Mudanças conceituais no campo dos museus e as possibilidades de identificação do público com a pré-­‐história regional a partir do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville, Santa Catarina

May 26, 2017 | Autor: Dione Bandeira | Categoria: Museums, Shell Mounds
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Mudanças   conceituais   no   campo   dos   museus   e   as   possibilidades   de   identificação  do  público  com  a  pré-­‐história  regional  a  partir  do  Museu   Arqueológico  de  Sambaqui  de  Joinville,  Santa  Catarina   Conceptual   changes   in   museum   field   and   the   possibilities   of   identification   of   public   with   the   regional   pre-­‐history   from   the   Archaeological   Museum   of   Sambaqui   de   Joinville,  Santa  Catarina      

 

Luiz  Fernando  Estevão*   Dione  da  Rocha  Bandeira**  

Resumo: O objetivo deste artigo consiste na análise, reflexão e discussão de como se dá a identificação dos variados sujeitos/públicos com as sociedades pré-coloniais que viveram na região de Joinville a partir da exposição de longa duração intitulada Préhistória Regional presente até recentemente no espaço do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville/SC. O estudo se dá a partir da revisão da evolução conceitual sobre a instituição museu pela análise de documentação institucional e entrevistas com visitantes. Palavras-chave: Conceituação de museu, exposição e sambaquis. Abstract: The aim of this paper lies in the analysis, reflection and discussion of ways in which the identification of different subjects / audiences with the pre-colonial societies that lived in the region of Joinville from the long-term exhibition titled Regional Prehistory until recently in this space Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville/SC, Brazil. The study starts from the review of the conceptual evolution on the institution museum by analyzing institutional documentation and interviews with visitors. Key-words: Museum, exhibition and sambaquis.

1 O MASJ, os sambaquis e a comunidade O Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville\MASJ é uma instituição referência, que atua com pesquisa, educação patrimoniale salvaguarda de sítios arqueológicos pré-coloniais, principalmente sambaquis. No município de Joinville existem, aproximadamente, 39 desses sítios1. Eles se caracterizam pela acumulação artificial de conchas de moluscos, vestígios da alimentação de grupos humanos, em                                                                                                                        

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Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade. Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). [email protected] ** Doutora em História. Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville\MASJ. 1 A região nordeste de Santa Catarina é marcada pela existência abundante de sítios arqueológicos, principalmente de tipologia sambaqui. Dentro dos limites atuais do município de Joinville há 39 sítios, sendo 11 em área urbana. Se levarmos em conta a Baía da Babitonga (Araquari, São Francisco do Sul, Barra do Sul, Itapoá, Garuva), ampliamos este número para 157 sítios cadastrados Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 6 no 1 – 2013

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meio às quais são identificados diversos outros objetos vinculados à vida cotidiana e ritual destes grupos, como artefatos confeccionados com rocha, osso e concha e sepultamento, que viveram na região entre 5000 e 1000 anos atrás aproximadamente. A palavra sambaqui seria provavelmente derivada do Tupi tambá (conchas) e ki (amontoamento). Conforme Prous (1992, p. 204): [...] “os sambaquis são artefatos, isto é, estrutura intencionalmente produzida pela ação humana e com finalidades”. Esses sítios arqueológicos, conforme estabelece a Lei Orgânica de Joinville de 1990 (PREFEITURA..., 2010), estão sob a responsabilidade do MASJ, apesar de constituírem Patrimônio Nacional conforme Lei 3924 de 1961 (IPHAN, 2013). O MASJ, dentre outros objetivos, dedica-se à pesquisa, à preservação do seu acervo e à sua exposição; bem como, à fiscalização e preservação dos sambaquis nas comunidades em que estão inseridos,considerados acervo in situ. A criação do MASJ ocorreu em 1963, com a compra da coleção arqueológica pertencente ao Sr. Guilherme Tiburtius, com mais de 12.000 peças procedentes, principalmente, do litoral Norte de Santa Catarina e Sul do Paraná. O Museu, inaugurado em 1972, conta hoje com cerca de 40 mil peças sob a sua responsabilidade. Na década de 1990, com vinte anos de atuação e com um quadro diversificado de profissionais com qualificações técnicas, o MASJ iniciou um processo de mudança, não só no que tange à visão e/ou missão cultural da Instituição, mas, também, referente a perspectivas sócio-educativas. Isso se deu pela iniciativa do seu quadro funcional e que, possivelmente influenciado pelo movimento da Nova Museologia2, propôs a criação de uma nova exposição de longa duração em substituição à existente, intitulada Coleção Guilherme Tiburtius. O próprio nome do Museu foi o ponto de partida para a elaboração da nova exposição, pois seria inconcebível o público entrar e sair daquele espaço museal sem ter a clareza do que vem a ser um sambaqui e das razões pelas quais deveria preservá-lo. Essas questões, em nosso entendimento, são a essência da instituição. Preocupação que se constata nas considerações de Sandra Pascoal Leite de Camargo Guedes, que dirigia o Museu nesse período, segundo a qual “a compreensão do que seja um sambaqui é fundamental para o entendimento da                                                                                                                         2

Trata-se do Movimento da Nova Museologia que viria a ser formalizado em 1985, em Lisboa, durante o II Encontro Internacional – Nova Museologia/Museus Locais, sob a denominação de Movimento Internacional para uma Nova Museologia (MINOM), organização que dois anos depois foi reconhecida como Instituição afiliada ao Conselho Internacional de Museus (ICOM). Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 6 no 1 – 2013

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  exposição do MASJ, assim como para justificar a existência da própria instituição” (GUEDES, 1991, p. 6). A nova proposta museológica tinha, como foco, apresentar o dia a dia dos grupos de sambaquianos e, dentre outros aspectos, mostrar a relação que eles tinham com o meio ambiente da região de Joinville, o seu desenvolvimento físico e cultural, o desenvolvimento de técnicas para sua subsistência e a relação que tinham com a morte, possível de interpretar através das evidências arqueológicas relativas ao tratamento que dispensavam aos mortos. Segundo o projeto da nova exposição intitulada Pré-história Regional, a nova exposição de longa duração foi concebida para apresentar a cultura sambaquiana da região de Joinville, enfocando sua dispersão espacial, suas características culturais e o processo de trabalho desencadeado pelos arqueólogos para obtenção desses conhecimentos (BRUNO; GUEDES; AFONSO; ALVES, 1991, p. 114).

Para trabalhar museologicamente esses temas, a apresentação da exposição foi dividida em oito partes, com os seguintes enfoques: introdução ao tema; caracterização de sambaqui; localização regional dos estudos arqueológicos; características físicas; subsistência e tecnologia; mundo simbólico; outras sociedades e arqueologia de Joinville. Para Guedes, havia uma preocupação com a teorização do tema, pois: explicações teóricas, no entanto, dificilmente atingem a todo tipo de público, principalmente tratando-se de um assunto onde a visualização espacial torna-se fundamental. Desta forma, optou-se pela confecção de dioramas, técnica museográfica utilizada em várias partes do mundo, para compor na representação de um cenário (GUEDES, 1991, p. 7).

2 Dialogando com público: a exposição e seus efeitos O objetivo da pesquisa que desenvolvemos, cujos resultados estamos apresentando aqui, reside na análise, reflexão e discussão de como se dá a identificação dos variados sujeitos/públicos com as sociedades pré-coloniais que viveram na região de Joinville, a partir da exposição de longa duração que, até recentemente, encontrava-se no espaço do Museu. O procedimento analítico tem por base, justamente, as leituras e releituras que o público e a Instituição fazem da exposição, ou das peças que compõem o acervo. Esta relação constitutiva entre sujeito, museu e acervo é afirmada por Adotevi: um museu em si não é nada, ele é um indicador, um “sinal”. São os indivíduos, os grupos políticos, sociais e econômicos que constituem Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 6 no 1 – 2013

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os museus e lhes conferem significados. Significados esses que variam de indivíduo para indivíduo, pois o processo de construir significado é um processo de fazer sentido da experiência, de explicar o mundo para nós mesmos e para os outros (ADOTEVI, 1992, p. 22).

Assim, não basta olharmos o museu apenas como instituição organizacional, é preciso ir além, elevá-lo à categoria de lugar de sensações provocadas pelo olhar que o sujeito lança cheio de certezas, dúvidas e encantamento. Ao percebermos o museu como lugar promotor de sentidos, reconhecemos que cada indivíduo, ao entrar em contato com a exposição, traz consigo sua vivência e experiências adquiridas ao longo da vida. E são essas vivências e experiências que irão permear a análise que o sujeito irá construir do discurso expositivo do museu, seja ela na esfera do relacionar-se, do interagir ou, simplesmente, do deleitar-se. O museu, extrapolando suas características formais de coletar, preservar e expor, tendo como fim várias possibilidades de representação do passado, é um elo poderoso na criação de sentidos. Como instrumento semiótico, o seu desafio consiste, justamente, na compreensão de como essas sensações, atos e experiências estão se relacionando, intrinsecamente, no espaço museológico. Scheiner reforça o que afirmamos: o Museu é, portanto, uma poderosa construção sígnica, que se constitui e institui a partir de percepções identitárias, utilizando os jogos de memória e expressando-se sob as mais diferentes formas, no tempo e no espaço. E, se a percepção é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam o mundo, mais que objeto, é o meio natural e campo de todos os pensamentos e percepções. E o que importa é o sentido que aparece na interseção destas experiências (SCHEINER, 2003, p. 96).

O primeiro e principal contato entre o público e o espaço museal se dá por meio da exposição. Sendo assim, compreendêmo-la como uma forma de linguagem que permeia o espaço sígnico e cognitivo entre o museu e o público. A exposição expressa o resultado da pesquisa do acervo mas, também, a forma pela qual o museu se relaciona com a comunidade em que está inserido. O museu, através de suas exposições3 - sejam elas de longa duração, fruto das coleções presentes no seu acervo; ou temporárias, podendo conter itens de coleções de outros museus; e\ou itinerantes, que circulam por outras instituições, aumentando o acesso do público ao seu acervo -, não promove apenas o encontro de sujeitos com os objetos musealizados, mas tem o poder de promover, também, o encontro de pessoas (COSTA, 2010). As pessoas do passado que fizeram ou utilizaram determinados objetos, as pessoas que intencionalmente fizeram a exposição                                                                                                                         3

As coleções que fazem parte do museu, sejam elas fruto do interesse particular ou da comunidade, são as fontes de pesquisa e o cerne do seu nascimento. As exposições são o resultado do conhecimento observado do seu acervo. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 6 no 1 – 2013

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  esperando determinada resposta do público que a visita e as pessoas que, por diversos motivos, procuram conhecer esses objetos expostos. Quanto maior a participação da comunidade nesse espaço, maior será o dinamismo que fruirá desse encontro. Esse processo é fruto da interação entre a exposição e a diversidade de sujeitos que a conhecem, criando um ambiente de inconformismo e de movimento proporcionado pelas leituras diferenciadas sobre um mesmo tema focado no espaço museal. Assim, o museu, ao conhecer seu público, se mantém atual; com seu discurso em linguagem de amplo entendimento buscando uma reflexão sobre questões atuais do mundo contemporâneo, enovas formas de interagir com o visitante. Se a linguagem for extremamenteóbvia, e semrenovação no formato, com certeza os espaços ficarão vazios ou os visitantes passarão rapidamente por eles. Da mesma maneira, se o conjunto for fora dos códigos minimamente conhecidos, podem não ser entendidos (ENNES, 2008, p. 37).

Acreditamos que esse é o papel que deve ser priorizado pelo MASJ, através da sua exposição de longa duração. Menezes (1993, p. 49), acredita que: “[...] a comunicação e a educação na exposição sejam concebidas essencialmente como forma de alimentar a capacidade crítica”, pois nelas também se refletem as questões existenciais da instituição, ou seja: o porquê, para quê e para quem a exposição existe. Se essas questões norteadoras não a estiverem permeando intrinsecamente, o máximo que o museu terá realizado é uma boa exposição informativa o que, na prática, não quer dizer reflexiva. Dentre as diversas possibilidades de desenvolver a pesquisa sobre a identificação dos variados sujeitos/públicos com as sociedades pré-coloniais que viveram na região de Joinville a partir da exposição Pré-história Regional do MASJ, optamos pela abordagem quali-quantitativa, por meio da qual nos colocamos na condição de observador, procurando compreender e analisar os critérios utilizados para a escolha do tema, conhecer os objetos que estavam expostos e a finalidade da exposição, por meio da análise do seu projeto e de documentos internos do MASJ, como relatórios, por exemplo. No entanto, tivemos a percepção de que não poderíamos ficar restritos à observação, pois correríamos o risco de não atingir com esta metodologia nossos objetivos, sendo assim, outro procedimento se fez necessário: a aplicação de um formulário ao visitante. O nosso objetivo, em fazer a opção pela entrevista, deveu-se à oportunidade de desvelar as possibilidades de interação, no espaço museológico, entre a exposição e o sujeito, aferindo os mecanismos que foram escolhidos por ele para fazer relação com o ontem e o hoje.

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Optamos pelo público que reside na cidade de Joinville, o que não causou interferência nos objetivos propostos, pois, [...] “sem dúvida, não se trata de excluir ninguém, muito menos o turista, mas se supõe que o que é bom para o turista tem necessariamente que ser bom, antes, para o habitante” (MENEZES, 1993, p. 46). Delimitamos em 30 (trinta) o número de entrevistados, localizamos grande parte deles através do livro de registro do MASJ4, o qual nos forneceu dados para um primeiro contato e um posterior agendamento para a aplicação do formulário. Chegamos aos demais entrevistados por indicações dos primeiros. Tratava-se de amigos e/ou familiares daqueles e que, também, haviam visitado o MASJ, recentemente. Como perfil, escolhemos o público com idade acima de 18 anos, que visita o Museu desprendido de qualquer responsabilidade acadêmica ou escolar. Aquele que vai ao museu pelo lazer, movido só pela curiosidade ou que, casualmente, entra no museu sem nenhum motivo especial aparente. Não optamos pelo público estudantil que é atendido, em grupos, pelos monitores ou que faz parte dos projetos educacionais do MASJ, porque, na maioria das vezes, é conscientemente preparado e direcionado para conhecer a exposição sob a ótica do responsável pela sua apresentação, seja no ambiente escolar ou na própria instituição museológica. Na análise dos resultados de nossas entrevistas, constatamos que, ao serem indagados sobre o que é um sambaqui e qual sua importância, os resultados foram satisfatórios. Apesar das diferenças nas construções das respostas, umas mais detalhadas e outras nem tanto, a maioria se referiu ao sambaqui como morros que ficam perto de rios e/ou mangues5, em cujo interior há objetos variados que contam a história de outros povos que viveram em Joinville, antes dos colonizadores chegarem a essa região. Porém, quando tentavam dar exemplos de objetos, foram poucos os que não ficaram restritos a ossos e esqueletos humanos, e conseguiram citar outros elementos, como objetos feitos de pedra, pontas de flechas ou adornos. Acreditamos que isso decorra do fato de que as questões referentes aos rituais fúnebres, presente na exposição do MASJ, façam o público refletir sobre sua própria existência e sua relação com a morte.                                                                                                                         4

No final de 2010 e início de 2011, o MASJ sofreu duas grandes inundações, o que acarretou sérios danos a sua estrutura física e comprometeu a Exposição de Longa Duração Pré-história Regional, levando a equipe do Museu a decidir, em junho de 2011, pelo seu encerramento e desmontagem. Devido a isso, mudamos o critério de aplicação dos formulários, ou seja, a abordagem que deveria ser feita às pessoas após a visita à exposição, no próprio MASJ, passou a ser feita àquelas que visitaram o espaço museológico no primeiro semestre do ano de 2011. 5 Alguns citaram como exemplo os Dioramas da Exposição Pré-História Regional, que representavam um sambaqui à beira do rio Cubatão em Joinville. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 6 no 1 – 2013

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Na questão que envolve a preservação dos sambaquis, foram unânimes em defender a preservação desses sítios arqueológicos. Em nossa análise, houve uma operação lógica que foi desenvolvida pelos participantes em suas respostas, em virtude da natureza dos significados nelas contidos e da proximidade com o tema da exposição: preservação dos sambaquis e as relações entre a ação humana e o meio em que vive. No entanto, não conseguimos por meio dos formulários e, tampouco, pela interação que houve durante a sua aplicação, sentir segurança na fala ou na escrita dos entrevistados, no sentido de argumentar de forma consistente, e/ou esclarecedora, acerca da necessidade de preservação dos sítios arqueológicos. Os discursos de preservação, na grande maioria, iniciaram-se com a seguinte expressão: “é importante para a nossa história”. Quando questionados sobre a relação entre os sambaquianos e o ambiente, todos os participantes responderam a essa pergunta fazendo referência à necessidade, dificuldade e superação do homem sambaquiano em se adaptar ao meio ambiente para sobreviver. Em alguns casos, os participantes relacionaram tais dificuldades àquelas vivenciadas pelos imigrantes no processo de imigração e colonização de Joinville. Em outros, aproveitaram a situação para registrar a preocupação com as questões ambientais do nosso planeta. Curiosamente, houve, também, participantes que consideraram os imigrantes responsáveis pela expulsão desses grupos da região de Joinville. Com relação a essas considerações, ficou evidente a confusão feita entre sambaquianos e indígenas, tanto sob o aspecto conceitual, quanto de tempo histórico, uma vez que as populações indígenas, contatadas a partir de 1500, já eram horticultoras, ao passo que os sambaquianos eram pescadores-caçadores-coletores que desapareceram do litoral há mais de 1000 anos. Percebemos que, embora a exposição divulgue fatos, conceitos e argumentos embasados em estudos científicos, principalmente no que tange à Arqueologia, e busque ser fiel às características do método científico, há um esforço na apresentação museográfica para tornar a informação acessível ao público, sem, no entanto, simplificá-la ou banalizá-la. Tendo em vista que o foco da questão era a percepção de como essas sociedades relacionavam-se com o seu meio ambiente, não há dúvidas de que as pessoas envolvidas compreenderam a proposta desse tema no espaço expositivo museológico em estudo.

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  Foram poucos os que conseguiram fazer, sem o nosso auxílio, uma relação entre os hábitos e costumes dessas sociedades da Pré-História Regional com a nossa atual. A maior parte limitou-se apenas a assinalar a questão, mas não conseguiu, ou não quis, mencionar exemplos. Em alguns casos, devido às dificuldades de recordar, embora não fosse o que tínhamos planejado, interpelamos a memória dos entrevistados de uma forma provocativa. Somente a partir dessa interferência surgiram respostas e exemplos, tais como: a alimentação, a preocupação com os mortos e objetos. Inclusive, a menção sobre a localização de partes da exposição, fazendo a relação com temas atuais. Quando questionados se era possível perceber, através da exposição, a importância da existência do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville, a grande maioria respondeu que sim, embora, alguns tenham afirmado que isto não estava evidente na exposição em si. O objetivo a que nos propusemos, com essa indagação, era o de ter clareza se o público percebia o MASJ como uma instituição museológica importante para a cidade. Não que o público nos tenha frustrado com sua resposta, ao contrário, a leitura e interpretação que os entrevistados apresentaram foram mais profundas do que esperávamos. Se, em uma das questões referente à preservação dos sítios arqueológicos, sentimos certa dificuldade dos participantes em elaborar suas respostas, o mesmo não ocorreu ao justificar a importância da existência do MASJ na preservação dos sambaquis. Em resumo, condicionaram a existência do museu aos sambaquis e dos sambaquis ao museu. Nessa interpretação construída pelos participantes, sem o MASJ os sambaquis estariam destruídos e com isso não haveria necessidade ou justificativa para o MASJ continuar a existir. Isso nos faz lembrar a justificativa para a montagem de uma nova exposição para substituir a anterior, Coleção Guilherme Tiburtius, na qual dois aspectos são levados em conta para esta reformulação e que estão bem presentes nas respostas dadas pelos participantes dessa pesquisa: o sambaqui e a importância de sua preservação. Quando questionados se a exposição estabelece um diálogo direto e esclarecedor entre as sociedades da pré-história regional e o visitante, as respostas foram satisfatórias. A maioria dos participantes demonstrou segurança ao se referir à exposição como algo que interpreta o que existiu antes da colonização europeia, ou seja, referente aos primeiros grupos que viveram na região de Joinville. Embora na elaboração das respostas não tenha aparecido citação de uma datação histórica em

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particular, ficou claro que a exposição estava tratando de grupos específicos (e que eram anteriores ao processo de colonização histórica da região de Joinville). Não foram poucos os casos em que houve a necessidade da interpelação à memória para descrever determinados objetos ou cenário da exposição, visando à comprovação de suas respostas. Reafirmando o que já havíamos comentado no decorrer do nosso trabalho, os museus atuais são compreendidos como lugares de aprendizagem e de inclusão social. O setor educativo tornou-se um componente fundamental das políticas museológicas e, porque não?, um argumento essencial para justificar, aos olhos do público em geral, a existência de um museu. A relação de ensino e aprendizagem desenvolvida no espaço museológico, deixou de ser entendida apenas como a transmissão de conhecimentos e de informação.

E, tal como defendido por Paulo Freire há mais de cinquenta anos,

passou a ser vista como a criação de estímulos para a criatividade e a capacidade inovadora na resolução de problemas novos e do encorajamento para a curiosidade e novos enfrentamentos. Sobre o papel desempenhado pela Arqueologia, através da exposição, os entrevistados tiveram dificuldade em explicar a área de estudo que a Arqueologia compreende. Não foram poucos os que pediram para que déssemos uma “dica” e, após esta ajuda, é que conseguiram relacionar, com rapidez, os objetos expostos do museu com o diorama representando o trabalho dos arqueólogos e, portanto, o papel que a Arqueologia desempenha. Não houve nenhuma tentativa dos participantes em relacionar a figura do senhor Guilherme Tiburtius com a Arqueologia, ou com a sua contribuição para a existência do MASJ. Quanto ao papel que o arqueólogo desempenha, na maioria dos comentários, era de “pessoas que escavam” ou “fazem buracos” para achar ossos. Sobre o entusiasmo em voltar ao museu e/ou pesquisar mais sobre o tema após conhecer a exposição, não houve qualquer tipo de rejeição ou críticas à exposição ou ao MASJ, diretamente. Esta postura esta relacionada com o público (mesmo que não sendo intencional) a que aplicamos os formulários, que, em sua a grande maioria, fazia uma visitação estava voltada mais ao lazer e à curiosidade do que à pesquisa sobre os vários temas que a exposição aborda acerca do sambaqui.

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  As pessoas com quem tivemos contato pessoal6 demonstraram muito carinho pelo MASJ. Na grande maioria, as respostas se referiram a ele como o “nosso museu” e que ele faz parte da “nossa história”. Não foram raros os comentários ressaltando a preocupação com o fechamento do Museu, devido aos danos causados pelas enchentes ocorridas no primeiro semestre de 2011. Os entrevistados tiveram a necessidade de relatar as visitações que fizeram no período colegial ao Museu, falando das mudanças ocorridas no espaço expositivo daquela época para a atual.

3 Considerações finais Constatamos que a criação do MASJ, respeitando as especificidades que lhe são inerentes de uma forma geral, não se distancia muito da origem dos diversos tipos de museus criados, ao longo do tempo, pela doação ou compra de uma coleção particular. Mas traz algo muito peculiar: o fato do prédio que o abriga ter sido construído para tal finalidade, o que contraria a regra em geral do empréstimo de prédios tombados para serem adaptados e transformados em museus, conforme demonstram os dados do Instituto Brasileiro de Museus/IBRAM7. Nem sempre os artefatos expostos conseguem harmoniosamente compor e conviver com a arquitetura e a história do espaço adaptado, como foi o caso do próprio MASJ, no período em que estava alojado no Museu Nacional de Imigração e Colonização de Joinville. O processo de maturação, pelo qual o MASJ passou no decorrer dos anos de sua existência, está vinculado diretamente aos documentos que traduzem o pensar museológico no século XXI, presente nas Declarações de Santiago e de Caracas. No que concerne ao ato de expor, há a recomendação dessas declarações no sentido de que o museu, ao comunicar seu acervo e pesquisa, permita que a comunidade em geral possa ser levada a confrontar-se com a realidade por meio de elementos representativos e simbólicos. É necessário, no entanto, a busca do diálogo e a fomentação da participação comunitária, evitando assim a construção de uma exposição que só faça sentido para quem a concebeu. Essas questões, em nosso                                                                                                                         6

Algumas participantes levaram o formulário para aplicá-los com os parentes que visitaram a exposição juntamente com elas, na ocasião, mas que não estavam presentes na nossa abordagem. 7

Em 14 de Janeiro de 2009, pela Lei n 11.904, foi instituído o Estatuto de Museus, com a apresentação do Caderno Política Nacional de Museus-Memória e Cidadania. O objetivo disposto nesse documento é promover a valorização, a preservação e a fruição do patrimônio cultural brasileiro. Logo em seguida pela Lei 11.906, de 20 de janeiro de 2009, foi criado o IBRAM. Para saber mais acessar: http://www.museus.gov.br/sbm/legislacao.htm

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entendimento, estão presentes no projeto museológico e museográfico, apresentado pelo MASJ em 1989, visando a substituição da exposição de longa duração, Coleção Guilherme Tiburtius, pela exposição Pré-história Regional. A preocupação em trabalhar não só apenas o conceito de sambaqui, mas também mostrar como ele está inserido nas diversas comunidades que se formaram ao seu redor bem como a importância de sua preservação, esteve presente no planejamento e na execução da nova exposição de longa duração “Pré-História Regional”. Por intermédio dessa exposição, outros projetos educacionais surgiram, pela necessidade de aprofundar e dinamizar o tema em outros espaços fora do MASJ. A exposição tematizando a pré-história regional nasceu da necessidade de melhorar a comunicação, o diálogo, com a comunidade. As ações que foram tomadas para dinamizar esse processo foram construídas pela interação de profissionais de diversas áreas, o que evidencia o caráter interdisciplinar da exposição. Considerando que nela estão presentes dois dos princípios fundamentais das exposições de museus: o caráter comunicativo - que consistem num meio de apresentar as concepções do museu e o seu acervo aos visitantes -, e a sua natureza de experiência para os visitantes, é possível afirmar que houve interações dos visitantes com a exposição, conforme a leitura que fizemos dos formulários que foram aplicados. Os desafios para o MASJ são muitos. Dentre eles, podemos citar: a questão da interdição do seu prédio, o que tem provocado discussões acaloradas sobre o que fazer com esse espaço físico8; e a reformulação da exposição de longa duração, que foi o objeto de nossa pesquisa, e que foi desmontada devido à última enchente que atingiu o Museu. A exposição de longa duração, em suas duas décadas de vida, sem sombra de dúvida, deixou como legado às pessoas que a visitaram o sentimento de pertencimento e de preservação dos sítios arqueológico, independentemente de viverem próximos, ou não, a eles. Embora as pessoas que responderam os formulários

não

dominassem

os

conceitos

científicos

(sítio

arqueológico,

australopithecus e outros) que a exposição impõe de uma forma branda em seu discurso museográfico.                                                                                                                         8

O Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville promoveu uma discussão para refletir o destino do conjunto arquitetônico que abrigava o acervo da entidade até maio deste ano. Elafoi realizada durante a 15ª edição dos Colóquios Patrimoniais, encerrando a programação da 10ª Semana de Museus de Joinville. Com o tema "Museu Arqueológico de Sambaqui: desafios para a preservação do Patrimônio Arqueológico num mundo de mudanças" Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 6 no 1 – 2013

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  Como sugestão para a nova exposição de longa duração que se encontra em processo de gestação, indicamos que fossem consideradas, no seu projeto museológico e museográfico, as representações da comunidade em que os sambaquis estão presentes, como textos, testemunhos de como essas comunidades se relacionam com esses sítios, por meio dos inúmeros projetos educacionais desenvolvidos pelo museu. É importante que haja uma parte da exposição para tratar da história do MASJ9, pois é o reconhecimento do direito à memória desse espaço arquitetônico que tem uma história viva, pulsante e representativa para a cidade. Esse espaço da memória da instituição e das pessoas que fizeram parte de sua história deveria ser o primeiro espaço que o visitante teria contato, antes de conhecer os aspectos científicos do acervo exposto. Há outro aspecto que não poderíamos deixar de mencionar como contribuição, a necessidade de se ter um espaço de exposição e comunicação dos projetos em andamento, ou de interação com os profissionais e o público. Esse espaço, em particular, traria no seu bojo o “movimento” constante de atualização, de tal forma que o diálogo entre a comunidade e os profissionais do museu estivesse em contínua construção e, porque não, também em desconstrução.

Referências ADOTEVI, Stanislas. Lé musé e inversion de la vie; le musé e dansles systém es éducatifs et culturels contemporaines. In: VAGUES, une anthologie de la nouvelle museologie. Paris: Editions Savign-le-temple, 1992. p. 22-35. BRUNO, Maria Cristina; GUEDES, Sandra Paschoal Leite de Camargo; AFONSO, Marisa Coutinho; ALVES, Maria Cristina. Um olhar museológico para a Arqueologia: a exposição “Pré-História Regional” de Joinville (Santa Catarina). Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 1, p. 113-129, 1991. COSTA, Carina Martins. Expor, reter, transformar e/ou projetar: temporalidades em cena nos museus contemporâneos. Cad. Cedes, v. 30, n. 82, p. 415-420, 2010. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 21 março 2012. ENNES, Elisa Guimarães. Espaço construído: o museu e suas exposições. 2008.120p. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio)-Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. GUEDES, Sandra P. L. C. A reformulação da exposição permanente do MASJ. Boletim MASJ, n. 4, p. 1-18, 1991.                                                                                                                         9

Algumas pessoas confundiram o Museu do Sambaqui com o próprio sambaqui, o que vem reforçar a necessidade de se trabalhar esse aspecto na futura exposição de longa duração. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 6 no 1 – 2013

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Artigo/Article

Luiz Fernando Estevão, Dione da Rocha Bandeira

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IPHAN. Lei 3924 de 1961. Disponível em www.iphan.gov.br. Acesso em 2013. PREFEITURA DE JOINVILLE (SC). Primeiros habitantes de Joinville. Joinville: Fundação Cultural, Museu Arqueológico de Sambaqui: Itajaí: Casa Aberta Editora, 2010. MENEZES, Ulpiano Bezerra de. Do teatro de memória ao laboratório da história; a exposição museológica e o conhecimento histórico. Anais do Museu Paulista - O Museu -, v.1, p. 40-54, 1993. SCHEINER, Tereza. Comunicação, educação, exposição: novos saberes, novos sentidos. Semiosfera, ano 3, n. 4-5, 2003. Disponível in: http://www.semiosfera.eco.ufrj.br/anteriores/semiosfera45/conteudo_rep_tscheiner. Acesso em 20/out.2011. PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: Ed. da UNB, 1992.

Submetido em 18.06.2012 Aceito em 19. 08.2013

Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 6 no 1 – 2013

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