Movimentos Sociais, Acessibilidade e Questões Urbanas: A Cidade é Para Todos?

July 13, 2017 | Autor: F. De Souza Dias | Categoria: Acessibilidade, Cidades, Participação Social, Transformação Social
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Movimentos Sociais, Ace ssibilidade e Questões Urbanas: A Cidade é Para Todos?

Francine de Souza Dias1 [email protected]

IPDMS 2

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar o debate do direito à cidade na perspectiva da participação social da pessoa com deficiência e na reorganização do espaço público, sob a ótica da transformação social, a partir dos conceitos elucidados por Henri Lefebvre, articulando as legislações nacionais e tratados internacionais sobre direito à cidade e acessibilidade.

Palavras-chave: Participação. Acessibilidade. Transformação Social. Cidades.

Abstract: This paper aims to analyze the debate right to the city from the perspective of social participation of people with disabilities and the reorganization of public space, from the perspective of social transformation, from the concepts elucidated by Henri Lefebvre, articulating national laws and treaties international right to the city and affordability.

Keywords: Participation. Accessibility. Social Transformation. Cities.

1

Francine de Souza Dias. Assistente Social na Associação Fluminense de Amparo aos Cegos – AFAC, na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes da Audição – APADA Niterói e no Centro de Atenção e Atendimento à Aids – CAAAIDS. Especialista em Gestão Pública e em Gestão de Recursos Humanos, Especializanda em Acessibilidade Cultural pela UFRJ/MINC. 2

Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais: Este trabalho foi apresentado no III Seminário Nacional

Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 2 013.

I Introdução

A discussão sobre o direito à cidade vem tomando proporção cada vez maior nos espaços acadêmicos e de participação e controle social. Diante disto, as pessoas com deficiência encontram neste tema a possibilidade de incluir, nos diversos debates existentes, aqueles que estão ligados às suas formas de acesso e inclusão social, vislumbrando novas possibilidades para o enfrentamento de tantos desafios nessa longa trajetória de luta. O tema está diretamente atrelado às ações que o poder público realiza com o intuito de regular o espaço público urbano e manter o que se chama de ordem social. Diferentes movimentos sociais tem se apropriado deste debate no objetivo de fortalecer e de ampliar a garantia dos direitos que são violados nos espaços da cidade. O movimento político das pessoas com deficiência, batizado na sociedade brasileira de “Para Todos”, busca através da organização social deste segmento, bem como da participação ativa nos diferentes espaços de controle social, lutar pela igualdade e pelos direitos humanos, mostrando a necessidade de entender que não se trata simplesmente de chamar a atenção da agenda política para aqueles que possuem alguma deficiência, mas para o direito que é de todos os cidadãos. A pessoa com deficiência tem seu acesso negado à cidade e a todos os recursos nela disponíveis aos demais cidadãos, seja através de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, comunicacionais ou no transporte, o que mantém 45.606.048 de brasileiros (ou 23,9% da população) à margem de um direito que é de todos. (Cartilha do Censo 2010) O debate do direito à cidade oportuniza a reflexão sobre o acesso e participação desta população no espaço público, reflexão esta que se fragmenta ao longo dos anos em virtude de tantas outras demandas de saúde, cultura, proteção social, lazer, etc., em que seus direitos também se encontram violados. Se por um lado, a organização do movimento de pessoas com deficiência traz muitas vezes um debate fragmentado sobre direitos, por outro, discutir o direito à cidade convoca todos os atores sociais a se reencontrar num objetivo comum, a Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais: Este trabalho foi apresentado no III Seminário Nacional Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 2013.

promover a articulação com os diferentes grupos sociais, a fim de lutar pela construção de uma cidade de oportunidades, de justiça e de igualdade. É nesta perspectiva que este trabalho pretende se estender, seja sinalizando as dificuldades materializadas nas diversas barreiras existentes nas cidades, usando-se das legislações em vigor e teóricos renomados para analisar o problema em questão, seja através da reflexão sobre os mecanismos criados por este movimento social, a fim de promover e ampliar este debate, cumprindo um lema que caracteriza o desejo da participação social tantas vezes limitado a estes cidadãos: “Nada sobre nós, sem nós”. A proposta desta pesquisa é fornecer subsídios para a reflexão do acesso da pessoa com deficiência sob a ótica do Direito a Cidade, articulando os temas a partir do pressuposto de que é no espaço público que tudo acontece, que lutas e desafios são travados no cotidiano das populações e de que é neste espaço que se deve promover a participação e a reflexão sobre o real acesso que os diferentes segmentos sociais tem, de fato, à cidade. Este estudo tem como base o Decreto N 5.296 de 02 de Dezembro de 2004, a Lei N 10.048 de 19 de Dezembro de 2000, o Decreto N 3.298 de 20 de Dezembro de 1999, Lei N 7.853 de 24 de Outubro de 1999, o Plano Viver sem Limites, A Cartilha do Censo 2010 sobre Pessoas com Deficiência. No que tange o Direito à Cidade, documentos elaborados pelo Ministério das Cidades, o projeto Cidade Acessível é Direitos Humanos, o Programa Brasil Acessível, o Estatuto da Cidade e a Carta Mundial pelo Direito à Cidade, além da literatura de Henri Lefebvre.

II A Carta Mundial pelo Direito à Cidade e pessoa com deficiência: construindo o debate

Entende-se como um grande avanço político-social a renovação do tema “Direito à Cidade” e a força com que os profissionais de distintas categorias estão se apropriando do mesmo, produzindo reflexões científicas e trazendo ao público suas crescentes dificuldades na viabilização e garantia dos direitos sociais. Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais: Este trabalho foi apresentado no III Seminário Nacional Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 2013.

As pessoas com deficiência, ao longo dos anos, vêm tentando fazer-se presente nos espaços de controle social a fim de reivindicar seus direitos de acesso, permanência, circulação e desenvolvimento de forma livre, autônoma e segura nas cidades. Não raras as vezes, essa visibilidade tem sido ofuscada pelo desinteresse de líderes políticos presentes na gestão pública brasileira. Ainda que em crescente organização esteja se solidificando o movimento de pessoas com deficiência e amplas sejam as legislações específicas para o segmento, muitos são os desafios para tornar realidade o seu direito de ir e vir. O modelo econômico de desenvolvimento atual se opõe à garantia dos direitos humanos e sociais, estabelecendo as regras de regulação do social através dos ideais de produção e acumulação financeira do capital, que tem como principal objetivo a desregulamentação desses direitos em prol do crescimento econômico nacional, tudo isso, sob os braços protetores do Estado. A cidade pensada como um espaço social onde cidadãos se relacionam entre si e se organizam conforme seus ideais e necessidades, estabelecendo direitos e deveres para que a convivência seja conduzida de forma igualitária no respeito ao direito à vida, à dignidade e ao acesso aos serviços que deverão viabilizar respostas às suas demandas, tem como princípio de organização um planejamento que priorize as necessidades humanas, não deixando de tratar do desenvolvimento econômico do seu território. Este é o principal desafio na garantia do Direito à Cidade. Planejar e Gerir de forma que o resultado seja o acesso da população às suas demandas socioeconômicas, o respeito aos direitos humanos e a garantia do desenvolvimento da vida de forma digna para todos, “sem discriminação de gênero, idade, raça, condições de saúde, renda, nacionalidade, etnia, condição migratória, orientação política, religiosa ou sexual, assim como preservar a memória e a identidade cultural.” (Carta Mundial pelo Direito à Cidade) Este desafio não é somente de responsabilidade governamental, mas da população também. É fundamental o resgate do espaço público como principal ferramenta de luta social em busca dessa garantia. Planejar para todos deve ser o foco principal de uma gestão em qualquer política pública. Quando se pensa num planejamento que contemple o acesso de Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais: Este trabalho foi apresentado no III Seminário Nacional Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 2013.

todos os cidadãos, barreiras não são construídas. Não é necessário fragmentar as políticas e serviços de acordo com cada necessidade ou direito de grupos determinados, o conceito de minorias é finalmente ultrapassado. A exclusão social se apresenta de distintas formas, a limitação do acesso à cidade e aos serviços de utilidade pública são as formas mais discutidas no âmbito do espaço de participação popular, embora não sejam as únicas. Para vencer esses obstáculos faz-se necessário a reorganização do espaço público coletivo, que a luta seja abraçada não somente pelas próprias pessoas com deficiência, suas famílias e profissionais, mas por toda sociedade. Reforça-se a necessidade de entender que este é um espaço que possibilita (e deve promover) o acesso e participação de todos. “A realização dos direitos das pessoas com deficiência exige ações em ambas as frentes, a do direito universal e a do direito de grupos específicos, tendo sempre como objetivo principal minimizar ou eliminar a lacuna existente entre as condições das pessoas com deficiência e as das pessoas sem deficiência.” (Cartilha do Censo 2010: 06) A própria Carta Mundial pelo Direito à Cidade afirma que “as cidades estão distantes de oferecerem condições e oportunidades eqüitativas aos seus habitantes”, justamente por esse motivo existe a necessidade de mobilização social em prol da garantia dos direitos daqueles que estão à margem dessas condições igualitárias. No mesmo parágrafo, a presente carta esclarece ainda que essas limitações no acesso existem “em virtude de suas características econômicas, sociais, culturais, étnicas, de gênero e idade”, não destacando razões de saúde, limitação físicomotora e/ou sensorial. (Carta Mundial pelo Direito à Cidade) Este é um ponto de partida para questionamento daqueles que trabalham pela garantia do direito e participação das pessoas com deficiência, pois se trata de um parágrafo no início da carta, que já exclui a deficiência como situação de vulnerabilidade social ou limitação no acesso equitativo aos bens, serviços públicos e oportunidades em geral. Importante salientar que a presente carta traz ainda, a necessidade da união dos diversos segmentos sociais na garantia do direito à cidade, assim como este Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais: Este trabalho foi apresentado no III Seminário Nacional Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 2013.

artigo defende a importância de todas as camadas sociais na luta pelos direitos da pessoa com deficiência como direitos de todos, posto que as melhorias resultantes da garantia destes direitos são benefícios reais para toda a sociedade: “Este contexto favorece o surgimento de lutas urbanas que, devido a seu significado social e político, ainda são fragmentadas e incapazes de produzir mudanças significativas no modelo de desenvolvimento vigente.” (Carta Mundial pelo Direito à Cidade) O exercício dos direitos supracitados na presente carta são a principal justificativa da participação das pessoas com deficiência no debate que segue. O direito à cidade,

está chamado a constituir-se em plataforma capaz de articular os esforços de todos aqueles atores – públicos, sociais e privados – interessados em dar plena vigência e efetividade a esse novo direito humano mediante sua promoção, reconhecimento legal, implementação, regulação e prática. (Carta Mundial pelo Direito à Cidade)

Apenas no item que trata da Proteção Especial de Grupos e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade, é possível perceber alguma referência à deficiência: “se consideram vulneráveis as pessoas e grupos em situação de pobreza, em risco ambiental (ameaçados por desastres naturais), vítimas de violência, com incapacidades…” Esta passagem cita, entre situações de vulnerabilidade, pessoas com incapacidades, o que mais se aproxima do tema em questão. Apenas no final do texto, é possível verificar referência clara à deficiência, além desta citação. Quanto às políticas afirmativas, o texto destaca o estabelecimento “de cotas para representação e participação política das mulheres e minorias em todas as instancias locais eletivas e de definição de suas políticas públicas, orçamentos e programas”. Este pode ser um importante mecanismo de inclusão, mas o discurso sobre “minorias” é contrário à idéia de direitos para todos, sendo contraditório, portanto, ao princípio de igualdade definido no próprio documento, e ai nda, sobre a fragmentação dos movimentos sociais, salientada anteriormente. (Carta Mundial pelo Direito à Cidade) Finalmente, no trecho que trata do Direito ao Transporte Público e Mobilidade Urbana, é possível visualizar uma real preocupação com o segmento em questão: Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais: Este trabalho foi apresentado no III Seminário Nacional Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 2013.

3. As cidades deverão promover a remoção de barreiras arquitetônicas para a implantação dos equipamentos necessários ao sistema de mobilidade e circulação e a adaptação de todas as edificações públicas ou de uso público e dos locais de trabalho e lazer, para garantir a acessibilidade das pessoas portadoras de necessidades especiais. (Carta Mundial pelo Direito à Cidade )

Quanto ao trabalho, também não é destacada nenhuma referência à pessoa com deficiência, mas a presente citação traz a preocupação geral com a igualdade no acesso, onde as cidades “devem desenvolver mecanismos para assegurar da igualdade de todos ao trabalho, impedindo qualquer discriminação”. (Carta Mundial pelo Direito à Cidade) Desta forma, é possível observar que no debate sobre o direito à cidade, muito se tem a amadurecer cientificamente sobre a ampliação do tema quanto à garantia e realização dos direitos humanos a todos os cidadãos. Entendendo que este é um campo de estudo e intervenção estatal recente, fazse necessário contribuir com a reflexão, através da inserção de novas experiências e conceitos, na perspectiva da transformação do que chamamos de cidade, em um espaço para todos, que deve ser construído coletivamente , cumprindo, em conjunto, a tarefa de materializar um direito que ainda é de papel.

III O estatuto, as cidades, o movimento de pessoas com deficiência e o espaço público

Com o objetivo de normatizar a ordem pública sobre os aspectos que norteiam o uso e a manutenção da cidade, foi criada a Lei N° 10.257 de 10 de Julho de 2001, conhecida popularmente como Estatuto da Cidade. Assim como qualquer legislação a nortear uma política pública, o presente estatuto é composto por uma série de diretrizes e instrumentos, cujo alguns destes, cabem ao debate aqui traçado. O primeiro deles consta no Art. 2°, V. onde a “oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais” surge como uma de suas diretrizes. Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais: Este trabalho foi apresentado no III Seminário Nacional Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 2013.

O que se percebe na execução desta e de outras políticas públicas em geral é a incoerência com as necessidades populacionais destacadas no artigo. O Decreto 5.296 de 02 de Dezembro de 2004 estabelece todos os critérios a serem respeitados na concepção e implantação de projetos arquitetônicos, urbanísticos e de transportes, tanto de criação quanto de reforma, a fim de se tornarem espaços acessíveis ou adaptados, tendo como parâmetro as regras definidas nas normas da ABNT. No entanto, o mesmo poder público que cria a lei, é responsável pela sua violação. O reflexo disso são as condições de acessibilidade dos equipamentos públicos sob sua gestão e a própria estrutura arquitetônica e urbanística das cidades, edifícios e transportes, impedindo que sua função social seja cumprida por todos os cidadãos, conforme objetiva o próprio artigo. Para que de fato, a cidade se torne usufruto do cotidiano de todos os cidadãos, faz-se necessário que sua gestão também seja participativa. O Estatuto da Cidade, com o objeti vo de promover a participação social e a gestão democrática da cidade, garante que “os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.” (Estatuto da Cidade, Art. 45)

A participação mencionada se dá, prioritariamente, através dos conselhos de direito, conferências nas três esferas de governo e audiências públicas, no entanto, o tema em questão não é tão discutido ou publicizado como outros mais convencionais como: saúde, educação, assistência social, etc. Tal realidade leva a um questionamento sobre a real efetividade desta participação e da existência de espaços que, de fato, oportunizem o acesso de todos os movimentos sociais a este tema. Considerando que as políticas públicas acima mencionadas, além de populares, estão na agenda dos diversos segmentos sociais de longa data, e estão muito longe de efetivarem todas as garantias estabelecidas nas suas legislações, a preocupação com a efetividade dos dispositivos legais que norteiam o direito à cidade tende a aumentar. Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais: Este trabalho foi apresentado no III Seminário Nacional Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 2013.

Pensar o direito à cidade é refletir para além da elaboração de legislações e tratados internacionais que afirmam a

necessidade ou obrigatoriedade de

desenvolver espaços urbanos em consonância com as necessidades sociais e os direitos humanos. Efetivar o direito à cidade é garantir o direito à vida, à dignidade, à igualdade. É romper com a lógica capitalista construída socialmente ao longo de tantos anos e transformar o pensamento social excludente e mercantilista presente em todas as camadas sociais. Para Lefèbvre, garantir este direito significa considerar as necessidades antropológicas, sociais e psicológicas elaboradas historicamente por cada sujeito coletivo, não somente seus aspectos técnicos ou administrativos. Para o autor, considerado pioneiro neste estudo, faz-se necessário ultrapassar as barreiras materiais e urbanísticas em geral, propondo a transformação do espaço urbano através da participação social, da efetivação do conceito de cidadania plena, desafios estes que representam os principais objetivos do movimento das pessoas com deficiência na luta pelos seus direitos. O espaço social é um espaço de ação e de movimento, se determinados grupos sociais ficam à margem deste acesso, suas necessidades não são apreciadas, sua cidadania não é garantida e dificilmente seu produto representará as necessidades de todos. Estamos diante de uma sociedade e, portanto, de um espaço social, construído e apropriado pela padronizada e individualista lógica capitalista, que dentre tantos reflexos desastrosos, é responsável ainda pela desigualdade e fragmentação dos movimentos sociais, que se subdividem e muitas são conflitantes entre si, sem ao menos se dar conta de que tais embates são estratégias do sistema capitalista para enfraquecê-los nos seus objetivos de luta por garantia de direitos. Talvez seja possível enfrentar os desafios em questão e tornar possível a participação de todos os movimentos sociais na construção coletiva deste debate. É possível que o direito à cidade possa ser reconhecido pela população como uma condição ou uma possibilidade de articulação para garantia dos demais direitos, considerando que todos os outros direitos são garantidos ou negados no espaço das cidades.

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É preciso ter consciência de que toda esta reflexão está intrinsecamente ligada à necessidade de romper com a lógica capitalista e pensar um modelo alternativo ao que se tem hoje. É preciso criar novos espaços, reinventar a discussão defasada e os discursos limitados dos diversos movimentos sociais. Renovar o debate e promover a participação de todos, oportunizar estes encontros e materializar este debate para além da produção científica, mas para a efetivação das ideias. Este sim, é o maior desafio dos movimentos sociais brasileiros na sua luta pela efetivação de direitos

IV “Brasil Acessível” e “Cidade Acessível é Direitos Humanos”: breve reflexão sobre suas essências e aplicabilidades

IV.I O Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana

O Programa

Brasileiro

de

Acessibilidade

Urbana

denominado

“Brasil

Acessível”, foi constituído em 2004, mesmo ano da regulamentação da conhecida “Lei da Acessibilidade”, através do Decreto Federal 5.296 de 02 de Dezembro de 2004. Este programa tem por objetivo tornar o espaço das cidades acessível, de modo a promover a utilização de todos ao espaço público.

Pensando a

acessibilidade como política de mobilidade urbana, visa o apoio aos demais entes federativos na garantia da acessibilidade nos seus territórios. O programa destaca ainda o objetivo de promoção da cidadania, da equidade e da inclusão social. São diversas as ações e instrumentos para a aplicação do programa, contando com diversas cartilhas para orientação aos Estados e Municípios. Em uma delas, ao que tange a inclusão social, é utilizado o seguinte conceito para este tema:

A compreensão da necessidade de se inserirem estas pessoas ao dia-a-dia de todos, não apenas no conceito físico da presença, mas de uma forma ampla e participativa, acaba gerando a definição da Inclusão Social. Trata -se de um processo

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em que a sociedade se adequa para receber em seus sistemas sociais as pessoas com deficiências ou com mobilidade reduzida e estas, por sua vez, passam a assumir seus devidos papéis na sociedade. (BRASIL, 2004: 39)

O debate sobre a inclusão é analisado em diferentes perspectivas pelos diversos autores investigadores deste tema, cumpre destacar a teoria de Martins (2002) para definir inclusão e exclusão. De acordo com o autor, ““excluído” é apenas um rótulo abstrato que não corresponde a nenhum sujeito de destino: não há possibilidade histórica nem destino histórico nas pessoas e nos grupos sociais submetidos a essa rotulação.” (MARTINS, 2002:30) Esta afirmação foi feita sob a perspectiva de que as palavras exclusão e inclusão foram construídas por sujeitos que se colocam na posição de participantes das atividades sociais, julgando aqueles que não teriam acesso às mesmas, como excluídos. Para o autor, “o discurso sobre a exclusão é o discurso dos integrados, dos que aderiram ao sistema, tanto à economia quanto aos valores que lhe correspondem.” (MARTINS, 2002:30) Outra passagem importante neste documento é o momento em que o direito à cidade é sinalizado em articulação com o plano diretor e as questões de acessibilidade. O embasamento deste item é prioritariamente legal, usando-se de dispositivos constitucionais – mais precisamente o artigo 182 – para justificar a necessidade de acessibilização do espaço público para promoção e participação de todos os cidadãos:

Este artigo da Constituição Federal de 1988 permitiu a criação da Lei Federal nº 10.257, em 2001, conhecida como O Estatuto da Cidade. Nela se estabelece que a função social da cidade e da propriedade urbana será estabelecida por cada município, respeitando sua individualidade, vocação, defendendo os elementos necessários para o equilíbrio entre os interesses públicos e privados de seu território. Deve ser assegurado, pelo Poder Público o atendimento das necessidades de todos os seus cidadãos, garantindo-lhes qualidade de vida, justiça social e desenvolvimento de suas atividades econômicas. (BRASIL, 2004: 61)

Observa-se que a data desta lei é 2001, o que demonstra o quão atrasado está o Estado brasileiro no que se refere à acessibilidade das cidades nos seus Estados e Municípios, ainda que dispondo de aparatos legais que fundamentem e garantam esse direito a todos os cidadãos.

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Destaca-se ainda outro item de fundamental relevância para este debate, onde o programa destaca que: “a evolução do pensar a cidade para todos está estampado nas discussões do Projeto de Lei Federal que altera e reformula a Lei 6.766/79 que trata do Parcelamento do Solo Urbano.” (BRASIL, 2004: 63) Ademais, para cumprir parte do seu objetivo de orientação aos gestores públicos dos Estados e Municípios, o Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana Brasil Acessível é um documento técnico, que traz imagens ilustrativas e informações contidas nas normas da ABNT para adequação dos diversos espaços, dentro do modelo do desenho universal. No entanto, para que a real participação das pessoas com deficiência seja alcançada, é necessário ir além da adequação arquitetônica e urbanística. É preciso pensar a acessibilidade para além das normas técnicas. Mais uma vez, o desafio está também no pensamento social brasileiro. Caso este não seja reinventado, nenhum recurso ou tecnologia assistiva serão suficientes para a verdadeira participação social das pessoas com deficiência na construção da coletividade.

VI.II O “Cidade Acessível é Direitos Humanos”

O “Cidade Acessível é Direitos Humanos” é um projeto do governo federal que objetiva integrar os conceitos de acessibilidade e cidadania no espaço urbano, focalizando o contexto municipal. Na sua redação, bem como o “Brasil Acessível”, focaliza as questões materiais de acessibilidade, objetivando servir de modelo para a aplicação das presentes normas nos municípios do país. Sua constituição baseia-se e projetos-pilotos no âmbito municipal, a fim de consolidar as metas ali estabelecidas e, consequentemente, orientar os demais municípios na sua aplicabilidade. Materializa-se a partir de um termo de compromisso firmado entre o Governo Federal e os municípios interessados, através do qual, mediante sua formalização, são assumidas adoção de medidas que

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objetivem a acessibilização do espaço urbano e a promoção da participação das pessoas com deficiência. As metas do projeto também são prioritariamente de ordem material, sinalizando todo seu interesse em aplicar as normas técnicas de acessibilidade nos municípios, comprovando a carência de produção no seio deste movimento, que trate dos assuntos referentes ao direito à cidade e a deficiência no aspecto social, ainda que a técnica seja indispensável para o acesso deste público aos diversos espaços. Mais uma vez, comprovamos a necessidade de repensar as estruturas que norteiam este debate e convidar à sociedade para uma reflexão mais consistente sobre os conceitos de inclusão e participação, tantas vezes utilizados de forma superficial e clichê na sociedade brasileira.

V Considerações Finais

O direito à cidade pode ser concebido de várias formas, tanto o poder público quanto os diferentes teóricos buscarão abordá-lo sob aspectos distintos, o que enriquece o debate e as possibilidades. Porém, o mais importante a se destacar aqui, é a necessidade de se garantir a participação de todos os sujeitos sociais na construção desta proposta comum de transformação do espaço público. O espaço público deve, de fato, ser apropriado por todos os cidadãos para protagonizarem este debate. O direito à cidade cria a possibilidade de os movimentos sociais de diferentes frentes de luta entender a necessidade de união dos esforços rumo a uma construção de uma cidade para todos, mais uma vez, rompendo o segmentado conceito de minorias. Isso remete à necessidade de mudança de cultura dentro dos próprios grupos sociais, a necessidade de se pensar em conjunto, algo notoriamente difícil para a população, que tantas vezes se viu obrigada a fragmentar suas necessidades a fim de garantir seus direitos, ainda que isoladamente. Sendo este um debate recente na agenda política do Estado brasileiro, toda contribuição é bem vinda e deve, portanto, ser considerada e apreciada pela Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais: Este trabalho foi apresentado no III Seminário Nacional Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, em Natal, Rio Grande do Norte, no ano de 2013.

sociedade. Refletir sobre a dimensão política e social do direito à cidade é o primeiro passo na criação de estratégias e luta pela sua garantia. É preciso criar alternativas e convocar a população a participar deste processo. É preciso reproduzir o espaço público urbano, garantir a igualdade, a equidade e respeitar as diferentes formas em que se manifestam as necessidades humanas no espaço comunitário. É necessário construir um movimento pela transformação social a partir do conhecimento da história e dos reflexos que o sistema econômico vigente e sua cultura hegemônica influenciaram os movimentos sociais brasileiros. Para fazê-lo e necessária a contribuição de todos, sabendo q ue alcançar este entendimento é nosso primeiro grande desafio.

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Referências Bibliográficas

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