“Mulher faz isso! Eu não acredito!”- Uma análise dos grafitos produzidos em banheiros femininos

July 26, 2017 | Autor: Aline Alves | Categoria: Gênero E Sexualidade, Amor, Grafitos De Banheiro
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“MULHER FAZ ISSO?! EU NÃO ACREDITO!”- UMA ANÁLISE DOS GRAFITOS PRODUZIDOS EM BANHEIROS FEMININOS Aline Alves Matias1 Luana Santos Alves2 Resumo: Fruto de investigações iniciadas no ano de 2011, o presente artigo tem por objetivo abordar a questão dos grafitos que são produzidos em banheiros femininos. Nesse sentido, buscar-se-á observar aspectos como a expressão da sexualidade que caracterizam essa escrita feminina, como também a ocorrência de determinados temas que se distanciam do padrão feminino convencional. Para isso, utilizamos, como corpus de análise, grafitos de banheiro coletados em banheiros femininos dos Pavilhões de Aulas da Federação 1 e 3 (PAF I, III), da Biblioteca Central Reitor Macedo Costa da Universidade Federal da Bahia, do Instituto de Biologia, localizados no campus de Ondina, em Salvador. Palavras-chave: grafitos de banheiro, banheiros femininos, UFBA.

INTRODUÇÃO Conforme Kleiman (2005, p. 5) aponta, “[...] a escrita está por todos os lados, fazendo parte da paisagem cotidiana [...]”. A escrita se faz presente em diversos espaços sociais, tais como igrejas, escolas, ruas, ambientes de trabalho. Até mesmo no espaço dos banheiros públicos a escrita se presentifica. Espaço este que, segundo Barbosa (1984, p. 66), é um “[...] lugar dedicado ao corpo, em sua mais natural condição. E, por isso mesmo, um lugar escondido, [...]. Excluído”. O banheiro público serve a outras práticas além das higiênicas e um exemplo de que a escrita se faz presente nele são os grafitos de banheiro, que correspondem a uma prática de escrita que, assim como outras originadas na vida cotidiana, ainda é, geralmente, marginalizada, ignorada. 1

Bacharel e Licenciada em Letras Vernáculas pela Universidade Federal da Bahia. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq (2013/2014). Orientanda do professor doutor Antonio Marcos Pereira e pesquisadora do grupo LINCE (Núcleo de Estudos em Língua, Cultura e Ensino). Aluno Especial de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, do Instituto de Letras (UFBA) . E-mail: [email protected]. 2 Licenciada em Letras Vernáculas pela Universidade Federal da Bahia; Bacharelanda em Letras Vernáculas - (UFBA); Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/UFBA (2013-2014); Orientanda do professor doutor Antonio Marcos Pereira e pesquisadora do grupo LINCE (Núcleo de Estudos em Língua, Cultura e Ensino). E-mail: [email protected].

É válido destacar que a expressão grafitos de banheiro é adotada aqui com base na perspectiva de Bordin (2005, p. 21), em que “[...] ‘Grafito’ adquire, [...], a acepção de palavra, frase ou desenho de caráter jocoso, informativo, contestatório ou obsceno, em local público”. Outras denominações são atribuídas ao que se chama aqui de grafitos de banheiro, como por exemplo: frases ou escritos de banheiro, mensagens de banheiro, pixação ou pichação de banheiro, grafite, latrinália3, escrita latrinália, escrita latrinária. O grafito de banheiro é produzido em um “[...] espaço físico que denota restrição e supõe privacidade, mas que efetivamente circula numa coletividade, transitando, desse modo, entre as fronteiras do privado e do público”. (ALVES; MATIAS; PEREIRA, 2011). São bastante diversos os aspectos que o caracterizam. No que corresponde ao seu aspecto estrutural, por exemplo, a sobreposição de textos é algo recorrente nos grafitos. Ela acontece quando não há mais espaço (na porta, na parede) para a escrita e também quando há uma oposição de ideias entre os textos. Os grafitos apresentam uma grande variedade de temas. Há, assim, grafitos sexuais, religiosos, românticos, filosóficos, críticos, escatológicos, etc. O ambiente privado e, paradoxalmente, público dos banheiros confere aos interlocutores o anonimato4. Entretanto, esse anonimato não faz com que os discursos produzidos sejam marcados pela neutralidade, pois, estudos na área de Análise do Discurso constantemente nos mostram que não há discursos neutros, mas sim discursos marcados pelos posicionamentos sociais, culturais e ideológicos dos sujeitos produtores. Algo que é marcante nos grafitos é a questão de seu suporte. A materialização dos textos se dá, predominantemente, nas portas dos banheiros, mas pode ocorrer também nas paredes, no teto e, até mesmo, no vaso sanitário. Todos esses suportes não foram projetados para tal fim, portanto eles se enquadram na categoria dos suportes incidentais. Ainda é necessário atentar para os fatores do material/textura da porta e do tipo de tinta que cobre a sua superfície. Eles são bastante relevantes no processo de fixação dos textos, pois podem dificultar ou mesmo impedi-lo. Em um estudo recente, Matias (2014) constatou que, no cenário da pesquisa brasileira, não são muitos os estudos sobre os grafitos. Ela afirma que:

3

O termo latrinália foi proposto pelo estudioso Alan Dundes, em 1966, através do texto cujo título é Here I Sit: A Study of American Latrinalia. Dundes elaborou o termo a fim de se referir aos graffiti que aparecem em banheiros públicos, distinguindo-os, a partir do aspecto do espaço em que as inscrições são produzidas, das outras inscrições feitas em paredes em geral. 4 Há exceções em que o produtor assina o seu texto. Desse modo, o anonimato não se dá.

[...] mesmo sendo uma prática de escrita característica da vida cotidiana, presente em banheiros de universidades, shoppings centers, escolas, entre outros espaços, os grafitos, aos olhos dos pesquisadores [...] ainda parecem permanecer invisíveis. (MATIAS, 2014, p. 13).

Nesse sentido, ainda não tem sido levado em consideração o fato de que eles se constituem em “[...] uma literatura rica em significações para o conhecimento de aspectos fundamentais da cultura humana” (BARBOSA, 1984, p. 17). Muitas são as questões que podem ser levantadas quando se trata dos grafitos de banheiro. A questão a ser discutida aqui diz respeito aos grafitos que são produzidos em banheiros públicos femininos. A base de tal reflexão é a oração que se encontra no título deste texto: “MULHER FAZ ISSO?! EU NÃO ACREDITO!”. Com base nela, pretendemos, mais adiante, pensar um pouco sobre alguns dos aspectos que têm caracterizado a produção escrita feminina nas portas dos banheiros. É importante esclarecer que, durante o processo de reflexão que se propõe, serão utilizados a título de ilustração alguns dos grafitos de banheiro coletados por nós em banheiros femininos dos Pavilhões de Aulas da Federação 1 e 3 (PAF I, III), da Biblioteca Central Reitor Macedo Costa da Universidade Federal da Bahia, do Instituto de Biologia, localizados no campus de Ondina, em Salvador.

MULHER E O ESPAÇO DO BANHEIRO PÚBLICO: COMPREENDENDO SUAS RELAÇÕES Antes de dar início à discussão sobre a produção escrita feminina nas portas das cabines dos banheiros públicos, considera-se relevante tratar aqui sobre a relação da mulher com o espaço do banheiro público em si. Voltando um pouco na história, detendo-nos em Roma, local onde as termas/ casas de banhos se tornaram famosas, vemos que estes locais, reservados tanto para necessidades fisiológicas como também para conversas, atividades sociais, não eram separados de acordo com o sexo, mas eram espaços de integração tanto masculina quanto feminina. Somente no período da cristianização há a condenação desses espaços por, além de socializar conversas, acabarem se tornando espaços para práticas sexuais. A divisão ou secção entre banheiros masculinos e femininos é uma construção moderna, apontada por Preciado (2002) como uma questão de poder. Antes de adentrar ao banheiro para fazer suas necessidades, o indivíduo deve responder se é homem ou mulher, para então prosseguir. Dessa forma, a questão do sexo se coloca como anterior

à satisfação das necessidades fisiológicas para a qual o banheiro público foi planejado. Este espaço passa a ser também um espaço de construção da masculinidade e feminilidade (MAIA, 2010). No contexto da contemporaneidade, algo que se nota é que as relações dos indivíduos com os banheiros públicos são envoltas por muitas complexidades. A relação que nos interessa aqui é a da mulher com o espaço do banheiro público. A respeito disso, Preciado (2002) considera que, no banheiro, a feminilidade é produzida a partir da subtração de toda função fisiológica do olhar público, quando a mulher adentra a cabine. Ela aponta um dos principais aspectos que caracterizam a mulher quando ela se encontra inserida no espaço do banheiro:

[...] O banheiro feminino reúne [...] duas funções diferenciadas, tanto por sua consistência (sólido / líquido), como por seu ponto anatômico de evacuação (aparelho urinário / ânus), sob uma mesma posição e um mesmo gesto: Feminino = sentado [...]. (PRECIADO, 2002, tradução nossa)5.

Segundo a autora, a lógica que envolve os banheiros femininos é oposta à lógica dos banheiros masculinos:

[...] Enquanto o banheiro das mulheres é a reprodução de um espaço doméstico em meio ao espaço público, os banheiros dos homens são uma dobra do espaço público em que se intensificam as leis de visibilidade e posição ereta que tradicionalmente definiam o espaço público como espaço de masculinidade. Enquanto o banheiro das mulheres funciona como um mini Pan-óptico em que as mulheres vigiam coletivamente seu grau de feminilidade heterossexual em que todo avanço sexual resulta em uma agressão masculina, o banheiro masculino aparece como um terreno propício para a experimentação sexual [...]. (PRECIADO, 2002, tradução nossa) 6.

Almeida (2009), diferente de Preciado (2002), observa essa construção da feminilidade fora das cabines, onde o modelo do que é ser uma mulher é repetido, copiado. Em uma breve pesquisa etnográfica realizada em banheiros femininos de um 5

Cf. o trecho original: [...] El váter femenino reúne así dos funciones diferenciadas tanto por su consistencia (sólido/líquido), como por su punto anatómico de evacuación (conducto urinario/ano), bajo una misma postura y un mismo gesto: femenino=sentado […]. 6 Cf. o trecho original: [...] Mientras el baño de señoras es la reproducción de un espacio doméstico en medio del espacio público, los baños de caballeros son un pliegue del espacio público en el que se intensifican las leyes de visibilidad y posición erecta que tradicionalmente definían el espacio público como espacio de masculinidad. Mientras el baño de señoras opera como un mini-panópticon en el que las mujeres vigilan colectivamente su grado de feminidad heterosexual en el que todo avance sexual resulta una agresión masculina, el baño de caballeros aparece como un terreno propicio para la experimentación sexual. [...].

shopping da cidade de Goiânia, ela observou que o banheiro, além de servir para satisfação de necessidades biológicas:

[...] não era um espaço apenas utilitário, mas um lugar em que se compartilham algumas normas de práticas comportamentais que se acredita serem da “essência” do mundo feminino. Além do mais, o banheiro também é um locus onde se trabalha o imaginário do corpo da mulher, assim como, a maneira de se portar socialmente. (ALMEIDA, 2009).

A pesquisadora observou, através de conversas alheias, comentários sobre o corpo, a afetividade e a sexualidade das mulheres dentro desse espaço. Muitos dos comentários fortaleciam ou estavam em conformidade com o padrão pré-estabelecido socialmente:

Nos momentos em que estavam mães e filhas juntas havia a demonstração das infinitas repetições que a “norma” estabelece como “ação esperada de uma mulher”. As mães ensinavam as suas filhas práticas de limpeza, o fascínio pelo espelho – consequentemente pelo corpo – o valor de estar vestindo uma roupa adequada e que deveria comporta-se como uma mocinha [...]. (ALMEIDA, 2009).

Mas ela, em um momento de interação com uma das usuárias do banheiro, registrou também um comentário totalmente divergente do padrão: “[...] Ela disse que não gostava de ir ao salão de beleza, pois achava uma perca de tempo, além disso, também não gostava de estar na moda [...]”. (ALMEIDA, 2009). Tal divergência pode ser notada não apenas em “conversas de banheiro”, como também no próprio grafito, o qual, aliás, por gozar da proteção do anonimato, pode vir a ser mais expressivo e contudente que as conversas. Até porque, de acordo com Preciado (2002), o olhar do outro carrega consigo um grande nível de repressão. Repressão que é de certa forma atenuada dentro do espaço das cabines dos banheiros.

O QUE ESTUDOS SOBRE OS GRAFITOS DE BANHEIRO TÊM APONTADO Embora nas portas de banheiros seja possível que qualquer escrita seja protegida pelo anonimato, até pouco tempo a escrita feminina de grafitos se mostrava um tanto tímida. Em tom de relato, Russell (1999), que se denomina como aficionada em grafitos de banheiro, diz o seguinte:

[...] Sociólogos dizem que expressão escrita centrada no banheiro dos homens é “mais colorida e criativa", do que no das mulheres, um fato validado pela minha própria experiência. Muitas vezes eu olhei ao redor da cabine das meninas para encontrar nada escrito, ou se eu tiver sorte, algo apagado (mas sempre legível). O banheiro no prédio de Psicologia da Universidade de Utah, onde eu costumava frequentar, é um exemplo. Um dia eu cansei de ninguém escrever nas paredes. Então, eu escrevi “conhecer a si mesmo”, muito vagamente, a lápis, bem acima do dispensador de papel higiênico. Com efeito, no dia seguinte, alguém riscou “know” e escreveu “fuck” [...]. (RUSSELL, 1999, tradução nossa)7.

Além dessa observação pessoal de Russell (1999) que apontava para a pouca ou ausente produção de grafitos em banheiros femininos, estudos como o de Landy e Steele (1967) também indicaram que os homens produziam significantemente mais grafitos do que as mulheres. Esses estudiosos observaram que os banheiros masculinos tinham textos escritos “[...] em quase todas as paredes, portas e frestas entre os azulejos, nos planos verticais e horizontais, e eram geralmente mais sujos do que os banheiros femininos nos mesmos prédios [...]” (LANDY; STEELE, 1967, p. 712). Dados esses que, segundo eles, são consistentes com o que foi relatado por Alfred Kinsey et. al. em Sexual behavior in the human female (1953). Outra observação que ganha destaque nas pesquisas realizadas comparando a produção de grafitos entre banheiros masculinos e femininos diz respeito aos seus conteúdos temáticos. A maioria dos estudos (tais como o de Alfred Kinsey et. al. (1953) e o de Teixeira e Otta (1998)) aponta para o fato de que temas de cunho sexual ocorrem mais em banheiros masculinos que em femininos. Embora em nossa empreitada, ainda não tenhamos tido a oportunidade de trabalhar comparando grafitos de banheiros masculinos e femininos (por não ser esse o foco principal do nosso estudo), buscamos observar no presente artigo a ocorrência dessa escrita nos banheiros femininos, bem como os prováveis temas tidos como “não femininos” que ocorrem nestes espaços.

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Cf. o trecho original: Sociologists say men’s lavatory-centered written expression is “more colorful and imaginative,” than women’s, a fact validated by my own experience. Many times I have looked around a girls’ room stall to find nothing written at all, or if I’m lucky, something dull (but always legible). The bathroom in the psychology building at the University of Utah, where I used to frequent, is an example. One day I got tired of no one writing on the walls. So I wrote “know thyself,” very faintly, in pencil, right above the toilet paper dispenser. Sure enough, the next day, someone had crossed out “know,” and had written “fuck” […].

A ESCRITA FEMININA NAS PORTAS DAS CABINES DOS BANHEIROS: O CASO DA UFBA De acordo com Teixeira e Otta (1998), Lanny Kutakoff, no estudo cujo título é Sex diferences in bathroom graffiti (1972), fez a análise de grafitos encontrados em banheiros de faculdades localizadas em Boston e constatou que os grafitos femininos se mostraram “[...] mais conservadores, convencionais e subordinados a padrões de decência da classe média” (TEIXEIRA; OTTA, 1998, p. 234). Essa constatação de Lanny Kutakoff dialoga com as próprias considerações de Teixeira e Otta (1998) que dizem:

Surpreendentemente, grafitos de banheiro têm revelado atitudes tradicionais de papéis sexuais. Apesar de a privacidade e o anonimato estarem garantidos nos banheiros, vários pesquisadores descobriram que autores de grafitos frequentemente seguiram estratégias de comunicação socialmente condicionadas. (TEIXEIRA; OTTA, 1998, p. 234).

Entretanto, em recente estudo realizado por nós (ALVES; MATIAS; PEREIRA, 2011), percebemos que, pelo menos nos banheiros femininos da UFBA, as autoras dos grafitos não parecem se conformar tanto com os padrões sociais. Ou melhor, elas parecem começar a quebrar esses padrões. Para alguns, essa quebra ainda é vista com grande surpresa. Prova disso, é o título deste artigo que traz consigo expressão de espanto de um homem em sua fala, ao tomar conhecimento de alguns dos escritos presentes em portas de banheiros femininos da UFBA, escritos esses que foram apresentados por nós em uma das sessões de comunicação do SEPESQ 2011. Ou seja, o que ele viu não era nada daquilo que ele (e grande parte da sociedade) esperava de uma mulher. E se o fato de mulheres escreverem sobre determinados assuntos nas portas de banheiro é motivo de surpresa, imagine o quanto não é saber que as mulheres da antiga cidade de Pompéia também grafitavam nos muros. Apesar de não ser comum se pensar que nesse período se dava a livre expressão feminina, Feitosa (2005) traz informações sobre a participação feminina em campanhas políticas feitas nos muros naquela época:

É certo que em um universo de, aproximadamente, 2 500 cartazes encontrados em Pompéia, apenas 750 possuem o nome da pesssoa que está apoiando e, dentre esses, somente 52 apresentam nomes de mulheres... Seriam números inexpressivos em uma população de cerca de 10.000 habitantes? Alguns dirão que sim, entretanto, a importância não está no número, mas no fato de esses cartazes indicarem

possibilidade de participação feminina jamais imaginada tempos atrás. (FEITOSA, 2005, p.36).

Através do corpus8 coletado, entre os anos de 2011 e 2014, em banheiros femininos dos Pavilhões de Aulas da Federação I e III, da Biblioteca Central Reitor Macedo Costa e do Instituto de Biologia, localizados no campus de Ondina, em Salvador, foi possível perceber que o conteúdo temático dos grafitos é bastante variado. Mas, os temas que predominaram foram: os sexuais, religiosos, românticos, filosóficos, escatológicos, protestos e críticas diversas (em relação a problemas sociais, da própria universidade e inclusive em relação à própria ação de escrita na porta do banheiro). A título de ilustração, serão expostos a seguir alguns dos registros fotográficos que fizemos: Figura 1 - Grafitos encontrados em um dos banheiros femininos do PAF I. Ano: 2011. Tema predominante: sexo.

Figura 2 - Grafitos encontrados em um dos banheiros femininos do PAF I. Ano: 2011. Tema predominante: insulto de cunho sexual.

Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro.

Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro.

Figura 3 – Grafitos encontrados em um dos banheiros femininos da Biblioteca Central Universitária Reitor Macedo Costa. Ano: 2011. Tema predominante: drogas.

Figura 4 - Grafitos encontrados em um dos banheiros femininos do PAF I. Ano: 2011. Temas predominantes: ato sexual e romantismo.

Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro.

Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro.

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O referido corpus se encontra disponível ao público em nosso tumblr Grafitos de Banheiro, cujo endereço é http://grafitosdebanheiro.tumblr.com.

Figura 5 - Grafitos encontrados em um dos banheiros femininos do PAF I. Ano: 2011. Tema predominante: sexo e crítica ao próprio fazer do grafito.

Figura 6 - Grafitos encontrados em um dos banheiros femininos do PAF I. Ano: 2011. Tema predominante: sexo.

Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro.

Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro.

Figura 7 - Grafitos encontrados em um dos banheiros femininos do PAF I. Ano: 2011. Tema predominante: sexualidade.

Figura 8 - Grafitos encontrados em um dos banheiros femininos do Instituto de Biologia. Ano: 2013. Tema predominante: romantismo ou amizade.

Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro.

Fonte: Tumblr Grafitos de Banheiro.

Figura 9 - Grafito encontrado em um dos banheiros femininos do Instituto de Biologia. Ano: 2014. Tema predominante: política e gênero.

Fonte: Arquivo Pessoal.

A partir dessa pequena amostra fica perceptível que algumas das temáticas (como sexo e drogas) que ainda são tidas como tabus em nossa sociedade têm se feito

bastante presentes nos grafitos femininos. Tomando por parâmetro a perspectiva de Couy (2005), o que tem se percebido é que os grafitos femininos têm revertido:

[...] aquilo que era frequentemente considerado como um certo imaginário da mulher: as cartas perfumadas, a linguagem metaforizada e sugestiva, os adornos fálicos, os jogos de sedução. O que antes era apenas anunciado e sugerido, o que se deixava somente aparecer nas frestas, nas entrelinhas, o que se mostrava mas não se dizia, [...], é, radicalmente, todo dito [...]. (COUY, 2005, p. 77).

O romantismo ainda se faz presente nas portas dos banheiros femininos e um exemplo disso é a fig. 8, mas “[...] o que mais se proclama – para além dos sentimentais corações desenhados na porta – é, inegavelmente, ‘Eu te como’” (COUY, 2005, p. 76). Nesse sentido, nos grafitos produzidos por mulheres, fica cada vez mais evidente a questão da sexualidade ativa. Sobre isso, Sperling (2011, p. 15) aponta que, na perspectiva do alemão Norbert Sigl em sua obra Graffiti von Fraunen und Männern (1993), “[...] os grafitos femininos se tornaram tão sexuais quanto os masculinos ao longo do tempo em função da mudança na socialização [...]”, diferente do que Alfred Kinsey et. al constataram em 1953. É importante ressaltar que, não queremos aqui dizer se Kinsey et. al estavam errados e Sigl correto em suas respectivas abordagens. Queremos apenas mostrar que através dos grafitos podemos obter também um retrato da sociedade no tempo e no espaço, e o tempo que separa os estudos empreendidos por eles é suficiente para constatação de mudanças em uma sociedade. Como afirmam Teixeira e Otta (1998):

Qualquer tipo de escritura, de fato, tem muito a revelar não só a respeito do seu autor, mas também da época e do local em que foi produzida. As escritas latinárias, pelas condições especiais de produção, seguramente constituem importante fonte de conhecimento acerca dos fenômenos psicológicos humanos, bem como de aspectos sociais e culturais da humanidade. (TEIXEIRA; OTTA, 1998, p.236).

Em sua análise dos grafitos femininos, Couy (2005) considera que nos casos em que a produtora do grafito objetiva ou simula em possível encontro afetivo/sexual:

[...] Não há o teatro da sedução. Acenar para o outro é já estar em cena, sem rodeios, sem meias palavras. [...] O que se quer é dragar, tomar, agarrar o sujeito a qualquer preço, a qualquer custo, leiloar o amor ou sexo num arremate só. Daí, a procura da ação, da ordem, a frequência nos grafitos do modo imperativo: “Faça”, “Coma”,

“Chupe”, “Dê” – voz ativa do verbo que pretende dizer, sobretudo, de uma sexualidade ativa. (COUY, 2005, 68).

Essas questões que foram apontadas nos levam a refletir sobre como, por exemplo, o aspecto da sexualidade tem sido expresso nos grafitos femininos e um dos estudiosos que exploram esse assunto é Barbosa (1984). Ele trata dos aspectos de ordem psicológica que envolvem os grafitos e o espaço no qual eles são produzidos. Dialogando com teorias de estudiosos como Sigmund Freud, Wilhelm Reich, Michel Foucault e Georges Bataille, que possuem estudos relacionados à área da Psicologia, mais precisamente relacionados aos temas da sexualidade, repressão, sublimação, perversão, proibição e transgressão, Barbosa (1984) ressalta que o corpo humano não se constitui apenas em algo de ordem biológica, mas também cultural, social. Conforme ele afirma, o “[...] uso do corpo está subordinado a uma gramática de comportamento social. [...]”. (BARBOSA, 1984, p. 15) e o que “ameaça” essa gramática tende a ser vetado, mas, apesar disso, “[...] os fazeres proibidos nem por isso deixam de existir socialmente, como manifestações expressivas da cultura. [...]” (BARBOSA, 1984, p. 16). Segundo o autor, os grafitos de banheiro se constituem como um desses fazeres socialmente “indesejáveis”. Ele considera que a produção da sexualidade, sendo que a nos interessa aqui é a feminina, reside na dimensão do poder, da ordem social. Para ele, sua existência se dá apenas no discurso, na ordem cultural e não no mundo natural. No que diz respeito à sexualidade feminina, o que se observa é que nas condições de anonimato, de liberdade de expressão, as mulheres assumem através dos grafitos, por exemplo, a realização da prática de masturbação, que corresponde a uma das práticas socialmente proibidas que encontra no banheiro um lugar propício para a sua realização (BARBOSA, 1984). Um exemplo dessa admissão é o da fig. 4 em que é dito “Acabei de bater uma siririca”. As mulheres também relatam experiências sexuais que podem ou não ser verdadeiras, como no caso da fig. 1. Elas manifestam, explicitamente, o desejo por alguém do sexo oposto, o que de acordo com Barbosa (1984, p. 102), é “[...] mais comum entre os grafitos femininos do que entre os masculinos [...]”, como também expressam o desejo pelo sexo oral (fig. 6, na qual se diz, por exemplo, “ADORO CHUPAR... UMA PICONA BEM GROSSA E ENORME, MAS CHUPO BUCETA TAMBÉM [...]”). Sobre isso, em seu estudo, Barbosa (1984, p. 103) constatou que:

Tanto na voz passiva (ser chupada na vagina) quanto ativa (chupar o pênis de alguém), o erotismo oral é o preferido nos WC femininos. [...] Desejos que nunca estão livre de uma crítica no próprio feedback dos grafitos [...]. (BARBOSA, 1984, p. 103, grifo do autor).

Os grafitos femininos acabam carregando consigo “[...] mensagens de um desejo que o corpo não deixa ou não consegue transpirar abertamente [...]” (BARBOSA, 1984, p. 107). Em alguns casos, como o da fig. 2, as mulheres questionam ainda a sexualidade dos homens. São também comuns os casos de referências aos órgãos sexuais feminino e masculino. Quanto a isso, Barbosa (1984) destaca que, em geral, o tratamento que é conferido ao pênis difere do que é dado à vagina e ao ânus. O primeiro é, na maioria das vezes, associado às noções de força, de poder, de prazer e de prestígio, enquanto aos outros são frequentemente atribuídas conotações estigmatizantes. O que o autor percebe é que, nessas situações, “[...] os traços ideológicos de moralidade preexistem e sobrevivem [até mesmo] nos discursos proibidos e tidos como imorais, chulos, contestadores, transgressores” (BARBOSA, 1984, p. 114). Também é possível que os grafitos apresentem mensagens religiosas, referências a drogas (fig. 3), além de “[...] incitações racistas e sexistas conservadoras, radicais e violentas” (BARBOSA, 1984, p. 146). Exemplo desse tipo de incitação é o caso divulgado no início do mês de abril, de 2014, referente à estudante universitária Tais Telles, do curso de Geografia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), que foi difamada em uma porta de banheiro com as seguintes palavras: TAIS TELLES PRETA, SAFADA, MACACA. Tal ocorrência nos leva à perspectiva de que, os grafitos:

[...] ao mesmo tempo em que podem nos revelar aspectos sobre os indivíduos isoladamente podem nos trazer importantes constatações sobre as sociedades, suas opiniões, impressões e constatações sobre o ambiente em que vivem. (CAVALCANTI, 2011, p.4)

CONSIDERAÇÕES FINAIS A perspectiva a que se chega aqui é a de que, nas portas dos banheiros, “Não há pudores, tudo pode ser dito [...]” (VILAR; PEREIRA; SILVA, 2006, p. 2). Noção essa que é reforçada por Barbosa (1984, p. 195) quando ele diz que, no espaço da cabine do banheiro, “[...] a privacidade parece garantir a pessoas anônimas um diálogo livre de censura [...]”. Segundo Lima (2005):

[...] o grito calado nas mensagens eróticas e desenhos pornográficos é grifo desesperado de apelo ao desejo do Outro. Despertadas, as pulsões se rebelam contra a temperança do sexo escaldado no caldo insosso da cultura. [...]. (LIMA, 2005, p. 11).

Nos grafitos de banheiro, não apenas a sexualidade feminina que, em geral, é reprimida socialmente, mas também outros temas sociais que são ainda tidos como tabus encontram lugar de expressão. Por meio deles, “[...] os indivíduos veiculam ideias, expressam fantasias e manifestam facetas de seu comportamento” (TEIXEIRA; OTTA, 1998, p. 236), o que aponta para a relevância de seu estudo. Com base na perspectiva de Santos (2011, p. 2), outro ponto que se quer ressaltar aqui é que os “[...] banheiros não só ouvem como falam”. Isso porque além do fato dos escritos neles produzidos dialogarem entre si, tem-se o fato de que os escritos dialogam com os as frequentadoras dos banheiros, provocando-as, “[...] gerando opiniões, sensações e reflexões variadas [...]”.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Katianne de S. (2009). O banheiro de portas abertas: entre o público e o privado. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2014. ALVES; Luana Santos; MATIAS, Aline Alves; PEREIRA, Antônio Marcos. Analisando o gênero grafito: do privado para o público. In: SEMINÁRIO ESTUDANTIL DE PESQUISA EM LETRAS, 2011. Salvador. Anais online... Salvador: UFBA, 2011. Sessão de Comunicações. Resumo. Disponível em: . Acesso em: 21 dez. 2012. BARBOSA, Gustavo. Grafitos de banheiro: A literatura proibida. São Paulo: Brasiliense, 1984, 201 p. BORDIN, Dagoberto José. Inscrições de si: da porta de banheiro ao chat. 2005. 79f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem) - Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2011. CAVALCANTI, Viviane dos Santos; FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Corpo e Geografia: introdução à questão do lugar da sexualidade feminina a partir dos escritos de banheiro. In: XVI ENCONTRO NACIONAL DE GEÓGRAFOS, 2010, Porto Alegre, Anais... Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010. p. 110. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013.

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