Mulheres Forras, Chefes De DomicíLio Em Minas Gerais, Brasil (1770-1880)

July 21, 2017 | Autor: Vanda Lucia Praxedes | Categoria: The Latin Americanist
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MULHERES FORRAS, CHEFES DE DOMICÍLIO EM MINAS GERAIS, BRASIL (1770–1880) Vanda Lucia Praxedes Universidade do Estado de Minas Gerais/Faculdade de Educac¸ a˜ o

Introduc¸ a˜ o Este trabalho, de car´ater exploratorio, se prop˜oe a discutir algumas ´ quest˜oes referentes a` chefia feminina de domicílio, especialmente de mulheres forras, no período de 1770 a 1880, na Capitania e Província de Minas Gerais, Brasil. A partir da leitura de variadas fontes documentais prim´arias este artigo procura evidenciar que as mulheres chefes de domicílios, distinguiam-se por suas experiˆencias, pela situac¸ a˜ o familiar, pela condic¸ a˜ o social, pela cor, por suas trajetorias e por suas ocupac¸ o˜ es.1 ´ O universo das pr´aticas sociais, que envolviam a atuac¸ a˜ o das mulheres, foi mais pl´astico do que aquele previsto nas normas e nos discursos, rompendo com a ideia de que o papel da mulher era aquele restrito a` esfera privada, ao recesso do lar, ao cuidado com a casa e filhos. O trabalho pretende, ainda, desmistificar a ideia de que a matrifocalidade estava limitada apenas a` s camadas populares, mais especificamente a` s mulheres livres pobres, forras e escravas. Foi constatado que o fenˆomeno abrangia mulheres de todas as condic¸ o˜ es sociais, inclusive as mulheres brancas, abastadas que gozavam de grande prestígio social. Al´em disso, questiona um certo dualismo extremamente perverso t˜ao presente no imagin´ario social brasileiro, que e´ a associac¸ a˜ o entre pobreza e chefia feminina, como se uma fosse condic¸ a˜ o da outra. Sem pretender negar as dificuldades enfrentadas por um grande contingente de mulheres chefes de domicílio na sociedade brasileira, especialmente em Minas Gerais, do final do s´eculo XVIII e decorrer do s´eculo XIX, o estudo prop˜oe romper com vis˜oes que tendem a reforc¸ ar estereotipos de ´ vulnerabilidade e pobreza sempre relacionadas ao feminino. As Fontes: escolhas, caminhos e percursos metodologicos ´ Compondo o rol de fontes documentais prim´arias utilizadas para a pesquisa de doutoramento que deu origem, tamb´em, a este artigo destaca-se: 285 Testamentos; 96 Invent´arios Post-Mortem; 494 Cartas de Alforria; 26 Processos de Divorcio, entre os anos de 1770 e 1880, referentes ´ a Paracatu, a Diamantina e Sabar´a; Relac¸ a˜ o dos Habitantes de Santo Antˆonio do Tejuco, 1832; Listas Nominativas da Província de Minas Gerais, dos anos 1831/1832 tendo sido utilizados apenas 20.911 registros referentes a` s mulheres chefes de domicílio, n˜ao sendo considerados os  C

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registros de homens e crianc¸ as; Livros de registros de batismos (1762 a 1806) sob a guarda do Centro de Documentac¸ a˜ o da Curia Metropolitana ´ de Belo Horizonte; 12 Cartas de Legitimac¸ a˜ o localizadas no Arquivo Nacional, RJ e Microfilmes do Arquivo Historico Ultramarino. ´ Por acreditar que a leitura de um amplo conjunto de fontes documentais contribuiria para a compreens˜ao e desvendamento do universo multifacetado das mulheres, optei por trabalhar com um variado corpus documental encontrado nos arquivos mineiros, cariocas, portugueses e africanos. Diante de variadas possibilidades metodologicas e da especificidade ´ de cada fonte, recorri a diversas formas de an´alise dos dados recolhidos, alternando abordagens quantitativas e qualitativas. Nesse caso, utilizei v´arias t´ecnicas e m´etodos na tentativa de captar a historia de homens e ´ mulheres e seus arranjos familiares no maior numero possível de fontes. ´ Um dos m´etodos utilizados foi o de “ligac¸ a˜ o nominativa”, cujo m´etodo permite reconstituir a trajetoria dos sujeitos em diversas etapas da vida ´ atrav´es da ligac¸ a˜ o de nomes, como, por exemplo, nascimento, casamento, divorcio, ocupac¸ a˜ o e morte, sendo possível a reconstituic¸ a˜ o de diversas ´ voltada para gerac¸ o˜ es familiares.2 Optei, ainda, por uma an´alise historica ´ a micro-historia, na medida em que me interessava captar as experiˆencias ´ singulares, de modo a observar o que o particular tem de coletivo. Por meio da micro-an´alise e estudo de caso foi possível focar a lente e acompanhar de perto diversas trajetorias de mulheres e suas famílias ´ naquilo que elas tˆem de singular e de plural, sendo possível, a` s vezes, descobertas que n˜ao seriam feitas com outros m´etodos. Como destaca Jaques Revel essa escolha do individual n˜ao e´ considerada contraditoria com a do ´ social: torna possível uma abordagem diferente deste ultimo. ´ Sobretudo, permite destacar, ao longo de um destino específico — o destino de um homem, de uma comunidade, de uma obra — a complexa rede de relac¸ o˜ es, a multiplicidade de espac¸ os e tempos nos quais se insere (. . .) A an´alise micro-historica tem portanto ´ duas faces. Usada em pequena escala, torna muitas vezes possível uma reconstituic¸ a˜ o do vivido inacessível a` s outras abordagens historiogr´aficas. Prop˜oe-se por outro lado a identificar as estruturas invisíveis segundo as quais esse vivido se articula.3 A maioria dos documentos foi transcrita na íntegra, de modo a compor a base de dados para an´alise de cunho qualitativo, e tamb´em foram utilizados para complementar algumas an´alises quantitativas. Quanto a` sistematizac¸ a˜ o de todas as informac¸ o˜ es referentes a` composic¸ a˜ o familiar, foi feita a partir da montagem de fichas de família e complementada com dados constantes das Listas Nominativas. A leitura e an´alise dessas diversas fontes evidenciaram que o universo cultural, as especificidades e singularidades do viver no Brasil colonial 12

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gestaram, criaram e “reforc¸ aram o papel da mulher como mantenedora e guardi˜a do lar e dos destinos dos seus”, como afirma Mary Del Priore,4 alterando, em larga medida, o padr˜ao tradicional de autoridade e de poder centrado apenas no masculino. Produc¸ a˜ o de imagens femininas destoantes e ambíguas O numero significativo de mulheres chefes de domicílio, encontrado ´ na sociedade mineira, vivendo do seu trabalho, administrando seus bens, regendo sua vida e a dos seus familiares, subverte as diversas imagens construídas e cristalizadas sobre as mulheres no decorrer do tempo. Vistas como “imbecillitas, fr´ageis, passivas, lascivas e m´as” e incapazes, essas representac¸ o˜ es foram fortemente arraigadas na cultura religiosa ocidental e amplamente divulgadas pelo Imp´erio Portuguˆes, nas possess˜oes ultramarinas por meio dos tratados de Teologia Moral e pelos manuais de confessores. Esses tratados, manuais e normas de conduta feminina foram os encarregados de traduzir os valores morais e culturais referendados pela tradic¸ a˜ o judaico-crist˜a que enfatizava a inferioridade feminina. Tais compˆendios tiveram, segundo Manuel Hespanha, “efeitos devastadores muito duradouros sobre a imagem da dignidade da mulher”.5 V´arias foram as representac¸ o˜ es e imagens femininas que aliadas aos discursos religiosos, especialmente paulinos e agostinianos, propagaram no al´em mar, e cujos ecos se fazem ouvir ainda hoje na sociedade brasileira. O discurso e imagens idealizadas sobre a mulher, sobre a condic¸ a˜ o feminina e sobre o seu papel social, deslizam desse universo religioso para o filosofico-jurídico, encontrando, de certo modo, amparo nos textos ´ de Direito em geral e de Direito normativo-institucional. Segundo Manuel Hespanha, o Direito participava deste sistema de pr´e-compreens˜oes profundas sobre a identidade feminina e a natureza dos sexos e recebia dele as suas intuic¸ o˜ es fundamentais. No entanto, como saber pr´atico de um mundo social em que as mulheres eram mais do que seres passivos e menorizados, o direito — que, de resto, partia dos dados da cultura romana sobre o gˆenero, muito mais igualit´aria do que a cultura judaica — diferenciara-se como sistema produtor de imagens sobre o feminino.6 Ainda segundo o autor, o Direito desvinculou-se da vis˜ao extremada sobre a incapacidade feminina, reforc¸ ada em v´arias passagens das escrituras sagradas e da patrística, e desenvolveu sistemas de valorac¸ a˜ o proprios que permitiram a integrac¸ a˜ o de situac¸ o˜ es da pr´atica, como, por ´ exemplo, a da mulher propriet´aria de bens, recorrente no Imp´erio Portuguˆes.7 Entretanto, esse entrelac¸ amento do jurídico com o religioso n˜ao conseguiu escapar de uma certa ambiguidade no que se refere aos pap´eis socialmente prescritos para as mulheres. 13

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No caso do Brasil, como as demais sociedades americanas de tradic¸ a˜ o ib´erica, difundiu-se, especialmente a partir do s´eculo XVIII, a concepc¸ a˜ o de que mulher honrada era aquela que reprimia seus instintos e desejos, mulher recatada que escondia seu corpo porque tinha ciˆencia de seu poder de seduc¸ a˜ o, em contraposic¸ a˜ o a` imagem da mulher africana e suas descendentes, vistas como lascivas e promíscuas. No decorrer do s´eculo XIX, consolidou-se, no Brasil, como ideal de mulher aquela que aceitava a sexualidade como func¸ a˜ o reprodutora; a donzela honrada e virtuosa.8 Nessas diferentes imagens e discursos criados e difundidos em sua maioria por homens, constata-se, uma produc¸ a˜ o discursiva que, no mais das vezes, dizem e revelam muito mais de quem fala do que efetivamente de quem se fala. Nesse sentido reforc¸ a-se na historiografia tradicional an´alises pautadas num sistema de identificac¸ a˜ o realizado “por contrastes”, ou seja, constata-se a construc¸ a˜ o de imagens femininas polarizadas. Em uma ponta a mulher branca vista como “recatada, casta, preguic¸ osa, recolhida, modesta” e na outra, as mulheres negras e mestic¸ as, relacionadas, por seus trac¸ os físicos, a` imoralidade, a` frouxid˜ao de costumes e valores morais, contrapondo-se a` s brancas. Tais imagens revelam uma evidente e (de) formada associac¸ a˜ o de atributos físicos a definic¸ o˜ es de car´ater. Tratam-se de imagens muito difundidas, inclusive, pela utilizac¸ a˜ o da literatura dos viajantes estrangeiros do s´eculo XIX,9 cujas representac¸ o˜ es foram apropriadas e reforc¸ adas na historiografia brasileira, especialmente pelas obras de Gilberto Freyre10 , entre outros. Freyre, por exemplo, ainda que reconhec¸ a a presenc¸ a de mulheres chefes de domicílio, de famílias matrifocais, considera esses casos excec¸ o˜ es e justifica-se afirmando que matriarcas houve, no Brasil patriarcal, apenas como equivalentes de patriarcas, isto e´ , considerando-se matriarcas aquelas matronas que por ausˆencia ou fraqueza do pai ou do marido, e dando expans˜ao a predisposic¸ o˜ es ou características masculinoides de ´ personalidade, foram a` s vezes ‘os homens de suas casas’11 Sobre esse aspecto, Guacira Louro, em outro contexto, esclarece que as mulheres eram vistas como “desviantes, como uma ameac¸ a aos arranjos sociais e a` hierarquia de gˆeneros de sua e´ poca”, por causa disso “escapavam a` representac¸ a˜ o do senso comum sobre o feminino”, escapavam ainda da representac¸ a˜ o daqueles que, supostamente, “detinham a autoridade para dizer o que era ser mulher”. Por n˜ao corresponderem a pap´eis socialmente prescritos, isso conduzia a uma “outra representac¸ a˜ o: a de mulher-homem”,12 como enxergou Gilberto Freyre. A significativa presenc¸ a feminina encabec¸ ando os lares, durante longo tempo, escapou ou foi escamoteada do olhar de diversos estudiosos da sociedade brasileira. Os primeiros estudos de car´ater ensaístico acerca da 14

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família, realizados entre a d´ecada de 1920 e 1950, marcaram profundamente a historiografia da família brasileira. Entre os diversos autores, destacam-se Oliveira Viana, Gilberto Freyre, S´ergio Buarque de Holanda e Antˆonio Cˆandido.13 Guardadas suas especificidades, esses estudos se voltaram para as famílias das camadas dominantes em virtude da importˆancia de seu papel na fundac¸ a˜ o da “empresa colonial”. Influenciaram todos os estudos posteriores, uma vez que, ou criaram ou reforc¸ aram, e difundiram, o conceito de “família patriarcal”. E´ na produc¸ a˜ o desses anos que se encontram as matrizes conceituais de um pensamento que vigoraria por d´ecadas “acerca da natureza, estrutura, importˆancia, func¸ a˜ o e conceito de ‘família brasileira’.”14 A presenc¸ a feminina como chefe de domicílio, quando constatada, foi considerada como desvio da norma, como anomalia ou como característica dos lares de mulheres negras africanas escravizadas ou forras, bem como de mulheres mestic¸ as e mulatas forras pobres e sem distinc¸ a˜ o social. Considerando o conjunto da produc¸ a˜ o historiogr´afica brasileira e latino-americana nas ultimas d´ecadas do s´eculo XX e inicio do s´eculo ´ XXI, Eni de Mesquita Samara pondera que estabelecer diferenc¸ as de comportamento e estrat´egias entre mulheres em func¸ a˜ o de classe, rac¸ a e etnia, gerou um contraponto que rompeu com vis˜oes estereotipadas sobre “condic¸ a˜ o feminina” no passado, vigentes at´e ent˜ao na historiografia. No que se refere a essa presenc¸ a feminina, pode-se destacar que um numero significativo de mulheres forras bem sucedidas, especialmente, ´ na regi˜ao de Diamantina e Sabar´a, no final do s´eculo XVIII e ao longo do XIX, desmente, inclusive, uma s´erie de estereotipos sobre as mulheres ´ negras forras. Como, por exemplo, a vis˜ao de que essas mulheres, ao utilizarem o seu peculio, ou seja, suas economias acumuladas por longos ´ anos de trabalho, para comprar alforria, teriam engrossado a fileira das mulheres despossuídas. Isso n˜ao significa descartar a existˆencia de mulheres pobres em Minas Gerais, mas sim que a pobreza n˜ao deve ser generalizada. Como afirma Sheila Faria, do ponto de vista material e´ muito difícil crer que mulheres que possuíam escravos, cujos bens foram inventariados, pudessem ser consideradas pobres.15 Tendo em vista essas evidˆencias, tenho procurado entender, no caso brasileiro, a chefia feminina de domicílios como um fenˆomeno que engloba aspectos tanto econˆomicos quanto culturais e simbolicos. Al´em ´ dos diversos estudos e pesquisas a esse respeito, a documentac¸ a˜ o que tenho coletado em diversos arquivos de Minas Gerais, referentes ao s´eculo XVIII e XIX tem cada vez mais evidenciado que essas mulheres n˜ao constituíam um grupo uniforme e homogˆeneo. Que estas mulheres n˜ao viviam da mesma maneira e muito menos compartilhavam as mesmas vis˜oes de mundo (provavelmente at´e sobre elas mesmas) e´ um fato inconteste, embora algumas experiˆencias as aproximassem, especialmente mulheres que tinham vivido a condic¸ a˜ o de escravizadas. No que se refere ao perfil dessas mulheres chefes de domicílios, no universo pesquisado, foi constatado que algumas mulheres eram casadas, 15

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um numero significativo eram viuvas e a grande maioria era solteira. ´ ´ Mas, mesmo entre as solteiras, havia diferenc¸ as que as distinguiam entre si e as posicionavam de forma diferenciada naquela sociedade. Suas experiˆencias vividas foram perpassadas por outras dimens˜oes al´em de gˆenero, rac¸ a/etnia, gerac¸ a˜ o/idade, que podem contribuir para o entendimento do termo “chefia feminina”, especialmente no período colonial e imperial brasileiro. Ampliando o universo conceitual de “chefia feminina” De modo geral, esse termo “chefia feminina” sempre esteve associado a` negac¸ a˜ o do masculino, seja em virtude da ausˆencia do marido/parceiro no domicílio, seja pela condic¸ a˜ o de solteiras, viuvas ou casadas com ´ maridos ausentes. Todavia, este tipo de entendimento parece-me um pouco limitado para abarcar toda a complexidade e riqueza da experiˆencia humana vivida e detectada em algumas fontes, j´a que n˜ao leva em considerac¸ a˜ o a diversidade de vivˆencias experimentadas por essas mulheres naquela sociedade. Na formulac¸ a˜ o de Thompson, a abordagem da experiˆencia vivida traz uma junc¸ a˜ o dos termos “experiˆencia” e “cultura”. Segundo ele: as pessoas n˜ao experimentam sua propria experiˆencia apenas ´ como ideias, no aˆ mbito do pensamento e de seus procedimentos (. . .) Elas experimentam sua experiˆencia como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigac¸ o˜ es familiares e de parentesco, e reciprocidades como valores (. . .)16 Thompson salienta que a experiˆencia est´a sempre aberta a` indeterminac¸ a˜ o e aos tempos historicos, visto que e´ fruto da ac¸ a˜ o de ´ sujeitos sociais concretos: seres de ac¸ a˜ o, de intenc¸ a˜ o, de desejo e vontades,17 ainda que sob determinadas contingˆencias. Para o entendimento da chefia feminina, al´em da noc¸ a˜ o de experiˆencia, torna-se necess´ario delimitar outras categorias de an´alise, tendo como suporte, n˜ao somente determinados referenciais teoricos, ´ mas, tamb´em, o material empírico, a fim de tentar responder algumas quest˜oes, como por exemplo: qual a referˆencia que se deve tomar para falar de “chefia”? O grupo dom´estico ou família? A chefia deve estar mesmo relacionada somente a` provis˜ao econˆomica ou ela diz respeito tamb´em a uma autoridade moral e simbolica? E´ possível ocorrer chefia ´ feminina com a presenc¸ a masculina no domicílio? E´ possível ocorrer mais de uma chefia, no caso em que o domicílio e´ cohabitado por mais de uma gerac¸ a˜ o de mulheres? Que experiˆencias vividas levaram essas mulheres a se transformarem em chefes de domicílio? Estas s˜ao algumas indagac¸ o˜ es que tentarei em parte responder neste artigo, tendo como referˆencia as fontes pesquisadas. Delimitando algumas categorias de an´alise e atenta a` configurac¸ a˜ o dom´estico-familiar evidenciada nas fontes, tornou-se mais apropriado 16

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utilizar como parˆametro o grupo dom´estico e a considerar tanto a provis˜ao econˆomica como a autoridade moral e simbolica, atributos da ´ chefia feminina. Entendo que esse tamb´em e´ um espac¸ o hierarquizado, onde se travavam relac¸ o˜ es de poder, confrontos e negociac¸ o˜ es. Tendo como referencial o material empírico, utilizei a tipologia adotada por Luisa Carvalho18 para identificar e analisar o quadro referencial da chefia feminina, por ser a mais apropriada aos propositos e ´ limites deste artigo. A autora caracteriza a condic¸ a˜ o de chefia a partir de trˆes tipos: a) aquela que se d´a pela ausˆencia do parceiro, sem obrigatoriamente acontecer a manutenc¸ a˜ o feminina; b) aquela em que h´a ausˆencia masculina e manutenc¸ a˜ o feminina; c) aquela em que h´a manutenc¸ a˜ o feminina, n˜ao implicando necessariamente a ausˆencia masculina. O que n˜ao quer dizer que possam existir outras configurac¸ o˜ es n˜ao apreendidas neste trabalho, em virtude da especificidade das fontes. Ao se levar em conta que os domicílios de modo geral, e os chefiados por mulheres, n˜ao s˜ao unidades est´aticas, deve-se considerar que eles tomam diversas feic¸ o˜ es ao longo do tempo, em virtude de uma s´erie de eventos, como, por exemplo, migrac¸ o˜ es, morte e nascimento de seus membros, separac¸ o˜ es e novos casamentos, e diversas outras situac¸ o˜ es relacionadas a` historia de vida e trajetoria de seus membros. O nucleo ´ ´ ´ dom´estico-familiar e´ , pois, marcado por uma injunc¸ a˜ o e conjunc¸ a˜ o de forc¸ as volunt´arias e involunt´arias que controlam e de certo modo determinam o ritmo, os eventos e o tempo de família.19 Ainda assim, para o período e regi˜ao em estudo, foi possível detectar a existˆencia dessas características ou tipos nos domicílios monoparentais com chefia feminina, em virtude do cruzamento de diversas fontes. Este esforc¸ o de an´alise n˜ao deve ser entendido, entretanto, como tentativa de homogeneizac¸ a˜ o que caiba em modelos, porque observam-se ainda diferenc¸ as no que se refere a` s famílias monoparentais de chefia feminina. Diferentemente das mulheres, de modo geral, os homens viuvos tendiam a deixar seus filhos aos cuidados de parentes, compadres ´ ou filhas mais velhas; nesse sentido e´ possível detectar a presenc¸ a de genros nos domicílios, tendo um padr˜ao que os antropologos ´ denominam “uxorilocal”, ou esses viuvos voltam a se casar em pouco ´ tempo, ficando a nova mulher encarregada de criar a prole. Mulheres Forras solteiras chefes de domicílios – diversidade de experiˆencias Dentre as mulheres solteiras chefes de domicílios, foi detectado um grande numero de mulheres forras, o que diferencia substancialmente a ´ forma de constituic¸ a˜ o de domicílios, pois os domicílios unipessoais, aqueles em que as pessoas est˜ao sozinhas na residˆencia, aparecem em menor proporc¸ a˜ o entre as fontes coletadas se comparados aos que tˆem a presenc¸ a de filhos e/ou agregados, como o caso de Domingas Gonc¸ alves da Fonseca. Domingas era natural da Costa da Mina, batizada numa freguesia do arcebispado da Bahia, solteira, preta forra, que veio para 17

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“estas minas como escrava de Manoel Fonseca Filgueiras, que me libertou sem interesse algum depois de nove anos e sempre tenho residido nesta freguesia de Nossa Senhora da Conceic¸ a˜ o desta Vila do Sabar´a”.20 Procedente da mesma regi˜ao de Domingas, a Costa da Mina, Maurícia Gonc¸ alves Galv˜ao, preta forra, moradora da vila de Pitangui, Minas Gerais, era chefe de seu domicílio e de seu destino, at´e ser considerada demente. Essa devota de Sant’Anna e de Nossa Senhora do Ros´ario, de cuja irmandade era irm˜a de compromisso, ao ditar seu testamento em 1798 possuía 10 escravos, sendo quatro homens e seis mulheres, uma casa de morada coberta de telhas, al´em de joias e outros utensílios. Deixa registrada como ultima vontade para o testamenteiro a incumbˆencia de ´ libertar os escravos Jo˜ao negro, Domingos crioulo, Francisca, Mariana e Maria crioula e, ainda, Joana mulatinha, Rita crioula, Antonio crioulo, Patrício crioulo e Marta crioula. Deixa para Rita e Francisca, crioulas, metade de sua casa de morada, para “morarem nelas e como suas ficam para todo o sempre”; a outra metade da casa foi dada em esmola a Nossa Senhora do Ros´ario.21 Pela leitura do processo de invent´ario, Maurícia Gonc¸ alves foi declarada demente e nomeado o testamenteiro capit˜ao Domingos Alves de Oliveira como curador, que ficou encarregado do invent´ario. Ao lado das mulheres minas forras, as de nac¸ a˜ o benguela tiveram oportunidade de acumular o peculio que lhes garantia a compra de sua ´ alforria, bem como a propriedade de bens com que viviam com relativo conforto. Dentre elas destaca-se Maria de Azevedo, preta forra, moradora no arraial do Tejuco, sem filhos, que possuía uma ch´acara e dois escravos, al´em de outros utensílios de casa.22 Ainda no se que refere a mulheres solteiras chefes de domicílio, sem filhos, moradoras do Tejuco, atual cidade de Diamantina – MG, tem-se o caso, ainda, da mulata Ignˆes de Santa Luzia, filha natural de D. Maria da Conceic¸ a˜ o, mulher branca. Ignˆes, em 1774, com a m˜ae j´a falecida, residia sozinha no domicilio localizado no arraial de Baixo, distrito do Tejuco.23 Tanto a m˜ae quanto a filha foram tratadas como “Dona”, o que revela um signo de distinc¸ a˜ o. Segundo Junia Furtado, o fato de a m˜ae de Ignˆes ser ´ branca, certamente lhe garantia a aceitac¸ a˜ o no meio social.24 O mesmo ocorre com Anna Perp´etua Ludovina, mulher branca cujo domicílio era vizinho de D. Ana Marcelina. Solteira, sem filhos, em 1832 estava com aproximadamente 56 anos e vivia em seu domicílio com catorze escravos.25 J´a Joana Francisca Guimar˜aes, preta, solteira, sem filhos, em 1774 residia na rua S˜ao Bartolomeu, a´ rea da regi˜ao central do arraial do Tejuco, em casa alugada vizinha da de Tereza Francisca, preta, esta moradora em casa propria. Tudo indica que no decorrer dos anos Joana ´ conseguiu acumular peculio, pois em 1781 constava que era propriet´aria ´ de uma morada de casas no arraial do Tejuco e de sete escravos.26 De acordo com a amostragem trabalhada, entre o período de 1770 a 1870, verifica-se na Capitania e posterior Província de Minas Gerais o 18

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numero expressivo de mulheres solteiras em domicílios, com ou sem ´ filhos. Um exemplo dessa realidade pode ser verificada na Lista Nominativa da populac¸ a˜ o de Minas Gerais de 1831/1832. Do universo de 20.211 registros de domicílios de mulheres, encontra-se 9.872 domicílios chefiados por solteiras, o que corresponde a 48,84%.27 E´ necess´ario lembrar que a unidade dom´estica registra somente um determinado instantˆaneo do ciclo de vida dessas mulheres, apenas um momento. E como o ciclo de vida familiar comporta uma s´erie de variac¸ o˜ es — pois s˜ao atravessados por uma s´erie de eventos e ritos de passagem que v˜ao desde o nascimento, casamento, separac¸ o˜ es e mortes, entre outros — talvez n˜ao fosse o mais adequado utiliz´a-lo como parˆametro para essas inferˆencias. E´ possível, sim, concordar com esse argumento, mas somente em parte, porque essas limitac¸ o˜ es podem ser resolvidas com o cruzamento de fontes, como foi feito neste trabalho. Por isso, ao acompanhar a trajetoria ´ 28 de algumas mulheres, percebem-se muitos casos em que elas continuavam solteiras apos ´ um espac¸ o de mais de trinta anos e, ao fazerem seus testamentos, j´a estavam numa faixa et´aria em que seguramente o casamento estava fora de seus horizontes. Um caso exemplar e´ o de Maria Fernandes Chaves, filha de Tereza, mina, j´a falecida, que foi escrava de Florˆencia Chaves. Moradora na rua do Carmo em Sabar´a, Maria Fernandes sempre viveu no estado de solteira e nunca teve filhos. Sem herdeiros diretos instituiu como herdeira Ana Fernandes Chaves, criada em sua casa como exposta.29 Al´em das mulheres analisadas nesta sec¸ a˜ o, foram encontradas muitas outras em condic¸ a˜ o similar a` de Ana Fernandes. O numero significativo de forras chefiando domicílios, especialmente ´ em final do s´eculo XVIII e no decorrer do s´eculo XIX, detectado em Testamentos, Invent´arios, e Cartas de Alforrias,30 sugere que a alforria,31 al´em de proporcionar a estas mulheres a t˜ao sonhada liberdade, na maioria dos casos era o passaporte para a constituic¸ a˜ o de domicílio proprio e autonomia na conduc¸ a˜ o de sua vida e dos negocios. Entretanto, ´ ´ a ascens˜ao social de mulheres forras n˜ao foi uma prerrogativa de Minas Gerais, mas sen˜ao da sociedade brasileira como um todo, e foi recorrente em muitas regi˜oes brasileiras. Como exemplo, entre os diversos casos ocorridos em Salvador, tem-se o da ex-escrava Petronilha de Jesus. Em seu invent´ario aberto em 1826, essa africana forra, quitandeira, residente em Salvador, registrou, al´em de enorme quantia em dinheiro, duas casas de morada, 15 escravos e diversas joias de alto valor.32 Retomando a quest˜ao da chefia feminina entre mulheres forras solteiras, nos mapas de populac¸ a˜ o e demais documentos pesquisados encontram-se muitos lares formados por díades maternas duplas, com at´e trˆes gerac¸ o˜ es de mulheres, sob a lideranc¸ a da mais velha, em geral a avo. ´ Contribui para essa formac¸ a˜ o o empenho das avos ´ de alforriarem membros da família e reuni-los em seu domicílio. Esse foi o caso de Caetana Rodrigues, preta forra, que, em 19 de maio de 1777, pagou pela alforria de sua neta Quit´eria, filha de Mariana, crioula, tendo como 19

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testemunhas dois homens “bons” da elite sabarense, o Dr. Jerˆomino Gomes Pereira Jardim, formado em Coimbra, e Domingos da Silva Couto, sob a alegac¸ a˜ o de “que era de sua muito livre vontade libertar a dita inocente, como se forra nascesse”.33 A preocupac¸ a˜ o das avos ´ com o futuro dos netos — procurando garantir-lhes desde a alforria at´e mesmo alguns legados em dinheiro — foi recorrente, especialmente quando era credora dos filhos ou dos genros, e de modo geral heranc¸ as eram deixadas para as filhas das filhas. Notava-se ainda uma preocupac¸ a˜ o em garantir que o pai n˜ao usufruísse dos benefícios e que pagasse suas dívidas para que fossem revertidas em benefícios para os netos. Clara Maria de Miranda, por exemplo, em seu testamento redigido em 1799, declara que “os juros de sua dívida [de Antonio da Mata] ficar˜ao de esmola para os netos Jo˜ao Pedro e Mariana Antonia, filhos de sua filha Maria com Antonio da Mata Carr˜ao”; al´em dos juros da dívida receberiam mais quinhentos mil r´eis.34 J´a no domicilio de Rita Perp´etua, parda, 40 anos, moradora em Congonhas do Sabar´a, atual Nova Lima, solteira, fiadeira, teríamos díades maternas duplas, pois contava com Ana Perp´etua, de aproximadamente 26 anos, parda, solteira, e Cipriana Perp´etua, solteira, 25 anos, tamb´em fiadeiras — e tudo indica que s˜ao as filhas de Rita — al´em de oito crianc¸ as. Essas crianc¸ as tˆem idades que variam de 1 a 12 anos, todas pardas e, provavelmente, filhas de Cipriana. Vive no domicílio, ainda, uma mulher que tanto pode ser agregada como m˜ae de Rita, Joana Martins, parda, solteira de 64 anos de idade. Se assim for, ter-se-ia ali a presenc¸ a de quatro gerac¸ o˜ es: a primeira formada por Joana (bisavo), ´ Rita, avo, ´ Cipriana e Ana, filhas de Rita e netas de Joana, e as crianc¸ as, prov´aveis filhas de Cipriana, netas de Rita e bisnetas de Joana.35 Essa formac¸ a˜ o domiciliar pode ser encontrada em outras regi˜oes mineiras e tamb´em em outras capitanias/províncias e segundo Maria Odila Dias: a autoridade das chefes de fogos extensivos matrifocais fazia-se sentir ao aceitarem e darem protec¸ a˜ o do uso costumeiro aos netos ilegítimos, muitos dos quais eram criados por avos. ´ Eram tamb´em elas que decidiam o destino a ser dado a` s crianc¸ as apos ´ o nascimento, no caso de serem dadas para terceiros, enjeitadas, expostas. Al´em disso, eram agenciadoras do trabalho infantil, distribuindo pelas vizinhanc¸ as crianc¸ as entre sete e doze anos, para auxiliar nas tarefas dom´esticas ou comerciais.36 Para Tˆamara Hareven, a família era uma instituic¸ a˜ o que funcionava como unidade coletiva e as func¸ o˜ es e pap´eis dos membros no seio familiar eram determinados a partir dessas bases e as relac¸ o˜ es entre seus membros baseadas em obrigac¸ o˜ es mutuas e sancionadas pela sociedade. ´ No mais das vezes, as obrigac¸ o˜ es para com parentes transcorriam por toda a vida.37 Especialmente entre os mais pobres, a família e´ entendida 20

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como uma ordem moral,38 onde, al´em da chefe, todos os componentes se movimentam e trabalham para sua manutenc¸ a˜ o. Embora a pobreza n˜ao possa ser generalizada, este estudo ao analisar diferentes fontes documentais, permitiu constatar que para algumas mulheres, a alforria n˜ao significou efetivamente a melhoria de sua condic¸ a˜ o de vida, como se pode pensar a` primeira vista. Em seu estudo sobre Chica da Silva, Junia Furtado demonstra que a muitas mulheres ´ apos ´ receberem a alforria “viam-se juntar o estigma do sexo ao da cor e da condic¸ a˜ o (. . .)”,39 evidenciando as dificuldades enfrentadas por algumas mulheres ex-escravas quando se viam inseridas no mundo dos livres. Dificuldades que refletiam, tamb´em, na manutenc¸ a˜ o do domicílio e da prole, reproduzindo a desigualdade social e racial, o que acentuava o quadro de pobreza e incertezas diante do futuro. Ora, o casamento n˜ao estava ausente da vida de muitas mulheres forras, entretanto, muitos desses casamentos foram t˜ao desastrosos do ponto de vista financeiro, social, nada lhes acrescentando, segundo Junia ´ Furtado, “nem patrimˆonio e nem status”, como no caso de Maria Vaz da Conceic¸ a˜ o, negra, viuva ´ do oficial de carapina Antonio da Costa, tamb´em negro, que, al´em de ter ela mesma comprado sua alforria, todos os bens que possuía tinham sido adquiridos com seu trabalho antes do casamento. Quando faleceu, possuía uma casa de morada, trˆes escravos e trˆes oitavas de ouro lavrado. Se a negra forra Maria Vaz esperava com o casamento ter um tipo de apoio na velhice, nem isso teve, pois o marido faleceu primeiro.40 Portanto, e´ perfeitamente plausível que conhecendo de perto as experiˆencias e uni˜oes mal-sucedidas de diversas companheiras, aliadas a uma cultura em que a linhagem e n˜ao casamento era valor para muitas dessas africanas, a grande maioria delas tenha preferido mesmo n˜ao se casar. Sheila de Castro Faria41 explica o baixo índice de casamento entre as forras a partir da hipotese de que “haveria entre as forras africanas uma ´ opc¸ a˜ o pelo n˜ao casamento”, hipotese tamb´em aceita por Sílvia Maria ´ Jardim Brugger42 para S˜ao Jo˜ao Del Rei, Minas Gerais. Quando Sílvia Brugger refere-se ao comportamento conjugal das mulheres forras, questiona: “se o casamento, na maioria das vezes naquele período, era um negocio, em que interessaria a` s mulheres forras africanas um ´ casamento, se j´a conheciam a prosperidade econˆomica?”43 Outra constatac¸ a˜ o e´ que, se, de um lado, tˆem-se domicílios formados originalmente por díades maternas com chefia feminina solteira, cujos descendentes se casam formando famílias nucleares, por outro, ao se acompanhar a trajetoria de algumas famílias, percebe-se a recorrˆencia de ´ díades maternas matrifocais que v˜ao sendo reproduzidas no decorrer de duas e at´e trˆes gerac¸ o˜ es. Menos comum foi a de quatro gerac¸ o˜ es de um mesmo tronco familiar. A família de Rosa Serqueira, por exemplo, era uma dessas em que havia duas gerac¸ o˜ es de m˜aes solteiras. Rosa Serqueira viveu na regi˜ao do

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rio de S˜ao Francisco, barra do Cariranha, onde nasceu e viveu sua filha Josefa Maria de Abreu. Josefa relata que sempre me conservei no estado de solteira e na qual tive doze filhos e todos est˜ao vivos e se acham debaixo do meu domínio a saber: Maria Sebastiana de Abreu; Joana Rosa; Ana Joaquina; Mˆonica Agostinha dos Santos; Efigˆenia dos Reis; Vitoria do Espírito Santo; ´ Elena Juliana dos Santos; Rita Joana; Maria Damasia Franc¸ a; Maria Ang´elica de Jesus; Bonif´acio Jos´e dos M´artires; Manoel do Espírito Santo. Declaro que todos s˜ao filhos nomeados e os instituo por meus universais herdeiros das duas partes e dos remanescentes de minha terc¸ a 44 (grifos meus) Apesar do numero expressivo de mulheres chefes de domicilio ´ solteiras, torna-se necess´ario ressaltar que a an´alise dos Mapas de Populac¸ a˜ o, dos Invent´arios Post-Mortem e Processos de Divorcios ´ evidenciaram que o aumento de obitos masculinos e separac¸ o˜ es ´ contribuíram para a modificac¸ a˜ o do estado conjugal de diversas mulheres, cujo resultado mais imediato foi a ruptura dos pap´eis de gˆenero, estruturados em alguns casos de acordo com a tríade: pai provedor, mulher dona do lar e filhos obedientes,45 alterando profundamente a arquitetura, o ritmo, o modo de vida do domicílio, inclusive da elite mineira, redesenhando novos pap´eis. As mulheres viuvas forras – chefes de domicílio ´ Embora o contingente de mulheres forras viuvas n˜ao fosse ´ numericamente t˜ao expressivo quanto o de solteiras, representa um segmento importante entre as chefes de domicílio mineiras. O grande numero de alforrias femininas sem duvida contribuiu para este quadro. ´ ´ Mergulhadas em atividades variadas, souberam como ningu´em, com seu “trabalho e industria”, acumular peculio e ascenderem socialmente,46 e ´ ´ em alguns casos serem reconhecidamente tratadas como “donas”.47 Se a vida de muitas mulheres viuvas era marcada pelo trabalho, havia ´ tamb´em parcela significativa de mulheres forras, entre elas as viuvas, que ´ viviam do trabalho de seus escravos, tendo essas mulheres “conseguido o que tanto almejavam os libertos: afastar-se do mundo do trabalho”, conforme afirma Junia Furtado.48 ´ Instaladas majoritariamente no meio urbano, estavam tamb´em atuantes no meio rural, respons´aveis por suas roc¸ as, plantando algod˜ao e produzindo alimentos para o proprio consumo, e no mais das vezes para ´ o abastecimento da regi˜ao circunvizinha. Como, por exemplo, Ana da Gloria dos Santos, forra, viuva ´ ´ de Jo˜ao das Chagas, negra mina, que possuía um rancho coberto de telhas denominado sítio das Bicas, proximo ao arraial de Milho Verde. Natural da Costa da Mina, Ana ´ Gloria foi batizada na Bahia, comprou sua alforria em Paracatu e depois ´ se fixou na regi˜ao do arraial do Tejuco. Teve seis filhos e sobreviveu a 22

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todos. Entre os bens constantes de seu invent´ario destaca-se uma roda de fiar, um descaroc¸ ador e dois centos de algod˜ao. O que indicava no seu sítio a existˆencia de plantac¸ a˜ o de algod˜ao, que fiava e tecia confeccionando tecidos, al´em de viver da renda de um seu escravo alugado para Florˆencia da Cunha.49 Fiar e tecer constituiu uma das atividades que mais criou condic¸ o˜ es de sobrevivˆencia para centenas de mulheres chefes de domicílio em Minas Gerais, especialmente na regi˜ao estudada. As fontes documentais utilizadas – Testamentos, Invent´arios Post-Mortem e Listas Nominativas – confirmam a presenc¸ a efetiva dessas ocupac¸ o˜ es pelas mulheres chefes de domicílio. Tomando como referencia as Listas Nominativas dos habitantes de Minas Gerais de 1831/1832, constata-se que no universo de 15.219 mulheres chefes de domicílios listadas, 6.913 declararam exercer a atividade de fiadeira, ou seja, 46% do total de mulheres. Produzida de forma e em escala diferenciada ao longo do s´eculo XIX, conforme as regi˜oes, a cultura do algod˜ao tinha na regi˜ao do entorno de Minas Novas um destacado centro produtor, considerado o melhor tipo de algod˜ao, exportado para outras regi˜oes da província mineira e fora dela. Essa atividade tˆextil sempre esteve profundamente relacionada a` s sociedades rurais, dado que era da agricultura que se extraía a ` medida que ultrapassou a etapa mat´eria-prima para se produzir o fio. A de produc¸ a˜ o para o consumo dom´estico familiar e se criou mercado, funcionou para as mulheres como trabalho complementar ao servic¸ o dom´estico, que lhes permitiu, al´em de outros tipos de ganho, permanecer no domicílio ou proximo dele, promovendo a subsistˆencia do nucleo ´ ´ dom´estico. A ocupac¸ a˜ o se tornou irremediavelmente extens˜ao daquelas que compunham o cotidiano feminino,50 ocorrendo indiferenciac¸ a˜ o entre servic¸ os dom´esticos e atividades econˆomicas remuneradas vistas como femininas. A despeito de uma parcela dessas mulheres ter se casado, observa-se que a ascens˜ao social e econˆomica n˜ao ocorreu em virtude dos casamentos. A maioria insistiu em deixar registrado que o patrimˆonio amealhado ao longo da existˆencia foi fruto do seu proprio trabalho, ´ sendo praticamente incipiente a participac¸ a˜ o do cˆonjuge na formac¸ a˜ o do mesmo. Um exemplo dessa realidade foi o caso de Maria Vaz da Conceic¸ a˜ o, mulher forra, oriunda da Costa da Mina, viuva ´ de Antonio da Costa, j´a citada anteriormente. Em 1774, Maria Vaz vivia em uma casa de sua propriedade na rua do Macau, no arraial do Tejuco.51 Deixou registrado em testamento que fora a respons´avel pela compra de sua alforria e que todos os bens que possuía foram adquiridos por sua “agˆencia” antes de se casar. Como n˜ao teve filhos nem antes e nem apos ´ o casamento, nomeou como herdeiro o filho de seu antigo propriet´ario.52 Este tamb´em parece ter sido o caso da viuva ´ Rita Vieira de Matos, negra, vinda da Costa da Mina, casada com Antonio Alves Guimar˜aes oriundo da mesma regi˜ao. Tudo indica que seu patrimˆonio foi adquirido sem a ajuda do marido. Junia Furtado j´a havia chegado a essa conclus˜ao ´ 23

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ao fazer an´alise comparativa dos patrimˆonios de Rita e o de seu marido.53 Ao alcanc¸ arem boa condic¸ a˜ o econˆomica, outras mulheres viuvas ´ forras dedicavam-se a tentar encontrar os filhos, visando a recompor a família desfeita no período de cativeiro. Houve casos de mulheres chefes de domicílio que em vida se empenharam em diligˆencias no sentido de localizar seus filhos. Se chegaram a conseguir ou n˜ao o intento, jamais se saber´a, entretanto deixaram o registro de suas ultimas vontades em ´ Testamento. De algum modo manifestaram o desejo de beneficiarem os filhos de alguma forma. Sabe-se que esse desejo revelava-se empreitada difícil, sen˜ao impossível, uma vez que nem todas as m˜aes conseguiam se lembrar quem teriam sido os eventuais compradores de seus filhos. Assim, n˜ao foram incomuns casos como o de Luiza de Souza, mulher forra, nascida em Pernambuco, moradora atr´as da igreja matriz de Santa Luzia. Ao ditar seu testamento, Luiza revela que veio para Minas Gerais trazida por Adri˜ao da Costa. Antes de se casar teve sete filhos, sendo dois j´a falecidos. As meninas Maria e Simoa, ela as teve na e´ poca em que era escrava de Francisco Gomes Ribeiro. Estas foram vendidas e Luiza n˜ao sabia mais para quem. Mas, ainda assim, instruiu os testamenteiros a efetuarem diligˆencias para localiz´a-las pelo tempo de trˆes anos e, caso n˜ao fossem encontradas, a parte da heranc¸ a que lhes pertencia por direito deveria ser transformada em missas. Luiza foi uma entre v´arias mulheres ex-escravas a conseguir acumular peculio suficiente, inclusive, para ´ libertar os filhos do cativeiro, sem, no entanto, poder fazˆe-lo por ter perdido de vista os filhos, em muitos casos para sempre.54 Diferente de mulheres nascidas livres — que por uma circunstˆancia ou outra expunham o filho na casa de algu´em — as viuvas podiam, ´ mesmo que a` distˆancia, acompanhar a vida e trajetoria de seus filhos, ´ como o fizeram as viuvas D.Clara Rosa da Fonseca55 e Micaela Coelho ´ 56 dos Santos. Na regi˜ao de Pitangui — que se destaca das demais regi˜oes estudadas em virtude de seu grande contingente de mulheres chefes de domicílios brancas — notadamente algumas mulheres pretas forras tiveram condic¸ o˜ es de acumular peculio atrav´es do comercio, como, por exemplo, ´ Quit´eria Martins, preta forra, moradora em Onc¸ a do Pitangui. Em seu invent´ario aberto em 1788, entre outros bens destacam-se uma morada de casas coberta de telhas no arraial do Onc¸ a, e trˆes escravos: Joaquim e Jos´e, de nac¸ a˜ o nagˆo e Ana, de nac¸ a˜ o mina. Observa-se em seu invent´ario, fato recorrente em outros invent´arios de mulheres, a presenc¸ a de mulheres forras na lista de credores.57 As quantias devidas em dinheiro ou em oitavas de ouro s˜ao indício de que naquela sociedade determinadas mulheres sobreviviam com rendas provenientes desse tipo de empr´estimo, como de resto muitos homens. Na regi˜ao de Paracatu, foram encontradas viuvas forras que viviam ´ de suas roc¸ as, com seus alambiques, ou com um pequeno com´ercio, ou mesmo da renda de seus escravos. Dentre elas, Mˆonica Dias de Rezende, 24

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preta forra, filha natural de Tereza Dias de Rezende, nasceu e foi batizada na freguesia comarca de Vila Boa de Goi´as, na capela de S˜ao Jos´e. Essa e outras mulheres residentes em Paracatu e entorno eram origin´arias da capitania/província de Goi´as, o que se explica pela proximidade entre as regi˜oes. Mˆonica Dias, foi sepultada na capela de Nossa Senhora do Amparo, como foi seu desejo. Entre seus bens, encontravam-se uma morada de casas pequenas cobertas de telhas e trˆes escravos. Vivia de sua roc¸ a, certamente com a ajuda desses escravos. N˜ao deve ter falecido muito nova, pois sua filha mais velha estava com mais de 50 anos.58 Ana Maria Dotoria, preta forra, tamb´em teve realizado seu desejo de ´ ser sepultada na capela de Nossa Senhora do Amparo. Casou-se duas vezes e n˜ao teve filhos de nenhum dos maridos. Teve parte de seus bens — inclusive uma morada de casas que constava do invent´ario do marido ` — vendida, provavelmente para pagamento de dívidas do espolio. As ´ suas escravas Luiza e Antonia foi prometida a liberdade depois de servirem durante oito anos a` herdeira, Claudiana Mascarenhas, sobrinha de Ana Maria.59 Tamb´em foi em Paracatu, que outra Anna, essa Pereira dos Santos, preta forra, filha de Feliciana mina, conseguiu acumular peculio ´ suficiente para obter sua liberdade. N˜ao teve filho, por isso deixou seus bens para seu sobrinho Jos´e Meireles, entre os quais uma casa na rua do Calv´ario, uma escrava, al´em de algumas joias. Devota de Nossa Senhora ´ do Ros´ario, foi sepultada em sua capela.60 A ascens˜ao socioeconˆomica das mulheres forras e´ fato inconteste entre os que se debruc¸ aram sobre diversos aspectos da historia das mulheres. ´ Especialmente em Minas Gerais diversos estudos tendem a convergir cada vez mais nesse aspecto.61 Em todas as regi˜oes mineiras, observam-se mulheres forras viuvas que ´ gerenciavam suas vidas como propriet´arias — com escravaria variando em m´edia de trˆes a seis escravos — vivendo de suas fazendas, suas roc¸ as, alugu´eis de escravos, de seus negocios, como as muitas Anas, Franciscas, ´ Joanas. Em contraposic¸ a˜ o a essa condic¸ a˜ o de forra propriet´aria, tˆem-se as viuvas forras trabalhadoras exercendo multiplos ofícios, tais como: ´ ´ cozinheiras, costureiras, rendeiras, tecel˜as, oleiras, tropeiras, vendeiras, quitandeiras ou vivendo de suas plantac¸ o˜ es, como Josefa da Purificac¸ a˜ o e outras tantas Josefas, ou como Quit´eria e tantas outras. Isso revela que ao longo do período colonial e imperial essas mulheres ocuparam espac¸ os sociais amplos e variados que n˜ao estavam restritos so´ ao mundo da casa. Nota-se que as mulheres chefes de domicílios, estavam integradas a` vida social e econˆomica nas regi˜oes em que escolheram viver. A diversidade e´ tnico-social dessa populac¸ a˜ o instaurou multiplas ´ possibilidades de construc¸ a˜ o de identidades e de trajetorias. Paralelo a ´ isso, nunca e´ demais lembrar que estas experiˆencias foram atravessadas por categorias sociais como rac¸ a/etnia, grupo social e gerac¸ a˜ o. E´ desse modo que estas diversas mulheres estavam posicionadas naquela 25

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sociedade. Apesar da experiˆencia comum da viuvez, internamente esse grupo era marcado por essas diferenc¸ as, al´em, claro, da visível hierarquia de riquezas, evidenciada inclusive pela posse de escravos. Nesse sentido, o grupo de mulheres viuvas chefes de domicílio n˜ao pode ser visto como ´ massa homogˆenea. Havia diferenc¸ as e distinc¸ o˜ es mesmo entre os grupos, diferenc¸ as constatadas, tamb´em, entre as viuvas n˜ao-brancas. ´ Observa-se que entre o grupo de mulheres viuvas, sejam brancas, ´ negras e pardas forras, ricas propriet´arias e viuvas pobres, existiu uma ´ camada intermedi´aria que ascendeu economicamente por meio do trabalho no pequeno com´ercio ou agricultura, ou atividades consorciadas, como, por exemplo, o com´ercio e lavoura, lavoura e fazenda, ou fazenda de gado. Como Maria Antonia, que possuía roc¸ a proxima a Paracatu com sessenta cabec¸ as de gado de toda a sorte, cinco ´ 62 bois carreiros, leit˜oes, entre outros bens. Ela n˜ao foi por´em a unica. ´ Analisando parte dos invent´arios e listas nominativas de habitantes da regi˜ao, especialmente viuvas, foi encontrado numero significativo delas ´ ´ plantando roc¸ a e criando gados, leit˜oes, entre outros. Se, de um lado, as fontes documentais analisadas apontaram a existˆencia de viuvas pobres chefes de domicílio, sem escravos, com ´ participac¸ a˜ o ativa no mercado de trabalho — principalmente na prestac¸ a˜ o de servic¸ os para dar conta do sustento da prole, e outra categoria intermedi´aria, compondo a camada m´edia, vivendo e cuidando dos seus com relativa folga — por outro, tem-se um grupo bem mais restrito de mulheres que provavelmente n˜ao enfrentava nenhuma dificuldade para manter seu grupo dom´estico, a exemplo do que ocorreu na regi˜ao de Itu e Sorocaba.63 Essa categoria de mulheres viuvas ´ propriet´arias, pelo volume de seus bens, negocios e influˆencia no meio ´ social e político, passaram de donas a mandonas. Considerac¸ o˜ es finais A experiˆencia dessas mulheres — cujos lares eram marcados por díades maternas, matrifocais e, nos casos das africanas, matrilineares — foram vistas pela historiografia tradicional como anomia ou desvio da norma, posto que alteraram o padr˜ao de poder e autoridade centrado somente no masculino. A diversidade de experiˆencias e´ a chave de compreens˜ao desses complexos e vastos “territorios” em que essas mulheres, chefes de ´ domicílio, construíram suas historias e trajetorias. Procurei demonstrar ´ ´ que n˜ao existiu uma “vivˆencia homogˆenea”; as vivˆencias foram marcadas por clivagens de gˆenero, de gerac¸ o˜ es, de etnia, de crenc¸ as e de origem, que demarcavam e posicionavam as mulheres naquele meio social, em pleno final do s´eculo XVIII e decorrer do s´eculo XIX Constatei a existˆencia de dois grupos distintos de mulheres chefes de domicílio — um grupo que estava concentrado nas a´ reas urbanas — e outro grupo de mulheres radicadas nas a´ reas rurais proximas aos antigos ´ centros mineradores e nos sert˜oes da antiga Capitania e posterior 26

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Província de Minas Gerais, voltadas a` s atividades agrícolas para subsistˆencia e/ou para o abastecimento alimentar. Observei ainda que essas mulheres, cujos lares foram marcados pela matrifocalidade, se distinguiram por suas trajetorias de vida, por seus ´ ofícios, devoc¸ o˜ es, experiˆencias, pela situac¸ a˜ o familiar, pela cor e, obviamente, por suas culturas, e pela condic¸ a˜ o social. Paralelo a um pequeno grupo de mulheres ricas propriet´arias, e outro grupo intermedi´ario de mulheres que se dedicavam ao com´ercio e a outros negocios, encontra-se um grupo majorit´ario que necessitava conciliar as ´ lidas di´arias no domicílio com outras atividades de prestac¸ a˜ o de servic¸ os a fim de prover o sustento da família. As trajetorias das diversas mulheres aqui apresentadas desmistificam ´ a tese vigente durante muitos anos na historiografia brasileira, de que a matrifocalidade estava limitada apenas a` s camadas populares, mais especificamente a` s livres pobres, forras e escravizadas. Na realidade, em virtude das fontes analisadas, percebe-se que a matrifocalidade pode ser vista como um fenˆomeno social e que atravessava a vida de mulheres de todas as condic¸ o˜ es sociais, abrangendo tamb´em as mulheres brancas, abastadas, que gozavam de grande prestígio social e n˜ao somente as livres pobres, forras e escravizadas. E mais: este trabalho buscou romper com um dualismo extremamente perverso t˜ao presente no imagin´ario social brasileiro, que associa pobreza e chefia feminina, como se uma fosse condic¸ a˜ o da outra. Sem negar as dificuldades enfrentadas por um grande contingente de mulheres chefes de domicílio, fiz um esforc¸ o de romper com vis˜oes que ainda reforc¸ am estereotipos de vulnerabilidade e ´ pobreza, sempre relacionado ao feminino, especialmente as mulheres negras. Procurei atentar para as diferenc¸ as de pap´eis sexuais enquanto que incluem relac¸ o˜ es de poder construc¸ o˜ es socioculturais e historicas ´ n˜ao-localizadas num unico ponto: o masculino. As mulheres chefes de ´ domicílio, cujas historias foram relatadas neste trabalho, viveram e ´ integraram tamb´em as redes de poder e de dominac¸ a˜ o e souberam se utilizar dos discursos ambíguos, especialmente sobre a fragilidade feminina, quando se fez necess´ario, inclusive para sua sobrevivˆencia. Notas Este trabalho e´ parte da pesquisa realizada originalmente como tese de doutoramento, defendida na Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Historia, Brasil, sob a orientac¸ a˜ o da Professora Dra. ´ Junia Ferreira Furtado, em 2008. Cabe ressaltar que, em virtude da ´ proximidade das nossas tem´aticas de estudo e pesquisa, a Professora generosamente compartilhou comigo parte das fontes documentais referentes a` regi˜ao de Diamantina, j´a transcritas e analisadas em suas pesquisas e publicac¸ o˜ es. 2 M´etodo utilizado por GUTMAN, Herbert G. The black Family in slavery and freedom (1750-1925). Nova York: Vintage Book, 1976, para recompor 1

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a trajetoria de famílias escravas nos Estados Unidos e por SLENES, ´ Robert. Na senzala uma flor: esperanc¸ as e recordac¸ o˜ es da família escrava – Brasil Sudeste, S´eculo XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 3 REVEL, Jacques. (org.) Jogos de Escalas: a experiˆencia da micro-an´alise. Rio de Janeiro: FGV, 1998. “A historia ao r´es-do-ch˜ao”, p. 17. ´ 4 PRIORE, Mary del. Brasil colonial: um caso de famílias no feminino plural. Cadernos de Pesquisa, S˜ao Paulo, n.91, p. 69-75, nov.1994. 5 HESPANHA, Antonio Manuel. O estatuto jurídico da mulher na e´poca da expans˜ao. Lisboa: Instituto de Ciˆencias Sociais, s.d, mimeo. Texto cedido pelo autor em 2008. 6 Idem, Ibidem. 7 Idem, Ibidem. 8 ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas mulheres da Colˆonia: condic¸ a˜ o feminina nos conventos e recolhimentos do sudeste do Brasil. 1750-1822. S˜ao Paulo: Ed. Jos´e Olympio, 1993. p.120. 9 Dentre os viajantes ver: WALSH, Robert Rev. Notices of Brazil in 1828 and 1829. Boston: Richardson, Lord & Holbrock, William Hyde, Crokin & Brewster, and Carter & Balcocok, 1831, 2v.; MARJORIBANCKS, Alexander. Travel in souter and Am´erica. London: Smpkni, Marshall and Co., 1853; citado por QUINTANEIRO, Tˆania. Retratos de mulher: o cotidiano feminino no Brasil sob o olhar de viajeiros do s´eculo XIX. Petropolis, RJ: Vozes, 1996. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas ´ províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; S˜ao Paulo: Edusp, 1975. 10 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadˆencia do patriarcado rural e desenvolvimento urbano. 14 ed. revista. S˜ao Paulo: Global, 2003. 11 Idem, Ibidem. p. 82. 12 LOURO, Guacira Lopes. Mulheres em sala de aula. In. PRIORE, Mary del. Hist´oria das mulheres no Brasil. S˜ao Paulo: Ed. Contexto, 1997. p. 469. 13 Esse período foi caracterizado por Mariza Correa como o “período de grandes sínteses”.Destacam-se, entre outros importantes trabalhos, os de ˆ COSTA PINTO, NESTOR DUARTE, ALCANTARA MACHADO, ALFREDO ELLIS JR, que embora tratando de tem´aticas específicas, utilizam o patriarcalismo como referencial teorico. ´ 14 SAMARA, Eni de Mesquita. Familia, mulheres e povoamento – S˜ao Paulo, S´eculo XVIII. Bauru, SP: Edusc, 2003. p. 17. 15 FARIA, Sheila Siqueira de Castro. Sinhas pretas, damas mercadoras: as pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e de S˜ao Jo˜ao Del Rey (1700-1850). Niteroi, ´ RJ: UFF, 2004. p.114. 16 THOMPSON, E.P. A mis´eria da teoria ou um planet´ario de erros; uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. p. 189. 17 Idem. 18 CARVALHO, Luisa M.S. Santos. A mulher trabalhadora na dinˆamica da manutenc¸ a˜ o e da chefia domiciliar. In: Revista de Estudos Feministas. RJ: IFCS/UFRJ, v. 6, n.1, 1998. 28

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HAREVEN, Tˆamara. Tempo de família e tempo historico. In: Hist´oria: ´ quest˜oes e debates. Curitiba, 5 (8): 3-26, jun/1984, p. 13. 20 Museu do Ouro, Arquivo da Casa Borba Gato, doravante MO,ACBG, Testamentos. Domingas Gonc¸ alves Fonseca, 21 Arquivo Historico de Pitangui, MG – doravante AHP, Testamento, ´ 1798. 22 Biblioteca Antonio Torres, Diamantina - doravante BAT, CPO, Invent´ario e Testamento, mac¸ o 58, n. 457, 1820. 23 Arquivo Historico Ultramarino - AHU, Manuscritos Avulsos de Minas ´ Gerais, Caixa 108, doc. 9, 24 Ver: FURTADO, Junia F. P´erolas negras: mulheres livres de cor no ´ distrito diamantino. In: FURTADO, Junia F. (Org.). Di´alogos oceˆanicos: ´ Minas Gerais e as novas abordagens para uma historia do imp´erio ´ ultramarino portuguˆes. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 81-121; FURTADO, Junia F. Entre becos e vielas: o arraial do Tejuco e a sociedade ´ setecentista. In: PAIVA, Eduardo Franc¸ a e ANASTASIA, Carla Maria Junho. (Orgs.). O trabalho mestic¸ o: maneiras de pensar e formas de viver s´eculos XVI e XIX. S˜ao Paulo: Anna Blume, 2002. p. 497-511. 25 BAT, CPO, Invent´ario, mac¸ o 9, 1852, 1859; CPO, Testamento, mac¸ o 92, 1846; Arquivo Publico Mineiro, Mapas de Populac¸ a˜ o, doravante APM, ´ MP Relac¸ a˜ o dos Habitantes de Santo Antonio do Tejuco, 1832. 26 Forum Edmundo Lins - FEL, Serro, Testamento 016, livro 23. fls. ´ 195-198, 1781. 27 Lista Nominativa de Minas Gerais, 1831/1832. Cedido gentilmente por Clotilde Paiva, CEDEPLAR, UFMG, 2008. 28 Entende-se como “trajetoria de vida” um conjunto de eventos que ´ fundamentam e d˜ao significado ao ciclo de vida de uma pessoa. 29 Arquivo Publico Mineiro, doravante APM, CMS. Codice 111, f. 245, ´ ´ Testamento, Maria Fernandes Chaves, 1837. 30 Foram transcritos e analisados para o período de 1770 a 1880, 285 Testamentos, 96 Invent´arios Post-Mortem, 494 Cartas de Alforria, encontrados nos Arquivos Publicos de Diamantina, Sabar´a, Pitangui, ´ Serro e Paracatu. 31 A carta de alforria constituía uma esp´ecie de “salvo-conduto” que possibilitava os sujeitos transitarem livremente de um local a outro. A carta de liberdade, ou mesmo a “carta”, como era familiarmente conhecida, n˜ao so´ se traduzia em materializac¸ a˜ o da liberdade desejada e obtida, como tamb´em constituía o unico documento efetivamente capaz ´ de distinguir os forros dos escravos.1 Esta deveria acompanhar os libertos diariamente, inclusive para evitar serem presos por suspeita de serem escravos fugitivos. O “papel”, a “carta” eram palavras que possuíam um sentido quase m´agico, tal como afirmou Jean-Pierre Albert, a carta de alforria aproximava-se “aos amuletos que os escravos traziam consigo e no interior dos quais guardavam orac¸ o˜ es dedicadas a santos catolicos ou ´ 19

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trechos dos livros sagrados dos muc¸ ulmanos”. Ver: Jean-Pierre Albert, “Approches anthropologiques de l’ecriture ordinaire”, in: Martine ´ Poulain (direc). Lire en France aujourd’hui. Paris: Editions du Cercle de la Librairie, 1993. p. 186. 32 Citado por MATTOSO, Katia Q. Ser escravo no Brasil. S˜ao Paulo: Brasiliense, 1982. p. 30. 33 Centro de Documentac¸ a˜ o e Informac¸ a˜ o da Curia Metropolitana de Belo ´ Horizonte-CEDIC-BH, Livro de Registro de Batismos, 1762-1806. 34 MO, ACBG, CPO, Livro de Testamentos, 54 (73), fl, 217v, 1799. 35 APM, MP, Cx. 06 – Congonhas do Sabar´a, s/d. 36 DIAS, Maria Odila L. S. Quotidiano e poder em S˜ao Paulo no s´eculo XIX. S˜ao Paulo: Editora Brasiliense, 1984. p. 136,142. 37 HAREVEN, Tˆamara K. Tempo de família e tempo historico. Quest˜oes & ´ Debates, Curitiba, v. 5, n. 8,p. 326, jun. 198414-17. 38 Moral entendida como “um conjunto de regras de condutas socialmente aceitas”. Sobre a família como ordem moral, ver: SARTI, Cyntia A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. Campinas, SP: Autores Associados, 1996. 39 FURTADO, Junia F. Chica da Silva e o contratador de diamantes: o avesso do mito. S˜ao Paulo: Cia das Letras, 2003. 40 Arquivo Eclesi´astico da Arquidiocese de Diamantina, doravante, ´ AEAD, Livro de Registros de Obitos do Tejuco, Cx.521, fls 49-50. Maiores detalhes sobre a historia de Maria Vaz da Conceic¸ a˜ o, ver: FURTADO, ´ Junia Ferreira. P´erolas negras: mulheres livres de cor no distrito ´ diamantino. In: Di´alogos Oceˆanicos: Minas Gerais e as novas abordagens para a historia do Imp´erio Ultramarino portuguˆes. Belo Horizonte: Ed. ´ UFMG, 2001. p. 97. 41 FARIA, Sheila de Castro. “A mulher africana: a alforria e formas de sobrevivˆencia – S´eculo XVII ao XIX”, Projeto de Pesquisa do Centro de Estudos Afro-Asi´atico, UFF, Niteroi, 1999; FARIA, Sheila Siqueira de Castro. Sinhas pretas, damas mercadoras: as pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e de S˜ao Jo˜ao Del Rey (1700-1850). Niteroi, ´ RJ: UFF, 2004. 42 BRUGGER, Silvia M. Jardim. Legitimidade e comportamentos conjugais – S˜ao Jo˜ao Del Rey (Seculo XVIII e 1a metade do S´eculo XIX). Anais, Resumos e CDROOM, 12◦ . Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Belo Horizonte, ABEP, 2000, p. 21. 43 BRUGGER, Silvia M. Jardim. Legitimidade e comportamentos conjugais – S˜ao Jo˜ao Del Rey (Seculo XVIII e 1a metade do S´eculo XIX). Anais, Resumos e CDROOM, 12◦ . Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Belo Horizonte, ABEP, 2000, p. 21. 44 MO, ACBG, CPO, Codice 39, fls. 124-125, Testamento, Josefa Maria de ´ Abreu, 1784. 45 GOMES, Ramonildes Alves, GOMES, Valdeci Feliciano. Lac¸ os matrimoniais, amarras tradicionais: a família como autoconstituic¸ a˜ o em Cˆamara Cascudo. In: Cadernos CRH, v. 22, n. 55, Salvador, janeiro/Abr. 2009. Os autores ao analisare a biografia e os escritos de Luis da Cˆamara 30

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Cascudo, conhecido historiador, antropologo, advogado e jornalista, ´ estudioso da cultura, costumes e folclore brasileiro, afirmam que a família Cascudo, retratada por ele, “segue uma hierarquia: o pai absoluto, corajoso, bondoso, honrado e respeitado; a m˜ae passiva, bondosa, crist˜a, dona de casa, respeitada, recatada e simples; o filho grato, educado e obediente, cujos elos de obrigac¸ o˜ es em relac¸ a˜ o aos seus familiares prevalecem sobre os projetos individuais. Os valores levantados por Cˆamara Cascudo s˜ao os mesmos valores patriarcais que legitimaram as normas para regulamentac¸ a˜ o dos pap´eis da família idel e oficial.” 46 MOL, Cl´audia Cristina. Mulheres forras: cotidiano e cultura material em Vila Rica (1750-1800). Belo Horizonte: FAFICH/UFMG; PAIVA, Eduardo Franc¸ a. Escravid˜ao e universo cultural na colˆonia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001; FURTADO, Junia Ferreira. Entre becos ´ e vielas: o arraial do Tejuco e a sociedade setecentista. In: PAIVA, Eduardo Franc¸ a; ANASTASIA, Carla Maria Junho. (Org.). O trabalho mestic¸ o: maneiras de pensar e formas de viver - s´eculos XVI e XIX.. S˜ao Paulo: Anna Blume, 2002, v. 1, p. 502; FURTADO, Junia Ferreira. Chica da ´ Silva e o contratador dos diamantes. S˜ao Paulo: Cia das Letras, 2003; PAIVA, Eduardo F. Escravos e libertos nas Minas Gerais do s´eculo XVIII: estrat´egias de resistˆencia atrav´es dos testamentos. S˜ao Paulo: Annablume, 1995.HIGINS, Kathleen J. Licentius liberty in a Brazilian gold – mining region: slavery gender, and social control in eighteenth century Sabar´a – Minas Gerais. Pensylvania State University, 1999. 47 Um dos exemplos mais conhecidos foi o de Chica da Silva. Ver: FURTADO, Junia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes. ´ S˜ao Paulo: Cia das Letras, 2003. 48 FURTADO, Junia Ferreira. Entre becos e vielas: o arraial do Tejuco e a ´ sociedade setecentista. In: PAIVA, Eduardo Franc¸ a; ANASTASIA, Carla Maria Junho. (Org.). O trabalho mestic¸ o: maneiras de pensar e formas de viver - s´eculos XVI e XIX.. S˜ao Paulo: Anna Blume, 2002, v.1, p. 502. 49 BAT, CPO, mac¸ o 4, doc.043, Invent´ario e Testamento, Anna Gloria do ´ Santos, 1811. 50 Fiar e tecer foram uma arte que embora tenha perdido seu car´ater de f´abrica dom´estica com a instalac¸ a˜ o das industrias tˆexteis, prevaleceu em ´ muitas regi˜oes o costume de tecer colchas nos teares dom´esticos. 51 Arquivo Historico Ultramarino, AHU, Cx. 108, doc. 9, Manuscritos ´ Avulsos de Minas Gerais, 1774. 52 ´ AEAD, Caixa 521, f. 49-50, Livro de Obito, Arraial do Tejuco. Sobre a trajetoria de Maria Vaz da Conceic¸ a˜ o e outras mulheres forras do Tejuco, ´ ver: FURTADO, Junia F. Entre becos e vielas: o arraial do Tejuco e a ´ sociedade setecentista. In: PAIVA, Eduardo Franc¸ a; ANASTASIA, Carla Maria Junho. (Orgs.). O trabalho mestic¸ o: maneiras de pensar e formas de viver - s´eculos XVI e XIX.. S˜ao Paulo: Anna Blume, 2002, v.1, p. 497-511. 53 FURTADO, Junia Ferreira. (Org.). Di´alogos oceˆanicos: Minas Gerais e as ´ novas abordagens para uma historia do imp´erio ultramarino portuguˆes. ´ Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2001. p. 57-58. 31

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MO, ACBG. CSO, (29)11 – (60)05, Testamento, Luiza de Souza. APM, CMS, Codice 111, f. 192, D. Clara Rosa da Fonseca, 1823. ´ 56 APM, CMS, Codice 111, f. 136, Michaella Coelho dos Santos, 1814. ´ 57 AMP – Pitangui, doc. XXII, 156, 1788. 58 Arquivo Municipal Olympio Michael Gonzaga - doravante AMOMG – Paracatu, Caixa 1819-1820, Invent´arios, Monica Dias Rezende, 1819. 59 AMOMG – Paracatu, doc. 1-01, Invent´arios, Ana Maria Dotoria, 1836. ´ 60 AMOMG – Paracatu, doc. 1-01, Invent´arios, Anna Pereira dos Santos, 1833. 61 MOL, Cl´audia Cristina. Mulheres forras: cotidiano e cultura material em Vila Rica (1750-1800). Belo Horizonte: FAFICH/UFMG; PAIVA, Eduardo Franc¸ a. Escravid˜ao e universo cultural na colˆonia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001; FURTADO, Junia Ferreira. ´ Entre becos e vielas: o arraial do Tejuco e a sociedade setecentista. In: PAIVA, Eduardo Franc¸ a; ANASTASIA, Carla Maria Junho. (Org.). O trabalho mestic¸ o: maneiras de pensar e formas de viver - s´eculos XVI e XIX.. S˜ao Paulo: Anna Blume, 2002, v.1, p.502; FURTADO, Junia Ferreira. ´ Chica da Silva e o contratador dos diamantes. S˜ao Paulo: Cia das Letras, 2003; PAIVA, Eduardo F. Escravos e libertos nas Minas Gerais do s´eculo XVIII: estrat´egias de resistˆencia atrav´es dos testamentos. S˜ao Paulo: Annablume, 1995.HIGINS, Kathleen J. Licentius liberty in a Brazilian gold – mining region: slavery gender, and social control in eighteenth century Sabar´a – Minas Gerais. Pensylvania State University, 1999. PRAXEDES, Vanda Lucia. Segurando as pontas e tecendo as tramas: mulheres chefes de domicílio em Minas Gerais. Belo Horizonte: PPGHIS, FAFICH/UFMG, 2008. (Tese, Doutorado) 62 AMOMG – Paracatu, Cx.1880, Invent´arios, Maria Antonia de Carvalho, 1879. 63 Cf. BACELLAR, Carlos de Almeida em S˜ao Paulo colonial. Espacio, Tiempo y forma, s´erie IV, Ha Moderna, t.3, 1990. p. 367-386. 55

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