A primeira turma concluiu o curso dia 5 de agosto de 2004, são 39 PLPs que concluíram o curso. E o curso tem se mostrado como espaço onde as mulheres podem soltar o grito de dor por tanta violência sofrida, que machuca corpos e corações. Uma forma de romper com os resquícios de uma cultura coronelista e machista na região de Lages. Onde o homem é o provedor do sustento e as mulheres são submissas aos afazeres domésticos. (Entrevista realizada em 30/06/08).

Em matéria veiculada no site da revista Carta Maior Flávia Carlet, fala sobre o novo livro de Boaventura de Sousa Santos, - Para uma revolução democrática da justiça (2007) – ele resalta a importância da conscientização das classes populares sobre os caminhos de acesso à justiça. Ele diz que: “Experiências como as promotoras legais populares, as assessorias jurídicas universitárias, o programa justiça comunitária e a advocacia popular, são exemplos de práticas alternativas existentes no Brasil, (...), que muito tem contribuído

para

a

reinvenção

de

práticas

alternativas

ao

direito

hegemonicamente vigente.” (CARLET, 2008). No ano 2008, durante o processo eleitoral, o CDHC de Lages fez uma campanha contra a compra de votos, principalmente nas eleições de vereadores e prefeitos, que conhecem mais a realidade da população nos bairros da cidade e onde os casos de compra de voto são comuns. Grande parte da mobilização girava em torno da divulgação da lei 9840 de 28/set/99 que trata da compra de voto, esse movimento de combate à corrupção eleitoral, ampara esta luta pelo voto consciente da população e o CDHC fez várias

palestras

em

comunidades

da

cidade,

escolas,

igrejas,

para

conscientizar da importância que o voto tem. Pois democratizar a democracia como expôs Santos (2005), começa pela bases, pelas classes populares menos favorecidas e que em sua grande maioria são sempre excluídas do acesso a informação e dos processos de decisão. Como bem salientam os integrantes do CDHC, romper com a representatividade política e suas mazelas eleitoreiras são transformações sociais e culturais que demandam tempo de

106 espera, tempo de atuação junto às comunidades e a esperança de que a soberania popular possa triunfar um dia.

3.7 – Movimento Estudantil

União Lageana de Estudantes Secundaristas – ULES.

Nos anos de 1970, o movimento estudantil conseguiu fortalecer suas bases e constituir grêmios estudantis, com a abertura política proporcionado pelo novo modelo de gestão pública local mais participativa de Juarez Furtado (1973 – 1977) e Dirceu Carneiro (1977 – 1982). A União Lageana de Estudantes – ULE, fez festivais, competição teatral, e a confecção de carteiras de identificação estudantil. Como consequência deste trabalho, obtiveram êxito maior, a criação do FETEL, que existe até os dias atuais e está em sua 33ª edição. Não mais como competição local entre escolas como na origem, mas com ampla repercussão e participação de grupos de teatros de outros locais. Nos anos de 1992 o movimento estudantil nacional do “Fora Collor”, reacende a chama e o calor das manifestações, saem as ruas com faixas e carros de som em busca da moralidade da política brasileira. É o que salienta Juarez Pereira da Silva Filho, um dos fundadores da União Lageana de Estudantes Secundaristas – ULES, O movimento estudantil em Lages estava meio parado. Eu fui morar em Florianópolis por uns tempos de 1989 a 1991, e tive contatos com pessoas ligadas ao movimento estudantil de lá, e também uma aproximação com partidos de esquerda como o PCdoB, que me motivaram a organizar os grêmios aqui existentes e sair para protestar. (Entrevista realizada em 22/09/08).

As escolas mais atuantes deste período eram o Colégio Industrial, Aristiliano Ramos, Centro Educacional e o Centro Interescolar Segundo Grau – (CIS), as principais reivindicações do movimento eram:

107  A efetivação do direito a meia entrada, em teatro, shows, futebol, que já haviam sido sancionada pelo presidente Collor;  A qualidade do ensino secundarista na região e no Estado;  Democratização da estrutura de ensino, como por exemplo a eleição direta para diretores nas escolas.

Passeatas foram realizadas em Florianópolis no governo de Wilson Kleinübing (1991-1994), com o propósito de que os direitos da educação fossem executados, o que na maioria das vezes fica apenas no discurso e não na ação27, Lages encaminhou alguns representantes para as manifestações. Nos últimos 15 anos o movimento estudantil tem deixado as lutas reivindicatórias, na região de Lages. A ULES mantém sua atuação mais vinculada a confecção de carteirinhas para estudantes, na defesa do direito a meia entrada. As greves dos professores municipais e estaduais, são cada vez mais desprestigiadas pela população em geral, que desconsidera todo ato que seja resultante de paralisação. As universidades aqui presentes na cidade de Lages são duas UDESC, UNIPLAC e uma em implantação a FACVEST, onde seus DCEs possuem pouca autonomia, com uma ação muito vinculada aos dirigentes das instituições. Os centros acadêmicos e DCEs fazem promoções de eventos com shows, principalmente para os calouros e com jogos de interação social e competição. São pouco expressivas ações do movimento contra o aumento de mensalidades, por melhorias no campus, melhorias em salas, mais interação universidade-comunidade – extensão universitária entre outros direitos que muitas vezes são negados, em espaços onde a educação transformou-se em mercadoria. Demonstrando o potencial de luta, que encontramos na maioria das vezes adormecida, nas eleições de 2008 um candidato a vereador elegeu-se. E em seu histórico consta a passagem pelo DCE/Uniplac, Marcius Machado Não se observa grandes mobilizações estudantis, como no final da década de 60, as ações bem mais pontuais estão longe dos ideais e luta

27

Ver Munarim (2000) sobre a história da descentralização da educação em Santa Catarina.

108 política, buscam alternativas individualizantes e do consumismo, das redes de interesse – “ligadas às tribos” as quais mais se identificam. Talvez em algum lugar, algum dia os estudantes de uma nova “Córdoba”28 desperte na América Latina e novos sonhos alimentem a ação transformadora, que tanto necessita a região serrana de Santa Catarina, uma educação mais aberta, democrática e igualitária.

3.8 – Centro Vianei de Educação Popular

O Centro Vianei de Educação Popular é uma organização não governamental – ONG, criada em 1983. É uma das mais antigas Ongs em Santa Catarina. Sua criação vincula-se, entre outros aspectos, a experiencia do Governo Dirceu Carneiro em Lages, como salienta um dos fundadores: Houve uma diáspora com o pessoal envolvido com Dirceu, por causa do sucessor e novo prefeito Paulo Duarte. Muitos camaradas de luta política tiveram que ir para Curitiba – PR, em busca de trabalho, pois aqui na cidade de Lages, as portas se fecharam para nós, perseguição política ferrenha. (SÉRGIO SARTORI, entrevista realizada em 09/04/08)

Porém, sem desistir das lutas e da ideologia das práticas populares, os que aqui permaneceram criaram o Projeto Vianei de Educação Popular, em 1983, entre eles estavam o prof. Munarim, religiosos vinculados a Teologia da Libertação, como: Pd Geraldo Locks, irmã Jandira Bettoni, Pd Celso Lorescki, professores Ari Martendal, o prof. Sérgio e outros que com o auxilio da Mitra Diocesana de Lages, estabeleceram uma parceria com a Misereor – uma instituição alemã, que financia alguns projetos de educação popular e assessoria a movimentos sociais e a agricultura familiar. Nos primeiros anos de 28

Para Nildo Ouriques, foi em 1918, na cidade argentina de Córdoba, que se falou pela primeira vez com seriedade sobre reforma universitária no continente latino-americano. Na verdade, os estudantes não falaram sobre reforma; eles impulsionaram um processo político que pretendia reformar na luta – e profundamente – a universidade latino-americana. Ver em Universidade: a democracia ameaçada, p.171. Ver também: A arquitetura da destruição – Revista Fórum – dezembro de 2008, p.44-46. De Fernando a Fernando o sucateamento total da universidade pública, um desmantelamento. E o boom das universidades privadas gera uma dificuldade grande de organização do movimento estudantil.

109 atuação tiveram uma importante ação junto ao movimento sindical, segundo o prof Sérgio, “onde não havia sindicatos criavam-se, onde haviam fazia-se oposição ao „peleguismo‟”. Ajudaram a criar sindicatos em cidades como Bocaina do Sul, Ponte Alta, Correia Pinto, Otacílio Costa, Cerro Negro, Anita Gabaldi. Após 1988, a atuação na área da agroecologia passou a

ser

intensificada, uma nova geração vem substituir, nas palavras do prof. “os dinossauros”, essa nova geração é constituída em sua grande maioria por profissionais da área de agronomia, que farão parte do Vianei e continuarão a luta em defesa dos pequenos agricultores e uma nova proposta como a agricultura familiar e a agroecologia. A educação popular, com ênfase na atuação no ensino/aprendizagem com os agricultores da região e o envolvimento em parceria com os movimentos sociais na região foram o enfoque principal de atuação da ONG. O centro vianei foi um dos propulsores de diversos movimentos na região, como podemos observar no jornal da entidade: Os primeiros anos da década de 80 se constituíram num período em que surgiram muitos movimentos e organizações de caráter popular no Brasil. Mobilizações eram realizadas em todo país como forma de reivindicar direitos de cidadania. O regime militar caminhava para o seu fim. Trabalhadores, nos grandes centros urbanos bem como nas áreas rurais (particularmente os Sem Terra no Sul do Brasil), se organizavam para mostrar sua força. (...) O Vianei contribuiu diretamente na organização do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que se estruturou na região em 1984. Estimulou a organização do Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA) em 1985. Fortaleceu o sindicalismo rural autêntico a partir de 1985. Além disso esteve presente em inúmeras lutas populares, assessorou e ajudou a criar associações de pequenos agricultores, assim como uma série de outros trabalhos de mobilização. (PIXURUM ESPECIAL, Lages – Dezembro – 1993 – Nº 39 – Ano 05, p.3).

Em 1991 é criada Associação Vianei de Cooperação e Intercâmbio no Trabalho, Educação, Cultura e Saúde (AVICITECS), como mantenedora , porém continua usando o nome de Centro Vianei de Educação Popular. Como podemos observar na história dos outros movimentos e Ações coletivas em Lages e na Região, o Centro Vianei sempre atuou na assessoria dos Movimentos e Organizações Populares, contribuindo com a mobilização e

110 a busca de alternativas para o desenvolvimento local. Como salientado nos documentos da instituição, o trabalho pauta: “a cooperação para a construção de uma sociedade democrática, participativa, justa e solidária. O Centro Vianei tem se firmado em sua área de ação como sujeito histórico mediador de um projeto de fortalecimento da sociedade civil, em relações que buscam democratizar o Estado e a sociedade. Estas mediações materializamse na forma de projetos que possam dar sustentação à proposta de desenvolvimento sustentável e solidário da Região como um todo.” (PEIXER, 2009).

Os primeiros anos de atuação da ONG são dedicados intensamente aos trabalhos de educação popular, formação e capacitação de lideranças e movimentos sociais. Nesses trabalhos articulavam diversos setores populares e movimentos como o movimento de trabalhadores rurais, movimento de mulheres agricultoras, movimento de atingidos por barragens e outros. Simultaneamente ao trabalho com movimentos sociais, há o desenvolvimento de trabalhos de assessoria a agroecologia e agricultura familiar. Na continuidade segue foto de comemoração alusiva aos 10 anos do Vianei. Foto 3 – Vianei 10 Anos – 1993

Fonte: Informativo Pixurum – dezembro de 1993.

111 Enfim, fomentar a discussão em torno de estatuto dos sindicatos rurais, lutar pelo acesso ao crédito ao trabalhador rural, análise de conjunturas, planejamento de ações para atuar nas reais necessidades e interesses, dos direitos dos trabalhadores rurais, cursos de formação sindical foram determinantes para que os movimentos e ações coletivas, principalmente as ligadas aos pequenos agricultores. Ainda assim na opinião do prof. Sérgio, Existem muitas transformações necessárias para acontecer, a questão da democracia é uma delas e com a desigualdade social e exclusão social em que vivemos, inibem a realização da democracia, e que, para as condições do processo democrático se realizem é necessário que a escola seja para todos, que a agroecologia e a agricultura familiar sejam modelos de desenvolvimento local e sustentável, e o cooperativismo seja uma prática comum na sociedade, contrariando os principíos do capitalismo selvagem individualista e excludente, para que possamos viver com qualidade de vida. (Entrevista realizada em 09/04/08).

Estes princípios de desenvolvimento social sustentável são os alicerces contra a desigualdade social, contra a exclusão e na busca de modelos alternativos e de sustentabilidade das práticas e grupos sociais.

3.9 – Projeto Universidade na Roça.

O movimentos de interiorização das universidades teve seu início na década de 60. Em Santa Catarina a expansão e a interiorização ocorreu através das fundações educacionais de ensino superior, que estão ligadas ao sistema de Associação Catarinense de Fundações Educacionais – ACAFE, como por exemplo, a Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul (1964), Fundação Universidade Regional de Blumenau – Furb (1964), Universidade do Vale do Itajaí – Univali (1970), Universidade da Região de Joinville – Univille (1968),

Universidade

do

Extremo

Sul

Catarinense



Unesc

(1968),

Universidade do Planalto Catarinense – Uniplac (1959), entre outras. De acordo com (PEIXER, 2006, p.10), “é exatamente na década de 60, que inicia-se o movimento pela interiorização do ensino superior em Santa Catarina. Esse é um

112 movimento de caráter nacional, que exige a reforma do modelo universitário vigente, da busca de respostas para as vagas excedentes, e que defende o direito à educação superior para todos.”

Na década de 1980 ampliou-se o debate e manifestações e movimentos pela reforma da educação foram realizadas com o Movimento nacional pela reforma da educação de 1988, algumas interiorizações e expansões foram realizadas, de forma insuficiente; na década de 1990, com as universidades privadas a expansão foi além do esperado, tanto que o Ministério da Educação e Cultura – MEC, faz provas para o reconhecimento dos cursos existentes nas universidade privadas, e tem-se com isso uma mercantilização avassaladora do sistema educacional brasileiro. (apud RAMPINELLI, ALVIM, RODRIGUES, 2007, p.185). As faculdades integrantes do sistema ACAFE, a excessão da UDESC, se originaram como fundações públicas municipais, foram ao longo do tempo adquirindo o perfil jurídico de direito privado, efetuando a cobrança de mensalidades.

Havendo pouca contribuição dos governos para a sua

manutenção. Por não serem gratuitas, sempre houve um distanciamento entre universidade e comunidade. Com relação às instituições públicas, diferente dos estados vizinhos, Santa Catarina tem somente uma universidade federal, localizada em Florianópolis, que só recentemente abre polos em outras localidades, mas mantém a centralização e uma Universidade do Estado com pólo em 3 cidades e recentemente também abre novos polos. Historicamente podemos observar que a criação da UDESC já se encontra no primeiro plano de metas do Governo Celso Ramos (1961-1966), no qual “está explícita a preocupação com o ensino superior no Estado, com proposição de estratégias regionalizadas para o desenvolvimento do Estado e notadamente com a necessidade de financiamento para o ensino superior”. (PEIXER, 2006, p.12). O governador inaugurou a UDESC, a única das fundações do sistema ACAFE que conseguiu manter o projeto original de fundação pública de direito público. Em Lages, como mencionamos anteriormente, as primeiras tentativas de criação do ensino superior, no remetem a década de 50, como salienta Peixer, ( 2006, p.11): (...) em Lages, as primeiras tentativas de criação do ensino superior remontam a 1955, em pleno auge do ciclo da madeira, onde no

113 imaginário da elite local a faculdade de Direito era a grande aspiração. Observe-se que esse projeto está muito ligado ao mundo cultural da organização fazendeira, pois, os cursos de direito e medicina eram os focos de formação dos filhos dos fazendeiros, principal elite econômica nos séculos XVIII, XIX e ainda com grande respaldo político.

Projeto este que não aconteceu. Porém, em 1959 iniciaram-se as faculdades de Ciências Econômicas e de Ciências Contábeis e Atuais. A Fundação Educacional de Lages – (FEL) foi fundada em 1965, período das oligarquias Ramos (Lages), Konder-Bornhausen (Itajaí). O controle das fundacionais pelas elites locais e a educação pública e gratuita

concentrada

em

algumas

regiões,

não

contribuíram

para

a

democratização do acesso ao ensino superior. Poucos pessoas oriundas dos grupos populares tinham condições de entrar e se manterem nos cursos de graduação. Clientelismo,

mandonismo,

compadrio

são

ações

explicitamente

vivenciadas no cotidiano das comunidades catarinenses, e como não poderia ser diferente a educação e trabalho estão intimamente vinculadas, à educação como ato político e (de)-formação da consciência nas lutas sociais, foram sendo moldadas de acordo com os interesses das oligarquias, representantes das elites estaduais. Nessa perspectiva, e que vale mencionar pelo registro, foi o projeto desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Catarina, conhecido como projeto “Universidade na Roça”. Segundo um de seus idealizadores o projeto foi importante, pois veio possibilitar

“romper o casco de tartaruga

existente nas universidades, como extensão universitária, e contou com a participação da associação de produtores rurais de Bocaina do Sul, assim como do projeto Vianei”. (Prof. Ary Martendal, entrevista realizada em 12/08/08). Nas origens desse projeto, encontramos uma demanda por parte de entidades da região serrana, como destaca Scheibe: “O Projeto Universidade na Roça surgiu em abril de 1985 através de uma proposta encaminhada para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) pela Associação dos Produtores Rurais de Bocaina do Sul e Índios, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lages e Projeto Vianey de Educação.” (SCHEIBE, 1988, p.23).

114 Uma articulação entre os saberes e realidade, como diz o prof. Ary, “jogá-los frente à realidade”, alunos da Teologia, da Biologia, Física, Agronomia, História e Medicina, interagindo com a comunidade de produtores rurais das regiões de: 

Assentamento Matos Costa – em Curitibanos;



Santo Amaro da Imperatriz – comunidade de Sul do Rio;



Tijucas – comunidade de Itinga;



Lages - região de Bocaina do Sul, até então território pertencente ao município de Lages.

Neste locais foram elaboradas e discutidas questões relativas a agrotóxicos, sindicalismo rural, associativismo, técnicas agronômicas, saúde, religiosidade, uma experiência de troca de saberes, buscando interagir com a comunidade local e com eles encontrar saída para os problemas acontecidos no campo daquele período, visando estimular a educação popular e a autonomia do sujeito. Os objetivos da extensão universitária – “Universidade na Roça”, estão apoiadas nas seguintes ações, conforme descrito em Scheibe (1988; p.24):

1. Formação

de

profissionais

comprometidos

com

os

reais

interesses da população rural; 2. Produzir conhecimento no confronto entre o saber sistematizado e elaborado dos estudantes e profissionais e do saber prático dos agricultores; 3. Fortalecer as organizações populares nas quais o projeto se apóia.

Esse foi o desafio do projeto, trabalhar tecnicamente com os agricultores organizados e buscando garantir com que a sociedade organizada, através dos sindicato dos trabalhadores rurais, projeto Vianei de Educação, Associação dos trabalhadores rurais e alunos, professores produzissem ações articuladas na busca de soluções aos problemas locais, bem como promover o convívio entre a pluralidade de saberes existentes.

115 Romper a casca dura existente entre a integração da comunidade local e da universidade, são desafios para os intelectuais, dispostos a correr riscos e se ausentar do status quo, em que são envolvidos. Vencer as barreiras das vaidades, e sentir-se cidadão planetário, em sua originalidade da palavra, onde somos uma rede interligada de pessoas que convivem, não em harmonia, mas num mundo em que os iguais são mais iguais e os desiguais figuras exóticas a serem moldadas por padrões de saberes. Saberes estes que aumentam as fileiras da desigualdade social e a precaríssima distribuição de renda e monopólio do saber em todo o mundo. A seguir foto da capa e foto interna de reuniões do projeto: Foto 4 – Cartilha Associação de Bocaina do Sul - 1988

Fonte: Fotos do trabalho realizado por Cristina Scheibe, na época aluna do curso de História da UFSC e participante do projeto “Universidade na Roça”.

O projeto teve vida curta, uma das explicações encontra-se na própria universidade e na realidade econômica, segundo o prof. Ari Martendal “o projeto teve que acabar por causa do período de elevada inflação que o Brasil passava nos anos de 1985 a 1988, o que inviabilizava a permanência dos estudantes na cidade de Bocaina do Sul, com os gastos e as despesas que eram supridas pelo projeto”. (Entrevista realizada em 12/08/08).

116 Mais um dos projetos que acabam ficando à “beira do caminho”, um projeto de extensão universitária popular que visa a aproximação universidadecomunidade, que para Freire (2007), Santos (2005), Apple (2003), são necessidade urgentes e preementes para a mudança de modelo de sociedade vigente.

3.10 – Preservação do Patrimônio Histórico Cultural de Lages

O desenvolvimento de ações na defesa e preservação do Património Histórico e Cultural de Lages, sempre esteve ligado à atuação dos poderes públicos locais. Esta política pública especificamente está ligada ao poder público municipal, não partiu diretamente da sociedade civil, porém, já com as pressões das associações na divulgação e valorização do saber local, que foram sendo construídas desde a década de 1980. Pois muitos dos idealizadores desta política pública foram os mesmos que participaram do governo de Dirceu Carneiro (1976 – 1982). No início da década de 1980 é criado o Ministério da Cultura, visando a valorização da cultura local popular. A cultura com uma leitura antropológica, valorização do cotidiano e modo de ser e viver das pessoas, não apenas como cultura das Belas Artes, onde a classe dominante, letrada, controla e normatiza o que é mais importante e de valor cultural. Na cidade de Lages, desde a década de 1970, existem associações culturais (artistas plásticos, teatro, escultores, artesanato) espaço aberto a participação da sociedade civil. Contudo, desde a criação da secretaria de educação e cultura no período do governo de Dirceu Carneiro (1976-1982) é que foram criadas políticas voltadas ao incentivo as questões culturais populares. De acordo com Iáscara Varela, coordenadora do centro de artes e animadora cultural (1980-1982) em Lages na gestão Dirceu Carneiro, “ A primeira vez que se trabalha cultura em Lages foi na década de 60, sem ligação com o poder público. Uma cultura com um conceito voltada as belas artes, de elite, da classe dominante, dos letrados.

117 Após a criação da secretaria de cultura (gestão Dirceu Carneiro) é que se atua mais próximo as comunidades, com mostras do campo, o grupo de teatro de bonecos Gralha Azul, com temas preocupados com questões da educação popular”. (Entrevista realizada em 02/05/2008).

Por exemplo podemos constatar em Alves (1988, p.109 e 110) “E a gralha falou, que denuncia o desmatamento da região. (...) O Gralha Azul montou um espetáculo tendo por vilão o boneco Cárie e o herói Flúor”. Já na década de 1990, nos anos de (1993-1996) durante a gestão do prefeito Fernando Agostini, mais conhecido como “Coruja”, houve maior difusão nas questões culturais. Os escritores tinham uma produção mensal do Jornal O Carretão, constituídos com auxilio financeiro e feito pela prefeitura. “Tamoio seis e meia” com apresentações de dança, teatro, música, palestras, oficinas, etc. Que em parceria com as associações culturais difundiam e formavam pessoas com conhecimento técnico para realização de eventos. Um dos maiores destaque deste período foi a criação do Circo da Cidade, nas palavras de Iáscara Varella, presidente da Fundação Cultural de Lages desse período: Você não imagina o que era esse circo, eram mil pessoas debaixo daquela lona, a avó vendo a neta se apresentar, a mãe o pai se apresentando, era a família participando do evento, um espaço participativo e cidadão. Um centro cultural que rodava a cidade de Lages, durante 4 meses em cada bairro, ou região circunscrita por aquele bairro, foram 3,6 anos com oficinas, biblioteca, dança, artesanato, xadrez, palestras, filmes, com participação da comunidade local, um entrosamento entre poder público e divulgação da cultura local, pois, o propósito maior era a continuidade dos grupos de bairros, para apresentações em mostras culturais anuais. O circo teve uma aceitação tão grande na cidade que havia fila de espera para que as comunidades fossem selecionadas., Foi criado um departamento de Memória e educação do Patrimônio cultural, para valorizar a cultura lageana, onde os “causos” eram contados e transformados em danças, peças teatrais, etc. Foi feito também um levantamento de estudos da Arte D‟eco, presente no centro da cidade de Lages e bairro próximos, foi tombado pelo patrimônio histórico cultural, uma valorizaçao da memória cultural local. Tombamento do tanque Jonas Ramos, como patrimônio histórico cultural, valoriazação dos contadores de histórias, armariotecas, e ampliação da participação da comunidade lageana.(entrevista realizada em 02/05/08).

Ainda é marcante desse período a criação de uma Lei Municipal de Tombamento do Patrimônio Histórico que consideram como cultura material o Teatro Marajoara, O Parque Jonas Ramos (Tanque) e a arte D‟eco presente

118 nas fachadas dos prédios mais antigos da cidade. A preservação da memória daqueles que fizeram, construíram uma cidade e são esquecidos pelo tempo. Mas, como quase todas as coisas que têm a participação popular, quando muda-se o governo muda-se também as estruturas e formas de governo e o prefeito seguinte (João Raimundo Colombo – DEM) abandonou o circo e o acesso à arte e a outras manifestações culturais ficaram mais dificultadas. Os movimentos e organizações sociais, parafraseando Gohn (2004) e Freire (2007) são uma das formas de mudanças das estruturas sociais e aqui coube um relato das várias formas de atuação e tentativas de mudanças nas estruturas do sistema capitalista. Movimentos e organizações que buscaram ao máximo a conquista de seus ideais.

119

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo mapear e registrar a história de formação e atuação dos movimentos e organizações sociais populares em Lages e região serrana, apos a década de 1980. Lages se encontra na região do planalto e divide o Estado de Santa Catarina geograficamente ao meio, ficando entre o Oeste Catarinense e o Litoral. Historicamente se constituiu como região de passagem dos tropeiros e de características rurais com destaque para os latifúndios. É uma região que apresenta grandes índices de desigualdade social e concentração de renda, considerada também por muitos como uma região pouco dinâmica economicamente. Há na região um senso comum de que em Lages e região poucas são as histórias, espaços e formas de resistência a uma cultura tradicional de espoliação, com fortes bases no clientelismo e no mandonismo local. Nessa pesquisa fomos em busca de indícios, de registros de movimentos sociais e outras ações coletivas ou formas de organização que demonstravam em seus objetivos, resistência a essa cultura e lutam na defesa dos grupos populares. Nos registros históricos encontramos evidências da participação de Lages e região em dois grandes movimentos, a Guerra Farroupilha e a Guerra do Contestado. Entretanto há poucos monumentos e registros sobre essas

120 participações. Pois, tratam de ações de contestação e enfrentamento ao poder público, elitista e de fazenda. Os movimentos de resistência indígena nem sequer ganharam destaque entre os monumentos erigidos nos pontos turísticos da cidade de Lages o que dá a impressão aos turistas que por aqui passam a representação de um povo pacato, dócil, de uma cidade sem conflitos. Mas ao adentrar nesses territórios, ao percorrer sua história, nas memórias de vida, nas lutas cotidianas, vamos descobrindo os pontos de resistência, vamos percebendo a estruturação de ações coletivas, movimentos sociais e outras organizações. Alguns desses movimentos e ações com origem em administrações públicas que buscam criar canais alternativos de participação popular, outros com origens nos setores populares. Dos anos de 1980 em diante uma série de movimentos e organizações sociais populares invadem o cenário político local, reivindicando direitos e possibilidades de participação nas decisões culturais, econômicas, políticas e sociais. Terra para quem dela precisa – MST; não as barragens e destruição da memória e do território natural da região – MAB; não a poluição das águas dos rios por empresas de papel e celulose que invadiram a região desde os anos de 1950 e contaminam as águas – MEL; criação e implantação de sindicatos dos professores com lutas por melhores salários, dignidade e segurança no exercício da profissão – SIMPROEL E SINTE; sindicatos dos trabalhadores rurais – STR‟s, na região serrana, e melhores condições de distribuição e compra e venda da matéria prima para a agricultura e direito a saúde e educação do campo. Campanhas de caráter nacional que dizem respeito aos caminhos econômicos também contaram com a participação de movimentos e organizações sociais, entre eles o – Diga não a ALCA. Movimentos de defesa dos direitos humanos e cidadania – CDHC. Movimentos Culturais, como o circo da cidade. O circo se instala na cidade não apenas com o intuito de distribuir o “pão e o circo” nos moldes do império romano, mas sim com a participação da comunidade de bairro como protagonista e executora da proposta, preservando e incentivando a produção do patrimônio histórico e cultural de Lages. O movimento estudantil, a universidade na roça foi fundamental para que os grupos de jovens da cidade e do campo despertassem suas atenções para a necessidade de participação e envolvimento com a comunidade e a construção

121 de soluções para os desafios encontrados no cotidiano. E com papel significativo de articulação e assessoria às ações coletivas e movimentos sociais, destaca-se a atuação do Centro Vianei de Educação Popular, Essas ações coletivas, movimentos sociais e organizações marcam a luta diária e cotidiana das pessoas. E nas histórias desses movimentos percebemos também os diversos conflitos e embates que tiveram que estabelecer. Alguns conflitos pautados em violência física e outros em violência simbólica, inclusive com as insistentes tentativas de cooptação das lideranças. Processos onde muitos militantes foram derrotados pelo “canto da sereia” e cooptados, comprados por melhores salários e cargos de destaque. Outros foram massacrados por lutar em defesa dos interesses do coletivo e fecharamse as portas dos empregos, e sem alternativas de vida foram obrigados a se mudarem para outras cidades ou calar-se em suas repartições, invisíveis e perseguidos politicamente. Outros continuaram a duras penas no enfrentamento com os “donos do poder”, sobrevivendo e se camuflando às escondidas num trabalho de “formiguinha”, na tentativa de construir modelos de democracia participativa, e pautada nas experiências da educação popular. Estes são alguns dos motivos pelos quais Lages não tem muita visibilidade os movimentos e organizações sociais populares o que estigmatizou que a região serrana é uma sociedade pacata e ordeira. E percebe-se pelo mapeamento a existência de muitas ações, movimentos e organizações sociais, muitas delas com breve existência, outras com caráter de permanência, mas de forma geral ainda ocorrendo de forma fragmentada. Na fala dos entrevistados percebemos que muito dessa fragmentação e silêncio dos movimentos, têm como um dos motivos, a herança cultural praticada nas fazendas, responsável pelo compadrio, apadrinhamento e mandonismo nas relações sociais, as perseguições políticas partidárias e ideológicas com fortes reflexos nos locais de trabalho. Ainda menciona-se nas dificuldades de organização a falta de apoio e de interlocução com outros setores, como por exemplo, as universidades locais. E nesse contexto observase a importância da educação, dos processos de formação que permitam e que

122 contribuam com o entendimento dos processos de dominação e de subordinação, que contribuam na construção de sociedades sustentáveis. Uma sociedade com o compromisso de humanizar as relações sociais, valorizar a vida e proporcionar a equidade entre classes sociais. Valores e sentimentos que perpassam pela forma de educação que constrói uma cultura. Contudo todos os movimentos e organizações sociais acreditam e continuam lutando pela emancipação e autonomia dos cidadãos. Bem como, a esperança de que os movimentos e organizações sociais são e serão os responsáveis pelas mudanças e construção de um mundo diferente, mais democrático participativo que possa exercer a cidadania em suas dimensões social, civil, cultural, econômica, ambiental e política.

123

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