MULHER E MÃE, \"NOVOS PAPÉIS\", VELHAS EXIGÊNCIAS: EXPERIÊNCIA DE PSICOTERAPIA BREVE GRUPAL

July 22, 2017 | Autor: Alyson Carvalho | Categoria: Public Health, Group work, Minas Gerais
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MULHER E MÃE, “NOVOS PAPÉIS”, VELHAS EXIGÊNCIAS: EXPERIÊNCIA DE PSICOTERAPIA BREVE GRUPAL *

Juliana dos Santos Soares # Alysson Massote Carvalho RESUMO. Este artigo tem como foco investigar os papéis desempenhados pelas mulheres fora do casamento, em situações de divórcio e de maternidade sem se casarem. Trata-se de estudo de caso derivado do trabalho de psicoterapia breve grupal numa cidade do interior de Minas Gerais, cujos sujeitos foram quatro mulheres com esse perfil. O trabalho se desenvolveu em seis sessões, em que foram utilizadas atividades de acordo com o referencial teórico do psicodrama. Os resultados atestam a importância do trabalho em grupo para a elaboração dos conflitos das mulheres e para a atuação do psicólogo em saúde coletiva. Palavras-chave: mulher, papéis, psicoterapia de grupo.

WOMAN AND MOTHER, "NEW ROLES", OLD DEMANDS: THE EXPERIENCE OF A BRIEF PSYCHOTHERAPY GROUP ABSTRACT. The focus of this article is to investigate the roles played by 4 women of different status: outside the marriage, in divorce situations and in single parenting. This is a case study derived from a brief psychotherapy group work in a countryside town in the state of Minas Gerais. The work was developed in six sessions, in which activities according to the psychodrama theoretic referential were used. The results show the importance of group work in order to elaborate women’s conflicts, and also for the work of a psychologist in public health. Key words: Women roles, group psychotherapy, psychodrama.

A sociedade em que vivemos vem passando por grandes transformações nos modos de vida e nos papéis desempenhados pelos indivíduos. Um dos contextos em que isso ocorre com intensidade é o familiar. A família e o casamento já tiveram um papel de organização da vida humana, com padrões mais ou menos rígidos e, atualmente passam por uma reconfiguração (Durham, 1983; Kagitçibasi, 1996; Macêdo, 2001), seguindo uma tendência de individualização do ser humano. Dessa forma, tornamse cada vez mais comuns os divórcios, os filhos fora do casamento – algumas vezes denominados “produções independentes” – e outras situações domésticas que não obedecem ao padrão familiar. Essa circunstância impele os indivíduos a

desempenharem novos papéis, até então desconhecidos. Especialmente as mulheres, que culturalmente têm sua identidade muito ligada ao casamento, ao papel de esposa e mãe, enfrentam grandes dificuldades quando da ruptura de um vínculo conjugal ou da constituição de um novo grupo, com a chegada dos filhos, sem um marido. Dentro desse contexto, o presente artigo visa explorar os papéis desempenhados por mulheres fora da situação conjugal, suas questões e dificuldades no desempenho desses papéis, tendo como referência um grupo de psicoterapia breve (Ferreira-Santos, 1997), formado por mulheres, em uma cidade do interior de Minas Gerais.Visa também explorar a eficácia da psicoterapia breve grupal, no sentido de se constituir em

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Discente do curso de graduação em Psicologia da UFMG.

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Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP, coordenador dos Programas de Ação Social Comunitária da PróReitoria de Extensão/UFMG e professor adjunto do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/UFMG. Endereço para correspondência: Rua Engenheiro Vicente Assunção, 77, Bairro Itapoá, CEP 31710-090, Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]

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apoio para essas mulheres, que podem se reelaborar como sujeitos e cultivar suas potencialidades.

O CONCEITO DE PAPEL

A noção de papel não está ligada a um autor em particular nem a um ramo da ciência apenas. Diversos autores já trataram desse conceito e de sua importância dentro do sistema social, nos âmbitos das ciências sociais e da psicologia. No presente trabalho será abordado o conceito de papel segundo Moreno (1978), pelo fato de esse autor definir bem o conceito e porque foi utilizado no trabalho com o grupo o referencial teórico de psicoterapia breve de enfoque psicodramático (Ferreira-Santos, 1997). Segundo Moreno, o papel é a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento em que reage a uma situação específica na qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos. O papel é, então, uma forma observável de comportamento, na qual estão envolvidos elementos individuais e sociais. Os papéis desempenhados pelo ser humano são divididos em psicossomáticos (desempenhados desde o início da vida – papel de ingeridor, defecador, dormidor), psicodramáticos (surgem mais tarde na vida da criança e são correspondentes à dimensão individual da vida psíquica – papéis fantasiados) e sociais (surgem concomitantemente aos papéis psicodramáticos e correspondem à dimensão da interação social – papel de filha, de mãe, de profissional).

O PAPEL FEMININO E A FAMÍLIA

Os papéis sociais desempenhados pela mulher foram e são construídos e consolidados através da história, constituindo padrões de comportamento que se modificam de tempos em tempos, em maior ou menor escala. A clássica frase de Beauvoir (conforme citada por Franchetto, Cavalcanti e Heilborn, 1981): “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, atesta a construção social da identidade feminina no lugar de considerá-la um fruto da natureza. Algumas características femininas, como passividade, emocionalidade, dependência, domesticidade e opressão estão presentes de forma universal nas sociedades humanas, mas são contestadas em sua “naturalidade” por Franchetto e cols: A mulher é assim uma construção social. A realização plena de todas as conseqüências dessa afirmação, que entretanto não é alcançada, implica a nosso ver não só o reconhecimento da possibilidade de transformação, como a percepção de que não existe Mulher, e sim mulheres ( p. 33).

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De forma semelhante à mulher, a família sofre a tendência de ser considerada uma instituição natural, existente a priori na natureza, quando na realidade também se constitui culturalmente, sendo uma construção humana mutável. Segundo Durham, “se existisse algum grupo natural na sociedade humana, não seria a família, mas aquele formado por uma mulher e sua prole imatura” (Durham, 1983, p. 20). De fato, segundo Macêdo (2001), nas últimas décadas o padrão tradicional de família da nossa sociedade – marido, mulher e filhos – vem sendo confrontado com inúmeras exceções, como casais de idosos cujos filhos já se casaram e que vivem sós ou agregam-se a outras famílias, repúblicas estudantis formadas por jovens migrantes, famílias matrifocais, compostas pela mãe e seus filhos, em decorrência de vários fatores – viuvez, homens que se deslocam em busca de trabalho, deixando as mulheres como chefes de família, divórcios e a maternidade antes do casamento. Essas exceções, a cada dia mais numerosas, evidenciam a impossibilidade de organização da existência dentro de um único padrão de comportamento. Com essas transformações sociais e o advento do feminismo as mulheres têm desempenhado papéis diferentes, saindo mais do ambiente doméstico (privado) para o social (público) e assumindo a chefia do lar, muitas vezes tanto afetiva quanto economicamente (Macêdo, 2001). Entretanto, o desempenho desses papéis não se dá de forma tranqüila e sem conflitos, pelo fato de ser, ainda, uma “transgressão” ao antigo modelo de comportamento individual e familiar. Dessa forma, encontra-se muito sujeito aos mecanismos de controle social, como o ridículo, a difamação e o isolamento (Berger, 1986). Não existem novos modelos a serem seguidos. A verdade é que a sociedade não elaborou novas soluções consensuais para qualquer desses problemas. O que ocorreu foi a abertura de um espaço no qual estão sendo experimentadas novas formas de tentar equilibrar a vida pública e a privada, a participação no mercado de trabalho e na produção doméstica de valores de uso, a liberdade individual e a responsabilidade para com os filhos, a igualdade e a diferenciação de papéis (Durham, 1983, p. 41).

MÉTODO

O método de investigação utilizado no presente estudo foi o estudo de caso, que, segundo Yin (1994), é a estratégia preferida quando o investigador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco são fenômenos contemporâneos dentro de um contexto da

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vida real. Com essa estratégia, objetivou-se descrever a intervenção no grupo de mulheres e analisar os seus possíveis efeitos terapêuticos. O convite às mulheres a participarem do grupo foi feito a partir de entrevistas prévias, devido à sua permanência em uma lista de espera por atendimento psicológico no município em que viviam, no interior de Minas Gerais. Foi observado que essas mulheres apresentavam uma demanda em comum, relacionada aos papéis que estavam desempenhando e seus conflitos com eles. Duas das mulheres estavam separadas, das quais uma tinha 25 anos, um filho e vivia com os pais e o filho e a outra tinha 48 anos e morava sozinha, já que seus filhos já haviam se casado. As outras duas mulheres eram solteiras. Uma delas tinha 27 anos e dois filhos – um morava com o pai e o outro com ela –; e a outra, com 25 anos, tinha uma filha e morava com a mãe, um irmão e a filha. A situação conjugal e maternal dessas mulheres era geradora de um certo estigma entre os habitantes da cidade. Foi utilizado o referencial teórico de psicoterapia breve grupal de enfoque psicodramático, conforme Ferreira-Santos (1997). Essa modalidade de trabalho é definida pelo autor como Uma forma de tratamento de distúrbios de natureza emocional, fundamentada no referencial teórico do psicodrama, que se utiliza de alguns elementos técnicos de outras linhas de psicoterapia, de objetivos terapêuticos determinados, à medida que se restringe a abordar certas áreas de conflitos previamente limitados num foco; caracterizada por se desenvolver num tempo limitado de duração, fixado ao início do processo; praticado por um terapeuta previamente treinado que adota uma atitude bastante ativa, de verdadeiro “egoauxiliar”, baseando seu trabalho na relação empática; dando especial ênfase ao “atual”, sem deixar de se preocupar com os conflitos internos no que tenham de interligação com os atuais, na expectativa de que, através do insight e da catarse de integração, possa ser restabelecido o equilíbrio psíquico anteriormente presente (Ferreira-Santos, 1997, p. 35).

Segundo Moreno (1978), num determinado grupo um paciente pode tratar outro, podendo ser instrumento de diagnóstico e agente terapêutico dos outros membros do grupo. Esse fator facilita a posterior autogestão do grupo, com o afastamento do profissional de psicologia, e possibilita a classificação da psicoterapia breve como de suporte, conforme Ferreira-Santos (1997): “além de, efetivamente, dar apoio à pessoa necessitada, amplia seus horizontes pessoais e relacionais, mobilizando-a para uma reflexão interna e facilitando seu desenvolvimento na dialética da relação ajudado-ajudador” ( p. 81).

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O trabalho teve duração de 6 encontros de 90 minutos cada um, e teve esses encontros direcionados a um foco: os papéis desempenhados pelas mulheres e as transformações pelas quais elas estavam passando. Com esse objetivo foram utilizadas algumas técnicas durante os encontros, conforme descrito na Tabela 1. Tabela 1. Estrutura dos encontros do grupo. Nº de Técnicas e atividades Objetivos participantes utilizadas 01 04/09/01 04 Diálogo e Auto-apresentação; colocação apresentação em das expectativas para a duplas atividade. Técnica do barbante Promover a integração das participantes. Estabelecimento do contrato grupal. 02 11/09/01 04 Círculo Trabalhar a questão da próximo/distante distância (privacidade) / proximidade (intimidade) na vida de cada uma e dentro do grupo. Auto-estima Trabalhar fatos que afetam a auto-estima das participantes. 03 18/09/01 03 Abraço em si Auto-cuidado; afeto para consigo. Mulher ideal / mulher Levantar a representação do real grupo de “mulher ideal”, e confrontá-lo com o autoconceito de cada uma. O lago Relaxamento e encontro com as várias facetas da personalidade e as mudanças que ocorrem com o tempo. 04 25/09/01 03 Estrela de 5 pontas Trabalhar o tema Família, explorando o que as participantes pensam, sentem, observam, fazem e como gostariam que fosse. Dar e receber Compartilhamento e ajuda mútua. 05 02/10/01 03 Massagem coletiva Integração, relaxamento, compartilhamento através do toque. Retrospectiva gráfica Retomar o que foram os encontros até o momento. Marcas do grupo Reflexão sobre as marcas que o grupo deixará em cada uma, e pensar nas perspectivas futuras. 06 09/10/01 03 Perspectivas Trabalhar as perspectivas futuras das participantes, com o final do trabalho. Abertura do presente Valorização das participantes. Deixar uma lembrança afetiva. Lanche coletivo Descontração.

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RESULTADOS

O material obtido nos encontros foi objeto de registro e posterior análise por meio da sua organização nas seguintes categorias: a mulher e seus papéis sociais; a mulher e seus papéis familiares; a mulher no grupo.

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A mulher e seus papéis sociais

No contato com o grupo foi percebido que as mulheres valorizavam os papéis femininos mais relacionados aos estereótipos culturais de mulher, como a beleza, a delicadeza, a submissão e a dedicação à família. Esse dado foi bastante evidenciado na dinâmica “mulher ideal/mulher real”, quando as participantes falaram das suas representações de mulher ideal e as confrontaram consigo mesmas. No que diz respeito à sua realidade, essas mulheres se aproximavam, de certa forma, da mulher idealizada, principalmente no seu exercício profissional: duas delas fizeram magistério e se dedicam à profissão de professora; e as outras duas, tendo completado o ensino fundamental, trabalham, uma como doméstica e a outra como costureira – todas profissões tradicionalmente ligadas ao feminino (trabalhos domésticos ou de cuidado e educação de crianças). Entretanto, no que diz respeito à sua vivência afetivo-familiar, todas as mulheres se afastavam do ideal estereotipado – nenhuma delas estava casada. Todas estavam, de maneira geral, tentando desempenhar um papel “alternativo”, novo na comunidade. Essa circunstância era geradora de certo sofrimento – essas mulheres passaram a ser marginalizadas pela sociedade, através do isolamento e, principalmente, da difamação (Berger, 1986). Não encontravam apoio na sua comunidade, o que se refletiu no início do trabalho grupal: todas elas se mostraram receosas de falar de suas questões no grupo, alegando que na cidade havia muito julgamento e fofoca. Com o desenvolvimento do trabalho, essa situação se modificou, e as participantes chegaram a comentar que para se obter ajuda dos outros é necessário estar aberta, o que não acontecia com elas antes de chegarem ao grupo, devido às suas experiências anteriores. A mulher e seus papéis familiares

Todas as participantes do grupo se mostraram, desde a primeira entrevista individual, muito voltadas para as questões familiares. Observou-se, desde o início do trabalho, que os papéis desempenhados no grupo familiar eram os mais fortes na vida dessas mulheres: tinham muita importância na formação de sua identidade e eram muito valorizados por elas. Na técnica “auto-estima” foram trabalhados momentos da vida das participantes que influenciaram sua auto-estima, positiva ou negativamente. Na vivência de todas as mulheres,

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esses momentos marcantes foram vividos no contexto familiar. Na técnica “estrela de cinco pontas” o tema foi trabalhado de maneira mais direta, e observou-se a grande importância do grupo familiar para as participantes. Todas relataram que família é um tema muito difícil de se tratar, por despertar muitos sentimentos, em grande parte desagradáveis. É importante lembrar que todas elas tinham uma vivência familiar não tradicional. As que foram casadas expressaram a grande expectativa que sempre tiveram com relação à constituição de uma família, a preparação pela qual passaram e a grande dedicação aos seus familiares. Uma das participantes, que era separada, escreveu no centro da sua estrela: “A minha família é tudo!”. Uma das participantes, que não se casou, expressou a sua tristeza com relação a isso em vários momentos do trabalho. Falou da importância de ter e ser uma família e compartilhou com o grupo o fato de namorar um homem casado, relatando a dificuldade de ter que esconder a situação e de ser apontada na rua por causa disso. Uma das participantes, separada do marido, se encontrava muito abatida com o fato, encontrandose de fato num processo depressivo. Seus filhos já estavam adultos, ela já não precisava se dedicar tanto a eles, e além disso agora também não desempenharia o papel de esposa. Para essa participante era difícil dedicar-se a si mesma, vivenciando papéis diferentes dos de esposa e de mãe. A outra participante que já estava divorciada, chegara a tentar o suicídio na época da separação, por considerar essa a maior perda da sua vida. Esses fatos remetem ao estudo de Macêdo (2001) sobre mulheres chefes de família em Salvador, em que, conforme a conclusão da autora as situações que envolvem ruptura do vínculo conjugal são muitas vezes retratadas como momentos de muita dificuldade. A autora também relata, em consonância com as observações do presente trabalho, que O universo das chefes entrevistadas, independente das diferenciadas condições de vida, gira em torno da relação com os filhos em quase todas as direções possíveis: até quando questionadas acerca das expectativas em relação ao seu futuro, voltam-se novamente para os filhos (Macêdo, 2001, p. 76).

As dificuldades inerentes ao desempenho de novos papéis, principalmente com relação à família, trouxeram muita mobilização ao grupo e foram

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trabalhadas no decorrer dos encontros, nos quais se buscava levar as mulheres à reflexão acerca de si mesmas e ao aumento da sua auto-estima e autoconfiança. A mulher no grupo

Apesar dos receios das participantes com relação à confiança, o grupo foi configurado, desde o primeiro encontro, como o espaço que teriam para falar de seus problemas, e perceberam que ali havia pessoas com problemas semelhantes ou piores que os seus. Foi gerado um ambiente de ajuda mútua, e elas compartilharam e trabalharam o sofrimento relacionado ao desempenho de papéis alternativos ao padrão: a divorciada, a “mãe solteira”, a que teve que se prostituir para sobreviver, a que namora um homem casado... Percebeu-se que o conteúdo dos encontros do grupo foi bastante mobilizador para essas mulheres. Uma delas abandonou o grupo depois do segundo encontro, talvez por causa dessa grande mobilização. Ocorreu, então, uma espécie de “seleção natural”, permanecendo aquelas mais comprometidas com seus questionamentos, e entre elas passou a se estabelecer uma permissão para o compartilhamento de suas intimidades, inclusive de pontos polêmicos. As mulheres tiveram a oportunidade de se colocar no lugar umas das outras sem julgamento, buscando compreendê-las nos seus papéis não-tradicionais e, conseqüentemente, a si mesmas nos seus novos papéis. No desenvolvimento da técnica “dar e receber”, as participantes trocaram entre si sentimentos de força, sucesso e segurança, entre outros, evidenciando o espírito de ajuda mútua do grupo. Na técnica “o lago”, que visava à reflexão sobre as mudanças que ocorrem com o decorrer do tempo, todas se visualizaram muito bonitas, atestando que os papéis diferentes do tradicional, quando desempenhados com suporte, podem trazer prazer e beleza no seu desempenho. Observou-se que o comportamento dessas mulheres em relação a si mesmas e às companheiras estava mais positivo ao término do trabalho do que no seu início. Elas deram muitos retornos no decorrer do trabalho, relatando melhora com relação às suas queixas originais e demonstrando perspectivas de um futuro melhor. As participantes demonstraram bastante pesar com a proximidade do término dos encontros do grupo. No entanto, mostraram-se desejosas de continuar se encontrando, mesmo sem a presença das coordenadoras, com o objetivo de manter essa rede de

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ajuda mútua. O movimento das mulheres foi no sentido de constituir um grupo autônomo, acreditando na capacidade de serem agentes terapêuticas umas das outras, conforme propõem Moreno (1978), ao apresentar as bases para a sua psicoterapia de grupo, e Ferreira-Santos (1997), ao propor a psicoterapia breve grupal de suporte.

CONCLUSÕES

O trabalho com o grupo possibilitou a observação da mudança das falas e atitudes das mulheres participantes para consigo mesmas, num sentido mais positivo ao final do processo do que no seu início. Essa observação pode indicar uma elevação no seu nível de auto-estima e autoconfiança, e a formação de uma rede de apoio mútuo que lhes possibilitou se compreenderem e se aceitarem melhor. A análise dos possíveis efeitos terapêuticos do grupo demanda, no entanto, uma avaliação a médio e longo prazos. O trabalho atesta, também, a importância da estratégia da psicoterapia breve grupal para o trabalho do psicólogo em saúde coletiva, já que essa abordagem oferece atendimento a um número maior de pacientes em um trabalho de qualidade, ágil e eficaz. Para as mulheres participantes da experiência, houve o rompimento da dinâmica de suas vidas, o que possibilitou a reelaboração de suas referências e a construção de novas falas, mobilizando-as para uma reflexão interna e facilitando seu desenvolvimento pessoal e interpessoal.

REFERÊNCIAS Berger, P. L. (1986) Perspectivas sociológicas. Petrópolis: Vozes, 1986. Durham, E. R. (1983). Família e reprodução humana. Em B. Franchetto, M. L. V. C. Cavalcanti & M. L. Heilborn (Orgs.), Perspectivas Antropológicas da Mulher (Vol. 3, pp. 13-44). Rio de Janeiro: Zahar Editores. Ferreira-Santos, E. (1997). Psicoterapia breve: abordagem sistematizada de situações de crise. (2ª ed.) São Paulo: Ágora. Franchetto, B., Cavalcanti, M. L. V. C. e Heilborn, M. L. (1981). Antropologia e feminismo. Em B. Franchetto, M. L. V. C. Cavalcanti e M. L. Heilborn (Orgs.), Perspectivas Antropológicas da Mulher (Vol. 1, pp. 11-47). Rio de Janeiro: Zahar Editores. Kagitçibasi, Ç. (1996). Family and Family Change. Em Ç. Kagitçibasi. Family and Human Development Across Cultures: A View From the Other Side (pp. 72-97). New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, Publishers.

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Macêdo, M. S. (2001). Tecendo o fio e segurando as pontas: mulheres chefes de família em Salvador. Em C. Bruschini & C. R. Pinto (Orgs.). Tempos e lugares de gênero (pp. 5383). São Paulo: FCC: Ed. 34. Moreno, J. L. (1978). Psicodrama. (2 ª ed.) São Paulo: Cultrix. Yin, R. K. (1994). Case study research: design and methods. (Applied social research method series, Vol. 5). Thousand Oaks, London, New Delhi: Sage Publications.

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Recebido em 20/08/2002 Revisado em 31/07/2003 Aceito em 30/08/2003

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