Mulheres na Bíblia Hebraica

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FUNARI, P. P. A. . Mulheres na Bíblia Hebraica. In: Eliézer Serra Braga. (Org.). Santas e Sedutoras, as heroinas na Bíblia Hebraica. 1ed.São Paulo: Humanitas e Fapesp, 2010, v. 1, p. 11-13. Mulheres na Bíblia Hebraica

O tema deste belo volume do estudioso Eliézer Serra - as mulheres na Bíblia Hebraica, no Talmude e no Novo Testamento - é dos mais relevantes e fascinantes, à época e circunstâncias em que vivemos, em pleno século XXI. As sociedades patriarcais, tantas vezes, relegaram a mulher a posição secundária e subalterna, ao menos na ordem masculina predominante e na literatura prescritiva e normativa. Mais do que isso, os leitores posteriores, tanto no Medievo como na Modernidade, buscaram na literatura antiga justificativas para as desigualdades e exclusões das mulheres da vida social em suas épocas, a partir de leituras seletivas daquela documentação antiga. Os usos do passado consolidaram imagens que relegavam as mulheres a um segundo plano. O voto feminino só se generalizou no século XX, assim como o acesso à universidade e à vida pública em geral. Nas manifestações religiosas, a ordenação de mulheres expandiu-se em muitas denominações, mas nem sempre sacerdotisas, pregadoras ou mestras são aceitas em algumas congregações. De todo modo, hoje, as mulheres constituem a maioria dentre os universitários, em muitas profissões, líderes e formadoras de opinião. Esse avanço das mulheres no espaço público contribuiu para que os olhares mudassem e passássemos a ler a literatura hebraica, aramaica e grega antigas com outros olhos e vermos nas mulheres muito mais do que nossos antepassados.

Essa proeminência feminina permitiu que novas abordagens florescessem. Surgiram histórias das mulheres, discussões sobre as relações de gênero, a sexualidade, os corpos e os sentimentos femininos. No campo da literatura bíblica e dos estudos das

religiosidades oriundas do judaísmo antigo, a atenção às mulheres levou a uma renovação nas temáticas e nas perspectivas. Como mostra Eliézer Serra, as mulheres tiveram papel determinante nos mais variados episódios e narrativas antigas. As grandes matriarcas mostram toda sua importância, como formuladoras de exemplos de comportamento e inspiração para as gerações posteriores, muitas delas oriundas de outros povos, a indicar a congregação e integração das nações. No movimento iniciado por Jesus, também as mulheres ocuparam um lugar de destaque, como discípulas e seguidoras, primeiro, e como líderes e propagadoras, nas décadas cruciais que sucederam a crucificação de Jesus.

O livro de Eliézer Serra insere-se nas discussões recentes desenvolvidas no programa de pós-graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas da Universidade de São Paulo. O programa congrega no corpo docente um grupo notável de especialistas destacados no cenário acadêmico nacional, a grande referência para os temas relativos ao Judaísmo. O estudo das manifestações judaicas no mundo antigo, em particular, demonstra a valorização tanto do conhecimento das fontes antigas, hebraicas, aramaicas e gregas, quanto das discussões teóricas na literatura universal das últimas décadas. Santas e Sedutoras mostra uma faceta importante dessas preocupações com temas inovadores, em especial com a valorização de aspectos culturais relativos às mulheres e às relações de gênero. Destaque-se, ainda, a atenção prestada à construção de leituras modernas que condicionaram e ainda condicionam o nosso olhar daquelas culturas e literaturas antigas, pois a própria exclusão feminina resulta antes de relações de poder em instituições hierárquicas posteriores, do que das narrativas antigas. São, pois, usos do passado, que constituem o ponto de partida da análise de Eliézer Serra.

Por fim, mas não menos importante, o livro, surgido de uma pesquisa de mestrado, tornou-se uma obra aberta à leitura não só de especialistas, mas de todos os interessados em compreender melhor a mulher nas culturas antigas, em geral, e nas tradições judaica e cristã, em particular. Sem pretender uma análise exaustiva, como não seria possível em um estudo monográfico de mestrado, Eliézer Serra apresenta alguns casos paradigmáticos, que jogam luz para aspectos nem sempre muito conhecidos e ressaltados, mas que nos dizem muito e tocam fundo. A mensagem profunda encontrase já nas primeiras páginas e consiste em mostrar que a sexualidade feminina pode ser libertadora e sagrada. Após a leitura, saímos mais ricos e abertos à vida, um grande mérito do autor. Boa leitura! Campinas, 15 de março de 2010. Pedro Paulo A. Funari Professor Titular de História Antiga IFCH/UNICAMP

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